3. Terceiros
Interessante, ainda, analisar a possibilidade da presença de terceiros na Reclamação constitucional.
José Roberto dos Santos Bedaque[17] afirma que a relação substancial posta em juízo e a pretensão formulada pelo autor também são fundamentais para a determinação da possibilidade de terceiros intervierem no processo, nas diversas hipóteses admitidas pelo estatuto processual.
Delimitando a situação do terceiro, facilita a compreensão do tema a classificação ensinada por Donaldo Armelin[18], lembrada por Teresa Arruda Alvim Wambier, para quem os terceiros podem ser:
a) totalmente indiferentes à sentença proferida no processo alheio;
b) atingidos de fato pela sentença;
c) atingidos juridicamente mas não alcançados pela coisa julgada; d)atingidos pela própria coisa julgada.
No direito brasileiro, apenas as duas últimas hipóteses são abarcadas.
Na hipótese específica da Reclamação constitucional, o interesse do terceiro se caracterizará quando os direitos dele puderem ser afetados pela decisão que vier a ser proferida.
Existindo este interesse jurídico do terceiro, este poderá, portanto, atuar na reclamatória utilizando-se de uma das modalidades de intervenção de terceiros prevista no sistema processual.
Com efeito, o art. 990, do CPC, de modo genérico prevê que qualquer interessado possa impugnar o ato reclamado, sendo considerado este interessado como um terceiro na medida em que o polo passivo na Reclamação, como visto, é sempre uma autoridade administrativa ou judicial, não se enquadrando, portanto na hipótese mencionada no artigo em comento.
Em geral, a modalidade de intervenção de terceiros mais praticada é justamente a assistência litisconsorcial, posto que a parte contrária no processo que deu origem é reclamatória, acaba ingressando na reclamatória.
Nesse passo, o papel deste terceiro vai ser justamente o de assistir a autoridade reclamada, estando este terceiro diretamente ligado à relação jurídica de direito material, sendo certo que tudo o que for decidido na reclamatória o atinge, diretamente. Nada impedindo, entretanto, a existência de assistência simples, quando o terceiro será atingido apenas reflexamente pela decisão.
Além do assistente, outra modalidade que vem ganhando espaço em nosso ordenamento jurídico é a figura do amicus curiae
Pois bem, o amicus curiae tem a posição de auxiliar o juízo, não tem interesse jurídico na causa, tem um interesse ideológico com a matéria a ser julgada na Reclamação, possui um interesse institucional de falar de nome daquele interesse. Caracteriza-se como um terceiro em uma posição peculiar.
Cassio Scarpinela Bueno[19] define amicus curiae como um terceiro interveniente:
O amicus curiae é um terceiro interveniente. Assim, para esta figura também se aplica a clássica distinção entre partes e terceiros de inspiração Chiovendiana: parte é quem pede e em face de quem se pede; terceiros, por exclusão, todos os outros, variando sua qualidade de atuação no plano do processo consoante seja mais ou menos intenso o seu interesse jurídico na intervenção.
A afirmação de que o amicus curiae é um terceiro, contudo, não o torna, ao contrário do que se lê em boa parte da doutrina que se manifestou sobre o assunto, um assistente, nem, tampouco, um assistente sui generis.
É que a razão pela qual o amicus curiae intervém em um dado processo alheio não guarda nenhuma relação com o que motiva e justifica, perante a lei processual civil, o ingresso do assistente, seja na forma simples ou na litisconsorcial.
A atuação do amicus curiae já vinha sendo admitida pelos Tribunais Superiores justamente em razão de seu interesse institucional de manifestação[20], vindo a ganhar maior relevo com sua positivação no CPC, em específico no art. 138, sua atuação encontra, ainda, guarida nos poderes instrutórios do juiz.
De seu turno, o Ministério Público, como dito alhures, em razão de determinação legal (art. 991) poderá estar presente nas Reclamações Constitucionais, como parte ou não, tendo a função institucional de assegurar a observância da ordem jurídica. O que se discute é se ele deve estar presente na primeira conformação, quando já se manifestou que não tem interesse naquela causa.
Nestas situações está-se diante da defesa da ordem constitucional, não é simplesmente uma possibilidade de intervenção do Ministério Público. Trata-se de um interesse público muito mais qualificado, posto que é a defesa da ordem jurídica em sua essência posto que em última análise temos uma questão constitucional.
Assim, no que tange às partes e aos terceiros tem-se, em síntese a possibilidade de utilização das intervenções conhecidas dentro do escopo da Reclamação Constitucional, não se admitindo denunciação à lide, oposição, chamamento ao processo e nomeação à autoria, se admitindo a assistência simples e a litisconsorcial, como visto.
A questão do terceiro ao lado do Reclamado é que encontra maior divergência doutrinaria, sendo que a corrente majoritária entente que o terceiro que ocupa esta posição é assistente litisconsorcial, na medida em que a relação dele com o adversário do assistido não está exatamente em jogo na Reclamação, e ele não pede e nem nada é pedido contra ele na Reclamação, sendo que o adversário do Reclamante na ação que deu causa à Reclamação, não pode ser considerado como litisconsorte passivo.
Ressalte-se que é considerado litisconsorte passivo aquele em face de quem se faz pedido. Em relação ao assistente litisconsorcial, não há pedido, mas a relação de direito material que o envolve é a mesma.
4. Conclusão
Em razão de todas as peculiaridades até aqui debatidas, verifica-se que a Reclamação Constitucional possui natureza subsidiária, devendo ser manejada apenas se outro meio não for possível para se assegurar seu objetivo.
Logo, importante ressaltar que a Reclamação não é mecanismo hábil a substituir o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial.
Certo é que o papel da Reclamação tem atuação bifronte, sendo paralelo de justificação ou de compreensão à luz daquela mesma preocupação da doutrina de cassação das decisões judiciais.
Em consonância com o atual posicionamento do sistema, no qual os precedentes passam a ter grande importância, mostra-se remédio processual adequado e rápido, coadunando-se com o princípio da segurança jurídica, da previsibilidade, da proteção da confiança e da própria credibilidade do Poder Judiciário.
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Notas
[1] Art. 988,§ 1º, A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.
[2] Ações Constitucionais, São Paulo: Editora Método, 2013. p. 311.
[3] Daniel Amorim Assunção Neves, op. Cit. p. 311-312 esclarece acerca da capacidade postulatória que Interessante observar que, no tocante à capacidade postulatória, o Supremo Tribunal Federal, apesar de, em regra, a exigir, expressamente dispensou em Reclamação constitucional por descumprimento de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Neste caso específico, a Corte Suprema entendeu que, tendo o Governador de Estado excepcional capacidade postulatória para a ação declaratória de controle de concentrado de constitucionalidade, também o teria para a Reclamação constitucional pelo descumprimento de decisão proferida em tal ação. (STF, Tribunal Pleno, Rcl. 1.821/PR, rel. Min, Maurício Correa, j. 16/10/2003, DJ 06/02/2004, p. 32) De qualquer forma, o julgamento serve para confirmar que, em regra exige-se a capacidade postulatória.
[4]Op. Cit . 312
[5] Reclamação constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[6] STF, Pleno, ADI 2.212/CE, rel. Min Ellen Gracie, j. 02/10/03, DJ 14/11/03,p. 11. Entendimento confirmado na ADI2.480/PB, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02704/07, DJE 15/06/07.
[7] Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos Tribunais, vl. 3, 11 ° ed., Salvador: JusPodivm, 2013. p. 507.
[8] Reclamação Constitucional, in Ações Constitucionais, org. Fredie Didier Jr., Salvador: JusPodivm, 2013, p. 652-653
[9] Neste sentido, Ac. Unân. Do Pleno do STF, Rcl 532 AgR/RJ, rel. Min. Sydney Sanches, j. 01.08.96, DJ 20.09.96, p. 34-541
[10] Reclamação constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 262
[11] MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação à respeito da Súmula Vinculantes, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 450
[12] O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 255-242
[13] Reclamação 126, rel. Min. Moreira Alves, de 17.06.81 e Agravo Regimental na Reclamação 449-0-STF- Pleno, rel. Min. Celso de Mello, de 12.12.96, pub. DJ 21.02.97, p. 2830.
[14] Op. cit., p. 115
[15] Integra do voto disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ext1085LF.pdf, acesso em 06.06.2014.
[16] Artigos 32 e 33 da lei de Arbitragem (lei n° 9.307/96)
[17] Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 2° ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 90
[18] Em trabalho não publicado mencionado em WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Agravos no CPC brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 341
[19] Amicus Curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. http://scarpinellabueno.com.br/Textos/Athos%20Gusm%E3o%20Carneiro-Homenagem%20Cassio%20Scarpinella%20Bueno.pdf; acesso em 04.06.2014.
[20] Exemplo de participação do amicus curie em processos de controle de constitucionalidade: ADI-MC 2.321, Pleno, v.u., j. 25.10.2010, DJU 10.06.2005; ADI 2548/PR, j. 18.10.2005,Min. Gilmar Mendes;