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Onde está o equilíbrio orçamentário em se promover arrecadações em excesso e direcionadas para o mercado financeiro?

O caso dos conselhos profissionais de contabilidade

11/08/2021 às 15:40
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Estudamos o destino dos recurssos pagos pela classe contábil brasileira e destinados aos conselhos profissionais para o registro, fiscalização, treinamento e orientação aos profissionais e organizações contábeis de todo o pais.

Em agosto de 2021, o sistema CFC/CRCs contava com 518.814 profissionais de Contabilidade, entre Contadores e Técnicos e 77.112 empresas, todos contribuintes de um tributo, chamado "anuidade", com uma valor médio em 2020, da ordem de R$ 470,00.

Do valor total da anuidade, cobrada dos profissionais da Contabilidade e dos Escritórios de Contabilidade, 80% permanece nos Conselhos Regionais de Contabilidade - CRCs do estado onde foi gerada e 20% são imediatamente remetidos para Brasília, para o Conselho Federal de Contabilidade - CFC. 

Ao longo de anos, neste modelo de arrecadação, todos os 27 CRCs do Brasil e o CFC, obtêm expressivos superávits orçamentários e, ano a ano, como os recursos não são direcionados para a classe contábil, surgem, em primeiro lugar, as "sobras orçamentárias", com o pomposo nome de superávits de execução, cujos totais, em segundo lugar,  vão "parar", em vultosas aplicações financeiras de curto prazo, junto a bancos do governo.

O quadro 1, a seguir, ilustra, desde 2014 até 2020, a evolução da arrecadação dos seis maiores CRCs. São seis estados que concentram 82,77% de todos os profissionais da Contabilidade, registrados no Brasil (dados de 2020). Os valores arrecadados, pelos seis maiores (6) CRCs, representam cerca de 67% do total arrecadado com as anuidades de profissionais e das empresas contábeis.

A questão, analisada de outro ângulo, aponta que, vinte e um (21) CRCs, arrecadam somente  os restantes 33% do orçamento do sistema CFC/CRCs. Mais: os 21 CRCs registram apenas 17,23% de todos os profissionais e empresas registrados em 2020 no Conselho Federal de Contabilidade.

Com mais uma curiosidade, não menos significativa, o estado de São Paulo, sozinho, registra quase 30% dos profissionais da Contabilidade de todo o Brasil e entre 2019 e 2020, no total, São Paulo remeteu, com seus 20% obrigatórios, para o CFC a quantia aproximada de R$ 31,2 milhões. Não é pouca coisa. Vejamos o quadro 1:

Quadro 1

O quadro 2, a seguir, é bastante esclarecedor, no que concerne à conclusão sobre excesso de valor embutido na anuidade cobrada da classe contábil. A análise é muito óbvia, os superávits recorrentes, aplicados no mercado financeiro e não com a classe contábil, sugerem, como veremos ao longo deste trabalho, anuidades que elevam as receitas em proporções que permitem sobras. O valor médio aplicado mensalmente pelo CFC e os seis maiores CRCs em arrecadação, por exemplo, em 2019 e 2020, enfatizo, mensalmente, foram de R$ 295,7 milhões e R$ 349,1 milhões respectivamente. Vejamos o quadro 2:

Quadro 2

O principal motivo para haver vultosas aplicações no mercado financeiro, decorre da condição de que os conselhos regionais e o conselho federal de Contabilidade, ao longo de anos, apresentam vultosos superávits de execução nos seus respectivos orçamentos, contudo, tais excessos não são destinados ou consumidos com a classe contábil, visando principalmente o cumprimento das atribuições legais estabelecidas no artigo 10 da lei 9295 de 1947, em especial a alínea "c" daquele artigo, que trata da principal atribuição dos conselhos de contabilidade ou seja, fiscalizar o exercício da profissão contábil, impedir e punir as infrações e enviar para as autoridades competentes documentação sobre os fatos apurados e cuja solução não seja da alçada dos conselhos. 

É consenso, em administração pública que os superávits correntes, propiciam muitas oportunidades de consumo de recursos, por exemplo, em gastos de capital (investimentos e inversões financeiras), todavia, se tais gastos de capital, ao longo dos anos, tivessem realmente ocorrido, a taxa de crescimento das aplicações financeiras, incluídas na rubrica Caixa e Equivalentes dos demonstrativos contábeis, por exemplo do CFC, quadro 3 a seguir, seria infinitamente menor que as taxas de crescimento dos superávits totais de execução, no período de 2010 a 2020.

Quando comparamos, no CFC, a evolução dos valores dos superávits de execução e os valores abrigados na rubrica "Caixa e Equivalentes" (em suprema maioria, aplicações financeiras), nota-se que tal rubrica Caixa e Equivalentes se eleva anualmente, em média geométrica, a incríveis 19,7%aa, desde 2010 até 2020 (quadro 3). No mesmo período, a formação de superávits de execução se eleva, também anualmente em 14,2%. Notem que, no mesmo período, enquanto a receita se eleva, em média geométrica, a 4,9%aa, a despesa, "cresce" a ínfimos 2,8% a. a. Assim, é de uma clareza solar a constatação de que as anuidades são cobradas em excesso e pior: as sobras vão para o mercado financeiro. Vejamos o quadro 3:

Quadro 3

Como vimos, a elevação anual do superávit de execução, "engorda" as aplicações financeiras de cada ano e assim ano a ano vai sendo realimentada pelos valores do "novo" superávit. Dessa forma, de superávit em superávit, aplicado no mercado financeiro, chegou-se ao ano de 2020, o ano da pandemia, com R$ 116,0 milhões de Caixa e Equivalentes em 31.12, tendo aplicado somente o CFC no mercado financeiro, em média, em cada mês do ano de 2020, o valor de R$ 95,5 milhões (quadros 2 e 3).Vê-se, de forma cabal, portanto, que o “destino” dos superávits orçamentários realmente não é a classe contábil.

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Sabemos que, tecnicamente, os superávits de execução corrente, podem ser oriundos, ou de excesso de arrecadação, ou de economia orçamentária. A economia orçamentária possui alguns limites operacionais e temporais, devido à estabilidade e perenidade de algumas despesas, há, portanto, um limite para as operações não sofrerem solução de continuidade. A principal dessas despesas, é a despesa com pessoal (salários, encargos e benefícios), mas também os demais custeios. Na linha do tempo, atingido tais limites, a economia orçamentária tenderá a não obter mais valores significativos.

Ora, se não é a economia orçamentária, o motivo dos superávits, não resta dúvida, é o excesso de arrecadação. Os valores dos superávits correntes de execução são realmente bastante significativos, sendo estes superávits, como já afirmamos, os motivos para as aplicações de recursos no mercado financeiro.  

As aplicações financeiras em valores tão significativos, não nos permitem concluir que esteja havendo despesas de capital em valores expressivos no sistema CFC/CRCs. Há, isto sim, em valores significativos, alguns empréstimos efetuados pelo CFC para os CRCs para, por exemplo, construção de sedes, entretanto, não devem ser considerados inversões financeiras, são, na verdade, um jogo de soma zero, ou quase isso, pois os empréstimos são despesas de capital no CFC e receitas de capital nos CRCs. Quando os juros e o principal são pagos pelos CRCs, há despesas de capital nos CRCs e receitas de capital no CFC. Claramente, um jogo de praticamente soma zero, pois os juros são receitas correntes.

É preciso enfatizar e esclarecer que as despesas do CFC, abrigadas em “transferências de capital”, estas sim, produziriam um resultado positivo, em termos efetivos, nos CRCs. Não é o caso. Bem longe disso.

O argumento de que a anuidade está elevada é direto e objetivo. A lógica é linear: Há sobras não aplicadas, mesmo operando, como já enfatizamos, os CRCs com 80% do que arrecadam e, ainda assim, há aplicações de grande valor no mercado financeiro.

Onde está o equilíbrio orçamentário em se promover arrecadações em excesso e direcionadas para o mercado financeiro?

A solução do problema, do excesso de arrecadação e anuidades elevadas, passa pela redução do valor da anuidade, contudo, será necessário um período, talvez de duas administrações, para haver um reagrupamento, um realinhamento de receitas e despesas, ano a ano por parte de todo o sistema CFC/CRCs. 

A arrecadação elevada, além de proporcionar "sobras" em aplicações financeiras, proporciona também excessos nas despesas com pessoal, vejam o exemplo, no Conselho Regional do Estado do Rio de Janeiro – CRCRJ, as despesas com pessoal representaram, em 2020, exatamente 73,0% da arrecadação, pelo critério mais conservador, logo relativamente, de cada R$ 1,00, arrecadado no CRCRJ, sobram somente R$ 0,27 para aplicar com a classe contábil. Ainda assim, o CRCRJ manteve aplicado mensalmente em média, no ano de 2020, o ano da pandemia, o valor de R$ 11,9 milhões. 

É bom que todos os CRCs façam essa mesma conta, porque em algum momento, esta situação pode se tornar insustentável e repercutir em toda a classe contábil.

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Sobre o autor
Raimundo Aben Athar

DOUTORANDO EM CONTABILIDADE E CONTROLADORIA - FUCAPE MESTRE EM ECONOMIA - UCAM MBA FINANÇAS - UFRJ ESPECIALISTA EM FINANÇAS - FGV PERITO CONTADOR MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITO CONTÁBIL OAB-CRCRJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ATHAR, Raimundo Aben. Onde está o equilíbrio orçamentário em se promover arrecadações em excesso e direcionadas para o mercado financeiro?: O caso dos conselhos profissionais de contabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6615, 11 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92360. Acesso em: 25 abr. 2024.

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