1. O Transporte Escolar como Dever do Estado e Garantia de Acesso e Permanência do Educando no Ambiente Escolar
A Constituição Federal1 de 1988 dispôs sobre a educação elevando-a a categoria de princípio e de pilar para o desenvolvimento da sociedade brasileira, indicando, como objetivo precípuo, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Destaca-se, entre os princípios apontados para o desenvolvimento do ensino, a promoção de ações que assegurem a igualdade de condições para o acesso e a permanência à escola.
Sabe-se que o contexto social brasileiro é permeado pela desigualdade e pela falta de oportunidades ao exercício de muitos dos direitos fundamentais do cidadão. Esta realidade, por vezes, é tão forte que a simples disponibilização do ensino público e gratuito não é suficiente para assegurar o acesso e a permanência da criança e do jovem na escola.
O educando, em especial o mais carente, possui inúmeras dificuldades para manter-se na escola, tais como: alimentação, transporte, vestuário e material didático para uso diário. Por essas razões, o oferecimento do ensino público gratuito, muitas vezes, não é suficiente para permitir o acesso desse aluno na escola ou mesmo para assegurar a sua permanência no ensino.
Foi pensando nessa realidade que o legislador constituinte atrelou ao dever de oferecer a educação, outras obrigações que se podem chamar de "acessórias", mas que, na verdade, complementam o direito ao ensino público e por meio das quais se possibilita o acesso e a permanência do educando no ambiente escolar.
No artigo 208 da Constituição encontram-se as obrigações do Estado2, no que tange ao oferecimento do ensino público. Trata-se de garantias asseguradas aos educandos, cuja finalidade é o efetivo exercício do direito à educação, estando, entre estas, o transporte escolar:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV – educação infantil, em creche e pré-escola às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo
§ 2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (grifado)
Reafirmando o disposto na Carta Magna, a Constituição Estadual3 consagra o princípio da universalidade do acesso e permanência na escola (art. 197, I), garantindo, da mesma forma, o transporte escolar como um direito do educando e uma obrigação do Estado:
Art. 198. O Estado completará o ensino público com programas permanentes e gratuitos de material didático, transporte, alimentação, assistência à saúde e de atividades culturais e esportivas.
§ 1º.Os programas de que trata este artigo serão mantidos na escola, com recursos financeiros específicos que não os destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, e serão desenvolvidos com recursos humanos dos respectivos órgãos da administração pública estadual.
2. A Área de Competência dos Entes Federativos na Oferta do Ensino Público
A Constituição Federal define, ainda, o nível de ensino em que cada ente da Federação deve atuar prioritariamente:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º. Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório;
§ 5º A educação básica atenderá prioritariamente ao ensino regular.
Desde logo, é oportuno destacar a atribuição prioritária dos Municípios, a qual compreende o ensino fundamental e a educação infantil.
Forte no disposto pelo § 4º do artigo acima transcrito, várias foram as ações promovidas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para obrigar os Municípios gaúchos a assumirem a responsabilidade com o transporte escolar dos alunos da rede estadual. As sentenças, como regra, foram no sentido de que o Município, pela proximidade com o educando, deveria prover o transporte escolar dos mesmos e, querendo, poderia buscar indenização junto ao Estado. Outra alternativa era de subordinar-se a "convênios de adesão" para realização do transporte, cuja execução, sem dúvida, era prejudicial aos cofres municipais.4
Na Constituição Estadual, a atuação do Estado está delimitada da seguinte maneira:
Art. 199. É dever do Estado:
[...]
III - manter, obrigatoriamente, em cada Município, respeitadas suas necessidades e peculiaridades, número mínimo de:
a) creches;
b) escolas de ensino fundamental completo, com atendimento ao pré-escolar;
c) escolas de ensino médio.
[...]
Art. 206. O sistema estadual de ensino compreende as instituições de educação pré-escolar e de ensino fundamental e médio, da rede pública e privada, e os órgãos do Poder Executivo responsáveis pela formulação das políticas educacionais e sua administração.
[...]
§ 3º. O Estado, em cooperação com os municípios, desenvolverá programas de transporte escolar que assegurem os recursos financeiros indispensáveis para garantir o acesso de todos os alunos à escola.
O artigo 216 contempla, no § 3º, a cooperação entre Estado e Municípios para o desenvolvimento de programas de transporte escolar, a fim de "garantir o acesso de todos os alunos à escola"5.
Ainda sobre a área de atuação de cada um dos entes federativos, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a partir do art. 8º, estabelece, com maior especificidade, as atribuições e competências no que tange ao desenvolvimento e manutenção dos respectivos sistemas de ensino.
Quanto à área de competência do Município, cabe a transcrição do que dispõe o art. 11 da citada Lei:
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais de ensino, integrando-as às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
II – exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV – autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI – assumir o transporte escolar dos alunos na rede municipal. (incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003) (grifado)
Assim, fica absolutamente claro que ao Município compete oferecer o ensino fundamental e a educação infantil, cabendo-lhe, ainda, assegurar o transporte escolar aos alunos matriculados na sua rede de ensino. (art. 208, VII, da CF).
Ainda em relação à área de atuação, cabe esclarecer que o Município não está impedido de atuar nas demais etapas da educação escolar (ensino médio e educação superior). No entanto, só poderá fazer qualquer investimento ou atividade nestes níveis, se comprovar o pleno atendimento de suas áreas de competência, com a aplicação de recursos acima do percentual mínimo determinado pela Constituição Federal6.
3. Os Níveis da Educação Básica e a Garantia de Transporte Escolar
O texto do inciso VII do art. 208 da Constituição Federal, indica expressamente que a manutenção de programas suplementares destina-se ao ensino fundamental, o que poderia conduzir à interpretação literal de que os alunos da educação infantil e do ensino médio não fariam jus a tal garantia.
No entanto, o entendimento do Poder Judiciário, nas diversas ações intentadas contra o Poder Público, tem sido no sentido de que o transporte escolar é uma garantia do educando matriculado em escola pública de educação básica7, independentemente do nível ou etapa escolar em que se encontra.
Portanto, ao oferecer a educação infantil e o ensino médio, o Poder Público também se obriga a desenvolver o programa de transporte para os alunos destas etapas escolares.
4. A Responsabilidade pelo Transporte Escolar
Vale referir que o recente inciso VI, introduzido no art. 11 da LDB, pela Lei Federal nº 10.709/2003, deixa clara a responsabilidade do Município no transporte escolar, qual seja, de transportar os alunos matriculados em sua rede ensino, isto é, nas escolas Municipais.
Assim, constata-se que o Município possui responsabilidade em relação aos alunos matriculados em SUA rede de ensino, o que exclui os alunos de escolas particulares e de escolas estaduais, por exemplo.
Cabe esclarecer, inclusive, que a polêmica existente em torno da responsabilidade pelo transporte escolar, envolvendo alunos matriculados em escolas estaduais, determinou a modificação na LDB, introduzida pela Lei nº 10.709/2003, tornando expressa a responsabilidade do Estado em relação aos alunos matriculados em sua rede de ensino, nos termos do que dispõe o art. 10, inc VII, da Lei nº 9.394/96.
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
[...]
VI – assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003)
Portanto, está delimitada a responsabilidade de cada um dos entes, embora algumas decisões do Poder Judiciário ainda sejam no sentido da responsabilização solidária entre Estado e Municípios. Ou seja: mesmo com a definição trazida pela Lei nº 10.709/03, algumas decisões entendem pela responsabilidade do Município em relação ao transporte dos alunos da rede estadual. A responsabilidade da Administração Municipal, nesse sentido, seria de cooperar e manter parceria com o Estado para a realização do transporte.
Ressalta-se, no entanto, que esta não é a posição sustentada por e este artigo, cujo entendimento é de que a Lei Federal traz a delimitação precisa da responsabilidade de cada um dos entes, não cabendo ao Município qualquer obrigação em relação aos alunos da rede estadual de ensino, salvo na hipótese de formalmente comprometer-se a assumir tal obrigação.
Após a edição da Lei nº 10.709/03 e da definição por ela trazida, já se encontram decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no sentido de reconhecer que o Município não é responsável pelo transporte dos alunos da rede estadual.
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE ESCOLAR MUNICIPAL. Inexiste omissão do Poder Executivo Municipal no oferecimento de transporte escolar gratuito a alunos da rede Estadual de ensino, uma vez ausente convênio com o Estado, nos termos do disposto no art. 62, inciso I, da Lei de Responsabilidade Fiscal, LC 101/00. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70010141653, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 24/11/2004)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. ALUNOS DA REDE PÚBLICA. A alteração da LDB, pela Lei 10709/2003, não deixa mais dúvida quanto à responsabilidade de estados e municípios em prover o transporte escolar dos alunos matriculados nas suas respectivas redes de ensino, cristalizando direito subjetivo dos alunos, efetivável mediante tutela específica. NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E, EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70009489964, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 10/11/2004)
Vale a pena transcrever trecho do acórdão da Apelação nº 70009489964, na qual o Desembargador Relator traz importante interpretação dos dispositivos legais já indicados, fundamentando coerentemente a decisão proferida:
O mérito da questão por sua vez, foi definitivamente aplainado pela disposição, agora expressamente contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), com dispositivos acrescidos pela Lei 10.709/03, segundo os quais:
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
(...)
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003)
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
(...)
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003)
Conforme bem assinalado pela sentença, a disposição legal não restringe o atendimento aos alunos do ensino fundamental, contemplando também os do ensino médio.
Delimita, contudo, a obrigação do município para com os alunos da rede municipal, a não ser que, mediante convênio celebrados sob os auspícios do art. 3º da lei 10709/03, houvesse articulação do Estado e do Município com vistas ao implemento conjunto do serviço de transporte escolar, contemplando, assim, toda a rede.
Em que pese a regra contida no art. 5º, §1º da CF, no sentido de que as normas que atribuem direitos e garantias fundamentais têm eficácia plena e imediata, há quem ainda sustente que a norma que estabelece o direito social à educação – aí inseridos programas complementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (CF, art. 208, VII) – seria de natureza programática, portanto, de eficácia limitada, condicionada à posterior regulamentação legal.
(grifado)Pois bem. Ainda que assim fosse, a Lei 10709/03 trouxe a regulamentação, a explicitação que faltava, colocando definitivamente uma pá de cal sobre a discussão, ao consagrar a obrigação de estados e municípios em proverem o transporte dos alunos matriculados em seus respectivos estabelecimentos.
5. A Possibilidade de Convênio com o Estado – O Transporte dos Alunos Estaduais
Apesar de delimitar e definir separadamente a responsabilidade de Estados e Municípios, em relação ao transporte escolar de seus alunos, a Lei nº 10.709/03, assegura a possibilidade dos entes celebrarem pactos ou ajustes com vistas a promover, em sistema de colaboração, o programa do transporte escolar.
Lei nº 10.709/03
Art. 3º Cabe aos Estados articular-se com os respectivos Municípios, para prover o disposto nesta Lei da forma que melhor atenda aos interesses dos alunos.
Embora o Município não possua a incumbência do transporte escolar dos alunos da rede estadual, pode celebrar termo de convênio com o Estado, ajustando a realização do transporte desses alunos e o repasse de recursos correspondentes, se assim entender de conveniência e interesse da Municipalidade.
A celebração de convênio é uma opção dos Estados e Municípios, prevista pelo art. 3º da Lei 10709/03, que assim estabelece:
[..]
Naturalmente que essa "articulação" não é obrigatória, desde que os entes cuidem de manter em perfeito funcionamento o transporte escolar que melhor atenda aos interesses dos educandos das suas respectivas redes de ensino.8
Registre-se, portanto, que o Município não possui a obrigação de firmar o convênio, mas que, uma vez o fazendo, assume a responsabilidade pelo transporte, nos termos definidos pelo instrumento.
Feita a leitura das disposições constitucionais e da LDB, referentemente à obrigação de fornecer transporte escolar e, em especial a possibilidade da realização de convênio entre Estado e Municípios, cumpre mencionar o prescrito no art. 62 da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF:
Art. 62. Os Municípios só contribuirão para custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver:
I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual;
II - convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.
A possibilidade de o Município assumir o transporte escolar da rede estadual está adstrita ao cumprimento dos requisitos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse dispositivo reafirma o sistema de competências e atribuições próprias de cada ente federativo. Ou seja, somente se justifica o custeio, pelos Municípios, de despesas de responsabilidade do Estado ou da União se houver autorização legislativa para tanto, previsão nas Leis Orçamentárias e a existência de convênio, ajuste ou congênere. Sem isso, é irregular a realização de qualquer despesa nesse sentido.
Ainda sobre a possibilidade de convênio para o transporte da rede estadual, vale alertar que, quando o termo de ajuste referir-se ao transporte de alunos do ensino médio, o Município só poderá firmá-lo se estiver atendendo plenamente sua área de atuação9 e com a utilização de recursos em índices superiores aos determinados constitucionalmente.
6. O Caráter Suplementar do Transporte Escolar, a Responsabilidade da Família, a Definição do Trajeto da Linha Escolar e a Distância a ser Percorrida pelos Alunos
Como a própria Constituição10 refere, os programas indicados pelo inciso VII do art. 208, possuem caráter suplementar, uma vez que a FAMÍLIA possui obrigação precípua em relação ao educando. Portanto, pode-se afirmar, em linhas gerais, que não é só do Estado, mas também da família, dos pais ou responsáveis legais, a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações que assegurem o direito à educação. Nesse sentido, o transporte e a facilitação do acesso à escola não incumbe exclusivamente ao Estado, a quem compete oferecer a linha de transporte escolar, mas também à família, que não está isenta de colaborar no transporte de sua criança ou adolescente.
Trata-se de preceito primordial, que jamais pode ser esquecido quando se estiver tratando de transporte escolar prestado pelo Município - a educação é dever do Estado, do Município, e, também, da família11. É a chamada co-responsabilidade.
É importante registrar que não existe disposição legal constitucional ou de Lei Federal que delimite o trajeto da linha de transporte ou a distância a ser percorrida pelo aluno até o ponto de passagem do veículo escolar. O trajeto do transporte, seus pontos de passagem e parada são definidos pelo Poder Público, o qual deve utilizar-se para tal fixação dos critérios de bom senso, razoabilidade e viabilidade.
O trajeto a ser percorrido pelos alunos até o ponto de embarque no transporte escolar, tem gerado controvérsias no Estado. O Ministério Público do Rio Grande do Sul, sobre o tema, tem firmado termos de compromisso com os Prefeitos, levando em conta algumas distâncias consideradas significativas pelos familiares dos alunos, o poder discricionário do Chefe do Executivo para fixar as distâncias e trajetos da linha de percurso do transporte escolar, bem como a possibilidade do Poder Público na prestação do serviço.
Vale transcrever a posição adotada pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, em algumas decisões sobre o tema, nas quais a responsabilidade da família em relação à educação não tem sido esquecida:
Não há dúvida de que a Constituição da República atribui ao Estado o encargo de assegurar a educação a todos. Isto significa que deve ser dado o acesso a ela, inclusive através do transporte. Tais enunciados estão devidamente indicados e transcritos nas razões das partes. Todavia, como se vê, daí não se pode interpretar que a obrigação do Estado é apanhar todas as crianças nas suas casas e conduzi-las até cada uma das escolas. É preciso que ofereça educação e meios para que se tenha a ela acesso, tão somente. Vale dizer, escola e transporte. Mas, havendo escola e acesso a ela pela proximidade razoável em que se encontra localizada em relação à residência do aluno, é claro que não se pode exigir transporte. Seria, como já se disse muitas vezes, atribuir ao Estado obrigações inexeqüíveis, diante da realidade, e ao Poder Judiciário a capacidade de resolver todos os problemas com provimentos judiciais.
Claro que se compreende a aflição dos pais e, no caso, da mãe que já sofre com a própria deficiência apresentada pela filha e luta para que nada lhe falte e possa compensar o "déficit" que apresenta. Entretanto, como ficou demonstrado, há escola especial distante da casa da autora 800 metros. Ora, considerando que a autora não tem nenhuma limitação quanto à capacidade locomotora, embora tenha apenas 12 anos de idade, a distância não é demasiada, a ponto de ser necessário transporte. Estas considerações foram feitas na sentença recorrida que, a meu ver, está correta. (Apelação Cível n.º 598549764 – TJRS ,Rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci). (Grifado).
Ainda:
Notadamente, o itinerário do ônibus escolar fica inteiramente submisso ao interesse público
No caso, questiona a inicial a modificação do trajeto, o que implicou na necessidade de os filhos do autor terem de se deslocar por mais de 4 km. Ora, então, cabe aos pais, também responsáveis pela educação, na forma do art. 208, CF/88, levar os filhos até local próximo ao novo trajeto. Mas, de forma alguma podem eles pretender que a coletividade tenha de se submeter à sua conveniência ou comodidade. (Apelação Cível n.º 597179076 – TJRS, Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa).
Outras decisões do Tribunal de Justiça do Estado reafirmam a responsabilidade da família no transporte do aluno, conforme se percebe da transcrição abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. MUNICÍPIO DE CRISTAL. ALUNOS RESIDENTES EM ZONA RURAL. O art. 1°, § 3º, da Lei nº 8.437/92 veda a concessão de medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. Ressentindo-se o feito, neste momento processual, de elementos suficientes a amparar o pedido liminar e levando-se em consideração que o transporte escolar é fornecido pelo município às crianças que dele necessitam, em cumprimento aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que regulam a matéria, há necessidade, por ora, de cooperação da família, a fim de incentivar e implementar o acesso ao ensino, o que pode se dar pela condução das crianças, pelos pais ou responsáveis, até a parada de ônibus mais próxima. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70012962114, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 18/11/2005)
Em suas razões de voto, o Des. Relator justificou:
Embora a educação seja direito constitucionalmente assegurado, não se pode desconsiderar que, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), ela é "dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 2º).
Vale dizer que há necessidade de cooperação mútua entre a família e o ente público, a fim de incentivar e implementar o acesso ao ensino. (grifado)
Também sobre a fixação do trajeto ou itinerário do veículo, encontra-se decisão favorável ao Município, no sentido da discricionariedade da Administração Pública em tal definição:
Mandado de segurança. Transporte Escolar. Campinas do Sul. "Mandamus" visando a restabelecer itinerário anterior. Inviabilidade. Matéria de fato. Ausência de direito líquido e certo a itinerários. Discrição do administrador. Questão a ser discutida em ação própria e não em mandado de segurança. Apelo provido. Reexame prejudicado
O que se pretende com a garantia ao transporte escolar é permitir o acesso dos alunos ao ensino. No entanto, essa garantia não impõe ao Município a obrigação de deslocar o veículo escolar até a porta da residência de cada aluno; há que se considerar, em nome do princípio da razoabilidade, a co-responsabilidade dos pais na educação dos filhos, providenciando o mínimo que seja de seu deslocamento.
Em resumo, pode-se dizer que ao Município não incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo transporte do educando, havendo a necessidade de cooperação por parte da família. Sendo que a definição do trajeto é ato discricionário da Administração, a qual deverá encontrar fundamento, é claro, em critérios de possibilidade, necessidade e razoabilidade.