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Reflexões sobre a Justiça civil inglesa

01/09/2000 às 00:00
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O PROCESSO CIVIL INGLÊS

          O Direito Comparado é talvez a matéria mais importante de todas para o legislador que queira realmente fazer avançar o sistema jurídico de um país.

          Sem se ver como funciona o sistema jurídico de outros países e comparar as várias realidades existentes simplesmente se aventura numa tentativa que tanto pode dar certo como dar errado.

          Quanto ao Direito Processual Civil creio que o da Inglaterra seja um modelo excelente, conforme mostrarei a seguir, baseado no "Direito Inglês", de René David. A tramitação processual começa com o preenchimento da petição inicial, que é um simples formulário impresso e, após pagas as custas, dá-se entrada no foro. O réu é citado pessoalmente para ou satisfazer a pretensão do autor ou dar as razões da sua recusa. Se o réu não se manifestar no prazo, perfaz-se um título executivo judicial contra ele, sem necessidade de sentença, sendo que a grande maioria dos processo lá termina dessa forma, com exceção dos casos de anulação de casamento e divórcio.

          Tudo isso acontece sem a intervenção de um juiz: até aí só existe a figura do advogado do autor e do escrivão, este último que certifica o acontecido, daí surgindo o título executivo. O réu somente comparece para dar as razões da sua recusa se tiver fortes argumentos a seu favor, pois as despesas processuais são muito caras e a maioria prefere não correr o risco da condenação dos ônus da sucumbência. Se o réu comparece para dar as razões da sua recusa o processo passa ao comando de um juiz encarregado do andamento do processo, preparação da audiência e determinação das custas. A audiência é toda oral e não se faz anotação alguma do que acontece nela. A fixação dos pontos controvertidos é levada extremamente a sério e a audiência se restringe a esses pontos. O juiz delibera se o processo será julgado por um único juiz ou pelo júri (este último que só acontece em ações de indenização por difamação, seqüestro arbitrário ou quando o réu é acusado de fraude). O juiz que assume a direção do processo a partir daí nada sabe sobre o processo antes de iniciados os debates na audiência. Os advogados que irão atuar na audiência são outros, diferentes daqueles que acompanharam os respectivos clientes (autor e réu) até antes da audiência, sendo mais qualificados profissionalmente que os primeiros. Na audiência o advogado do autor diz com poucas palavras os fatos que tentará provar e então são ouvidos o autor e suas testemunhas, primeiro o advogado do autor fazendo as perguntas e depois o advogado do réu. Quanto ao réu, seu advogado, suas provas e testemunhas se faz da mesma forma acima, com as devidas modificações. Após, os respectivos advogados fazem suas alegações finais orais de forma resumida e sem prolixidade. Tanto no caso de audiência de processo com um juiz ou com júri, o juiz apenas dirige a audiência, mas falando pouco, e, no caso de júri, ele resume para os jurados o que os advogados disseram nas alegações finais orais e formula as perguntas que os jurados irão responder. Após, tanto em um caso quanto no outro (de audiência só com um um juiz ou com júri), o juiz dá sua sentença, onde consta obrigatoriamente a parte dispositiva, mas ele pode dizer a fundamentação (esta última que não faz parte tecnicamente da sentença), não havendo relatório.

          No Brasil, a ação monitória é mais ou menos parecida com esse rito acima apontado, mas ainda é muito limitada. Talvez algum dia o nosso legislador resolva transformar isso de exceção em regra. Aí, então, teremos um Processo Civil rápido.

          A Justiça Inglesa não é acusada de lenta.


SITUAÇÃO ATUAL DA JUSTIÇA CIVIL DA INGLATERRA

          1) Quanto à magistratura relativamente poucos são os juízes profissionais, ou seja, que trabalham em tempo integral (1.003), existindo outros, que não são remunerados (e que não trabalham em tempo integral). Os juízes são recrutados sem concurso entre advogados, "barristers" e "solicitors". Os magistrados de menor graduação pelo tipo de cargo que exercem se aposentam aos 70 anos de idade, os "circuit judges" aos 72 e os mais graduados aos 75, todos eles com aposentadoria compulsória, menos os membros da Câmara dos Lordes, cuja aposentadoria aos 75 anos é facultativa. Os "judges circuit" acumulam competência cível e criminal.

          2) Existe um equivalente do Ministério Público: "Crown Prosecution Service" integrado por "solicitors" e "barristers".

          3) Quanto à classe dos advogados há uma divisão entre advogados de grande prestígio e os de menos prestígio. Os segundos são: 7.700 "barristers" e 61.000 "solicitors".

          4) Quanto às regras processuais civis seu número é muito grande e muito complexas, o que gera, muitas vezes, complicações inclusive na repartição das competências. O processo é tipicamente acusatório, sendo o juiz mero espectador, que apenas dá a sentença final, assim mesmo quando as partes não querem produzir mais nenhuma prova. A produção de provas fica ao alvedrio exclusivo das partes, os afortunados estendem o processo indefinidamente quando lhes interessa e os menos aquinhoados financeiramente terminam por propor acordo a qualquer custo, com prejuízo para seus interesses. Em 90% das causas cíveis há acordo e quando se trata de indenização por danos corporais a cifra passa de 99%.

          5) Quanto ao custo do processo é muito alto. Assim, é comum o vencido pagar mais pelas despesas processuais do que pelo valor da condenação propriamente dita, enquanto que o vencedor gasta com as despesas do processo mais do que ganhará pela vitória na demanda. Fica caro litigar. As despesas são imprevisíveis antes do começo do processo, inclusive ficando os honorários flutuantes de acordo com a demora do processo e quanto às custas igualmente. Nos processos complexos as audiências costumam demorar vários dias ou várias semanas, de acordo com o que as partes querem provar. A tramitação de processos em que não há acordo é muito demorada, chegando a alguns anos. A não existência praticamente de limites às partes na produção das provas prejudica inclusive os juízes, pois eles, à medida que as provas vão se desenvolvendo, têm de fazer anotações, para, quando as partes terminarem os debates orais, sentenciarem de imediato.

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          6) Quanto às instâncias superiores, a Câmara dos Lordes julga menos de 100 processos por ano e as apelações cíveis são em número inferior a 2.000, isso porque a maioria dos processos cíveis acaba em acordos.


A REFORMA DA JUSTIÇA CIVIL DA INGLATERRA

          PRINCÍPIOS DA NOVA JUSTIÇA PROPOSTOS POR LORDE WOOLF:

          1) Os resultados obtidos na demada devem ser verdadeiramente justos e não apenas terminativos do processo.

          2) O tratamento dados aos jurisdicionados ricos e pobres deve ser igual.

          3) Os ritos processuais devem ser adequados e de custo razoável.

          4) Devem ser estabelecidos prazos processuais, não ficando a tramitação dos processos ao critério exclusivo das partes.

          5) O sistema processual deve claro para ser facilmente compreendido por todos, deve responder às necessidades dos jurisdicionados, deve possibilitar a segurança jurídica que a natureza particular de cada caso permitir e deve ser previsto e organizado de maneira adequada.

          OBJETIVOS DA NOVA JUSTIÇA PROPOSTOS POR LORDE WOOLF:

          1) Evitar o ajuizamento de ações, inclusive através de meios alternativos de solução de conflitos como a mediação antecipatória, inclusive com o desenvolvimento da assistência judiciária.

          2) Incentivar as partes a colaborarem com o bom andamento do processo.

          3) Igualar e simplificar o rito dos processos perante a High Court e as County Courts.

          4) Estabelecer prazos para os processos e reduzir seu custo.

          5) Favorecer a igualdade das partes perante o processo, independente da sua situação financeira.

          6) Racionalizar a organização judiciária, prestigiando os processos complexos e mantendo as pequenas jurisdições.

          7) Incrementar a informatização da estrutura judiciária.

          8) Eliminar as apelações procrastinatórias.

          9) Reorganizar os procedimentos de acordo com o valor e a complexidade da causa em três jurisdições de primeira instância.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. Reflexões sobre a Justiça civil inglesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/928. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Texto baseado em dois artigos do autor

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