REFLEXÕES FINAIS
Toda democracia necessita de meios legais e jurídicos que propiciem a sua autodefesa. Ainda que saibamos que a defesa da democracia deve ser realizada pela sociedade organizada e pelas instituições, mediante os movimentos que revelem a consciência democrática da nação e do povo, esses movimentos necessitam de ferramentas jurídicas que sirvam para conferir eficiência ao seu propósito democrático (Trechos do PL nº 1.385/2021)
No início deste texto, em razão dos trinta e oito anos de existência na Lei nº 7.170, de 1983, que durante esse tempo todo sempre tratou dos crimes contra a segurança nacional, da ordem política e social, logo se afirmou que houve um tiro de 38 contra a lei ora revogada, na verdade ela foi cruelmente fuzilada, uma espécie de pena de morte, artigo 56 do Código Penal Militar. Os tipos penais da LSN eram disciplinados nos artigos 8º usque 29, e justamente nesse último dispositivo tratava do crime de matar qualquer das autoridades do artigo 26, no caso, o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal. Assim, matar qualquer dessas autoridades não se enquadrava no crime de homicídio, mas sim, crimes contra a Segurança Nacional, claro que provada a motivação política.
Sabe-se que em razão de algumas manifestações em Brasília, de alguns participantes pedindo a volta da intervenção militar, processos foram instaurados por crime de incitar à subversão da ordem política ou social, de acordo com o artigo 23, I, da Lei nº 7.170/84, se aproximando ao delito de opinião, a meu sentir, deve operar a extinção da punibilidade, artigo 107, III, do Código Penal, pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso, muito embora tenha a novíssima lei dado tratamento pouco semelhante à conduta de incitamento do crime do artigo 23 da LSN. A nova lei revogou expressamente a contravenção penal de associação secreta do artigo 39 do Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, sem nexo e sem aplicabilidade e somente agora foi visto por alguém que certamente se despertou por sua inaplicabilidade diante de um novo mundo.
A novíssima lei criou dez novos tipos penais, com veto de dois delitos, a saber, tipicidade no Atentado à soberania, Atentado à integridade nacional, Espionagem, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado, Interrupção do processo eleitoral, Violência política e Sabotagem, com dois vetos, no caso o crime de comunicação enganosa em massa e o delito de atentado a direito de manifestação, lembrando que no crime de espionagem, artigo 359-K, o legislador pátrio criou o § 3º, para prevê o tipo penal autônimo consistente em facilitar a prática de qualquer dos crimes previstos neste artigo mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha, ou de qualquer outra forma de acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações, pena de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Neste caso em epígrafe, o legislador deixou de utilizar-se da norma de extensão do artigo 29 do CP, segundo o qual, quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade, para criar um tipo penal extraordinário de participação, aquele que facilita o crime de espionagem.
Quanto a entrada em vigor da novíssima Lei, tem-se que ela entrará em vigor 90 dias após a sua publicação no Diário Oficial, e como a publicação se deu no dia 02 de setembro de 2021, e tendo-se em vista as normas do artigo 8º da Lei Complementar nº 95, de 1998, a nova entrará em vigor no dia 02 de dezembro de 2021, numa quinta-feira, lembrando-se que a parte vetada voltará para a apreciação do Congresso no prazo de 30 dias, sob pena de trancar a pauta para votação de outras matérias, acreditando-se que os vetos serão cassados, quando se recomeça outra contagem para a promulgação da parte vetada de acordo com a data da publicação.
O mais importante da norma é proteger o Estado Democrático de Direito, definido e havido como forma de Estado em que possui como pedra de toque a soberania popular, com capacidade plena de escolher livremente seus representantes legítimos, com traços marcantes da separação dos poderes estatais, convivendo o legislativo, executivo e judiciário harmoniosamente, com independência e autonomia, com rigoroso respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os cidadãos. Presente na cláusula geral do artigo 1º da Constituição Federal, deve salvaguardar a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político, a cidadania, os valores sociais do trabalho, e mais que isso, deve ser capaz de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Se não há crime de hermenêutica, divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos, também não pode o cidadão ser punido por convicções e palavras que expressam livre manifestação de pensamento no pleno exercício de um direito fundamental, traços de direitos humanos, mesmo porque uma das características do Direito penal é a sua exclusiva proteção de bens, traduzido pela causação de lesão ou ameaça de lesão a direitos protegidos e por consequência, punir comportamentos internos sem a mínima possibilidade de lesão a um bem juridicamente protegido é uma grave ameaça a existência do próprio Estado Democrático de Direito, com patente violação dos direitos e garantias fundamentais, consoante artigo 7º, 9, da Lei nº 1.079/50.
Sabe-se que a arrogância é a arma dos autoritários, a prepotência é o canhão dos idiotas, difícil enxergar nos igarapés da injustiça, resquícios da prepotência vislumbrando irradiante cinzas da boçalidade, estilhaços autoritários, tanta maldade, com salto alto de ignorância, gabolice mendaz, tanta ruptura internalizada, abjeta e corriqueiramente, com o cheiro horripilante da antipatia, e quem assim procede, agride a estrutura da alma humana, e se coloca na estrada das violações do direito, sendo ameaça iminente para o estado de direito e para a democracia. Todos conhecem a sabedoria bíblica de que a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda. Melhor é ser humilde de espírito com os mansos do que repartir o despojo com os soberbos.
Talvez tenha sido esse o pensamento do legislador de varrer do Estado esse tipo de conduta pirracenta, esse monte de vermes que espanca violentamente os princípios democráticos, defasagem ou ausência de uma boa educação na origem da vida. Esse é um comportamento que viola, arranha e destrói com pena de morte a estrutura do Estado Democrático de Direito, afronta o senso de justiça, e talvez por isso fosse necessário mesmo criar um tipo penal para punir comportamentos pueris e abusivos de quem se utilizam do cargo ou mesmo o particular para submeter pessoas à constrangimentos ilegais, ou provocando rupturas ao sistema reconhecido como estado de direito, aflorados por sintomas de fraqueza e contaminada com o vírus da abundância de bandidolatria aguda. Arremata-se afirmando que proteger direitos não é um favor, nem monopólio de determinadas Instituições, antes disso, é uma obrigação coletiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FERNANDES, Cláudio. "O que é golpe de Estado?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-golpe-estado.htm. Acesso em 14 de agosto de 2021, às 21h53min.
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Nota
1 NAUDÉ, Gabriel. apud GONÇALVES, Eugênio Mattioli. A apologia maquiaveliana de Gabriel Naudé ao massacre da noite de São Bartolomeu. In: Griot – Revista de Filosofia, v. 8, n.2, dez. 2013. Citado por FERNANDES, Cláudio. "O que é golpe de Estado?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-golpe-estado.htm. Acesso em 14 de agosto de 2021, às 21h53min.