Capa da publicação Lei 14.197/2021: um disparo de 38 na Lei de Segurança Nacional
Artigo Destaque dos editores

Aspectos perfunctórios da novíssima Lei nº 14.197/2021.

Um disparo de 38 na Lei de Segurança Nacional

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06/09/2021 às 14:55
Leia nesta página:

A novíssima Lei 14.197/2021 revogou a antiga Lei de Segurança Nacional, sepultou a conduta contravencional de associação secreta, além de adotar de outras medidas.

Resumo: O presente texto jurídico tem por finalidade precípua analisar a novíssima Lei nº 14.197, de 2021, que revogou expressamente a antiga Lei de Segurança Nacional, sepultou a conduta contravencional de associação secreta e por último acrescentou o novo título ao Código penal com a rubrica de crimes contra o Estado Democrático de Direito. Visa ainda analisar os novos tipos penais, descreve o tipo objetivo, conduta típica, consumação e tentativa, objeto jurídico e outras questões e consequências processuais da prática de cada ilícito penal.

Palavras-chave: Direito penal; estado democrático de direito; crimes; segurança; nacional; revogação.


INTRODUÇÃO

Depois de 38 anos de vigência, a Lei de Segurança Nacional é revogada no Brasil. Um disparo a queima roupa contra a norma de 1983 que nasceu num contexto histórico diferente, tempo de rupturas, de exceção, tempos e momentos difíceis, muito embora quem viveu a década de 80 se lembra muito bem da época, creio com nostalgia, inevitavelmente, não se tinham notícias de tantas avacalhações, de injustiças, de tanta imoralidade, esse modelo exótico e atrofiado que enxergamos desfilhando por aí, tempo de respeito aos valores cívicos, religiosos e familiares, algo bem diferente daquilo que se apresenta nos dias hodiernos. Mas é isso mesmo! A novíssima Lei nº 14.197, de 2021 nasceu do Projeto de Lei nº 2462 de 1991, da Câmara dos Deputados e Projeto de Lei do Senado N° 2108, DE 2021.

No Senado Federal, outro projeto com o mesmo objetivo foi apresentado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). O texto cria a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (PL 1.385/2021). Além de revogar a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170, de 1983), a proposta regulamenta dispositivos da Constituição definindo como imprescritíveis e inafiançáveis as ações de grupos armados, militares ou civis, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. A senadora apresentou a seguinte justificação:

Toda democracia necessita de meios legais e jurídicos que propiciem a sua autodefesa. Ainda que saibamos que a defesa da democracia deve ser realizada pela sociedade organizada e pelas instituições, mediante os movimentos que revelem a consciência democrática da nação e do povo, esses movimentos necessitam de ferramentas jurídicas que sirvam para conferir eficiência ao seu propósito democrático. No Brasil, a Constituição define, claramente, que a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático são inafiançáveis e imprescritíveis. Este projeto de lei se propõe não apenas a regulamentar a Constituição, mas também a substituir, no ordenamento jurídico nacional, a Lei de Segurança Nacional, elaborada em quadra histórica inteiramente diversa, quando, no ambiente da guerra fria, vigia no estado brasileiro a ideologia da segurança nacional. A Lei de Segurança Nacional, em boa medida, especialmente quando sujeita cidadão civil à jurisdição da Justiça Militar, pelas infrações penais que elenca, não foi recepcionada pela Constituição, e o rito que descreve para processar os crimes que tipifica tampouco revelam o pleno acatamento da ampla defesa, do contraditório e dos meios a ele inerentes, como manda a Constituição. Nesse contexto, e visando contribuir ao debate sobre a necessidade no Brasil de uma Lei de Defesa do Estado de Direito Democrático, apresentamos este projeto, para o qual solicitamos a devida atenção dos eminentes Pares, com vistas à sua apreciação, ao seu aperfeiçoamento e à sua aprovação.

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 6.764/02 que estava apensado ao texto aprovado na Câmara, define, no Código Penal, os crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga a Lei de Segurança Nacional. A proposta estava em tramitação na Câmara desde 2002. O texto foi apresentado pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, fruto do trabalho de comissão de juristas, com o intuito de “abandonar em definitivo, a referência a segurança nacional, empregando-se a terminologia consagrada pelo próprio texto constitucional”.

Apensado ao Projeto de Lei 2.462/1991, do ex-deputado Hélio Bicudo (1922-2018), o texto de Miguel Reale Júnior foi declarado prejudicado pelos deputados. O texto aprovado na Câmara tipifica os crimes de golpe de Estado, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, de interrupção do processo eleitoral e de uso de comunicação enganosa em massa para comprometer o processo eleitoral, entre outros.

Relevante mencionar as razões e os fundamentos jurídicos lançados na justificação do Projeto de Lei nº 6.764/02, apresentado, visando a tutelar valores e princípios fundamentais do Estado brasileiro, dentre os quais a soberania nacional, o regime democrático, os direitos de cidadania e o pluralismo político.

A proposta, fruto dos trabalhos da Comissão de Alto Nível coordenada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação do Dr. Luiz Roberto Barroso, Dr. Luiz Alberto Araújo e Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, constituída pela Portaria no 413, de 30 de maio de 2000, com o intuito de efetuar estudos sobre a legislação de Segurança Nacional e sugerir princípios gerais para nortear a elaboração de Projeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Para melhor elucidar as razões pelas quais ofereço ao elevado descortino de Vossa Excelência a presente propositura, optei por reproduzir parte do Relatório circunstanciado da referida Comissão que procurou interpretar o sentimento da sociedade civil brasileira, ciosa da importância da liberdade duramente conquistada e da necessidade do respeito ao pluralismo político e às instituições democráticas. No que concerne à primeira parte dos trabalhos – exarar parecer sobre a vigência da Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) – fez a Comissão um relato acerca da doutrina de segurança nacional e o regime constitucional anterior, bem como um histórico sobre a evolução, no Brasil, da legislação a respeito do tema até a promulgação da Constituição de 1988. A segunda solicitação feita à Comissão era sugerir princípios norteadores de um Projeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O texto ora submetido à consideração de Vossa Excelência colheu valiosos subsídios em trabalhos análogos anteriores para que o projeto fosse esboçado. Dentre eles, merecem destaque: (i) o anteprojeto de Lei de Defesa do Estado Democrático, elaborado em 1985, pela Comissão presidida pelo Ministro Evandro Lins e Silva e integrada pelos Professores René Ariel Dotti, Nilo Batista e Antônio Evaristo de Moraes; e (ii) o anteprojeto da Comissão Revisora para elaboração do Código Penal (Portaria no 232, de 24.03.98). Foram levados em conta, igualmente, projetos em tramitação no Congresso Nacional e sugestões encaminhadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. “O projeto, ora apresentado, visa a tutelar valores e princípios fundamentais do Estado brasileiro, dentre os quais a soberania nacional, o regime democrático, os direitos de cidadania e o pluralismo político. Com tal propósito, acrescentou-se ao Código Penal um Título XII, denominado “Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Abandona-se, assim, em definitivo, a referência a segurança nacional, empregando-se a terminologia consagrada pelo próprio texto constitucional. O título introduzido, conforme descrito no relatório da Comissão, ficou dividido em cinco capítulos, a saber:

“Capítulo I: Dos crimes contra a soberania nacional; Capítulo II: Dos crimes contra as instituições democráticas; Capítulo III: Dos crimes contra o funcionamento das Instituições Democráticas e dos Serviços Essenciais; Capítulo IV: Dos crimes contra a autoridade estrangeira ou internacional; Capítulo V: Dos crimes contra a cidadania.”

Tem por conteúdo o Projeto em seu capítulo I – Dos crimes contra a soberania nacional – impor deveres de lealdade ao Estado brasileiro. Nele estão previstos tipos penais já conhecidos e definidos em quase todas as legislações, que incluem: atentado à soberania, traição, violação do território, atentado à integridade nacional e espionagem. Foi expressamente contemplada a violação do território nacional com o fim de explorar riquezas naturais e, no tocante à tentativa de desmembramento do território nacional, somente foi punida a hipótese de movimento armado. Embora a Constituição consagre a indissolubilidade da Federação, não se criminalizou a mera expressão de ideias ou sentimentos separatistas.

No capítulo II – Dos crimes contra as instituições democráticas – é abrigado alguns tipos igualmente tradicionais, como insurreição, conspiração e incitamento à guerra civil. Manteve-se a previsão do crime específico de atentado à autoridade, quando a vítima seja o Presidente ou o Vice-Presidente da República ou os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Instituiu-se o crime de golpe de Estado, imputável a servidor público civil ou militar que tentar depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais. Empregou-se a locução funcionário público, em lugar de servidor público, que seria tecnicamente mais precisa (Constituição Federal, Título III, Seção II: “Dos Servidores Públicos”), para não quebrar a unidade da terminologia adotada pelo Código Penal, ainda recentemente reiterada pelo legislador infraconstitucional, com a Lei no 9.983, de 14.07.2000, que deu nova redação ao § 1o do seu art. 327. e manteve a referência a funcionário público.

Dentro do capítulo III – Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e dos serviços essenciais – estão contidas a previsão dos crimes de terrorismo e ação de grupos armados, ambos expressamente referidos no texto constitucional (art. 5o , XLIII e XLIV), bem como o de apoderamento ilícito de meios de transporte. Note-se que o projeto exige como motivação para este crime o facciocismo político ou religioso, ou a coação a autoridade. Pune-se, igualmente, a sabotagem, devendo-se notar que tanto aqui, como na hipótese de terrorismo, contemplou-se a possibilidade de utilização indevida de recursos de informática para obtenção dos resultados previstos nestes crimes. Institui-se, também, em substituição à previsão genérica da legislação em vigor, relativa à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União ou dos Estados, o crime de coação contra autoridade legítima, consistente em constranger, mediante violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo político, autoridade legítima a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no exercício das suas atribuições.

O capítulo IV – Dos crimes contra autoridade estrangeira ou internacional – tutela a integridade física de representante de Estado estrangeiro no país, ou dirigente de organização internacional, que se encontrem no território nacional. A Comissão optou por não incluir no projeto outros crimes com repercussão sobre as relações internacionais, considerados crimes contra a humanidade – como genocídio e tortura –, por já terem sido disciplinados em outros documentos legislativos em vigor.

E, por fim, o capítulo V – Dos crimes contra a cidadania – constitui importante inovação. Nele se procura coibir o abuso de poder por parte do Estado e o abuso de direito por parte de particulares. Prevê-se, assim, o crime de atentado a direito de manifestação, que consiste em impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, sem justa causa, o livre e pacífico exercício do direito de manifestação. Pode ser sujeito ativo do crime tanto o particular como o servidor público. O projeto também pune a associação discriminatória e a discriminação racial ou atentatória a direitos fundamentais, com o fim de desestimular o preconceito e a intolerância”. Estas, Senhor Presidente, as normas que integram a presente proposta, e que, se aceitas, hão de constituir importante passo para a tutela de valores elevados do Estado e da sociedade, a serem respeitados a todo tempo, por oposição e governo, independentemente de quem esteja em uma ou outra posição, um documento que quando convertido em lei irá celebrar a maturidade institucional brasileira.

Respeitosamente, MIGUEL REALE JÚNIOR Ministro de Estado da Justiça.

Assim, o novo comando normativo acrescentou o Título XII na Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, revogou a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional), e revogou também o artigo 39 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).


Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado em que possui como pedra de toque a soberania popular, com capacidade plena de escolher livremente seus representantes legítimos, com traços marcantes da separação dos poderes estatais, convivendo o legislativo, executivo e judiciário harmoniosamente, com independência e autonomia, com rigoroso respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os cidadãos. Presente na cláusula geral do artigo 1º da Constituição Federal, deve salvaguardar a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político, a cidadania, os valores sociais do trabalho, e mais que isso, deve ser capaz de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Arremata-se afirmando que proteger direitos não é um favor, nem monopólio de determinadas Instituições, antes disso, é uma obrigação coletiva. (Prof. Jeferson Botelho)


1. DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A previsão do título rotulado como crimes contra o Estado Democrático de Direito se justifica perfeitamente e guarda conformidade constitucional, eis que logo no eu artigo 1º, dispara que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, logo em seguida define que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

A nova lei criou seis capítulos, sendo cinco destinados a definição de crimes e um para prevê as disposições comuns. Foram instituídos dez novos crimes, com os seguintes nomes:

I - Atentado à soberania;

II – Atentado à integridade nacional

III – Espionagem;

IV - Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;

V - Golpe de Estado;

VI - Interrupção do processo eleitoral;

VII - Comunicação enganosa em massa;

VIII - Violência política;

IX – Sabotagem;

X - Atentado a direito de manifestação.

2. DA SANÇÃO, VETOS E PUBLICAÇÃO DA NOVA LEI Nº 14.197, DE 01 DE SETEMBRO DE 2021.

Vale ressaltar que a novíssima Lei nº 14.197, de 2021, foi publicada em 02 de setembro de 2021, prevendo 90 dias para entrada em vigor e com alguns vetos.

2.1. DA CLÁUSULA DE VIGÊNCIA

O artigo 5º da novíssima Lei determina que a norma entrada em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial. Sabe-se que a Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59. da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

A citada lei define nos artigos 8º e 9º questões atinentes a vigência da lei. Assim, segundo preceitua o artigo 8º, a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.

Sobre o cômputo do prazo, define que a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

E mais que isso, as leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial. A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.

Assim, a novíssima lei entrada em vigor exatamente no dia 02 de dezembro de 2021, numa quinta-feira.

2.2. DOS TEXTOS VETADOS

Foram vetados os artigos 359-O, 359-Q, 359-S e 359-U, respectivamente:

I - crime de comunicação enganosa em massa;

II - a temática da ação penal privada subsidiária;

III - crime de atentado a direito de manifestação;

IV - causas de aumento de pena para o Título XII do Código Penal conforme se pode constatar abaixo.

Destarte, o crime de comunicação enganosa em massa, vetado, era definido no artigo 359-O com a seguinte redação:

359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.”

Seguem as razões do veto:

“A proposição legislativa estabelece como tipo penal a comunicação enganosa em massa definindo-o como ‘promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral’, estipulando pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objeto da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou (mesmo sem intenção de massificá-la), bem como enseja dúvida se o crime seria continuado ou permanente, ou mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o que acaba por provocar enorme insegurança jurídica. Outrossim, o ambiente digital é favorável à propagação de informações verdadeiras ou falsas, cujo verbo ‘promover’ tende a dar discricionariedade ao intérprete na avaliação da natureza dolosa da conduta criminosa em razão da amplitude do termo.

A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraqueceria o processo democrático e, em última análise, a própria atuação parlamentar.”

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Outro dispositivo vetado foi a questão da ação de iniciativa privada nos crimes previstos no capítulo III, que define os crimes CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO PROCESSO ELEITORAL, previsto no artigo 359-Q, a saber:

Art. 359-Q. Para os crimes previstos neste Capítulo, admite-se ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.”

Aqui foram apresentadas as seguintes razões do veto:

“A proposição legislativa estabelece a ação penal subsidiária privada definindo que ‘para os crimes previstos neste Capítulo, admite-se ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito’.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, por não se mostrar razoável para o equilíbrio e a pacificação das forças políticas no Estado Democrático de Direito, o que levaria o debate da esfera política para a esfera jurídico-penal, que tende a pulverizar iniciativas para persecução penal em detrimento do adequado crivo do Ministério Público. Nesse sentido, não é atribuição de partido político intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado.”

O Capítulo V, DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA, muito embora diga respeito aos crimes, na verdade o referido dispositivo definiu apenas o crime de atentado a direito de manifestação, que foi vetado.

Art. 359-S. Impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Se resulta lesão corporal grave:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 2º Se resulta morte:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.”

As razões fundantes do veto consistem em:

“A proposição legislativa estabelece como tipo penal o atentado a direito de manifestação definindo-o como ‘impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos’, que resultaria em pena de reclusão de um a quatro anos. Se culminar em lesão corporal grave, resultaria em pena de reclusão de dois a oito anos. Por sua vez, se resultar em morte, a reclusão seria de quatro a doze anos.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, ante a dificuldade de caracterizar, a priori e no momento da ação operacional, o que viria a ser manifestação pacífica, o que geraria grave insegurança jurídica para os agentes públicos das forças de segurança responsáveis pela manutenção da ordem. Isso poderia ocasionar uma atuação aquém do necessário para o restabelecimento da tranquilidade, e colocaria em risco a sociedade, uma vez que inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente pacíficas poderiam resultar em ações violentas, que precisariam ser reprimidas pelo Estado.”

Outro veto foi em razão do acréscimo de pena, no inciso III, do Artigo 359-U, do Código Penal.

“III - de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.”

As razões do veto consistem em:

“A proposição legislativa estabelece que, nos crimes definidos no Título ‘Dos crimes contra o Estado de Direito’, acrescido por esta proposição à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a pena seria aumentada de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime fosse cometido por militar.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que viola o princípio da proporcionalidade, colocando o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais, além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores.

Ademais, em relação à pena acessória da perda do posto e da patente, vislumbra-se violação ao disposto nos incisos VI e VII do § 3º do art. 142. da Constituição, que vincula a perda do posto e da patente pelo oficial das Forças Armadas a uma decisão de um tribunal militar permanente em tempos de paz, ou de tribunal especial em tempos de guerra. Dessa forma, a perda do posto e da patente não poderia constituir pena acessória a ser aplicada automaticamente, que dependesse de novo julgamento pela Justiça Militar, tendo em vista que o inciso I do caput do art. 98. e o art. 99. do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, já preveem como pena acessória no caso de condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos para a perda do posto e patente pelo oficial.”

Ainda sobre o artigo 359-U, houve vetos para as causas de aumento de pena, a saber:

Art. 359-U. Nos crimes definidos neste Título, a pena é aumentada:

I - de 1/3 (um terço), se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo;

II - de 1/3 (um terço), cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público;”

Eis as razões do veto:

“A proposição legislativa estabelece que, nos crimes definidos neste Título, a pena é aumentada de um terço, se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo; de um terço, cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público; e de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.

Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição contraria interesse público, pois não se pode admitir o agravamento pela simples condição de agente público em sentido amplo, sob pena de responsabilização penal objetiva, o que é vedado.”

A seguir, uma descrição de todos os delitos, a grande maioria classificada como crimes de atentado, também conhecido na doutrina por delito de empreendimento, consistente naquele que prevê expressamente em sua descrição típica a conduta de tentar o resultado querido, o que afasta por si só a incidência da previsão da figura tentada, deixando de aplicar a norma de extensão do artigo 14, II, do Código penal acerca do crime tentado.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Aspectos perfunctórios da novíssima Lei nº 14.197/2021.: Um disparo de 38 na Lei de Segurança Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6641, 6 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92886. Acesso em: 2 nov. 2024.

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