Estamos vendo há meses, em decorrência de problemas com o controle aéreo desencadeados pelo acidente com o avião da Gol, inúmeros atrasos nos vôos de diversas companhias aéreas.
Além de o número de controladores ser insuficiente, aparelhos que não costumavam falhar estão falhando, e tudo isso acontece em período de férias, em que grande parte dos brasileiros viaja.
Vôos nacionais e internacionais estão atrasando, desencadeando uma série de prejuízos, financeiros, profissionais, pessoais, etc., que as empresas aéreas não estão preocupadas em evitar, sob a alegação de que a causadora do problema é a União, seja através da aeronáutica, da Infraero, da ANAC etc.
Não há dúvida alguma de que a União é responsável, porque deixou, a exemplo de que já ocorreu em inúmeras outras searas, de antever essa crise, não estando preparada para equacioná-la.
Aliás, os órgãos governamentais teimam em reconhecer os atrasos, mas estes acontecem diariamente aos montes, prejudicando uma série de pessoas.
As empresas aéreas, entretanto, não são imunes a essa situação. O mínimo que elas deveriam fazer é informar corretamente os passageiros, a fim de evitar esperas ultrajantes nos aeroportos.
Empresas americanas, acostumadas à incidência das duras leis que protegem os consumidores, costumam avisar com antecedência os passageiros para que saiam mais tarde de casa, nos casos de atrasos.
Ainda que isso possa ser impraticável para as empresas nacionais, deveriam elas informar os consumidores, que poderiam então optar por esperar no hotel, em casa ou em lugar com condições de conforto mínimas.
As empresas aéreas não se eximem do dever de informar, sob a alegação de que o problema é da União. A assistência aos passageiros, qualquer que seja a causa do atraso, é problema do fornecedor, que responde objetivamente por isso.
Quando as empresas se omitem no cumprimento desse dever de assistência e informam errado, desqualificam, a nosso ver, a culpa exclusiva da União que, em tese, poderia vir a afastar a sua responsabilidade.
Existem aqueles que defendem que a União é terceira e, diante da sua culpa exclusiva, estaria excluída a responsabilidade da empresa aérea. Não compartilhamos dessa opinião, na medida em que a União faz parte da cadeia produtiva, o que a descaracteriza como terceira, para fins de aplicação da excludente descrita pelo CDC.
Ainda que as empresas tenham já direitos contra União, até porque como é notório muitos estão preferindo viajar de navio, não podem deixar de dar assistência ao consumidor, sob pena de agravarem a sua situação.
Sabe-se que órgãos de defesa do consumidor já propuseram ação coletiva para que o episódio não passe em branco. Porém, melhor do que punir pelo passado é prevenir danos futuros. Do jeito que as coisas caminham, muita gente ainda será prejudicada, o que significará uma enxurrada de ações individuais, atravancando ainda mais o nosso combalido Judiciário.
Isso revela a relevância social do problema. Além da insatisfação dos lesados, que já há muito não acreditam nos serviços públicos, os jurisdicionados demorarão mais ainda para ter seus problemas solucionados, o que gera um completo descontentamento com o Estado.
Não é demais lembrar que a relação direta do consumidor é firmada com a companhia aérea. Essas empresas, enquanto fornecedoras que são, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, respondem pelos vícios dos serviços que prestarem de forma objetiva, não havendo excludentes dessa responsabilidade.
O art. 230 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que é o Código Brasileiro de Aeronáutica, dispõe expressamente que: "Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem.".
Isso significa que, diante de um atraso superior a quatro horas, pode o passageiro optar por não embarcar e por receber o dinheiro de volta IMEDIATAMENTE. Se isso não acontecer, deverá ingressar em Juízo para obter o ressarcimento do dinheiro da passagem. Esse é um direito previsto em lei!
O art. 256, II, do mesmo código, por sua vez, estabelece que o transportador responde pelo dano decorrente: "de atraso do transporte aéreo contratado".
O transporte aéreo é utilizado por quem tem pressa, ou seja, a expectativa de quem contrata esse tipo de transporte é a rapidez. Não obstante isso, pequenos atrasos são conseqüência natural desse tipo de serviço, e não podem ser tidos pelo passageiro como vício.
Atrasos superiores a quatro horas, como a própria lei estabelece, não são toleráveis, notadamente porque, dependendo da distância, compensaria, tanto em questão de tempo quanto de preço, para o passageiro fazer o percurso de ônibus. É isso que está ocorrendo, por exemplo, em vôos da ponte aérea.
O art. 231, "caput", do Código Brasileiro de Aeronáutica, por sua vez, dispõe sobre os atrasos nas escalas. Já o seu parágrafo único estabelece a responsabilidade do transportador, que deverá arcar com as despesas de alimentação, hospedagem e transporte dos passageiros nos casos de atrasos, sem prejuízo da responsabilidade civil.
Esses, em suma, são os fundamentos da responsabilidade civil do transportador aéreo, dentro do território nacional, previstos na lei especial.
Essa lei deve ser interpretada em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, que a complementa e revogou tacitamente alguns de seus dispositivos. Muito embora o Código Brasileiro de Aeronáutica exclua a responsabilidade civil do transportador nos casos de força maior ou de comprovada determinação da autoridade aeronáutica, o Código de Defesa do Consumidor afirma que não existem excludentes de responsabilidade para os casos de vícios e que a responsabilidade do transportador é objetiva, vale dizer, independe de culpa.
Mas também há que se ter em conta que as empresas aéreas estão concorrendo com a União para a configuração do dano, quando informam errado ou deixam de informar o horário de partida do vôo, quando deixam de providenciar alimentação e hospedagem para os passageiros etc.
As empresas aéreas estão no mercado pretendendo o lucro e, ressalvados casos excepcionais, sempre o obtém. Quem está no mercado está sujeito ao lucro e ao prejuízo. Se o lucro é da empresa, o prejuízo também deve ser. Isso é o que estabelece a teoria do risco da atividade.
Esse é o fundamento da responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor e é o que obriga as empresas aéreas a ressarcir os consumidores pelos atrasos aéreos. Isso não quer dizer, entretanto, que o prejuízo ficará com essas empresas, na medida em que terão elas direito de regresso contra a União, podendo, inclusive, se o juiz autorizar compensar os seus créditos decorrentes das indenizações que pagar com os débitos decorrentes da locação dos espaços nos aeroportos.
A empresa indeniza o passageiro e, posteriormente, cobra da União. Se o passageiro quiser, poderá também demandar contra a União porque esse problema de controle de vôo configura vício na prestação do serviço público prestado por esta, fazendo incidir o disposto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que os serviços públicos sejam adequados, eficientes e seguros.
A tendência, infelizmente, é que os atrasos continuem e aumentem. Espera-se que o discurso seja deixado de lado e que medidas efetivas sejam tomadas, sob pena da repercussão social ser ainda maior.
Enquanto isso não acontece, aqueles que foram e vierem a ser prejudicados poderão promover ação contra as empresas aéreas que contrataram isoladamente, ou também contra a União, invocando os dispositivos de lei mencionados. Nos casos de pacotes de viagens adquiridos de agências, essas também, em tese, podem vir a figurar no pólo passivo.
A responsabilidade dessas empresas e do Estado, como dito, é objetiva, podendo os passageiros pleitear a devolução do dinheiro, no caso daqueles que preferirem desistir da viagem, ou o abatimento proporcional do preço, nos casos de atrasos, sem prejuízo da responsabilização pelas perdas e danos individuais de cada passageiro.