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Os expurgos inflacionários e a prescrição do direito a diferenças da indenização sobre os depósitos do FGTS

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08/01/2007 às 00:00
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5 A posição do TST

            Nada obstante os argumentos expendidos, eis que o Tribunal Superior do Trabalho, através da Seção de Dissídios Individuais – Subseção I, edita a Orientação Jurisprudencial n. 344, publicada no Diário da Justiça em 10.11.2004, com a seguinte redação:

            Multa de 40%. Diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários. Prescrição. Termo inicial. Lei complementar nº 110/2001.O termo inicial do prazo prescricional para o empregado pleitear em juízo diferenças da multa do FGTS, decorrentes dos expurgos inflacionários, deu-se com a edição da Lei Complementar nº 110, de 29.06.2001, que reconheceu o direito à atualização do saldo das contas vinculadas.

            Sobre essa Orientação Jurisprudencial, cabe um breve comentário. Recentemente, um renomado advogado afirmou-nos, em meio a discussão sobre o tema, que teria o TST entendido, na verdade, que a Lei Complementar 110/2001 interrompeu a prescrição para a ação que busca a correção dos valores da conta vinculada e, assim também, da demanda quanto à diferença da indenização de 4% respectiva.

            O argumento, porém, não convence. Primeiro, porque nenhum dos precedentes que originaram a edição da OJ n. 341 retratam a questão sob esse prisma. Ademais, a referência à interrupção da prescrição, no art. 202, VI, do CC/2002, dá-se quando ocorre ato inequívoco de reconhecimento do direito pelo devedor. Ora, conforme já visto, o devedor das diferenças dos depósitos do FGTS, a teor da jurisprudência do STF e STJ, é a Caixa Econômica Federal, empresa pública, de personalidade jurídica própria, que jamais, ao que se saiba, praticou ato de reconhecimento do direito perseguido pelos trabalhadores.

            No site do Tribunal Superior do Trabalho, encontramos alguns dos julgados ou precedentes que resultaram na edição da Orientação há pouco retratada. Todos apresentam argumentação similar, pelo que restringimo-nos a transcrever trecho de um deles, assim redigido:

            A Constituição Federal, em seu art. 7º, XXIX, fixa o prazo de dois anos, após a extinção do contrato, para o trabalhador reclamar em juízo os créditos a que entende fazer jus.

            A contagem do biênio prescricional, contudo, tomando como marco inicial a data da extinção do contrato, tem pertinência, até por princípio de lógica, apenas nos casos em que o direito postulado possui existência simultânea com o contrato de trabalho.

            Referido dispositivo constitucional, portanto, deve ser analisado levando-se em conta o fato de que o prazo prescricional somente começa a fluir no momento em que nasce o direito de ação para o titular desse direito.

            Assim, tem-se que o pleito de diferença da multa de 40% sobre os depósitos do FGTS, pertinentes aos expurgos inflacionários, na forma da Lei Complementar nº 110/01, possui como marco inicial da prescrição do direito de ação a própria data da vigência da referida Lei, qual seja, o dia 30/6/01.

            Não se pode dizer que a possibilidade de o Autor buscar o recebimento da diferença da multa de 40% tenha nascido antes da vigência da citada Lei, porque até então não havia sequer pacificação da matéria acerca do direito aos expurgos inflacionários perseguidos, sendo completamente inviável que se deduzisse qualquer postulação no sentido de obrigar a Empresa ao complemento da multa rescisória. (ERR 5.835/2001, Rel. Min. Luciano de Castilho. DJ, 22/10/2004).

            Concessa venia, a despeito da autoridade, notório conhecimento e saber jurídico do Ministro relator e de seus pares, não vinga o argumento exarado ao final do excerto acima reproduzido. Com todo o respeito e acatamento devidos, afigura-se desarrazoada a tese de que a falta de pacificação jurisprudencial acerca de um direito constitua empecilho à sua busca em juízo.

            É justamente a falta de pacificação sobre a melhor interpretação da legislação federal trabalhista que justifica a própria existência do Tribunal Superior do Trabalho. Presume-se que as causas que alcancem aquela Corte – ou ao menos aquelas que tenham seu mérito apreciado pelo TST – derivem de dúvida ou controvérsia acerca da correta interpretação legal.

            Dessa maneira, não é incomum o reconhecimento de direitos a trabalhadores ou empregadores que não estavam "pacificados" antes do ajuizamento da ação respectiva. Ilustre-se com o direito dos empregados às denominadas horas "in itinere", hoje albergado em lei. Até recentemente, esse direito fora objeto de reconhecimento formal através do En. 90, do C. TST. Antes disso, não estava "pacificada" a questão, pelo contrário. Mais adiante, a Lei n. 10.243/2001 acresceu o § 2º ao art. 58 da CLT. Se o raciocínio desenvolvido pelos i. Ministros do TST no acórdão transcrito fosse tomado literalmente, o prazo prescricional para as horas in itinere apenas teria começado a fluir a partir da promulgação da Lei n. 10.243/2001 – hipótese despropositada, certamente.

            A interpretação conferida pelo TST passa ao largo, ainda, da realidade efetivamente vivenciada.

            Se é pertinente a assertiva, contida no julgado indicado, de que "o prazo prescricional somente começa a fluir no momento em que nasce o direito de ação para o titular desse direito", logo o direito de ação, para as diferenças da indenização de 40% derivadas dos expurgos inflacionários, teria nascido com a Lei Complementar n. 110/2001.

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            Ora, nesse caso, como ficariam as ações movidas pelos ex-empregados mais diligentes, os quais ajuizaram a ação trabalhista em busca de referidas diferenças, antes da edição da LC 110/2001? Como já ressaltado, inúmeras ações trabalhistas foram ajuizadas, àquela época. Seria razoável que o juiz decidisse, naquele contexto, pela extinção do processo liminarmente, sem julgamento de mérito, à falta de previsão legal para o direito vindicado (vez que este apenas teria sido instituído pela lei complementar)? Convenha-se que não é razoável essa interpretação.

            Parece-nos, em suma, equivocado o entendimento externado pela Colenda Superior Corte Trabalhista, por fazer tábula rasa não apenas da lei, mas da própria realidade dos fatos.


6 Conclusão

            Superadas as discussões acerca do direito às diferenças no saldo das contas vinculadas do FGTS, em razão dos expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos, na forma de súmulas do STJ e precedentes do STF, igualmente pacificou-se a questão, decorrente daquela, da legitimidade passiva nas ações trabalhistas objetivando a recomposição da indenização compensatória de 40%.

            No entanto, quanto ao prazo prescricional da ação trabalhista referida, a controvérsia, no âmbito das instâncias ordinárias, não logrou ser ultrapassada com a edição de Orientação Jurisprudencial da SDI-1/TST, restando discussões acerca da juridicidade do teor expresso no verbete sumular.

            De nossa parte, quer-nos parecer equivocada a OJ n. 344, que não se amolda aos parâmetros legais vigentes, tampouco encontra conformidade com a realidade.

            Pelo que temos observado – impressão confirmada pela leitura dos julgados listados na página do C. TST na internet –, a grande maioria dos acórdãos dos tribunais regionais e, principalmente, das sentenças, tem fixado que o prazo prescricional conta-se a partir da rescisão contratual, na hipótese vertente.

            É possível que, desde que o TST editou a OJ n. 344, esse quadro tenha-se alterado, ante o prestígio das decisões sumuladas dos tribunais superiores, ainda que por ora não vinculantes. Todavia, não é auspicioso perceber a ampla dissonância entre o entendimento consagrado pelo tribunal superior e o das instâncias ordinárias, principalmente em uma quadra em que cogita justamente a obrigatoriedade de adoção do entendimento consagrado nos tribunais superiores, pelas instâncias ordinárias.

            De tudo, pode-se concluir que, se não for o caso de imediato cancelamento da Orientação Jurisprudencial n. 341, ao menos é necessária a discussão mais aberta do tema, antes que venha à lume a já proposta Emenda Constitucional que institua as súmulas vinculantes para o Tribunal Superior do Trabalho (e para o Superior Tribunal de Justiça), com o que o debate dessa questão, assim como o de tantas outras tão ou mais importantes, acabaria sufocado.

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Sobre o autor
Rodrigo Dias da Fonseca

juiz do Trabalho do TRT da 18ª Região, ex-juiz do Trabalho do TRT da 23ª Região, pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Rodrigo Dias. Os expurgos inflacionários e a prescrição do direito a diferenças da indenização sobre os depósitos do FGTS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1286, 8 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9365. Acesso em: 19 abr. 2024.

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