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Repensando o Direito Penal

01/01/2000 às 01:00
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Ao mesmo tempo em que os homens são capazes de construir foguetes espaciais, clonar animais e desenvolver remédios para doenças até então incuráveis, não conseguem encontrar soluções à altura dessas para dirimir conflitos oriundos de suas relações entre si. A solução, para tais conflitos, seguramente não será encontrada com o enrijecimento de normas penais, como vemos amplamente difundido pelos mais variados meios de comunicação. Essa problemática deve ser enfocada sob um ponto de vista conjuntural; observando-se a evolução social, econômica, política, religiosa e cultural da sociedade, para a partir daí buscar-se soluções inteligentes e eficazes. É essa a proposta que se tentará demonstrar nas linhas subsequentes.

Diante de um sistema penal inócuo, que não mais dá as respostas satisfatórias à sociedade, no que se refere ao preocupante avanço da criminalidade, o operador do Direito, em especial do Direito Penal, pressionado pelos vários segmentos sociais, percebe o delicado momento por que esse passa, desde o seu surgimento. Sabedor de que a criminalidade é um fenômeno que vai muito além da esfera penal, o jurista busca respostas a perguntas intrigantes: como reprimir a escalada da violência? como reintegrar, reeducar e ressocializar o infrator a fim de se evitar a reincidência?


Como bem lembra Francisco de Assis Toledo, enquanto tínhamos um grupo familiar sólido, em que a palavra do patriarca era suficiente como reprimenda a qualquer tendência delinqüente do filho, e, ainda, a escola servia como continuação do lar, educando e formando opiniões construtivas e necessárias a uma sociedade mais equânime, somados à religião sólida e séria e as demais condutas de moral tinham grande peso sobre a conduta dos cidadãos, estes controladores informais, como bem define o ilustre jurista, serviam de filtro até que o Direito Penal fosse acionado, dessa forma não o sobrecarregava.

Mas esses institutos, que outrora apareciam como espécie de garantidores quase que suficientes à manutenção da paz social, vêm perdendo, nos últimos anos, suas características essenciais.

O grupo familiar encontra-se em ampla degradação; a escola, que somente informa, já não exerce seu papel educativo fundamental: formar e moldar o caráter de futuros cidadãos. A cada dia surge uma seita nova, que vem ocupando o lugar das religiões tradicionais, moldando verdadeiros fanáticos. A todos esses fatores vem atrelada a quebra dos valores morais. E não mais havendo tais limitadores informais, tem-se a falsa noção de que a única alternativa será uma maior atuação do Direito Penal.

No entanto, não é o Direito Penal a tábua de salvação da sociedade, ao contrário do que se defende. O crescimento da criminalidade não será estagnado com a criminalização de condutas. Pode ser que atenda a interesses políticos imediatistas, com cunho exclusivamente eleitoreiros, e da mídia sensacionalista, que dentre outros setores muito lucram com o que se convencionou chamar "indústria do crime".

A elaboração de leis casuísticas, que não seguem a análise contida, que visem ao bem coletivo, mas apenas como forma de dizer que se está fazendo algo, deu ensejo ao que, o festejado penalista alemão Hassemer, chamou de Direito Penal simbólico. Este produz efeitos apenas no plano abstrato, é, na maioria das vezes, inaplicável, e tem seu surgimento, quase sempre, quando o ofendido é alguma pessoa pública.

No Brasil, a elevação do homicídio qualificado e da extorsão mediante seqüestro à categoria de crimes hediondos, relacionada direta e respectivamente ao assassinato da atriz Daniela Perez e ao seqüestro do irmão de um Deputado Federal do Rio de Janeiro, demonstram bem o instituto do Direito Penal simbólico.

Foi nesses termos que teve surgimento a lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90). Uma lei que não atinge os fins da pena, quais sejam: reeducar, reintegrar e ressocializar. Não há como ressocializar um indivíduo se este não for aos poucos se reintegrando na sociedade. Mas parece que, no momento da elaboração dessa lei, que imprime todo o seu cumprimento no regime fechado integral, não foi possível ao Legislador Pátrio enxergar por cima da sua "sede de vingança".

Como fruto dessa verdadeira inflação de leis, que não atenuam em nada os índices criminológicos proliferantes por todos os rincões do país, surgem campanhas, através de pesquisas visivelmente tendenciosas, insufladoras de penas cada vez mais descabidas, retrógradas e até mesmo potencialmente atentadoras ao Estado Democrático de Direito. Tais pesquisas abordam um cidadão que vê a todo momento cenas de violência, seja contra ele mesmo ou um vizinho; sem citar a grande divulgação da mídia. Inserido nesse contexto, incrédulo no atual sistema, esse indivíduo vê-se acuado e fragilizado, portanto, aberto a quaisquer sugestões que lhe dê alguma esperança de reverter tal quadro de violência caótica. Ao ser inquirido sobre a possibilidade da reinserção, em nosso sistema jurídico penal, de penas como prisão perpétua, pena de morte e mais recentemente a diminuição da imputabilidade penal, torna-se de fácil compreensão a posição favorável, a esses institutos, em que se coloca o cidadão no calor do questionamento.

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Ora, quem defende esse tipo de pena não conhece a atual situação do sistema penitenciário brasileiro; em que se encontram mais de 100 mil presos e mais centenas de milhares de prisões que não foram efetuadas. Mas se assim o fosse, não haveria condições de comportá-los, ou mesmo desconhece que o custo médio de um preso ao mês seja, em várias partes do país, de 500 reais, aqui em Brasília passa dos 900 reais. Desconhece ainda, ao defender a diminuição de imputabilidade penal, que mais de 90% dos crimes são cometidos por adultos, segundo noticiado na Revista "Isto é", publicada em outubro deste ano. E como é de conhecimento de todos, a maioria não tem nem o 1º grau completo. Talvez se esses dados fossem passados aos cidadãos, os números das pesquisas fossem outros.

Se observarmos países de estruturas criminais bem mais desenvolvidas que as nossas, que aplicam a pena capital, veremos a sua ineficácia. Caso aqui fosse aplicado esse mesmo modelo retrógrado, ao invés de diminuir a criminalidade, correríamos o risco até de aumentá-la, visto que, por haver o temor da aplicação da pena, o criminoso eliminaria a vítima, que em outra situação poderia ter alguma chance de safar-se com vida. Mas um outro aspecto que não poderia deixar de ser mencionado, sem levarmos em conta o absurdo do total monopólio sobre a vida e a morte pelo ente estatal, é o de que dificilmente veríamos, no corredor da morte, aqueles criminosos que lesam milhares de pessoas: sonegando impostos; falindo empresas e bancos, e depois sendo socorridos pelo governo, ou lucrando com o desvio de verbas destinadas à seca do Nordeste.

Basta observar nossos presídios superlotados, que mais servem como faculdades da criminalidade, em que se mantêm os presos de menor potencial ofensivo na mesma cela dos criminosos de alta periculosidade, sem as mínimas condições humanas de se reintegrarem ou mesmo de se reeducarem; se é que já tiveram algum tipo de acesso `a educação algum dia, já que as cadeias de nosso país são formadas de pessoas de baixíssimas condições financeiras. E, como todos sabemos, volta e meia surge uma situação nova que altera alguma sentença e inocenta alguma pessoa que foi presa injustamente. Não seria possível, por motivos óbvios, corrigir tal erro se lhe fosse aplicada a pena capital.

Crê-se e deseja-se, sinceramente, que o médico use todos os recursos e meios que forem necessários, a fim de que seja salva a vida do doente, e não são raros os casos em que famílias se desfazem de todos os seus bens, com gastos a fim de viabilizar a reabilitação do doente. Da mesma forma, deve agir o Estado. Não vai ser matando o "doente" que se vai solucionar o problema da criminalidade.


Remédios, eficazes, que não chegariam ao extremo da pena de morte nem surtiriam apenas efeitos paliativos, como os indultos de fim ano, que por vezes, devolvem à sociedade indivíduos nem um pouco recuperados, seriam, dentre outros:

  • implementação de casas de albergados e colônias agrícolas;
  • para os menores infratores, a efetivação do programa de ocupação assistida. Testado em Recife, recentemente, com bons resultados;
  • tornar eficaz o Programa de Proteção à Testemunha;
  • reestruturação policial, partindo-se de maiores critérios de seleção, cursos regulares de reciclagem, tanto físicos quanto psicológicos; investimento em materiais: armamentos e viaturas, a fim de afastar a desvantagem contra bandidos super bem equipados. Além de incentivos por produtividade, como os já testados em alguns estados da Federação;
  • melhores condições de trabalho aos Magistrados e Promotores de Justiça; com o aumento do número de serventuários; permitindo que possam acompanhar os ex-detentos, pressupondo-se que o Estado lhes dará condições de trabalho, encaminhando-os a empresas conveniadas, evitando-se, assim, a reincidência. Devem também, os Guardiães da Justiça e Defensores da lei, supracitados, serem cada vez mais treinados com cursos de especialização, visto que a todo momento surgem novos tipos de condutas criminosas, como crimes na área de informática, por exemplo;
  • a defasagem salarial é, sem dúvida alguma, um fator de peso que desmotiva, tanto os policiais, que por vezes têm que fazer "bicos" para locupletarem-se, quanto os Promotores de Justiça e Juizes. Esses últimos, têm que passar por um rigorosíssimo processo de seleção para ingressar em suas carreiras, mas sabem que, qualquer advogado em começo de carreira, pode ganhar em uma única consulta, o que levam um mês para receberem. Há quem diga, ser esta uma das maneiras de se tentar desestruturar, mais ainda, o Judiciário Pátrio;

Essas medidas, se adotadas, fariam uma grande diferença, tanto no plano da repressão quanto da prevenção da criminalidade.


Deve a vingança pública, refletida na pena capital, ficar esquecida no passado de uma França que guilhotinava milhares em nome da justiça, ou mesmo nas idéias e práticas de um louco paranóico que exterminava um povo em nome da purificação da raça humana.

Não podemos olvidar que somente com a reestruturação dos institutos basilares da sociedade, que se encontram tão deturpados, poderemos oferecer perspectivas de uma sociedade mais justa aos nossos descendentes. Mas para tanto, faz-se mister pensar no fenômeno da criminalidade como consequência de nossa conduta, enquanto membros de uma sociedade excluidora e egoísta, e nos libertarmos das amarras do preconceito e da discriminação, permitindo assim, que os nossos presos tenham condições de se reintegrar, reeducar e ressocializar.

O ponto de vista por ora exposto, não deseja em momento algum tomar partido pela impunidade, busca sim, dar uma pequena parcela de contribuição à necessária racionalização dos institutos penais.

Pois como bem definiu Roberto Lyra Filho, " liberdade é libertação e consciência é conscientização"; são institutos que devemos estar a todo momento lapidando para que não se desgastem com o tempo ou com fatos novos que possam nos afastar deles. Temos que ter em mente que, a paz não resume-se na ausência de guerra , pois temos nos dias de hoje o que se chama de "violência passiva", a paz é a justiça social.

Espera-se que a voz milenar do filósofo faça despertar o "homem moderno". "EDUQUEMOS NOSSAS CRIANÇAS PARA QUE NÃO TENHAMOS QUE PUNIR OS ADULTOS DE AMANHÃ"

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Sobre o autor
Danton Luiz Batista Soares

acadêmico de Direito na UniCEUB, em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Danton Luiz Batista. Repensando o Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/938. Acesso em: 22 dez. 2024.

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