Capa da publicação Lei de abuso de autoridade: alterações e consequências

Alterações decorrentes da lei de abuso de autoridade.

Consequências fáticas e sociais

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23/10/2021 às 09:23
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4 RESPONSABILIDADE PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA

4.1 Competência

Na matéria em comento, a competência para processo e julgamento do abuso de autoridade será da Justiça Federal na hipótese de funcionário público federal praticar o ato delituoso. Será da competência da Justiça Estadual nos demais casos. Esse é o entendimento dos autores, que não conseguem vislumbrar hipótese em que funcionário público federal pudesse praticar conduta caracterizadora de crime de abuso de autoridade sem que tal fato comprometesse a honradez e a credibilidade dos serviços públicos da União e de suas autarquias. Entretanto, dando interpretação restritiva ao art. 109, IV da Constituição Federal, o STJ, nos autos do HC nº 10.2048-ES, vinculado no Informativo nº430, entendeu que a simples condição de agente público federal não implica que o crime seja de competência da Justiça Federal, o que só ocorrerá se forem comprometidos bens, serviços ou interesse da União e suas autarquias (PORTOCARRERO E FERREIRA, 2020).

4.2 Ação Penal

Os crimes previstos na Lei 13. 869/2019 são todos perseguidos mediante ação penal pública incondicionada, isto é, de ofício, não dependendo de qualquer pedido/autorização da vítima, tem como titula da ação o Ministério Público (GRECO e CUNHA, 2020).

É o que o art. 3º da lei 13. 869/2019 prevê

Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada (BRASIL, 2019).

4.3 Efeitos extrapenais decorrentes da sentença penal condenatória

Efeitos da condenação são todas as consequências que direta ou indiretamente atingiram a pessoa do condenado em razão da sentença penal transitada em julgado. Esses efeitos não se limitam a área penal, incidindo também na área civil, administrativa, trabalhista e político-eleitoral. De acordo com Lima (2020), os efeitos extrapenais da sentença condenatória são divididos em: efeitos extrapenais obrigatórios ou genéricos que estão presentes no art. 91 do Código Penal ou na Legislação Especial e são aplicáveis por força da lei, independe de manifestação por parte da autoridade judicial para se efetivar, uma vez que são inerentes a condenação, qualquer que seja a pena imposta. A única condição para o implemento desses efeitos é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. São aplicáveis em tese, a qualquer condenação criminal. E os efeitos extrapenais específicos, previstos no art. 92 do Código Penal ou na Legislação Especial, esses efeitos não são automáticos, eles demandam de manifestação expressa e fundamentada da autoridade judiciaria na sentença condenatória para se efetivarem.

Após fazer essa distinção, ao analisar o art. 4º, inciso I, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos. É um efeito extrapenal obrigatório em relação ao abuso de autoridade, ou seja, independe de manifestação da autoridade judiciaria na sentença condenatória, pois tem efeito automático (LIMA, 2020).

De acordo com Portocarrero e Ferreira (2020), em sentido diverso, os outros dois efeitos extrapenais listados no o art. 4º, inciso II e III, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; e a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Devem ser considerados como efeitos específicos, que dependem da reincidência específica, em crime da Lei de Abuso de Autoridade e de expressa e fundamentada manifestação do judiciário para que sejam aplicados, não são efeitos automáticos. Prova disto esta expressamente no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.

O primeiro efeito extrapenal decorrente da sentença condenatória transitada em julgada e tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime, na parte inicial , o dispositivo reproduz integralmente o art. 91, inciso I, do Código Penal, mas inova na parte final ao determinar que a requerimento do ofendido, o juiz da vara criminal, fixe na sentença o valor mínimo para reparação dos danos (GRECO E CUNHA, 2020).

O ofendido não é mais obrigado a promover a liquidação para apuração do valor a título de reparação, com o transito em julgado desta decisão, a vítima poderá promover, de imediato, no âmbito cível, a execução deste valor, caso entenda que o valor mínimo fixado pelo juiz ficará aquém do prejuízo efetivamente causado, o mesmo título executivo judicial poderá dar ensejo, simultaneamente, a execução de valor liquido e outro ilíquidos, após o último passar por previa liquidação (GRECO E CUNHA, 2020).

O segundo efeito extrapenal previsto na Lei de Abuso de Autoridade é a inabilitação para o exercício do cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 a 5 anos. Uma vez decorrido o período estabelecido na sentença condenatória, o agente público condenado volta a estar habilitado ao exercício das referidas atividades.

No art. 92, inciso I, o Código Penal prevê como efeito da condenação, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo nos casos em que forem aplicadas penas privativas de liberdades por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 anos, nos demais crimes. Diferentemente deste efeito da condenação, previsto no CP, a Lei de Abuso de Autoridade, que também prevê a perda do cargo, do mandato ou função pública, neste caso para que seja aplicado, basta que haja reincidência no crime de abuso de autoridade, nada determina sobre a quantidade ou o tipo de pena aplicada, então o art. 4, inciso III, da Lei nº 13. 869/ 19 funciona como norma especial em relação ao art. 92, inciso I, Código Penal, a aplicação motivada desse efeito poderá ocorrer independentemente do tipo de pena ou quantum de pena aplicada, desde que o agente seja reincidente específico em crime de abuso de autoridade. Mesmo se o funcionário viesse a se aposentar dias após a sentença condenatória fundamentada que determina a perda do cargo por crime cometido na atividade, é legitima a cassação da sua aposentadoria. A autoridade administrativa tem o dever de proceder a demissão do servidor ou cassação da aposentadoria, independente da instauração de processo administrativo disciplinar, que será desnecessário, porque qualquer que seja a conclusão em que chegar o processo administrativo, não terá condão para modificar o decreto penal condenatório. Inclusive se o administrador não cumprir a decisão, ele pode ser responsabilizado criminalmente pelos delitos de prevaricação e/ou desobediência. Neste efeito, não se possui um prazo, é um efeito permanente, o agente não só perde o cargo, como também fica impossibilitado de exercer outro cargo, função pública ou mandato, somente por meio de reabilitação criminal, que poderá readquirir sua capacidade de ocupar novo cargo, função ou mandato, desde que seja por nova investidura, sendo vedado o restabelecimento da situação anterior (LIMA, 2020).

Greco e Cunha (2020), expressão entendimento contrário de que se no curso do processo penal, o a gente pedir exoneração ou renunciar ao mandato ou se demitir, nesse caso, não será possível o juiz determina a perda do cargo, função ou mandato, entretanto será possível, motivadamente, que inviabilize que o referido agente volte a exercer qualquer outro cargo, função pública ou mandato pelo período de 1 a 5 anos.

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Ao contrário do pensamento dos autores apresentados acima, Portocarrero e Ferreira (2020) entendem, que o efeito do inciso II é cumulativo com o do inciso III, jamais podendo se operar de forma dissociada da perda de cargo.

4.5 Substituição das penas restritivas de liberdade por restritivas de direitos

De acordo com Portocarrero e Ferreira (2020), a atual lei prevê as penas restritivas de direito que poderão ser aplicadas na hipótese de substituição. Por tanto, não poderão ser aplicadas, quanto ao abuso de autoridade, outras penas restritivas de direito porventura trazidas pelo Código Penal ou outras Leis Extravagantes. Como a Lei de Abuso de Autoridade não previu os requisitos necessários para substituição, de acordo com o art. 12 do CP, se aplica os requisitos do CP quando a lei especifica for omissa. Então no que tange aos requisitos para a substituição, todavia, serão os mesmos do art. 44, CP:

 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II o réu não for reincidente em crime doloso; 

III a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (BRASIL, 1984).

As espécies de penas restritivas de liberdade prevista pela Lei 13.869/2019 são as seguintes:

Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:

I - Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

II - Suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens (BRASIL, 2019).

A prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas somente, de acordo com o Código Penal, será aplicada às condenações superiores a 6 meses de privação de liberdade (art. 46, caput, CP), sendo que até os 6 meses, poderão ser aplicadas as penas substitutivas previstas no inciso I (prestação pecuniária), II (perda de bens e valores), V (interdição temporária de direitos) e VI (limitação de final e semana) do art. 43 do CP, além de multa. Existe uma discussão sobre esse piso de 6 meses continuar na Lei de Abuso de Autoridade ou não, uma corrente entende que o silencio da lei especial elimina o requisito, podendo ser aplicada a prestação de serviços à comunidade mesmo para condenações inferiores a 6 meses. Para outros, o silêncio obriga o aplicador observar a norma geral, isto é o limite mínimo de 6 meses para que se aplica a pena de prestação de serviços à comunidade. O entendimento de Lima (2020) e Greco e Cunha (2020) é pela primeira corrente.

As referidas penas restritivas de direito podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente, o juízo que fundamentadamente determinará, analisando as circunstâncias do caso concreto e as condições pessoais do sentenciado. O descumprimento injustificado da pena restritiva de liberdade fará com que a pena alternativa seja convertida em privativa de liberdade (GRECO E CUNHA, 2020).

4.6 Ilicitude penal, civil e administrativa

A tríplice sanção, a lei 13. 869/2019 não apenas trata da responsabilidade penal, mas também da responsabilidade administrativa e civil daquele que pratica o abuso de autoridade. Não se pode falar em bis in idem caso o a gente seja condenado nas três esferas pois são distintas as naturezas da sanção. Contudo, restando decidido na esfera penal que o fato existiu e que o agente foi o seu autor, essas questões não poderão ser rediscutidas na esfera civil e administrativa, como do contrário também, se na esfera penal ficar decidido pela inexistência do fato ou que o agente não é o autor. Da mesma forma, que se a sentença penal reconhecer a presença de alguma das excludentes de ilicitude, o juiz civil e a autoridade administrativa também estarão vinculados a essa decisão (PORTOCARRERO E FERREIRA, 2020).

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Sobre a autora
Letticia Azeredo Viana

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes, em Campos dos Goytacazes (RJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Candido Mendes - Campos, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Dr. Frank Pavan de Souza.

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