Capa da publicação Proteção de dados: odisseia digital, o homem e a máquina

Odisseia digital, o homem e a máquina:

a preocupação contemporânea em se proteger dados

25/10/2021 às 18:47
Leia nesta página:

Sumário: 1 Aspectos Gerais da Proteção de dados. 1.1 Breve Histórico. 1.2 Legislações Europeias sobre a proteção de dados. 2 A sociedade da Informação e a Proteção de Dados. 2.1 A Importância da Proteção de Dados. 2.2 Entendimentos Jurisprudenciais a Cerca da Proteção de Dados. 3 Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD). 3.1 Introdução do RGPD. 3.2 Impacto do RGPD em Portugal. 4 Conclusão. Referencias.

RESUMO: A sociedade informacional instaurada nos dias atuais faz com que o Direito à Proteção de Dados ganhe cada vez mais importância. É em face a essa preocupação que o Parlamento e o Conselho Europeu propuseram o Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD) objetivando aumentar a segurança do utilizador em função de uma realidade na qual se torna cada dia mais comum a comercialização, o abuso e a exposição de dados pessoais, fato que viola inúmeras disposições legais já consagradas. Nesse sentido, devido à grande evidência atual do tema em uma sociedade cada mais globalizada e informatizada, é necessário conhecer o contexto histórico da proteção de dados, passando pelas legislações que dispõem a respeito do tema, para enfim compreender a necessidade da implementação de um Regulamento que venha proteger de maneira mais rígida e eficaz os Dados Pessoais dos indivíduos e por fim, qual o impacto que tal fato acarretará em Portugal.

Palavras-chave: Dados Pessoais, Proteção de Dados, Regulamento Geral da Proteção de Dados Pessoais, Sociedade da Informação.


1 ASPECTOS GERAIS DA PROTEÇÃO DE DADOS

1.1 BREVE HISTÓRICO

A evolução tecnológica acompanha a humanidade desde o seu surgimento, no entanto, o homem percorreu um longo caminho desde a criação das primeiras ferramentas utilizadas para caça e se alimentação cerca de 2.000.000 a.C., até surgimento da Sociedade da Informação, marcada por grandes avanços tecnológicos no século XX, como a criação do computador pessoal em 1978 e o surgimento da internet, que transformou os computadores num objeto de ligação com o mundo em 1984. Essa trajetória pode ser considerada uma verdadeira Odisseia, fazendo referência o poema épico do século IX a.C. de Homero, que utilizado atualmente no sentido figurado, narra uma viagem cheia de aventuras extraordinárias, peripécias com ocorrências singulares, variadas e inesperadas.

O constante avanço tecnológico, as metas básicas do novo sistema em adquirir, armazenar, processar e disseminar informações e o surgimento de novas dimensões na coleta e tratamento de informações é capaz de provocar grande preocupação político-institucional, uma vez que o uso das novas tecnologias por meio de técnicas cada vez mais intrusivas, especialmente no que diz a respeito da tutela de dados e informações pessoais, acarreta desafios constantes à proteção da privacidade e segurança no ambiente digital, colocando consequentemente em questão a proteção de dados pessoais.

Quando se fala em proteção de dados, é inevitável que seja feita uma assimilação do tema a outros com os quais se encontram diretamente relacionados, como por exemplo o direito à privacidade, direito ao acesso, e o direito à informação. Nesse sentido, sabe-se que a preocupação com direito à reserva sobre a intimidade da vida privada não é assim tão recente, foi proposta em um artigo escrito pelo advogado Samuel D. Warren, publicado pela Harvard Law Review em 1890 e posteriormente intitulado como The Right to privacy O Direito a Privacidade. Desde então passou a compor diversos documentos de caráter internacionais e europeus. (CABRAL, 1988)

Já quando o assunto é referente ao direito à informação, abrange-se consequentemente um conceito muito amplo, uma vez que existem diversas situações onde ele se aplica, no entanto, segundo o autor italiano Perlingieri, o direito à informação geral é aquele individual, a favor do particular, que se impõe como bem jurídico desde que tenha uma utilidade social e esteja tutelado no ordenamento jurídico. Sendo assim, não deve ser confundido com as outras vertentes desse mesmo direito, como por exemplo, o acesso a informação pública ou a informação enquanto notícia. (PERLINGIERI,2008)

Dito isso, é importante ressaltar que o direito à informação nunca esteve tão evidente quanto nos dias atuais, uma vez que foi nos últimos tempos que a internet se massificou como sendo um dos mais importantes meios de informação. Como já se sabe, o direito acompanha a realidade social, por esse motivo deve acompanhar à crescente mutação das tecnologias da informação, tendo em vista o impacto que ela causa em toda a esfera jurídica no âmbito da privacidade e da proteção de dados. Nesse sentido dispõe Maria Teixeira (2017, p.83) :

Tendo em conta a nova sociedade da informação e a rapidez com se divulgam e dispersam os dados, por vezes desinseridos do contexto em que foram facultados, qualquer informação, por mais inócua que seja, pode tomar num outro contexto um valor de referência diferente, e pode gerar na esfera de umas lesões diversas e irreparáveis, sejam elas de carácter familiar, pessoal ou até profissional.

Resta então definir o que se entende por dados pessoais, e qual sua importância, uma vez que se faz tão fundamental protegê-los. Pedro Marques Gaspar define um dado pessoal como sendo qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável. Sendo assim, toda e qualquer operação que envolva dados pessoais é considerada um tratamento de dados pessoais, gozando então de todos os direitos que dizem respeito aos titulares de dados como por exemplo o direito à informação, ao acesso, a retificação e eliminação, e ao direito à oposição.

Nesse contexto, a importância de se legislar sobre a proteção de dados decorre da necessidade de adaptar sistemas do Estado social e de entidades privadas detentoras de uma enorme massa informacional ao desafio das tecnologias da informação (HONDIOUS, 1975, p.558).

A primeira legislação a fazer uma referência, mesmo que indireta, acerca da proteção de dados em âmbito mundial, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH em seu artigo 12° que dispõe da seguinte maneira: Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contrastais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei. Esse foi então o alerta inicial da importância de se legislar sobre o tema, expandindo essa iniciativa por diversos continentes.

1.2 LEGISLAÇÕES EUROPEIAS SOBRE PROTEÇÃO DE DADOS

Em cenário europeu, a primeira disposição a tratar sobre a proteção de dados é decorrente do rescaldo da Segunda Guerra Mundial, quando o conselho da Europa percebeu a necessidade de adoção da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) proposta em 1950, com entrada em vigor em 1953. A CEDH dispõe a respeito da proteção de dados pessoais constante em seu artigo 8°, que irá garantir o direito ao respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pela correspondência, além de estabelecer condições em que são permitidas restrições a esse direito

No entanto, com o passar do tempo, fez-se necessária a adoção de regras mais específicas a respeito da salvaguarda do indivíduo através da proteção de seus dados pessoais, isso é devido a crescente tecnologia da informação a partir da década de 60. Foi nesse contexto então que surgiu na década de 70 a convenção 108 do Conselho da Europa sobre a proteção de dados pessoais, caracterizada como único instrumento internacional juridicamente vinculando no domínio da proteção de dados e estando hoje aberta a adesão de Estados que não sejam membro do CdE, incluindo países não europeus. Nesse sentido, afirma Regente, 2015, p.16:

Os primeiros textos referentes à proteção de dados encontram-se assinalados pelo uso do computador para finalidades administrativas e comerciais, e pela constatação dos riscos de concentração da informação pessoal em grandes bancos de dados públicos ou privados, sublinhado pelo perigo que os meios informáticos oferecem para a privacidade do indivíduo. Posteriormente os demais textos têm como base o indivíduo como centro da proteção de dados, considerando que o titular dos dados seria um elemento fundamental para o combate aos abusos no domínio da proteção de dados, devendo ser provido de efetivos direitos de intervenção preferencialmente reconhecidos constitucionalmente ()

A União Europeia também legislou de maneira a vincular somente os seus Estados-Membros por meio da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995. Essa diretiva faz referência a relativa proteção das pessoas singulares, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação de dados e foi adotada em 1995, numa altura em que dada a importância do tema, alguns Estados-Membros tinham já adotado leis nacionais sobre proteção de dados.

No que diz respeito a representação de Portugal na proteção de dados, a Constituição da República Portuguesa foi o primeiro texto constitucional da Europa a consagrar a proteção dos dados pessoais ainda no ano de 1976. A CRP elenca essa proteção em seu artigo 35º n 1 da seguinte maneira: Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua retificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei, além de outras disposições relacionadas ao tema.

Mas foi só em 1991 que Portugal passa a contar com legislação ordinária a respeito da proteção de dados, por meio da nº 10/91 que legislava sobre a proteção de dados pessoais face à informática, influenciada pela convenção 108. Mas essa lei 10/91 foi posteriormente revogada pela entrada em vigor da Lei da Proteção de Dados n° 67/98, que veio transportar para o direito português a diretiva 95/46/CE da União Europeia. A respeito da Lei de Proteção de Dados de 1998, Catarina Sarmento (2005, p.51) dispõe:

A Lei da Proteção de Dados Pessoais, está dividida em VII capítulos, sendo que o âmbito da sua aplicação encontra-se regulamentado no artigo 4.º, delimitando a sua aplicação territorial ao tratamento de dados efetuados por um responsável estabelecido em território português, aplicando-se também aos tratamentos de dados realizados fora do território português quando, por força do direito internacional, seja aplicada a legislação portuguesa e ainda, aos tratamentos de dados realizados por responsável que, não estando estabelecido em território da União Europeia, realize tratamentos de dados pessoais recorrendo a meios situados em território português.

Um outro marco importante na história de Portugal em relação a proteção de dados é a criação da CNPD Comissão Nacional de Proteção de Dados que iniciou o seu mandato em 7 de janeiro de 1944. Segundo Garcia Marque e Lourenço Martins (2004, p.341) á CNPD são incumbidos poderes de investigação e de inquérito, de poderes de autoridade, designadamente o de ordenar o bloqueio, apagamento ou destruição de dados, bem como o de proibir, temporária ou definitivamente, o tratamento de dados pessoais, ainda que incluídos em redes abertas de transmissão de dados a partir de servidor, situados em território português.

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2 A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A PROTEÇÃO DE DADOS

2.1 IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Vivemos em um mundo onde o desenvolvimento tecnológico avança tão rápido que o homem não o consegue alcançar, é a chamada Sociedade da Informação. Paulo Ferreira da Cunha (2018, p. 226) compara esse novo tipo de sociedade com à Caixa de Pandora antes de aberta aí se pensava residirem todos os bens, quando, na verdade, se encontravam guardados todos os males, salvo a Esperança, que permaneceu, apesar de tudo, e que é o que ainda nos vai animando. Nesse sentido, sabe-se que o ser humano tem a aptidão de se adaptar, e como tal, as pessoas tendem a entrar em comum acordo com suas necessidades.

É de conhecimento geral que a internet atualmente possui a indiscutível capacidade em dinamizar todo o contexto social, com isso, frente aos novos desafios digitais, emerge a demanda pela proteção de dados pessoais em âmbito virtual, em defesa dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente nesse sentido. A preocupação em proteger as informações nos meios digitais, desde a regulamentação do local de armazenamento, até ao efetivo acesso, encontra-se tanto em empresas e organizações quanto em órgãos públicos. Nesse sentido RODOTÁ, 2008, p. 24 dispõe:

O surgimento de novas dimensões na coleta e tratamento de informações foi capaz de provocar, paulatinamente, um aquecimento no resgate à privacidade, o que trouxe à tona a consciência de que novas questões desta natureza necessitariam uma abordagem que se distanciasse do quadro institucional que se aproxima desses conceitos. Reflexo disto é um debate que se dá em meio a uma virada qualitativa, para além de se identificar com a clássica defesa da esfera privada face a invasões externas. Entra em cena agora a própria tessitura organizacionacional do poder, resinificada pela própria infraestrutura da informação como componente fundamental.

É inegável que a humanidade está cada vez mais digital, globalizada e sendo alimentada pela internet, fato gerador de problemas nunca enfrentados antes, como por exemplo o roubo de dados pessoais de grandes empresas. Isso coloca em questão a intimidade e privacidade do indivíduo, e nesse atual cenário a segurança vem sido posta à prova diariamente, sendo assim, essas situações começam a evidenciar a necessidade da criação de novas fronteiras adequadas à nova realidade digital. Com isso, surgiu a inevitável preocupação Estatal em analisar o tema da proteção de dados pessoais. (RUARO E RODRIGUEZ, 2010)

2.2 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS A CERCA DA PROTEÇÃO DE DADOS

Devido à alta evolução tecnológica e a globalização, a proteção de pessoas singulares relativamente ao tratamento de Dados Pessoais é um direito fundamental e deve ser protegida pelo Estado e por toda a estrutura governamental. Nesse sentido, o Poder Judiciário vem provendo inúmeros entendimentos em face à atual evidência do tema, as jurisprudências decorrem de todas as esferas judiciais, incluindo os Tribunais Portugueses, o Tribunal Constitucional e até mesmo o Tribunal de Justiça da Europa, estando algumas delas inclusive dispostas na página online da CNPD.

O Tribunal Constitucional formulou pela primeira vez uma definição do conteúdo do direito à reserva da vida privada no Acórdão n.º 128/92, desde então, foram muitos os entendimentos a se manifestarem nesse sentido, visando proteger os dados pessoais decorrentes da exposição causada pelo avanço tecnológico. Além da ampla regulamentação legal no âmbito interno, são diversos os entendimentos no plano internacional sobre o acesso de dados, como o Acordão de 08/04/2014, Digital Rights Ireland Ltd., publicado pelo Tribunal de Justiça da União, que decidiu pela violação do direito primário da UE pela Diretiva Conservação de Dados.

Um exemplo jurisprudencial mais recente no âmbito interno, que objetiva proteger Dados Pessoais, é o acordão n° 403/2015 de 27 de agosto, onde o Presidente da República requereu análise por parte do Tribunal Constitucional Português da norma constante no n° 2 do artigo 78° do Decreto n° 426/XII da Assembleia da República, que aprova o Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa. A norma colocada em questão dispõe da seguinte maneira:

Artigo 78.º- Acesso a dados e informações: 2 Os oficiais de informações do SIS e do SIED podem, para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º, e no seu exclusivo âmbito, aceder a informação bancária, a informação fiscal, a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações, necessários para identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e identificar a fonte, o destino, a data, a hora, a duração e o tipo de comunicação, bem como para identificar o equipamento de telecomunicações ou a sua localização, sempre que sejam necessários, adequados e proporcionais, numa sociedade democrática, para cumprimento das atribuições legais dos serviços de informações, mediante a autorização prévia e obrigatória da Comissão de Controlo Prévio, na sequência de pedido devidamente fundamentado.

Nesse sentido, fica vulnerável o acesso aos dados das comunicações, o que põe em causa direitos fundamentais das pessoas envolvidas no ato comunicacional, violando seus direitos constitucionais E não é apenas a invasão ou intromissão no conteúdo informacional veiculado pelos meios de transmissão (dados de conteúdo), que os afetam, mas também as circunstâncias em que a comunicação foi realizada (dados de tráfego) (Acórdão n° 403/2015).

Assim, o Tribunal decidiu se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma do n° 2 do artigo 78° do Decreto n° 426/XII da Assembleia da República, por esta restringir de maneira grave o direito fundamental consagrado no artigo 34° da Constituição da República Portuguesa, que dispõe em seu nº 4 É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. Ademais, a norma faz várias outras limitações que repercutem sobre outros direitos constitucionalmente consagrados como, a liberdade individual, a reserva da intimidade da vida privada consagrado no artigo 26° da CRP.

Nota-se então cada vez mais a atual importância em ter-se uma legislação concreta que venha baseada nas diversas decisões judiciais e nas demais legislações existentes que já estabeleçam regras referentes a proteção de dados devido ao fato do universo das informações em meios digitais estar em frequente e acelerada expansão e a crescente introdução de novas tecnologias digitais nas redes de comunicações públicas gera grande capacidade e possibilidade de tratamento de dados pessoais, e determina a necessidade de acautelar novos requisitos específicos de proteção de dados pessoais e da privacidade dos utilizadores.

3 REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (RGPD)

3.1 INTRODUÇÃO DO RGPD

O Regulamento Geral de Proteção de Dados ou GDPR (General Data Protection Regulation) é um diploma Europeu (EU 2016/679) que tem como objetivo reforçar a Proteção de Dados na Europa compatibilizando as legislações existentes nos Estados-Membros. Gerando assim base para um único mercado digital, qual seja regulado pelas mesmas normas referentes à proteção, tratamento e livre circulação de dados pessoais singulares ou de instituições em todos os países membros da União Europeia.

Após quatro anos de intensas discussões acerca do tema, o Regulamento Geral da Proteção de Dados foi publicado em 27 de abril de 2016, entrando em vigor em maio de 2016 e prevendo um período de transição de dois anos para a implementação total do regulamento, que começará a ser aplicado de fato, a partir de 25 de maio de 2018. A nova política veio substituir a Diretiva 95/46/CE após 20 anos de sua publicação, a qual servia até então como base das leis europeias a respeito da proteção de dados.

São muitas as inovações trazidas pelo novo sistema de Proteção de Dados, mas de uma forma geral, as mudanças mais representativas foram três. A primeira é no âmbito da cultura das organizações, por meio da eliminação de procedimentos de notificação e autorização gerando uma ideia de auto-regulamentação nas empresas, que se não cumprir o disposto sofre severa aplicação de penalização. Segundo o vice-presidente da ACEPI- Associação da Economia Digital, Jorge Silva Martins: Esta mudança de paradigma, disruptiva pela amplitude com que surge consagrada, constitui, efetivamente, uma das principais alterações introduzidas pelo RGPD e que obrigará a um esforço de adaptação interno nas organizações que irá muito para além da data de início de aplicação do novo diploma.

A segunda alteração é jurídica, pois gera a necessidade de uma avaliação crítica por parte das empresas no que diz a respeito de duas metodologias, documentação e práticas internas que tratam da proteção de dados, e a terceira mudança está relacionada esfera tecnológica, uma vez que obriga as organizações a implantar mecanismos que assegurem a segurança do sistema dos serviços de tratamento de dados. Em síntese, o advogado Ricardo Enriques, (2016) se pronuncia:

A maior novidade e que terá mais impacto na vida das empresas, procurando assim motivar o seu cumprimento da lei, é a responsabilização das empresas que tratam dados pessoais ou a obrigação de prestação de contas. Aqui inclui-se, entre outras, a obrigação de manutenção de registos por responsáveis e subcontratantes; de cooperação com autoridades de supervisão; de avaliações de impacto (de medidas) sobre a protecção de dados; de consulta prévia com as autoridades de protecção de dados em casos de alto risco; de notificação de violação de dados às autoridades de protecção de dados no prazo de 72 horas após detecção de um incidente; e, por último, mas talvez a mais relevante, maiores penalizações em caso de incumprimento, podendo atingir até 20 milhões de euros, ou até 4% do volume de negócios anual total a nível mundial, o que for maior.

Sendo assim, a nobre proposta de um quadro para a proteção de dados sólido e corrente na União, apoiado por uma aplicação rigorosa de regras como sanções equivalentes para os infratores nos Estados Membros feita pela Comissão Europeia através do Regulamento Geral da Proteção de dados, acaba pecando devido a falta de clareza, dando margem para as mais variadas interpretações no que tange principalmente as matérias sancionatórias, o regime processual aplicável e a relação das novas normas com as atualmente vigentes. (RAMALHO; MOUTINHO, 2015)

3.2 IMPACTO DO RGPD EM PORTUGAL

O Regulamento Geral da Proteção de Dados, que tem aplicação obrigatória em todos os Estados Membro da União Europeia (EU), substitui em Portugal a Lei 67/98, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a anterior Diretiva 95/46/CE. Nesse sentido, nota-se que a preocupação com a proteção de dados não é novidade em Portugal, e em uma comparação entre o RGPD e a Lei n° 67/98 não se encontram muitas diferenças a nível de proteção de dados pessoais. O desafio está então na adaptação as diversas alterações significativas a nível das regras do jogo e da operacionalização desses princípios.

É natural que as organizações portuguesas se sintam ameaçadas no processo de assimilação do novo regulamento, um estudo promovido pela KPMG que buscou descobrir os impactos do Regulamento Geral da Proteção de Dados em Portugal, objetivando conhecer as práticas de proteção de dados pessoais e os diferentes graus de preparação nos setor econômico português, constatou que 53% das organizações prevê que a implementação do RGPD acarretará um impacto alto ou muito alto em termos de tempo, esforço e custo de implementação. No entanto, é necessária uma mobilização que demonstre a capacidade para entrar em conformidade com o RGPD no prazo estipulado.

Segundo Felipa Calvão, doutorada em direito que lidera a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) desde 2012, a proposta de autorregulação advinda com o RGPD, gera uma série de angustias em face das organizações portuguesas, por estarem acostumadas ao controle prévio por parte da CNPD, não se sentem preparadas para essa responsabilidade toda. Ela manifesta ainda sobre o novo quadro sancionatório, que chega a multas até 20.000.000 de euros ou 4% da faturação global. As sanções maiores estão pensadas para todo o espaço europeu, portanto para grandes empresas que têm um lucro elevado e que fazem lucro com dados pessoais.

Sendo assim, mesmo não existindo exemplos concretos de empresas em Portugal que tenham abusado de informações constante de dados pessoais dos cidadãos, é compreensível a tomada de consciência em face a uma possível violação de regras referentes a questão do tratamento de dados, o que justifica uma proteção rígida, eficaz e a aplicação de sanções ao longo do tempo. Com isso, as grandes empresas, as pequenas, que mais sofrem para colocar em pratica as obrigações impostas do RGPD, além do próprio Estado, mesmo não estando sujeito a aplicação de sanções pecuniárias pelo lapso de 3 anos após entrada em vigor do RGPD, devem estar preparados face as novas regras.

CONCLUSÃO

Conforme exposto, a preocupação acerca de temas que envolvem a esfera da proteção de dados, como o direito à privacidade, direito ao acesso, e o direito à informação não é nada recente, existem já há muitos anos inúmeras legislações que visam regular esse conteúdo, tanto em âmbito internacional e europeu quando em âmbito interno. No entanto com a constante evolução de tecnologias informativas a preocupação acerca desse assunto aumenta, uma vez que as novas tecnologias invadem cada vez mais a esfera privada do cidadão.

Por esse motivo, medidas que venham a assegurar o tratamento de informações pessoais se tornaram indispensáveis. Nesse sentido, a implementação do Regulamento Geral da Proteção de Dados em toda a União Europeia se fez necessário, mesmo em meio as tantas opiniões divergentes a respeito da maneira pela qual dispõe sobre determinados assuntos polêmicos, como o valor altíssimo das sanções para aqueles que não se adaptarem às novas normas do Regulamento no prazo disponível até a sua entrada em vigor.

O Estado Português apesar de legislar a respeito da proteção de Dados já há cerca de 20 anos, não deixa de ser afetado com as novas regras impostas pelo Regulamento, principalmente no cenário econômico empresarial onde o medo das sanções é eminente por parte das organizações que temem não conseguir cumprir com as novas responsabilidades, nada simples, agora delegadas a elas. Nesse sentido, cabe a todos, empresas privadas, públicas e também ao Estado se adaptar à nova realidade que começa a entrar em vigor daqui a nove dias, no dia 25 de maio de 2018.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Rital Amaral. O Direito à Intimidade da Vida Privada: Breve Reflexão Acerca do Artigo 80° do Código Civil. Lisboa: AAFDL, 1988.

CASTRO, Catarina Sarmento e. Direito da Informática, Privacidade e Dados pessoais. Coimbra: Edições Almedina, 2005.

CUNHA, Paulo Ferreira da. Pandora & os Reis Mendigos. R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 16, n. 22, p.225-246, jan./jun. 2018.

HENRIQUES, Ricardo. Perspectivas para a Protecção de Dados Pessoais. Disponível em < https://www.publico.pt/2016/01/28/mundo/opiniao/perspectivas-para-a-proteccao-de-dados-pessoais-1721553>. Acesso em 12 mai. 2018.

HONDIOUS, Frits W. Emerging Data Protection in Europe. Amesterdão: North-Holland Publishing Company, 1975.

MARQUES, Garcia; MARTINS; Lourenço. Direito da Informática. Lisboa: Almedina 2ª ed. 2006.

PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

REGENTE, Diuliane Ellen Ribeiro. A Proteção de Dados Pessoais e Privacidade do Utilizador no Âmbito das Comunicações Eletrônicas. Lisboa: Tese de Mestrado, 2015.

RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: A Privacidade Hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

RUARO; Regina Linden; RODRIGUEZ, Daniel Piñeiro. O Direito à Proteção de Dados Pessoais na Sociedade da Informação. Acesso em 11 abr. 2018.

TEIXEIRA, Maria Leonor da Silva. A União Europeia e a Protecção de Dados Pessoais: Uma visão futurista. Lisboa: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, 2017.

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Sobre a autora
Isadora Neves

Graduada em Direito; Aprovada no XXXIII Exame de Ordem; Especialista em Direito Médico; Mestranda em no programa 'Master of Science in Legal Studies, Emphasis in International Law', Professora do ensino superior. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1448193965715706

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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