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A inconstitucional PEC da vingança

29/10/2021 às 13:00
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A PEC n. 5/2021, apelidada de PEC da vingança, permitirá que o Corregedor do CNMP seja escolhido dentre os indicados pelo Congresso Nacional. Será o fim da independência funcional do Ministério Público?

A atual redação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05/2021, apelidada de PEC da vingança, é um risco para a sociedade, uma vez que permitirá que o Corregedor Nacional (que também será o Vice-Presidente) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) seja escolhido dentre os indicados pelo Congresso Nacional, permitindo indicações políticas oriundas da Câmara e Senado,

Com efeito, afronta o desenho institucional republicano e democrático dos poderes públicos brasileiros compactuar com a indicação externa de um cargo tão sensível para funcionar como Corregedor de uma carreira, ou membros, de um Órgão, haja vista que as diversas competências administrativas da função da Corregedoria estão umbilicalmente ligadas a medidas que poderão gerar impactos no regular exercício das funções de uma instituição, tolhendo a independência relacionada à atividade-fim e indicando o nítido propósito de interferir nas atividades exercidas pelo Órgão.

Em outras palavras, a Proposta de Emenda à Constituição, caso aprovada, certamente irá gerar uma direta intimidação na atuação de promotores de Justiça e procuradores da República, porquanto permitirá que estes sejam submetidos a sindicâncias ou a processos administrativos disciplinares PAD (este após referendo do plenário), por ordem de um Corregedor, que poderá servir de instrumento para fins de perseguição política e retaliação por conta de ações ou medidas adotadas em detrimento de setores do poderio econômico e/ou político, prejudicando diretamente o combate à corrupção, à criminalidade organizada, e à defesa do meio ambiente e do  patrimônio público.

Nesse ponto, cumpre destacar que, por força do artigo 18 do regimento interno do CNMP, o Corregedor Nacional detém as funções de determinar o processamento de reclamações disciplinares, instaurações de sindicâncias e PAD (este ad referendum do plenário), entre outras providências, figurando na condição de peça chave com sensíveis atribuições dentro do Órgão.

Além disso, a PEC altera de 02 (dois) para 05(cinco) o número de integrantes indicados pelo Parlamento, o que resultará – uma vez que não possuem conhecimento da rotina funcional do Ministério Público (MP) - em um potencial aumento na instauração de processos disciplinares, por não terem noção do funcionamento alusivo à rotina peculiar do Órgão.

Por outro lado, não se pode deixar de argumentar acerca do fato de que a presença de integrantes indicados pelo Congresso resultaria, em tese, em uma maior oxigenação e imparcialidade do Conselho. Em verdade, o direcionamento de membros oriundos de uma Casa política, inevitavelmente aumentaria o potencial de votos ou posicionamentos de cunho político, ou com viés de retaliação, às ações e medidas adotadas pelos membros do Ministério Público, em virtude das sensíveis atribuições do Ministério Público brasileiro ligadas ao combate à corrupção, defesa do meio ambiente e do regime democrático, entre outros.

É válido relembrar que o CNMP funciona, entre outras atribuições, como um Tribunal de ética e disciplina, e deve possuir os atributos de imparcialidade no julgamento de eventuais desvios dos membros do Ministério Público; por tais razões, o acréscimo de 03 (três) integrantes indicados pelo Congresso Nacional inevitavelmente desvirtuará a essência do Conselho, ligada ao controle externo da atividade do Parquet e dos desvios funcionais praticados no exercício da função, bem como representará uma quebra da paridade e simetria de tratamento com o Poder Judiciário (artigo 129,§4º, da Constituição Federal) relativos ao quantitativo de 02 (dois) membros indicados pelo Parlamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da nomeação do Corregedor, que deve ser escolhido pelos seus pares, dentre um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 7º do regimento interno do CNJ.

As alterações ocasionarão uma ruptura no tratamento substancial existente entre os dois Conselhos (CNMP e CNJ), sem qualquer fundamentação lógica e razoável, levando, fatalmente, à conclusão de que resultará em interferência política na condução e votação dos temas afetos ao Ministério Público brasileiro, atingindo-se, assim, a essência do Parquet na condição de instituição permanente (artigo 127, caput, da Constituição Federal). Ademais, há que se dizer que o Ministério Público é cláusula pétrea implícita, isto é: embora não prevista no art. 60, §4º, da CF/88, afigura-se insuscetível de alteração em virtude do conteúdo apresentado pela norma fundamental, que é de extrema importância para o Estado Democrático de Direito, na medida em que o MP possui a missão constitucional de defensor da ordem jurídica, do regime democrático, e de relevantes valores sociais

Com efeito, não se pode olvidar que a imparcialidade e independência são pilares essenciais ao funcionamento regular de um Estado Democrático de Direito e, sendo o MP uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, não poderá ter as suas garantias institucionais impactadas por alterações constitucionais que atinjam a essência de sua relevante missão institucional, conforme leciona Alexandre de Moraes:

sendo as liberdades públicas objeto da proteção jurídica em matéria de direitos constitucionais em cuja defesa deve agir o Ministério Público, a independência funcional da instituição transforma-se em garantia fundamental implícita da Constituição Federal, com o escopo de concretizar as liberdades-públicas positivas, principalmente, no art. 5º da Constituição Federal. Estaremos diante das hipóteses chamadas por Canotilho de limites tácitos. Limites tácitos, para Canotilho, ou poderes implícitos, para o ministro Celso de Mello; o certo é que não pode sofrer alterações, em virtude de serem garantias à defesa dos direitos fundamentais e do regime democrático previstos na Constituição Federal. Retirar do Ministério Público tais funções, ou mesmo retirar-lhes as garantias para o bom exercício destas funções corresponde a diminuir a efetividade das liberdades públicas, ou em outras palavras, aboli-las parcialmente, de forma implícita, o que é taxativamente vedado pelo texto constitucional. Desse modo, por ser o Ministério Público instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido, entre outras importantíssimas funções, da defesa de cláusula pétrea como a separação de Poderes, os direitos e garantias individuais e a própria existência da Federação e do voto direito, secreto, universal e periódico, ao defender o regime democrático, nenhuma norma do Poder Constituinte derivado poderá alterar sua estrutura orgânica, suas garantias de independência e imparcialidade e suas funções de controle, todas fixadas em defesa da própria sociedade e da perpetuidade da democracia (MORAES, p. 691)

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Cumpre esclarecer que aqui não se está defendendo medidas de natureza corporativas ou a ausência do controle externo, dos abusos, e desvios funcionais dos Membros, e sim, o respeito à independência funcional (atividade-fim) e à paridade e simetria constitucionais estabelecidas com as funções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), adstritas ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e dos deveres funcionais dos juízes.

Diante de tais considerações, considerando que o MP possui a função de defender os interesses da sociedade, da ordem jurídica, e do regime democrático, e sendo a mudança prejudicial, dentre outros, ao combate à corrupção, defesa da cidadania e do meio ambiente, espera-se que o Congresso Nacional não aprove a proposta de alteração (PEC n.º 05/2021) na estrutura e composição do CNMP, cuja votação está prevista para ser realizada na próxima terça-feira (19/10/2021) na Câmara dos Deputados.


REFERÊNCIA:

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2020.

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Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Leandro Bastos. A inconstitucional PEC da vingança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6694, 29 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94400. Acesso em: 25 abr. 2024.

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