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O saneamento do processo e a preclusão

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30/01/2007 às 00:00
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6- PRECLUSÃO

            O processo é comparável a um vetor, pois toma uma direção e um sentido. O procedimento lhe imprime o sentido, que invariavelmente deve orientar-se para a progressividade da relação processual, a qual é assegurada principalmente pela preclusão.

            Preclusão é a perda da possibilidade de exercício de um direito ou faculdade processual. Em comum com a prescrição e a decadência, a preclusão tem o fato de que uma de suas formas (a preclusão temporal) também estar embasada no transcurso de um lapso de tempo e na inércia da parte, mas se diferencia por ser um fenômeno endoprocessual. [33]

            Sob três formas básicas a preclusão se apresenta. A preclusão temporal é a mais freqüente e, como acima referido, associa um lapso de tempo à inércia. Entra em voga a disciplina dos prazos, especialmente os peremptórios, estabelecida nos artigos 177 a 199 do CPC. A preclusão consumativa caracteriza-se pela impossibilidade de exercício da faculdade ou direito por já terem sido anteriormente exercidos. Exemplo clássico está no efeito "tantum devolutum quantum appellatum" incidente sobre os recursos, quando a parte, ao recorrer, delimita o espectro cognitivo a ser levado a efeito sob o pálio do efeito devolutivo. A preclusão lógica decorre da tomada de posição e/ou execução de ato incompatível com o exercício de determinado direito ou faculdade processual.

            A preclusão funciona como mecanismo de dinamização e ao mesmo tempo de estabilização da relação processual, pois ao mesmo tempo em que assegura a marcha do processo para suas fases ulteriores, estabiliza o conteúdo já vencido, a etapa já passada.

            É virtualmente impossível conceber-se o processo sem a preclusão, mas o seu grau de incidência pode variar conforme a orientação ideológica do sistema e os compromissos fundamentais que constituem a feição de sua estrutura. Hoje este grau de incidência depende do compromisso do sistema com o conteúdo indisponível materializado nos interesses do Estado-Juiz. De fato, a prelusão foi inicialmente concebida como consectário da visão privatista do processo, o que é bem ressaltado por Ovídio Baptista da Silva no seguinte trecho:

            "A preclusão, quer se tome este conceito em sua significação temporal, quer em sentido lógico, representa sempre uma arma que o processo usa em defesa da segurança das relações processuais, em detrimento da justiça material, que é a outra polaridade da tensão a que está submetido o fenômeno jurídico. Não é portanto, de se estranhar que haja sido Chiovenda - o grande mestre do liberalismo burguês do início do século – o precursor e sistematizador do princípio da preclusão em direito processual civil, assim como será igualmente compreensível as tentativas contemporâneas, senão de repúdio, o que em verdade seria absurdo, pelo menos de sensível abrandamento das conseqüências de tal princípio, tendo em vista precisamente, as modernas tendências da filosofia do direito, cuja direção tem-se voltado constantemente para o retorno aos padrões de uma sempre almejada justiça material do caso concreto" [34].

            Hoje, com a compreensão de que o processo tem objetivos políticos e sociais, e não somente jurídicos, e com a colocação da jurisdição ao centro do sistema, o conteúdo indisponível representado pelo interesse do Estado em prestar de forma eficiente a jurisdição, é em vista destes interesses que opera a preclusão. Isto conduz a outro conflito, desta feita no âmago dos interesses do próprio Estado-Juiz.

            Com o constitucionalismo social, inúmeros encargos foram criados para o Estado-Administração, o qual, não tendo condições materiais de suprir as novas demandas sociais, dá margem à intervenção do Poder Judiciário, buscando a efetivação concreta dos novos direitos. A isto se soma o natural desenvolvimento tecnológico e econômico da sociedade. A conseqüência de milhares de novas demandas decorrentes destes fatores é o comprometimento da celeridade, e, por conseguinte, da eficácia prática da jurisdição.

            Nesta ordem de idéias, a aplicação da preclusão que outra sintetizava um conflito entre os interesses tipicamente privados de estabilização das relações e o interesse público na regularidade da relação processual, hoje ainda condensa um conflito entre a busca da regularidade da relação processual e da justiça material de um lado, e, de outro, a celeridade. Então, há um conflito entre interesses do próprio Estado-Juiz.

            O centro de gravidade do instituto revela-se na visão instrumentalista do processo, que antes de tomá-lo como uma realidade auto-suficiente, o conceba como instrumento da Constituição e da sociedade, tendo-se em vista a consciência de que, atualmente, a celeridade também é um requisito da justiça efetiva, ou seja, a busca de regularidade da relação processual e do exercício de ação não pode impedir, além de certo limite, o andamento do processo. No tópico seguinte, poderemos ver como a preclusão opera no saneamento


7- O SANEAMENTO EM SUA DINÂMICA E A PRECLUSÃO

            Como já salientado, a atividade de saneamento é uma constante durante toda a relação processual. Desde a inicial até o derradeiro ato do processo, os aspectos atinentes às "condições da ação" e pressupostos processuais estarão sendo permanentemente fiscalizados.

            Mas, diante da complexidade e multiplicidade das questões a serem enfrentadas surge uma pergunta fundamental: Em que ordem elas serão enfrentadas? Como funciona a dinâmica do saneamento aos olhos do julgador?

            O primeiro aspecto que deve ser observado pelo magistrado concerne às causas de suspeição e impedimento. A possibilidade de manejo da exceção não afasta a possibilidade (e o dever) de indicar motivos de impedimento e suspeição, sendo que os primeiros geram presunção iure et de iure de comprometimento da imparcialidade. [35]

            Se o juiz tem sua parcialidade comprometida, qualquer manifestação sua sobre qualquer das demais questões envolvidas no saneamento estão comprometidas. Logo, o primeiro controle do saneamento deve ser exercido pelo magistrado sobre sua própria situação frente ao processo.

            O juiz incompetente igualmente não poderá emitir juízos válidos acerca das condições da ação e pressupostos processuais. A incompetência que pode ser reconhecida de ofício e á absoluta.

            Após, na seqüência da inicial, surge a qualificação das partes, em face da qual é possível verificar, em regra, a capacidade para ser parte e a capacidade para estar em juízo. Observando os fatos e o direito, que constituem a causa de pedir da demanda, será possível ao magistrado aferir a legitimidade (que é analisada em vista do direito específico) e o interesse processual, diante da situação in statu assertionis. Chegando ao final da exordial, encontrará o pedido, frente ao qual poderá verificar a possibilidade jurídica do pedido e complementar a análise do interesse processual. Após, dentre os documentos que acompanham a inicial, deverá estar a procuração, se for o caso, e estará em questionamento a capacidade postulatória.

            Quanto aos pressupostos processuais objetivos extrínsecos, é difícil que sobre sua presença possa neste momento de análise da inicial ser formado um juízo. Normalmente a outra parte ou o Ministério Público efetua o apontamento da questão mais adiante. Desta forma, após o recebimento da resposta do réu, surgirão, provavelmente, novos elementos. Obviamente nada impede que o magistrado os constate por atuação oficiosa.

            Chega-se, então, à fase específica de saneamento. Diante do desenvolvimento da relação processual, com realização de diversos atos, às questões antes referidas somam-se a dos pressupostos processuais objetivos intrínsecos, ou seja, das nulidades que eventualmente podem ter ocorrido.

            Um segundo aspecto de relevância reside em estabelecer qual a espécie de providências que o saneamento ensejará, que podem ir desde a extinção do feito até a desnecessidade de providência alguma, diante do convalescimento. A ilegitimidade ativa ou passiva conduz à extinção do feito, salvo se mais de uma parte no pólo considerado houver, quando, então, haverá somente exclusão de uma ou mais.

            Os defeitos relativos à capacidade processual e à representação poderão ser sanados, através da suspensão do processo e da concessão de prazo razoável, na forma do artigo 13 do CPC. Somente se desatendida a providência haverá, no caso do autor, extinção do feito e no caso do réu a revelia, ou exclusão do terceiro interveninete.

            A impossibilidade jurídica do pedido pode ser contornada pela determinação de emenda à inicial. Em vista do princípio dispositivo, é defeso ao magistrado sobrepor-se à iniciativa da parte. Todavia, pergunta-se: Há sentido em extinguir o feito para logo depois novo processo ser ajuizado com a corrigenda do pedido? Mais uma distribuição, mais serviço aos serventuários podem ser evitados.

            Já no que diz respeito ao interesse processual, a falta de necessidade e utilidade dificilmente poderá ser contornada sem modificação do pedido, que, aliás, somente pode suprir a utilidade. A adequação do provimento, terceiro elemento do interesse, pode ser afastada pela mudança na tutela postulada. Em regra, é inadmissível a fungibilidade entre tutelas. Mas esta regra comporta exceções, citando-se o exemplo do artigo 273, parágrafo 7º, do CPC. Quando possível a emenda à inicial e prevista a fungibilidade, esta será a medida a ser tomada. Inviável, no entanto, a modificação da tutela quando já em adiantado desenvolvimento o processo. A conseqüência, então, será a extinção do processo.

            Os pressupostos processuais objetivos intrínsecos dizem respeito, como já vimos, às nulidades, de forma que a providência dependerá da espécie de invalidade processual em testilha. Tradicionalmente, as nulidades absolutas não admitem convalidação, e, por força do princípio da causalidade, contaminam todos os atos posteriores relacionados com o ato viciado. A propósito, a lembrança de Antônio Janyr Dall´Agnol Júnior, in verbis:

            "Os vícios passíveis de se ‘constituírem’ em nulidade absoluta são, por definição, insanáveis. No que se refere à alegabilidade, a questão não se põe com propriedade, pois é dever do juiz, diante de defeito de tal natureza, reconhecê-lo, e de ofício, decretar a nulidade. Desse modo, inocorre preclusão.(...)

            Os vícios eventualmente ocasionadores de nulidade relativa, ao contrário dos primeiros, são, por definição, sanáveis. Infração à norma jurídica cogente, também deles pode o juiz conhecer de ofício. Ao contrário daqueles, porém, sua configuração não decorre da simples infração. Aqui, o sistema opera com um dos mais importantes princípios, qual seja, o do prejuízo: diante da infringência a regra cogente, tuteladora preferencialmente de interesse da parte, há de o juiz , necessariamente verificar sobre a ocorrência de prejuízo àquele a quem a decretação interessa. Apenas na hipótese positiva, inclinar-se-á o julgador pela desconstituição do ato e seus efeitos.

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" [36]

            Já quanto às anulabilidades, assevera que "a sanabilidade é não só a regra, como a sanação decorre da simples inação, da mera ausência de reação do interessado." [37]

            Então, diante da impossibilidade de convalidação, a solução é: a) Decretar a nulidade, com repetição de todos os atos viciados e contaminados se a nulidade for absoluta. b) Aferir o prejuízo em caso de nulidade relativa, para decretrar ou não a invalidade. c) Observar a alegação da parte e o prejuízo para decretar ou não a invalidade.

            Faço, entretanto, uma ressalva. Parece-me que, em se tratando de nulidades processuais, sempre estará em voga a questão do prejuízo. O que ocorre é que nas nulidades absolutas é ele presumido iure et de iure.

            Os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, conduzem, em regra, à extinção do feito.

            Mas e como fica a questão da preclusão? Inicialmente, temos de atentar para as hipóteses possíveis, que decorrem do fracionamento da questão conforme tenha havido manifestação expressa ou não sobre os tópicos do saneamento e tendo em vista o grau de jurisdição, além, claro, da espécie de matéria específica.

            A doutrina em sua maioria assevera que a preclusão opera de forma parcial quanto à decisão de saneamento proferida no primeiro grau e tendo em vista a possibilidade de o mesmo órgão apreciar o quanto já decidido. Assim, por exemplo, afirma Humberto Theodoro Júnior que:

            "Do despacho saneador, se não há recurso em tempo hábil, decorre preclusão consumativa, que impede voltem a ser discutidas as questões nele decididas (art. 473), ou que nele deveriam ter sido tratadas.

            Essa preclusão abrange:

            a) as questões expressamente decididas, por provocação das partes ou ex officio. Não há, porém, preclusão em matéria de provas, pois, na verdade, o poder do juiz não é simplesmente o de deferir provas pleiteadas pelas partes. É muito mais amplo. Em qualquer estágio do procedimento, cabe-lhe mesmo de ofício, ordenar a realização de provas que entender necessárias (art. 130);

            b) questões não decididas, mas implicitamente solucionadas pela declaração que julgar saneado o processo. Excetuam-se, porém, aquelas que possam, pelo sistema do próprio Código, ser examinadas ex offício em qualquer fase do processo, como a incompetência absoluta, a nulidade insanável, a coisa julgada, os pressupostos processuais, as condições da ação (art. 267, § 3º)." [38]

            O autor ressalva, ainda, que se forem decididas questões relativas à prescrição ou decadência no saneador, haverá formação de coisa julgada material. No mesmo diapasão, segue Nelson Nery Júnior, conforme se verifica na seguinte passagem:

            "O juiz não poderá decidir novamente as questões já decididas no processo sobre a mesma lide (CPC 471). Também é vedado às partes rediscutir questões a cujo respeito se operou preclusão (CPC 473), sendo, de conseqüência, igualmente vedado ao juiz redecidi-las. Estas proibições abrangem as decisões interlocutórias e a sentença. Como a decisão de saneamento é interlocutória, as questões nela decididas, e não impugnadas por recurso de agravo, ficam cobertas pela preclusão. Há, entretanto, limitações á eficácia preclusivas para as questões de saneamento: as questões de ordem pública. Como estas não são atingidas pela preclusão (v.g CPC 267, § 3º, e 301, § 4º), o juiz poderá, depois de transitada em julgado a decisão de saneamento, discuti-las novamente. . Por exemplo: se o juiz entendeu que o réu era parte legítima, pode analisar novamente esta questão por ocasião da sentença, e extinguir o processo sem julgamento de mérito (CPC 267 VI) ,caso verifique ser o réu efetivamente parte passiva ilegítima

."

            Galeno Lacerda foi mais longe na sistematização das hipóteses asseverando que, na ausência de recurso, ocorre preclusão parcial, conforme se vê a seguir:

            "1º) terá eficácia material de coisa julgada:

            a) se decretar a carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido ou illegitimatio ad causam;

            b) se acolher defesa do réu baseada em fato extintivo do pedido;

            c) se julgar favoravelmente ao autor qualquer questão de mérito, excluídas as relativas às condições da ação;

            2º) produzirá efeito preclusivo:

            a) sempre que terminativa do processo;

            b) se rejeitar defesa baseada em fato suspensivo disponível para o réu;

            c) sempre que decidir, de qualquer forma, questão concernente a anulabilidade ou simples irregularidade de ato processual;

            3º) não terá efeito preclusivo:

            a) quando se pronunciar sobre nulidade absoluta ou relativa, exceto se extinguir o processo;

            b) sempre que julgar presentes as condições da ação;

            c) quando repelir defesa baseada em fato suspensivo indisponível para o réu." [39]

            Também Ovídio Baptista da Silva ressalta que "o artigo 267, § 3º, do Código de 1973, alterou a doutrina que se formara sob a vigência do estatuto revogado, segundo a qual a decisão sobre as condições da ação, decididas no despacho saneador, ficavam preclusas." [40]

            Nesta linha de entendimento, pode o magistrado de primeiro grau rever anterior posicionamento relativo à questões de ordem pública. [41] É o raciocínio utilizado no julgamento do Resp 261.651/PR, onde o Ministro Castro filho conclui:

            "Conforme precedentes desta Corte, as questões de ordem pública apreciadas apenas em 1º grau de jurisdição, por ocasião do despacho saneador, não se tornam preclusas em razão da ausência de recurso contra esta decisão, motivo pelo qual podem ser suscitadas na apelação, devendo ser apreciadas pelo tribunal. E assim é porque, em sendo de ordem pública, são de interesse geral, falam por si mesmas, não se incluindo na esfera da disponibilidade das partes." [42]

            Com a mesma conclusão, o Resp 56.171/GO, julgado em 06/04/200, tendo por relatora a Ministra Eliana Calmon, em cuja ementa consta:

            "1. Inexistência de preclusão pro judicata quando houver matéria de interesse público, mesmo quando há formal despacho saneador. 2. O CPC, no art. 267, § 3º, exclui a hipótese. A Súmula n. 424 do STF, embora ainda válida, não enfrenta para abrigá-la a exceção do art. 267, § 3º do CPC." [43]

            Diversamente, e na linha da Súmula 424 do STF [44], Calmon de Passos advoga a presença da preclusão em caso de decisão explícita:

            "Por outro lado, e em face do que dispõe o art. 552, são corrigíveis todas as interlocutórias; logo, de todas elas decorre preclusão, obstativa de novo exame da questão, no mesmo processo, pelo juiz (órgão e não pessoa física) prolator da decisão recorrível. O saneador, como interlocutória que é, é recorrível. Se não recorrido, tem força preclusiva sobre tudo que expressa ou implicitamente decidiu."

            Mais adiante, arremata:

            "Tendo havido ´´questão´´ a respeito deles, decidida pelo juiz, há preclusão pro judicato, se não oferecido o recurso próprio - agravo. A construir-se diversamente estaríamos afastando a preclusão em relação às partes, beneficiando o omisso com a possibilidade de ter revista, sem sua provocação, a decisão que lhe foi desfavorável. (...)

            Diversamente ocorre quando o juiz declara saneado o feito, sem resolver questões, porque não provocado a decidir em face da controvérsia das partes. Aqui, emite ele um juízo orientador de seu proceder e explicitador de seu entendimento e uma e outra coisa não geram preclusão para o segundo grau.

" [45]

            Parece-me que a razão está com Calmon de Passos. Desde que houve decisão explícita acerca da questão, opera-se preclusão, não só para as partes, mas também para o julgador, que não pode mais, por ocasião da sentença, rever posicionamento anterior. Há, assim, preclusão pro judicato. Somente o segundo grau, por força do efeito translativo, poderá, neste caso, ser reapreciar a questão. Mas, note-se bem, não por força do efeito devolutivo de eventual recurso de apelação. Desta forma, proferida decisão de saneamento, que não põe fim ao processo, sua natureza é interlocutória, e o recurso cabível é o agravo retido (aqui sim, com efeito devolutivo) [46]. Não interposto, é defeso à parte suscitar a questão em apelação, ocorrendo quanto a ela, preclusão. A análise da questão, se ocorrer, será por força do efeito translativo que se opera sobre a matéria de ordem pública (processual). [47]

            Claro que, na prática, embora o recurso possa não ser conhecido em vista da preclusão da matéria para a parte, a veiculação da alegação nas razões acabará por suscitar a atenção para a questão, e o órgão ad quem poderá conhecer da matéria por força da translação em relação às questões de ordem pública. Tecnicamente, no entanto, houve preclusão.

            Ao que tudo indica, a polêmica existe efetivamente em relação à revisão da decisão pelo próprio julgador de primeiro grau. Admitir-se que não incide preclusão quanto à decisão expressa por ele proferida cria, a meu ver, três problemas.

            O primeiro reside na possibilidade de tumultuo processual decorrente da revisão de questões já decididas, fazendo com que novos recursos possam ser interpostos, e colaborando para que o feito se torne cada vez mais complexo. O segundo materializa-se na insegurança jurídica, que conspira contra a marcha do processo. O terceiro, e principal, é tornar o despacho saneador inútil. De fato, se a questão já decidida pode ser objeto de nova decisão por ocasião da sentença, que sentido há em decidi-la anteriormente, com resultado único de estimular a interposição provável de um recurso. Muito mais prático e racional atacá-la na sentença. Mas neste caso, poderá ocorrer de a decisão reconhecer uma situação que, se declarada anteriormente, teria posto fim ao processo ou prejudicado sua marcha até aquele momento.

            O que se tem visto é exatamente isto. Os julgadores evitam tratar das preliminares antes da sentença, deixando para esta ocasião uma decisão definitiva sobre a matéria, a fim de evitar recursos e tumultuo processual. Em síntese, a imprecluibilidade para o julgador de primeiro grau desprestigia por completo a utilidade da fase saneadora do processo, permitindo que o feito por vezes se arraste inutilmente, quando poderia ter sido extinto muito antes, e neste ínterim perde-se precioso tempo. Extinto o processo e havendo apelação, as controvérsias processuais e meritórias se deslocam para o segundo grau, mas ao menos o feito não fica ainda mais tempo em primeiro grau. Uma decisão de saneamento sujeita à revisão ainda no primeiro grau é uma decisão que está, na verdade, sujeita à condição. Poderá ou não confirmar-se. Qual a utilidade disso?

            A decisão de saneamento na fase apropriada deveria ser obrigatória e operar preclusão para as partes e para o julgador que a prolata. Aqui entra o aspecto da teleologia com que o processo deve ser visto. Um despacho saneador obrigatório e com preclusão para próprio prolator e partes (não para o segundo grau), poderia contribuir para a abreviação do trâmite de muitos processos. É possível compatibilizar logicamente a imposição da supremacia dos valores públicos da relação processual, a que corresponde possibilidade de alegação em qualquer grau de jurisdição da matéria correlata, com a necessidade de dar seqüência ao feito e valorizar a decisão de saneamento. Isto porque poder alegar a qualquer tempo não significa poder rejulgar a qualquer tempo. Novo julgamento poderá haver, mas por órgão diverso em eventual recurso, assegurando o interesse público em momento apropriado e sem tumultuo.

            Esta é a solução que melhores resultados práticos produz.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. O saneamento do processo e a preclusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1308, 30 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9441. Acesso em: 26 abr. 2024.

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