Resumo: No presente artigo, aborda-se a evolução do Direito Internacional Humanitário ao longo do Século XX, fazendo um passeio pelos principais fatos históricos ocorridos nas décadas, bem como os principais tratados de Direitos Humanos.
O Direito Internacional Humanitário, ou também chamado de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), caracteriza-se como um ramo do Direito Internacional Público que visa regulamentar a mais excepcional das hipóteses legais de conflito a guerra, trazendo a proibições e restrições de meios e métodos de combate, quem são os agentes alvo de proteção e ataque, bem como quais armas que devem ser evitadas ou proibidas.
Ao se estudar o Direito Humanitário, é muito difícil fazer uma separação entre o mesmo e os Direitos Humanos, pois na maior parte das vezes um esta dentro do outro. O Direito Humanitário foi criado para vigorar no período de conflitos armados, enquanto que os Direitos Humanos foram criados para vigorarem em todo e qualquer momento. De acordo com o entendimento do Comitê internacional da Cruz Vermelha (CICV), instituição guardiã e protetora do Direito Internacional Humanitário, deve-se aplicar a teoria complementarista ao invés das teorias separatistas e integralistas, assim, o Direito Internacional dos Conflitos Armados nada mais são do que uma complementação das normas de Direitos Humanos, feitas especialmente para o período de guerra.
O DICA tem suas raízes históricas em 1858 a partir dos estudos do Suíço Henry Dunant, o qual em visita à solferino, Itália, o qual presenciou a batalha envolvendo piemonteses e franceses contra os austríacos, conhecida mundialmente como Batalha de Solferino, em que observou o lastro de destruição ocasionada pelo conflito armado, em que não houve nenhuma organização que protegesses e cuidasse dos feridos e doentes, ocasião em que o mesmo escreveu o livro memórias de solferino. Após tal ocorrido, o mesmo não mediu esforços para fundar em 1863 o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), como instituição totalmente destituída de fins governamentais, que busca preservar as normas que envolvem os Conflitos Armados.
Com isso, levando em conta os seus estudos, os quais sensibilizou a comunidade interacional, fazendo com que fosse formulada e aprovada as 04 (quatro) Convenções de Haia sobre leis e costumes de guerra, bem como a declaração de São Petersburgo sobre a proibição do uso de certos projéteis em tempo de guerra (1868), os quais buscavam uma maior regulamentação na ocorrência de conflitos armados, assim, evitando que se repetisse o ocorrido em Solferino.
Dessa forma, ao se iniciar o século XX, o mundo ainda vivendo o glamour da Bellé Époque, causada pelos avanços esplendorosos do capitalismo, ocorre que em 1914 eclode a I Guerra Mundial, em que teve-se a participação dos países mais ricos e poderosos do Mundo como Inglaterra, França e Alemanha, em que ocorreu uma corrida bélica rápida e devastadora, nunca tendo antes se visto a utilização de aviões e gases venenosos no meio de um conflito armado. A partir disso, em 1925, momento em que o Mundo ainda respirava os horrores da 1ª Guerra Mundial, foi assinado o Protocolo de Genebra proibindo a utilização de armas venenosas em conflitos armados, assim, evitando que a mesma pudesse ser novamente utilizada pelas partes em um futuro conflito armado.
Passando-se as décadas de 1920 e 1930, ocasião em que mesmo desrespeitando as regras do Tratado de Versalhes, a Alemanha se reergueu, fazendo crescer os governos Nazi-fascistas na Alemanha e na Itália, assim, as normas de Direito Humanitário passaram-se inertes, sem modificações ou estudos acerca da matéria pela comunidade internacional.
Em junho de 1939, desrespeitando acordos internacionais, a Alemanha invade a Polônia, iniciando-se assim a II Guerra Mundial. No decorrer do conflito, houve uma efetiva atuação da Cruz Vermelha, a qual mobilizou pessoas e instituições religiosas de várias partes do Mundo, buscando preservar as normas de Guerra dispostas por Henri Dunant, tendo acesso às frentes de combate, cuidando de feridos e doentes de ambas as partes de conflitos (aliados e do eixo).
Ao fim da grande Guerra Mundial, em 1945, buscando criar normas protetoras que evitasses a eclosão de um outro conflito de igual magnitude, foi criado no seio da comunidade internacional a Organização das Nações Unidas (ONU), bem como a Carta da ONU, a qual dispõe logo no início a questão da disciplina e restrição do uso da força no cenário internacional no caso de legítima defesa e auto determinação dos povos para a liberdade, pois nesse período pós guerra cresceu-se movimentos de libertação por parte de países da África e Ásia que anteriormente viviam sob dominação colonial.
Nesse cenário, os estudos de Direito Humanitário voltaram à tona, pois a II Guerra mostrou ao mundo que o DICA não poderia se limitar a meios e métodos de combate, devendo ir além, protegendo prisioneiros de guerra, a população civil afetada com o conflito, crianças, bens culturais, locais de culto religioso, bens ambientais e outros, assim, fazendo com que a comunidade internacional revisse as normas de proteção em conflitos armados.
Com isso, em 1949, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), levando em consideração as normas gerais de Direitos Humanos apresentadas pela Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948, criou as 04 (quatro) Convenções de Genebra, dispondo cada uma respectivamente sobre feridos e doentes em batalhas terrestres, feridos e doentes em batalhas do mar, prisioneiros de guerra e população civil, criando regras de proteção e restrição para cada uma dessas hipóteses, por isso, a comunidade internacional cita que o Direito de Haia é a vertente restritiva e o Direito de Genebra é a vertente protetiva do Direito da Guerra.
Ao fim da II Guerra, em 1945, deu-se início à Guerra Fria, o que fez ocasionar diversos conflitos internos regionais ao longo do globo terrestre, como no início dos anos de 1950 na Coreia e no final da década de 1960 e início dos anos de 1970 no Vietnã, o que fez a comunidade internacional rediscutir novamente as normas de Genebra, pois as 04 (quatro) convenções foram muito tímidas ao se referirem aos conflitos armados não internacionais, apesar de todos os textos convencionais de 1949 dispuserem no artigo 3º que tais normais são extensivas a tais conflitos.
Nas décadas de 1950 e 1960, levando em conta a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, cresceu ao redor do Mundo diversos debates acerca dos Direitos Humanos regionais, assim, sendo criado em 1948 a OEA, bem como a Convenção de Direitos Humanos da Europa. Em 1959 nasceu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão capacitado para discutir sobre Direitos Humanos, receber petições individuais e exigir dos Estados ações efetivas de proteção. Passados 10 (dez) anos, em 1969, foi promulgada o Pacto de São José da Costa Rica, ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos, assim, fechando os sistemas de proteção internacional.
Dessa maneira, em 1977, passado a Guerra do Vietnã, foi formulado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e aprovado pela comunidade internacional, os 02 (dois) protocolos facultativos às convenções de Genebra de 1949, protocolos esses que dispõe sobre regras específicas sobre conflitos armados internacionais e não internacionais. Nesses documentos, ficou previsto alguns conceitos como potencia protetora, meios e métodos de combate proibido como a perfídia, inanição de civis, denegação de quartel e outros, fazendo com que o Direito Internacional Humanitário tivesse um olhar para a realidade mundial, em que dia a dia vê-se conflitos internos inter-regionais nos 05 (cinco) continentes.
Já em 1998, mais de 05 (cinco) décadas após o fim da 2ª Guerra Mundial, a comunidade internacional criou o Tribunal Penal Internacional, através do Estatuto de Roma, o qual dispõe de um órgão de Jurisdição internacional capacitado para julgar os crimes mais graves que afetem a comunidade internacional como um todo, como os crimes de guerra, os crimes de genocídio, contra a humanidade e de agressão. A criação do TPI representou um avanço gigantesco na proteção das normas de guerra, pois a jurisdição do mesmo é contínua, ou seja, não fica restrita ao pós fato como foi em Nuremberg, Ruanda e Extremo Oriente.
Passado o período da Guerra Fria, os conflitos armados não internacionais tomaram uma outra proporção. Atualmente, o grande desafio mundial é o sistema internacional de proteção contra o terrorismo, o quer fez as Nações Unidas (ONU) acrescerem no capítulo VII da Carta da ONU a disposição que asseguram o uso da força, autorizado pelo Conselho de Segurança, para manter a paz e a segurança internacional ameaçados pela prática de atos de grupos terroristas. Com essa ressalva, o conselho de segurança autorizou os EUA invadirem o Afeganistão e o Iraque, pois foi alegado que os mesmos abrigavam terroristas de alta periculosidade e detinham armas de destruição em massa, respectivamente.
Apesar do seu gradual crescimento ao longo dos anos, o Direito Internacional Humanitário tem como grande desafio a sua implementação por parte dos Estados. Apesar de a paz ser a regra e a guerra ser a exceção, observa-se uma tímida implementação pelos Estados como um todo. No caso do Brasil, apesar de o mesmo ter ratificado as 04 (quatro) convenções de Genebra, bem como seus protocolos facultativos, ainda falta uma disposição na legislação interna. No caso brasileiro, observa-se um real engajamento das forças armadas em missões de paz ao redor do Mundo, como no Haiti, Líbano e na África.
Ao se falar das missões de paz, atualmente é o grande objetivo do Direito Humanitário, buscar uma cooperação mundial para os problemas mais devastadores do pós guerra, como a fome, doença, desabrigados, tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico de pessoas e de órgãos que afetam diretamente uma comunidade que vive em uma contínua tensão, vivenciada por disputas territoriais e religiosas.
Referências Bibliográficas
PALMA, Najla Nassif. Direito Internacional Humanitário.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público, Editora RT, São Paulo/SP, 10ª edição, 2017.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, Editora Saraiva, São Paulo/SP, 2ª edição, 2015.