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A prática de staining como motivo de justa causa empresarial e pagamento de indenização na Justiça do Trabalho

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5. DANO EXTRAPATRIMONIAL NA PRÁTICA DE STAINING

Com a reforma trabalhista instituída pela Lei nº 13.467 de 2017, a Consolidação das Leis do Trabalho passou a contar com uma parte específica para tratar sobre o dano extrapatrimonial. Até então, a legislação trabalhista era omissa em relação ao tema que contava com a definição doutrinária e regras do Código Civil.

Conforme os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald13, dano se traduz ‘’ na lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela, seja ele patrimonial, extrapatrimonial, individual ou metaindividual’’.

Sendo o staining prática que fere a dignidade humana, gera os chamados danos extrapatrimoniais ou não patrimoniais que atingem bens imateriais da vítima, no caso do dano moral, fere diretamente a moralidade de suas vítimas.

A tratamento sobre os danos extrapatrimoniais está contida no Título II-A, onde prevê suas causas, os bens juridicamente tutelados, os responsáveis, a reparação do dano causado, a possibilidade de cumulação de pedidos bem como os parâmetros que devem ser utilizados pelo juiz para determinar a quantia que deverá ser paga a título de indenização.

De acordo com o doutrinador Henrique Correia, ‘’dano extrapatrimonial ou imaterial é conceituado como toda lesão que atinge bens imateriais da pessoa, por exemplo, sua honra, seu nome e dignidade.’’14

Na Consolidação das Leis do Trabalho está previsto que:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

De acordo com o conceito doutrinário e a previsão jurídica sobre o dano extrapatrimonial, compreende-se que o dano extrapatrimonial consiste em lesão gerada a partir de uma ação ou omissão que atinge bens imateriais da pessoa, podendo ser esta física ou jurídica, em sua esfera moral ou existencial, sendo a vítima a titular da pretensão reparatória.

A doutrina trabalhista entende que ao utilizar o termo ‘’dano extrapatrimonial’’ o legislador abarca não somente o dano moral como também o existencial e o estético, decorrentes da relação de trabalho.

Sendo o staining prática que pode decorrer tanto de ação ou omissão do empregador em relação aos empregados, essa prática fere sua moralidade, gerando então, dano extrapatrimonial, mais precisamente o dano moral, o que fará com que o trabalhador tenha direito à reparação do dano a ele acarretado.

Como já pontuado, as duas espécies de assédio moral possuem suas singularidades. Uma delas está justamente nos sujeitos desse fenômeno, o que será explicado detalhadamente adiante.


6. OS SUJEITOS DO STAINING

Em toda relação, mesmo que abusiva, existem as partes que a compõem e que, na maioria das vezes, possuem interesses contrários. Na prática do staining não é diferente. Se de um lado temos o sujeito ativo - aquele que pratica as ações perversas, o agressor -, do outro temos os sujeitos passivos - aqueles que sofrem as ações do perverso, as vítimas -, cada um com posição e condições diferentes dentro do contexto organizacional.

Em relação aos sujeitos envolvidos no fenômeno, defende o doutrinador Henrique Correia que ‘’podem ser sujeitos passivos do dano moral a pessoa física ou jurídica, cujos bens juridicamente tutelados são elencados de forma exemplificativa nos art.223-C e 223-D da CLT.’’15

Sendo os sujeitos passivos aqueles que sofrem diretamente a ação ou omissão, pode-se afirmar que em um contexto organizacional, na prática de staining, observa-se repetidamente que as vítimas são um grupo, setor, repartição ou perfil de trabalhadores específicos da empresa, geralmente em posição inferior na estrutura hierárquica.

Diferentemente do assédio moral interpessoal, onde a gestão por psicoterror volta-se somente a um empregado individualizado, no staining, ela volta-se a uma coletividade, ou seja, as condutas são perpetradas contra um grupo, setor ou um perfil determinado.

O sujeito ativo, ou seja, aquele que exerce diretamente a ação ou omissão, nem sempre será o empregador. Isso porque em muitas funções, como por exemplo: operadores de telemarketing e bancários, os empregados recebem ordens de superiores hierárquicos que, apesar de serem representantes da figura do empregador, não o são em pessoa.

Sobre os responsáveis pelo dano extrapatrimonial, dispõe o artigo 223-E:

Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.

Assim, poderá ser responsável pelo dano gerado não somente o empregador, como também toda e qualquer pessoa que contribua para a ocorrência da ofensa, sendo a responsabilização de acordo com a proporção dessa contribuição.

No staining, diferentemente do assédio moral interpessoal onde o agressor em suma são os próprios colegas de trabalho, é comum que o responsável pela gestão por estresse seja um gerente ou chefe de determinado setor ou repartição, um superior hierárquico ou até o empregador diretamente.

Se com a ofensa é possível a violação de um direito, deverá existir a sua devida proteção. A Consolidação das Leis do Trabalho, em harmonia com a Constituição da República Federativa, em seus artigos 223-C e 223-D, dispõe sobre os bens jurídicos que são protegidos.

Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.

Com base nos dispositivos mencionados, conclui-se que no tocante à proteção de seus direitos, tanto a pessoa física quanto a jurídica receberão a devida tutela, resguardada pela Constituição e reforçada por legislação específica.

Apesar do tratamento conferido ao tema, com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/15), o legislador não foi observado, não estabeleceu conceito para o que entende ser dano extrapatrimonial e nem aos institutos relacionados, tais como assédio, violência e demais, pertinentes ao ambiente de trabalho. Desse modo, além da doutrina trabalhista, a OIT, em 2019 trouxe conceitos propostos em escala universal, como veremos adiante.


7. A RELEVÂNCIA DA CONVENÇÃO 190

Durante a comemoração do centenário da Organização Internacional do Trabalho, em 10 junho de 2019, na cidade de Genebra, a importante Convenção 190 foi aprovada, trazendo a baila relevante assunto para o Direito do Trabalho: as formas de eliminação do assédio e da violência no ambiente de trabalho.

A Convenção conta, também, como importante instrumento de resposta para o Movimento Me Too e para a flexibilização e precarização das relações de trabalho. Em tradução para o português, o artigo 1º da Convenção 190 da OIT conceitua o que vem a ser a violência e o assédio no mundo trabalhista, como:

‘’Uma variedade de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças delas, sejam uma única ocorrência ou repetidas, que visam, resultam ou podem resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, e incluem violência e assédio de gênero’’16

De acordo com Rodolfo Pamplona e Claiz Gunça, ao tratar os institutos conjuntamente, a expressão ‘’ violência e assédio’’, a Convenção objetivou além da estruturação de um conceito único, aumentar o seu campo de incidência. O objetivo da Convenção é estabelecer conceito jurídico universal para termos que possuam definições confusas e divergentes.

O tratamento conjunto dos institutos também está relacionado a não existência de conceitos universalmente estabelecidos sobre ‘’violência’’ e ‘’assédio’’ no contexto trabalhista. Relacionada ao fenômeno do staining, faz-se importante compreender o que é a violência psicológica, principal arma utilizada pelas empresas contaminadas pela prática.

Apesar de tratados conjuntamente, não deixou de distinguir as várias espécies de violências e assédios observados na esfera trabalhista, tais como: violência sexual, assédio sexual, violência física, violência psicológica, assédio moral e outros.

Muito atrelados à prática de staining temos a violência psicológica e o assédio moral como armas para sua concretização. Apesar da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei nº 13.467/17, o legislador brasileiro não estabeleceu conceito para o que entende por ‘’assédio’’ e ‘’violência’’ no trabalho.

Diante de tal omissão, fica para a doutrina a missão de estruturar conceitos sobre para os institutos. No tocante à violência psicológica, para os doutrinadores Rodolfo Pamplona e Claiz Gunça: 17

A violência psicológica é a violência não física que humilha e ofende o indivíduo por meio de palavras, gestos, comportamentos e atitudes permeadas de abusos, maus-tratos, isolamentos, perseguições, intimidações, ameaças, constrangimentos e pressões exageradas. Pode atingir tanto a integridade física quanto a integridade psíquica da vítima.

Para eles, no contexto da violência psicológica no trabalho estão inseridas humilhações, agressões, discriminações, gestão por injúria e até mesmo o assédio moral. O assédio moral, por sua vez, para os doutrinadores, como anteriormente citado:

O assédio moral é a tortura psicológica perpetrada por um conjunto de ações ou omissões, abusivas e intencionais, praticadas por meio de palavras, gestos e atitudes, de forma reiterada e prolongada, que atingem a dignidade, a integridade física e mental, além de outros direitos fundamentais do trabalhador, comprometendo o exercício do labor e, até mesmo, a convivência social e familiar.

Além de trazer o conceito conjunto para os termos, a Convenção, em seu texto final, no artigo 1º, incluiu item que possibilitou às nações ratificadoras a possibilidade de elaborar legislação própria conceituando a seu modo os institutos.

Apesar de proposta em 10 de junho de 2019, a Convenção 190 prevê sua entrada em vigor somente um ano após a data do depósito das ratificações por pelo menos dois Estados. Os primeiros Estados a ratificarem a Convenção foram Uruguai em 12 de junho de 2020 e Fiji em 25 de junho de 2020. Desse modo, a Convenção entrou em vigor internacionalmente em 25 de junho de 202118.

Atualmente, oito Estados a ratificaram, dentre eles: Uruguai, Fiji, Namíbia, Argentina, Somália, Equador, Ilhas Maurício e Grécia19. Entretanto, apesar de signatário da Convenção 190 da OIT, passados mais de 2 anos de sua propositura, o Brasil não seguiu o exemplo de seus vizinhos latino-americanos e ainda não a ratificou.

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Evidentemente, a Convenção 190 não só possui importância ao estabelecer conceito universal sobre os institutos ‘violência’’ e ‘’assédio’’, mas prima pela erradicação da violência e do assédio inseridos no ambiente de trabalho. Com a crescente onda da prática do staining nas estruturas organizacionais brasileiras, torna-se imprescindível sua ratificação para que possua validade o quanto antes no ordenamento jurídico brasileiro.


9. A JUSTA CAUSA PARA O EMPREGADOR NA PRÁTICA DE STAINING

Com a finalidade de pleno desenvolvimento da atividade empresarial, o empregador está legitimado a exercer sobre seus empregados dois tipos de poder: o poder de controle e o poder disciplinar. Quando o empregador age fiscalizando as tarefas executadas pelos seus empregados, exerce o poder de controle. Já quando age organizando e dinamizando as tarefas e impõe os modos como devem ser executadas, exerce o poder disciplinar.

A relação de emprego é uma obrigação sinalagmática porque impõe obrigações mútuas. Desse modo, as partes possuem deveres a cumprir dentro do contrato firmado. Ao empregado cabe, primordialmente, o dever de prestar os serviços conforme acordado com a outra parte (prestação) e ao empregador por sua vez cabe assumir os riscos da atividade desenvolvida e assalariar os que lhe prestam serviço (contraprestação).

Assim, essas relações estão permeadas de bônus, mas não estão livres dos ônus. Quando o empregado entrega menos do que se comprometeu, há grandes chances de gerar danos ao seu empregador. No mesmo sentido, quando o empregador exige além do que contratou de seu empregado, surgem situações que geram onerosidade para o empregado.

É justamente nesse momento, onde uma das partes sofre prejuízos devido a ações ou inações da outra parte que surge a justa causa. São duas as espécies previstas na legislação trabalhista: a justa causa do empregado e a justa causa do empregador. Ambas as disciplinas pelos artigos 482 e 483, respectivamente, pressupõem que a parte penalizada incorreu em ações que configuram falta grave, ensejando o término antecipado do contrato. Nas duas situações, a dispensa da parte que gera prejuízo ocorre por vontade única e exclusiva da parte prejudicada, seja ela o empregador ou o empregado.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 482 prevê as hipóteses de dispensa do empregado com justa causa. Nessa modalidade o empregador poderá valer-se de seu direito e efetuar, diante de falta grave cometida, a dispensa de um empregado. Na ocasião de ser dispensado dessa forma, não fará jus a totalidade de suas verbas rescisórias.

Entretanto, a recíproca é verdadeira, ou seja, o empregador também poderá ser ‘’dispensado’’ por justa causa. A justa causa do empregador, justa causa empresarial, dispensa patronal, dispensa indireta ou rescisão indireta ocorre quando o empregador é quem dá causa para o fim do contrato, cometendo atos gravosos contra o empregado. Neste caso, poderá pleitear a rescisão unilateral de seu contrato de trabalho, como dispõe o artigo 483 da Consolidação das Leis Trabalhistas:

Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

Assim sendo, de acordo com o artigo supra, o empregado - aquele que presta serviço mediante remuneração a um terceiro que assume os riscos da atividade - poderá considerar encerrado seu contrato de trabalho quando sofrer as ações descritas nas alíneas do artigo e nesse caso, a sua dispensa vai ocorrer com os efeitos de uma dispensa sem justa causa, na qual receberá, integralmente, todas as parcelas rescisórias, que possua direito.

A prática de staining é notada nas condutas descritas nas alíneas b e e do artigo 483 da CLT. No tocante à alínea b, poderá o empregado considerar rescindido o contrato quando for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo, como quando um grupo de empregados ou um setor específico dentro de uma empresa sofrem perseguição, punições desarrazoadas, são tratados com intolerância, são discriminados, dentre outras.

Em relação à alínea e, poderá o empregado considerar rescindido o contrato quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e a boa fama, como quando grupo de empregados ou um setor específico dentro de uma empresa são caluniados, injuriados e difamados.

Ocorrida uma das hipóteses expressas nas alíneas do artigo mencionado ou quando, com base nos conceitos estabelecidos pela doutrina trabalhista ou conforme julgados existentes sobre o staining, devido à ofensa de sua dignidade, o trabalhador poderá ajuizar ação para requerer a devida compensação pelos danos extrapatrimoniais por ele experimentados e é justamente sobre isso que será tratado no próximo tópico.

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Sobre as autoras
Amanda da Silva Brito

Acadêmica do 8º período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

Daniela Lage Mejia Zapata

Professora Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito Tributário pela PUC/MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo CAD/GAMA FILHO. Membro da AMAT. Membro da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Amanda Silva ; ZAPATA, Daniela Lage Mejia. A prática de staining como motivo de justa causa empresarial e pagamento de indenização na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7586, 8 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95270. Acesso em: 16 mai. 2024.

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