A sociedade brasileira encontra-se titubeante quanto a punir mais rigorosamente o menor infrator no cometimento de infrações penais graves. O tema tem indiscutível relevo jurídico pois adentra na seara das garantias constitucionais tendo em vista o disposto no art. 228, da CF/88, que prevê a inimputabilidade penal do menor infrator, submetendo-o à legislação especial, instrumentalizada no atual Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº. 8069/90.
O ECA considera as penas decorrentes de ato infracional como medidas de proteção, quando praticado por criança, ou como medidas sócio-educativas, quando praticado por adolescente, isto porque tal lei os assimila como "pessoas humanas em processo de desenvolvimento", constituindo um "dever" da sociedade e do Estado brasileiros propiciar-lhes oportunidades e facilidades a fim de que tenham um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Assim, o objetivo das medidas, constantes do ECA, também tendem a tornar efetivo tal desenvolvimento, pois uma reprimenda penal mais severa pode, talvez, afastá-lo desse desenvolvimento politicamente desejável.
Todavia, a sociedade e o Estado pagam muito caro pela manutenção do desenvolvimento desejável do menor infrator. Por um lado, assiste-se corriqueiramente ao incremento da criminalidade com a autoria ou a participação do menor quando este lesa bens jurídicos relevantes como a vida, a liberdade e o patrimônio. Por outro, encontra-se o Estado duramente criticado por manter um sistema dispendioso, desgastado e incapaz de promover uma recuperação adequada. Assim, sem um instrumental adequado a esse desenvolvimento, o Estado parece andar na contra-mão. Conseqüentemente, as vítimas da violência clamam por uma punição mais rigorosa, sobretudo quando o crime praticado causa comoção pública em face da crueldade e dos meios empregados.
Certamente, objetivar o desenvolvimento do menor infrator é uma política pública nobre, digna de encômios, que deve ser mantida e viabilizada nas sociedades contemporâneas, mas com um mínimo de sacrifício e sofrimento do povo, pois há um interesse público a ser preservado na prevenção e repressão à conduta criminosa a fim de se evitar um ambiente hostil de convivência contrário ao progresso humano.
Nas infrações graves ou na reiteração delas, o máximo de rigor que o ECA prevê em relação ao adolescente infrator é a sua internação em estabelecimento próprio, que constitui medida privativa de liberdade, de caráter breve e excepcional, compatível com a sua condição de pessoa em desenvolvimento. A internação dura no máximo três anos e a liberação é obrigatória aos 21 anos de idade. Assim, não importa a natureza da infração penal praticada; não importa se foi recuperado ou não; o menor deve ser solto para que continue seu suposto desenvolvimento em condições de liberdade e de dignidade. E se a infração penal grave é cometida por menor de 12 anos de idade, não há sequer previsão legal de que fique também sujeito à internação, pois o ECA prevê para ele medidas de proteção, ainda que seja julgado aos 16 anos, pois o que importa é a sua idade na época do fato delituoso.
Durante o regime da Lei nº. 6697/79, o conhecido Código de Menores, a internação do menor infrator poderia se prolongar além dos 21 anos de idade caso sua periculosidade não cessasse. Assim, pensava a Jurisprudência da época segundo informou Paulo Lúcio Nogueira - Comentários ao Código de Menores, Saraiva, 4ª Ed., 1988, pág. 89.
O Código Penal Militar, Dec.-Lei 1001/69, acolhendo a proposta de Nelson Hungria de redução da maioridade penal para 16 anos, dispôs no seu art. 50: "O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acôrdo com êste entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um têrço até a metade".
Portanto, tínhamos no Direito brasileiro uma hipótese legal de redução da maioridade penal para 16 anos em caráter excepcional e dependente do desenvolvimento psíquico do menor infrator, porém com a entrada em vigor da atual Constituição, tal dispositivo ficou revogado em face do disposto no artigo 228, ficando o menor infrator sujeito exclusivamente ao ECA.
A atual Constituição adotou o critério puramente biológico para tornar inimputáveis os menores de 18 anos. Assim, não levando em conta seu desenvolvimento mental, não podem ser penalmente responsabilizados por seus atos. Trata-se de presunção absoluta que não admite prova em contrário, embora não se negue que um adolescente de hoje tenha amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude dos seus atos.
Sabe-se hoje que de cada 10 menores posto em liberdade cinco deles retornam para as práticas criminosas, levando-se a concluir que também desde cedo já experimentam a sensação da impunidade, dando continuidade a vida criminosa. Assim, sob o discurso de ser uma pessoa em desenvolvimento, o ECA criou uma blindagem, um manto protetor do menor infrator, que se apresenta difícil de ser transposto em favor da sociedade.
Desse modo, o clamor da sociedade ao exigir penas mais severas afigura-se merecedora de acolhimento e encontra eco no atual ordenamento jurídico brasileiro. A garantia constitucional da inimputabilidade penal não é um obstáculo juridicamente intransponível, mesmo que se constitua um direito fundamental da criança e do adolescente.
Como há atualmente uma discussão ferrenha sobre diminuir ou não a imputabilidade penal para 16 anos, dividindo a opinião pública brasileira, sugiro a adoção da desconsideração da maioridade penal para atingir condutas delituosas graves, perpertradas por menores infratores em qualquer idade, desde que as medidas previstas no ECA se revelem inócuas para reeducá-los e ressoacializá-los.
Assim como nosso ordenamento jurídico permite a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa ou de uma sociedade comercial a fim de atingir os bens do sócio para garantia e pagamento das obrigações sociais, a desconsideração da inimputabilidade não encontra óbice jurídico e tende, quando as medidas de proteção ou sócio-educativas fracassarem, a desestimular a conduta criminosa contumaz externada principalmente por adolescentes, atribuindo-lhe uma responsabilidade penal pelo mal causado, levando em conta a sua culpabilidade, seus antecedentes, sua conduta social, sua personalidade, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime.
A desconsideração jurídica da inimputabilidade penal não visa exclusivamente infligir penas mais austeras no combate à delinqüência juvenil, mas sobretudo atribuir responsabilidade social aos jovens que, desde cedo, vêm experimentando uma sensação de impunidade e de desrespeito à lei. Afinal, eles representam um futuro promissor do nosso país, não podendo se tornar apenas mais um contingente de marginalizados, segregados ou socialmente perigosos.
O legislador dever inserir no ECA um dispositivo tratando do novo instituto a fim de que haja um fundamento legal para a quebra da maioridade penal.
Por outro lado, considerando que o ordenamento jurídico não é constituído apenas por leis e decretos, o princípio da proporcionalidade, criado na Alemanha, afigura-se juridicamente compatível com a desconsideração da inimputabilidade ao sopesar em concreto valores constitucionais em conflitos. Qual valor deve prevalecer:o direito ou a garantia individual da inimputabilidade ou o direito ou a garantia coletiva de prevenir e reprimir o crime, mantendo a ordem pública? Segundo César Dario Mariano da Silva "em nosso ordenamento jurídico nenhum direito ou garantia constitucional é absoluto. Assim, sempre será possível o sacrifício de um direito em prol de outro de iqual ou superior valia, dada a relatividade dos direitos e garantias constitucionais". (Provas Ilícitas, Forense, 2005, pág. 22). Portanto, deve prevalecer o interesse público mantendo a ordem pública do que a garantia individual da inimputabilidade, principalmente quando esta garantia vem servindo exclusivamente para estimular a impunidade dos criminosos juvenis no cometimento dos crimes graves. Aliás, o próprio ECA manda levar em conta na sua aplicação os direitos individuais e coletivos e havendo conflito soluciona-se pelo critério da proporcionalidade. Assim, não resta dúvida de que, com a adoção da teoria da proporcionalidade, a desconsideração da inimputabilidade conforma-se ao texto constitucional que se constitui num arcabouço harmonioso.
Com isso, a desconsideração da inimputabilidade atende, de imediato, os reclamos da sociedade sem afetar a segurança jurídica em respeito aos direitos e liberdades individuais.