Este trabalho defende a ideia de que a ética na advocacia é fundamental para tornar o advogado um cidadão. Nosso objetivo é o de propagar a defesa do exercício de uma advocacia cidadã, que é exercida de forma ética.
Cidadania é um conceito complexo e que deve ser corrigido no Brasil. A cidadania é entendida, ou melhor, confundida, no imaginário popular, como uma questão de filantropia, de bons costumes, de solidariedade e de voluntarismo (MARANHÃO, 2018).
Um dado bastante representativo desse senso comum é o conceito de cidadania a partir do significado dado pelos dicionários. Apesar da maioria de a população não ter acesso aos dicionários e, entendendo que há também outras fontes de conhecimento (como TV e jornais), estudar o conceito dado pelos dicionários é o que ainda mais se pode aproximar, neste trabalho, da noção de cidadania para o senso comum: temos conceitos que vão da cidadania como sendo a condição de cidadão, o vínculo político que liga o indivíduo ao Estado e lhe atribui direitos e deveres de natureza política, até a qualidade ou condição de cidadão. Tais significados, no entanto, são restritos e vagos de sentido, porque são meramente formais e abstratos, estando longe de explicarem, satisfatoriamente, a noção de cidadania.
Vejamos conceitos mais científicos de Rodrigo César Rabello Pinho, Dalmo de Abreu Dallari, Thomas Humprey Marshall, José Murilo de Carvalho, Ana Lígia Silva Medeiros e Maria Victória de Mesquita Benevides Soares: Rodrigo César Rabello Pinho (2018) define cidadania como sendo o vínculo político que confere ao cidadão o direito de participar da formação da vontade política do Estado. Ele divide o conceito de cidadania em duas concepções: uma em sentido estrito e outra em sentido lato. No primeiro sentido, cidadania é o direito de participar da vida política do país, da formação da vontade nacional, abrangendo os direitos de votar e ser votado. Já para o sentido lato, cidadania seria o efetivo gozo dos direitos previstos na Constituição - exige-se uma atitude ativa do cidadão; Dalmo Dallari completa que o cidadão deve ser participativo, deve conhecer e exercer ativamente os seus direitos e deveres perante os demais e o Estado: a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo (2004, p. 14); Thomas Humprey Marshall (1967), um dos mais conceituados estudiosos sobre o tema, afirma que a cidadania pode ser identificada mediante a composição de três elementos: o elemento civil que é definido pelos direitos de liberdade individual, tais quais o direito à vida, a liberdade de ir e vir, a liberdade de pensamento; o elemento político de participar da vontade nacional, qual seja, o direito de votar; e o elemento social que se refere ao direito mínimo de bem-estar econômico e segurança, tais quais o direito à moradia, à saúde; analisando o conceito dado por Marshall, José Murilo de Carvalho (2001, p. 11) assevera que se tornou costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos: (...) os direitos de cidadania geralmente são abordados a partir da perspectiva sociológica inglesa, cujo pressuposto é a evolução histórica dos direitos, considerando certa ordem lógica e cronológica no processo de conquista da cidadania; completando o pensamento de José Murilo, Ana Lígia Silva Medeiros (2010) afirma que há uma necessidade de ampliação dos direitos do cidadão para atender às novas demandas produzidas pelas relações cada vez mais complexas, incluindo, entre outros, o direito à informação, à cultura e à memória.
Podemos ainda acrescentar os direitos difusos, dentre eles o direito ao meio ambiente equilibrado, direitos do consumidor, o direito à água potável, entre outros; a pesquisadora Maria Victória de Mesquita Benevides Soares (2018, p. 5) explica que: cidadania e direitos da cidadania dizem respeito a uma determinada ordem jurídico-política de um país, de um Estado, no qual uma Constituição define e garante quem é cidadão, que direitos e deveres ele terá em função de uma série de variáveis tais como a idade, o estado civil, a condição de sanidade física e mental, o fato de estar ou não em dívida com a justiça penal etc. Os direitos do cidadão e a própria ideia de cidadania não são universais no sentido de que eles estão fixos a uma específica e determinada ordem jurídico-política. Daí, identificamos cidadãos brasileiros, cidadãos norte-americanos e cidadãos argentinos, e sabemos que variam os direitos e deveres dos cidadãos de um país para outro.
A cidadania na Constituição é tratada no art. 1º, II, como um princípio fundamental do Estado brasileiro, o que demonstra sua importância no ordenamento jurídico. A Constituição inaugurou em seu bojo normativo uma significativa amplitude de direitos civis, políticos e sociais, que compreendem os direitos de cidadania. Os princípios fundamentais, segundo José Afonso da Silva (2018), são as regras básicas do ordenamento constitucional, ou seja, constituem a síntese de todas as demais normas da Constituição. Para o citado autor, a cidadania se encontra no texto constitucional num sentido mais amplo do que uma mera titularidade de direitos políticos. Significa também que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular e se conecta com o conceito de soberania popular, com os direitos políticos, com a dignidade da pessoa humana, com os objetivos da educação e como base e meta essencial do regime democrático.
A Cidadania é, pois, o conjunto de direitos civis, políticos e sociais de que goza o indivíduo através do seu vínculo interativo com o Estado. Cidadania é a expressão material do exercício da democracia. Assim deve ser um advogado ético. Ser cidadão pressupõe um agir no sentido de participar ativamente das discussões políticas acerca dos problemas da cidade - difere, portanto, do indivíduo inerte. Não basta para a sua caracterização uma noção formal de meros direitos postos no ordenamento jurídico. Hoje a cidadania é um conceito amplo e deve ser analisada sob uma perspectiva prática: o cidadão deve conhecer seus direitos e deveres, e utilizá-los no dia a dia, protagonizá-los politicamente, seja debatendo, discutindo, buscando e propondo soluções para os problemas da cidade, do estado e do país (CARVALHO, 2001).
A cidadania se desdobra em direitos e deveres. Os direitos devem ser exercidos e não apenas contemplados. Os cidadãos devem ser atores políticos. O conhecimento acerca dos próprios direitos é a principal arma para o exercício completo e ativo dos direitos e deveres de cidadania. É também essencial para o exercício da democracia. Exercer a advocacia é então respeitar a liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos como valores humanos fundamentais (DALLARI, 2004).
A ideia da cidadania é uma ideia eminentemente política que não está necessariamente ligada a valores universais, mas a decisões políticas. Um determinado governo, por exemplo, pode modificar radicalmente as prioridades no que diz respeito aos deveres e aos direitos do cidadão; pode modificar, por exemplo, o código penal no sentido de alterar sanções; pode modificar o código civil no sentido de equiparar direitos entre homens e mulheres, pode modificar o código de família no que diz respeito aos direitos e deveres dos cônjuges, na sociedade conjugal, em relação aos filhos, em relação um ao outro. Pode estabelecer deveres por um determinado período, por exemplo, àqueles relativos à prestação do serviço militar (FERREIRA, 2013).
Por isso, cabe a cada advogado assumir uma postura ética, que não deixa de ser também uma postura político-profissional, no sentido de realizar uma advocacia cidadã.
REFERÊNCIAS
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