Casos de atraso na entrega de imóvel comprado na planta não são raros de aparecer no dia a dia do escritório de advocacia, no qual nos deparamos com clientes que possuem dúvidas sobre a validade das justificativas das construtoras vendedoras quando do não cumprimento do prazo contratual.
É comum constar em contratos de compra e venda de unidade habitacional as denominadas cláusulas de tolerância, que preveem prazos complementares para a entrega do imóvel em construção, sendo que o Judiciário discutiu por muitos anos a validade destas disposições, existindo diversos entendimentos contrários e favoráveis à sua aplicação.
Diante de tamanha insegurança jurídica, o Tribunal de Justiça de São Paulo editou a súmula 164, unificando o entendimento no sentido de que é valido o prazo de tolerância não superior a cento e oitenta dias, para entrega de imóvel em construção, estabelecido no compromisso de venda e compra, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.
Portanto, a construtora somente incide em mora contratual quando ultrapassado o prazo de tolerância, momento no qual passa a ser cabível a condenação da vendedora por lucros cessantes, por entender-se que o atraso na entrega da obra gera uma presunção de prejuízo do adquirente, independentemente da finalidade do negócio.
Os lucros cessantes se tratam de uma modalidade de dano material que consiste naquilo que o lesado deixou razoavelmente de lucrar como consequência direta do evento danoso e, no caso de atraso na entrega do imóvel, o entendimento vai no sentido de que a construtora poderá ser condenada ao pagamento de indenização no importe de 0,5% ao mês sobre o valor atualizado do contrato, pelo período compreendido entre o término da carência (fim do prazo de tolerância) e a efetiva entrega das chaves.
Importante salientar que não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos. Essas alegações não servem como justificativa para a vendedora se desobrigar ao pagamento da indenização por lucros cessantes (dano material).
Neste sentido, recente entendimento proferido pelo E. TJ/SP:
COMPRA E VENDA. AÇÃO INDENIZATÓRIA.ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. Caso fortuito/força maior não comprovados. Hipótese clássica de má-gestão administrativa. LUCROS CESSANTES. Devidos a razão de 0,5% ao mês, calculados sobre o valor atualizado do contrato, computados do mês seguinte ao término do prazo até a efetiva entregadas chaves. Ao valor deve ser aplicada correção monetária a contar do evento e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação(...) (TJ/SP - 6ª Câmara de Direito Privado - Apelação nº 1008069-74.2019.8.26.0604, Relator: Paulo Alcides, Data de julgamento: 11/01/2021)
Em situações excepcionais, onde o atraso na entrega da obra e disponibilização das chaves alcança período exagerado e desproporcional, e comprovado no processo que o adquirente sofreu abalos psicológicos que ultrapassam o mero dissabor do dia a dia, é possível requerer a condenação por danos morais, no qual o Juiz analisará o caso concreto e suas particularidades para decidir se o atraso na entrega do imóvel acarretou em ofensas a direito de personalidade do consumidor.
A expedição do documento denominado habite-se, quando não coincidir com a imediata disponibilização física do imóvel ao promitente comprador, não afasta a mora contratual atribuída à vendedora, ou seja, a entrega da obra somente se caracteriza por meio da efetiva entrega das chaves ao adquirente, que passa a partir daquele momento a ter a posse direta do bem.
Portanto, em caso de atraso na entrega de seu imóvel, verifique com um advogado se não é o caso de judicializar a questão e invocar o Poder Jurisdicional do Estado para requerer os direitos cabíveis ao caso.