Surge controvéria quanto à fixação do ônus da prova na hipótese em que se pleiteia o salário-família.
No que respeita ao instituto, dispõe o artigo 67 da Lei n. 8.213/91:
"O pagamento do salário-família é condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho ou da documentação relativa ao equiparado ou ao inválido, e à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória e de comprovação de freqüência à escola do filho ou equiparado, nos termos do regulamento".
A literalidade da lei, como se vê, atrai a seguinte conclusão: o ônus de provar a apresentação das certidões é do interessado, ou seja, do empregado, mesmo porque, a rigor, tal representa fato constitutivo de seu direito (CLT, artigo 818 e CPC, artigo 333, inciso I – Teoria de Chiovenda).
Não por acaso, pois, essa tem sido a sinalização da jurisprudência, conforme o teor da Súmula 254 do TST, assim vazada:
"O termo inicial do direito ao salário-família coincide com a prova da filiação. Se feita em juízo, corresponde à data de ajuizamento do pedido, salvo se comprovado que anteriormente o empregador se recusara a receber a certidão respectiva".
A leitura dessa posição firmada pelo TST demonstra que o obreiro somente fará jus ao salário-família quando demonstrar que entregou ou pretendeu entregar à empregadora as certidões necessárias à comprovação do direito e/ou que o empregador se recusara a receber a documentação pertinente.
O encargo probatório, pois, recai, segundo a lei e a jurisprudência dominante, de forma injusta, no pólo obreiro.
Todavia, aqui, certamente, há espaço para um grão de sal.
Ora, exigir do empregado prova documental da eventual recusa do empregador, quanto às certidões apresentadas, significa fechar os olhos a uma realidade contundente.
É que, via de regra, além das dificuldades advindas de sua situação econômica, há que se lembrar ainda da conhecida desigualdade resultante da subordinação do empregado em face de seu empregador, que, sujeito às determinações de seus superiores, não detém meios de exigir comprovantes ou recibos de quem quer que seja... - fato que, inclusive, pode até lhe custar o próprio emprego...
De mais a mais, as empresas, sabe-se, de regra possuem uma ampla estrutura administrativa, guardando consigo toda a documentação concernente à sua atividade empresarial, organizada quase sempre em um departamento de pessoal.
Nesse contexto, exsurge por manifestamente equivocada a linha de raciocínio que atribui ao empregado o onus probandi de demonstrar o fornecimento regular da documentação necessária à aquisição do direito em comento.
É simples de entender: a burocracia documental é encargo ínsito, natural mesmo, à atividade empresarial, sendo injusto exigir do empregado algo que na maioria das vezes não tem qualquer condição de provar, ressoando óbvio que tal prova documental é de mais fácil alcance quando exigida da empregadora, detentora natural das documentações vinculadas ao contrato de trabalho.
O encargo probatório, então, recairia, segundo essa genuína máxima da experiência, de forma justa, no pólo patronal.
A citada inversão do ônus probatório, em casos que tais, teria fulcro no princípio da aptidão para a prova, que confere uma visão mais social do processo e ameniza a acentuada frieza que marca o artigo 818 da CLT.
A propósito, tal princípio, mencionado nas lições de Porras López, já é expressamente positivado, consoante artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que reza serem direitos básicos do consumidor, dentre outros:
"A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência" (grifo meu).
A norma é inteiramente pertinente ao caso sob análise. Note-se: a hipossuficiência do obreiro, aqui, existe, e é, acima de tudo, probatória...
Outrossim, penso que poderia mesmo ser aplicada, também, a norma inscrita no artigo 852-D, da CLT, que, confirmando essas ilações, prescreve:
"O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica" (grifo meu)
Pouco importa, a meu ver, se tal regra, no plano legal (lex), está ligada exclusivamente ao rito sumaríssimo, eis que tal enunciado retrata, no fundo, no plano jurídico (jus), o valioso princípio da razoabilidade, passível de aplicação, à toda evidência, em qualquer tipo de feito, independentemente do rito que lhe está sendo aplicado.
Dessa forma, ocorreria, no caso, a inversão do ônus da prova, lançando-o aos ombros do pólo patronal, haja vista que a experiência do que de ordinário ocorre demonstra que a ex-empregadora, em casos que tais, detém melhores condições de provar suas alegações, no sentido de que o autor não teria provado, por exemplo, a filiação de qualquer filho, aquando de sua admissão.
É o que penso.