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Direito de recorrer (extraordinariamente) em liberdade

16/03/2007 às 00:00
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O Direito de apelar em liberdade (esse é o título de um livro da nossa autoria - São Paulo, RT, 1994) não se confunde com o direito de recorrer extraordinariamente em liberdade. O primeiro pressupõe uma sentença condenatória de primeiro grau (contra a qual se insurge o réu); o segundo só pode ter existência após a decisão de um tribunal (ou seja: depois de um acórdão de um tribunal).

No que diz respeito ao primeiro, a jurisprudência construiu as premissas básicas: (a) se o réu respondeu ao processo em liberdade, apela em liberdade, salvo que presentes motivos concretos que justifiquem a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 312); (b) se o réu respondeu ao processo preso, vai apelar preso, salvo se desapareceram os motivos da prisão cautelar.

Quanto ao segundo a questão é a seguinte: o réu tem direito de recorrer extraordinariamente em liberdade? Tem direito de ingressar com Recurso Extraordinário (ao STF) ou Especial (ao STJ) e permanecer em liberdade? O acórdão confirmatório de uma condenação ou acórdão condenatório, antes do trânsito em julgado, pode ser executado provisoriamente? O efeito só devolutivo do RE ou REsp autoriza a execução imediata de eventual mandado de prisão?

Todas essas questões foram devida e excelsamente enfrentadas pelo Min. Celso de Mello, no HC 89.754 MC-BA, j. 06.12.06, impetrado contra decisão do STJ que, dirimindo a celeuma de acordo com o padrão positivista-legalista clássico, sublinhou a possibilidade de execução provisória do julgado, mesmo porque se sabe que o RE ou o REsp não possui efeito suspensivo. Esses recursos (por terem caráter extraordinário) não impedem a imediata expedição de eventual mandado de prisão. O art. 675 do CPP (que impede a expedição imediata de mandado de prisão) só tem aplicação quando se trata de recurso com efeito suspensivo. A prisão, como efeito da condenação, não viola a presunção de inocência. O acórdão do TJ da Bahia que determinou a prisão fundamentou-se no seguinte: (a) inexistência de efeito suspensivo do RE ou REsp; (b) art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990; (c) art. 637 do CPP; (d) Súmula 267 do STJ; (e) a execução provisória do julgado não ofende o princípio da presunção de inocência.

O que acaba de ser afirmado conflita com a atual jurisprudência do STF, que vem afirmando a imprescindibilidade de se demonstrar, em cada caso concreto, a necessidade da prisão cautelar, que possui caráter excepcional (RTJ 180/262-264, rel. Min. Celso de Mello). Mesmo que se trate de prisão decorrente de condenação recorrível (emanada de primeira ou de segunda instância), a prisão só se justifica quando há motivo concreto que revele sua absoluta necessidade (HC 71.644-MG, rel. Min. Celso de Mello; RTJ 195/603, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 84.434-SP, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 86.164-RO, rel. Min. Carlos Britto; RTJ 193/936).

De acordo com a visão constitucionalista do STF, a prisão, mesmo que fundada em acórdão condenatório ou confirmatório de condenação precedente e tendo como base só o fato de o RE ou o REsp possuir efeito devolutivo, significa execução provisória indevida da pena.

Em situações como a que ora se registra, "o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, ainda que em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, até mesmo de ofício, ao paciente, o direito de recorrer em liberdade" (HC 89.754 MC-BA, rel. Min. Celso de Mello).

A prisão fundada não em fatos concretos, justificadores da medida extremada da prisão cautelar, sim, exclusivamente "na lei" (que não confere efeito suspensivo ao RE ou ao REsp), viola patentemente a presunção de inocência.

Conclusão: se o réu respondeu ao processo em liberdade, a prisão contra ele decretada – embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) – somente se justifica se motivada por fato posterior, que se ajuste, concretamente, em uma das hipóteses referidas no art. 312 do CPP. Fora disso estamos diante de uma execução provisória indevida da prisão, verdadeira antecipação de pena, que conflita flagrantemente com o princípio da presunção de inocência emanado do art. 8º da CADH assim como do art. 5º, inc. LVII, da CF.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Direito de recorrer (extraordinariamente) em liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1353, 16 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9606. Acesso em: 5 nov. 2024.

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