5. A intervenção inominada
Ainda como um meio alternativo aos Embargos de Terceiro, é possível fazer com que o lesado intervenha no processo de onde partiu a ordem de apreensão do seu bem (ou mesmo na própria carta precatória, se ela foi expedida para tal fim), de maneira que, provocando a manifestação das partes, possa alcançar a liberação pretendida.
O ordenamento jurídico pátrio, por certo, não restringe de forma absoluta a participação de terceiros no processo. Pelo contrário, mesmo não se falando da assistência (art. 50 do CPC) ou das outras formas nominadas de intervenção de terceiro (oposição, nomeação a autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo), tem-se por perfeitamente possível as intervenções de terceiro cujo interesse jurídico justifica sua participação.
Evidentemente, o interesse jurídico deve estar justificado pelo interesse, econômico ou moral ao qual a ordem jurídica atribui relevância (ALVIM, 2001, p. 120), que obviamente é o caso daquele que teve o bem do qual era possuidor agressivamente retirado por ordem judicial, oriundo de processo onde sequer tinha alguma responsabilidade.
Na hipótese da proteção que se quer dar ao possuidor, poder-se-ia questionar se o caminho correto de se intervir como terceiro no processo seria através da oposição, já que, pela natureza de tal medida, seja até sustentável imaginar o seu uso para o fim pretendido.
Contudo, lembrando que a oposição é uma ação, apresentá-la como um caminho para a proteção do lesado seria invocar todos os inconvenientes existentes (pertinentes a qualquer ação) e seria como equipará-la ao uso dos embargos de terceiro. Porém, estes teriam mais eficácia do que a própria oposição (bastando anotar que a oposição, em princípio, não se vale da mesma possibilidade direta de liminar).
De qualquer maneira, se a oposição causa tantos problemas como qualquer outra ação e ainda é menos eficaz que os embargos de terceiro, não se poderia equandrá-la como uma forma alternativa, ficando, pois, excluída a sua adoção para os fins propostos pelo presente estudo.
Assim, o que se vislumbra é a intervenção direta nos próprios autos originários da apreensão, mediante petição devidamente documentada, trazendo para as partes a discussão sobre a posse do bem.
Certamente que tal manifestação não teria limites quanto aos procedimentos em questão, já que, se de algum modo o bem constritado faz parte do processo, o simples fato da existência de uma ordem judicial para tal ato já autorizaria a manifestação da parte lesada, justificando o interesse jurídico respectivo.
O que se demonstra interessante é que, diante da evidência da configuração da posse desse terceiro interveniente, quase inimaginável acreditar-se que a manifestação seria indeferida de plano, ainda mais pelos próprios fundamentos do comportamento, embasados não somente no plano material como no próprio aspecto processual, com a incidência da ampla defesa e da garantia de acesso à justiça, num maior grau, bem como pela harmonia com outros princípios fundamentais que oportunamente serão invocados.
De qualquer maneira, na busca da proteção de seus interesses, nada impede que o terceiro peticione nos autos, fazendo a demonstração de seu direito (muitas vezes embasado em elementos indicativos do exercício da posse, como pagamento de impostos, declaração do Imposto de Renda, taxas, serviços realizados sobre o mesmo), acrescentando, quando possível, a própria notificação do causador da constrição judicial.
É certo que, como já se disse, diante da urgência de determinados casos, a intervenção não poderá exigir a notificação prévia, como no caso de uma apreensão sobre bem móvel, cuja lesão (com a retirada da posse e sua transferência para outrem) caracteriza-se de extrema gravidade.
Neste caso, uma demonstração convincente, nos autos de onde partiu a ordem de apreensão, já pode ser suficiente para que se impeça o agravamento da lesão.
A título de exemplo, quando há a apreensão judicial de um bem móvel, a configuração de um depositário, diverso do possuidor originário, inevitavelmente ocorrerá. Isso indica uma grave lesão ao possuidor de direito, porque está lhe retirando o bem de suas mãos.
Entretanto, numa demonstração efetiva da posse, especialmente com a apresentação de prova documental que possa convencer o magistrado da existência de uma boa-fé, pode-se vislumbrar uma saída, que é requerer-se a alteração do depositário fiel para o anterior possuidor (lesado).
Note-se que a gravidade da lesão pode ser ampliada quando a apreensão é cumprida através de carta precatória.
Neste caso, o deslocamento do bem até o Juízo deprecante acarretará uma extrema onerosidade para o possuidor, que terá em muito ampliadas as dificuldades para a retomada de seu bem.
Logo, numa intervenção rápida, é possível peticionar nos autos (da própria carta precatória), apresentando toda a prova possível para uma análise de verossimilhança e pedindo para que as partes se manifestem sobre os documentos apresentados. Acresça-se ao pedido a alteração do depositário fiel para o próprio possuidor lesado, até que se ultime uma solução para a controvérsia provocada.
Lembrando que a competência para os embargos de terceiro, no caso de apreensão por carta precatória é a do Juízo Deprecante (conforme se pode deduzir da interpretação do art. 1.049 do Código de Processo Civil anteriormente citado) não há dúvidas de que a saída apresentada reduz absolutamente todas as dificuldades que seriam enfrentadas, se assim não se fizesse.
Tal hipótese já aconteceu, sendo o Juízo Deprecante São Paulo, Capital, e o Juízo Deprecado situado a 1000 km de distância. A apreensão ocorreu sobre um veículo de custo baixo (R$.4.500,00), oriunda de uma discussão sobre uma alienação fiduciária. O problema ocorria justamente porque o possuidor já era proprietário do veículo há mais de quatro anos. No documento de propriedade já figuravam dois proprietários posteriores ao que aparecia como titular da busca e apreensão. Uma certidão do veículo junto ao DETRAN não apontava qualquer restrição; os anteriores proprietários não tinham qualquer pendência judicial. Mas a apreensão havia tomado abruptamente o bem das mãos do mais legítimo possuidor de boa-fé, e assim o veículo teria que submeter à transferência que certamente iria lhe causar, inclusive, prejuízos materiais, no desgaste do veículo com a viagem a ser empreendida.
Porém, a intervenção no processo de acordo com os passos indicados e estando diante de um julgador com evidente bom senso, procedeu-se a manutenção do bem na comarca deprecada (com a alteração do depositário para o possuidor lesado), oportunizando-se às partes a manifestação sobre o que se estava trazendo aos autos sobre a efetiva posse de boa-fé.
Evidentemente que, diante de uma manifesta demonstração da boa-fé desse possuidor, dificilmente haverá fundamento para que as partes (principalmente o credor) sustentem a apreensão e, com isso, haverá grande probabilidade de que o problema seja solucionado incidentalmente, a partir da provocação feita pelo possuidor que aparece como terceiro, buscando a proteção de seu direito.
Neste caso, a tutela jurisdicional poderá ser perfeitamente prestada (que ficará a cargo do Juízo Deprecante, por certo), ainda que sua provocação tenha sido feita de forma pouco convencional, pois não se poderá conceber que esse terceiro, com evidente direito sobre o bem apreendido, fique lesado por um comando judicial que desrespeite a boa-fé.
Assim, estando devidamente provocada a tutela jurisdicional, poderá deferir ou não a proteção desse terceiro, cabendo, da decisão respectiva, o agravo de instrumento, para o qual todos estão legitimados.
Caso a apreciação da intervenção inominada do terceiro não possa surtir os efeitos desejados (pois, muitas vezes, a prova não poderá ser realizada com uma verticalização necessária, com a ouvida de testemunhas, por exemplo), poderá ainda, o lesado, valer-se dos embargos de terceiro, já que não haverá coisa julgada operando-se sobre sua manifestação como terceiro interessado.
Portanto, em resumo, a intervenção do lesado como terceiro interessado:
a) não tem prazo específico para ser apresentada, mas dever-se-á observar a sua utilidade, na medida em que, se postergada, não poderá resultar na proteção desejada, pois o bem poderá ter sido liquidado (com leilão judicial, por exemplo), perdendo-se até mesmo a oportunidade da oposição dos embargos de terceiro, caso a intervenção de terceiros não dê o resultado esperado;
b) deve ser feita nos próprios autos, acompanhada de todos os documentos necessários para a demonstração cabal do direito que se alega, permitindo que não somente as partes como o próprio magistrado possam ter informações que lhes convençam da plausibilidade das alegações e da boa-fé existente;
c) deverá requerer a alteração do depositário fiel, no caso de perigo de agravamento da lesão, como no caso de bem móvel que poderá ser transferido para Juízo diverso, passando-se a posse direta do bem para o terceiro, mediante o respectivo compromisso, até que a solução seja dada à sua provocação;
d) se a apreensão ocorrer em cumprimento à carta precatória, deverá ser feita a intervenção com urgência nos seus próprios autos, evitando-se a sua devolução ao Juízo deprecante até que o direito possa ser discutido perante as partes. Nada impede, neste caso, que também se peticione diretamente no Juízo deprecante, informando do mesmo acontecimento.
6. Os honorários advocatícios
As formas alternativas apontadas (a notificação extrajudicial e a intervenção como terceiro interessado) afastam a possibilidade do questionamento de honorários advocatícios de sucumbência.
Na verdade, tais honorários advocatícios (de sucumbência) representam um bom motivo para que o autor da apreensão reflita sobre as conseqüências de seu ato, provocando-o a eliminar o problema que causou (como o levantamento da penhora ou da própria apreensão judicial), na medida em que, assim o fazendo, livrar-se-á da condenação inevitável que a sucumbência lhe provocará diante do resultado dos embargos de terceiro, se necessitarem ser opostos.
Assim, quando recebe a notificação extrajudicial ou mesmo quando toma conhecimento pela manifestação direta do lesado através da intervenção nos autos como terceiro, o autor da lesão poderá avaliar as informações recebidas e, diante do que lhe é apresentado, fará a análise dos prós e contras da sua insistência em manter a constrição judicial.
Desta maneira, atendendo-se à boa-fé que lhe é apresentada, estará livre da sucumbência a ser fixada apenas nos autos de Embargos de Terceiro, com o seu resultado. Mantendo-se inerte, estará assumindo o risco de ser então condenado, não podendo, quando de sua impugnação junto aos embargos de terceiro, alegar sua ignorância e invocar a isenção da condenação em honorários advocatícios, devidos por ter dado causa à demanda judicial.
Veja-se que a simples notificação extrajudicial não ensejará, por óbvio, o pagamento dos honorários advocatícios. No mesmo sentido, não caberá tal condenação em sede da manifestação como terceiro interessado nos próprios autos.
Isso, porém, não está lesando o direito do profissional que atende os interesses do lesado, justamente porque estará sendo servido pelos honorários advocatícios contratuais, que poderão ser perfeitamente suportados, ainda mais se tiver a solução de seu problema sem todos os incômodos gerados pela propositura de uma ação judicial.
Portanto, os honorários advocatícios têm relevante papel para o tema em questão, podendo servir até como elemento capaz de reforçar o convencimento do autor da lesão, para que aja de modo a restabelecer o direito do possuidor prejudicado.
7. A incidência de princípios fundamentais para a intervenção do lesado
Parece evidente que inúmeros princípios estão sendo atendidos com os procedimentos alternativos indicados.
Em princípio, é importante notar que, através da notificação extrajudicial, se estará dando maior valor à composição extra-autos, que acompanha o constante pensamento jurídico de conciliação das partes. Nada melhor à tutela jurisdicional que o conflito se resolva entre as partes antes que a relação jurídica processual se instaure e isso poderá ser perfeitamente atendido pela provocação que essa comunicação informal poderá permitir. Logo, apesar de não se estar falando da incidência de princípios processuais neste caso (porque não se fez necessária a formação de uma relação jurídico-processual), o importante é a solução ocorrida no plano material.
Já, porém, com a intervenção inominada, a tutela jurisdicional estará sendo efetivamente provocada, dando ensejo à aplicação de diversos princípios, que estarão sendo atendidos na medida em que os Embargos de Terceiro sejam evitados.
Em primeiro lugar, o acesso à justiça está incidindo, na medida em que se liberta o lesado da alternativa que lhe é inevitavelmente penosa, ao ter que opor os embargos de terceiro. Seu acesso à proteção jurisdicional está sendo realizado pela simples intervenção nos autos, podendo ser atendido com idêntica precisão e sem estar sendo cercado de todos os conhecidos incômodos que ocorrem com a opção pela concretização da demanda.
Da mesma maneira, pode-se dizer que as garantias constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal estarão sendo aplicadas, já que o interessado poderá estar evitando a intromissão na sua posse, assegurando-se de maneira a ter apreciado seu direito nos próprios autos, como parte lesada que é.
Por seu turno, o princípio da economia é bem caracterizado para o caso.
Financeiramente falando, não parece restar quaisquer dúvidas de que a notificação extrajudicial e mesmo a intervenção inominada trazem grandes vantagens: livra-se das custas processuais, dos valores dos honorários advocatícios que serão inevitavelmente ampliados com a discussão judicial.
No aspecto temporal, a proteção a seu direito poderá ocorrer muito antecipadamente, se atendida a notificação extrajudicial. Mesmo na intervenção inominada, a proteção ao direito poderá ser realizada em reduzido lapso de tempo, especialmente se o autor da lesão reconhecer o problema e requerer o levantamento da constrição judicial.
Desse modo, o atual princípio constitucional da celeridade, consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII está tendo sua concreta incidência, na medida em que a solução do problema poderá ocorrer de forma muito mais ágil.
Portanto, no atendimento de uma ordem jurídica justa, os princípios inerentes a tal finalidade estarão harmoniosamente aplicados, não resultado qualquer prejuízo ao ordenamento jurídico, para as partes envolvidas e para a função jurisdicional, atender-se aos reclamos do lesado, seja na forma extrajudicial como pela intervenção inominada.
8. Conclusões
Do presente estudo, algumas conclusões podem ser destacadas:
1) a notificação extrajudicial pode ser um meio de evitar os embargos de terceiro, na medida em que elide a ignorância da parte responsável pela apreensão e, ciente da boa-fé sobre a posse de terceiro, poderá tomar medidas para o levantamento da apreensão/penhora;
2) a notificação extrajudicial deve ser feita através de Cartório de Títulos e Documentos, acompanhada de documentos capazes de permitir a observação da boa-fé, a fim de se tornar um instrumento hábil para comprovar o conhecimento de seu conteúdo, cabendo-lhe fixar um prazo para a liberação do bem, sob pena da configuração expressa de um interesse de agir que justificaria a condenação do responsável pela apreensão do bem no ônus da sucumbência.
3) A notificação extrajudicial é instrumento mais adequado para ser usado quando se tratar de bem imóvel e a urgência não se configurar presente.
4) Como terceiro interessado, o lesado com a apreensão judicial do bem poderá intervir no processo de onde partiu a ordem de apreensão ou nos autos da carta precatória que esteja executando tal ordem, demonstrando sua boa-fé, provocando a manifestação das partes, podendo obter a tutela jurisdicional favorável ao seu interesse;
5) Através da intervenção inominada, pode-se requerer a alteração do depositário do bem, de maneira a garantir que a posse continue sendo exercida pelo interessado, até que a controvérsia seja resolvida, amenizando-se os prejuízos da apreensão.
6) Os honorários advocatícios podem servir como medida para a avaliação das conseqüências que podem ser evitadas com o cumprimento da solicitação dada pela notificação extrajudicial como pela intervenção inominada de terceiro, já que não serão devidos (na forma da sucumbência), nestas duas formas alternativas de proteção do possuidor;
7) Adotar-se a notificação extrajudicial ou a intervenção inomida de terceiro deve ser sempre um primeiro passo de reflexão para aquele que necessita proteger a posse lesada, já que representam momentos que são eficazes e atendem ao interesse de todos, resolvendo a questão no plano material sem que a ação, como todas as suas nuances, muitas vezes incômodas, seja necessária.
Bibliografia
ALVES, José Carlos Moreira. Posse. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 1.
ALVIM, José Manoel de Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 1.
____. Manual de Direito Processual, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 2.
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
BESSONE, Darcy. Direitos Reais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
____. Da Posse. São Paulo: Saraiva, 1996.
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2004.