RESUMO: Buscando demonstrar caminhos diferenciados para a proteção do possuidor de boa-fé como uma forma alternativa à oposição dos embargos, o estudo parte de casos em que a liberação da apreensão sobre bens (móveis e imóveis) teve resultado sem que a propositura de uma ação fosse necessária. Assim, em vista dos inconvenientes advindos pelo uso dos embargos de terceiro, indica-se a notificação extrajudicial como uma atividade de eficaz contribuição para a solução do problema da apreensão indevida, muitas vezes existente por desconhecimento da realidade fática ocorrida. Além de traçar os critérios para a realização de uma notificação extrajudicial eficaz, o estudo também estabelece a possibilidade da intervenção inominada do terceiro lesado diretamente nos autos de onde partiu a apreensão (e até em eventual carta precatória expedida), apontando elementos para sua atuação. Abordando, ainda, os reflexos de tais medidas no plano dos honorários advocatícios de sucumbência (com a sua exclusão), conclui enquandrando as formas alternativas apontadas dentro da eficácia dos princípios de acesso à justiça, ampla defesa, devido processo legal, economia e celeridade processual.
PALAVRAS-CHAVE: posse; liberação de bem; embargos; terceiro.
Summary: Looking for demonstrate different ways to protect the possessor of good-faith as an alternative form of the opposition of embargoes, the study departs from cases that the liberation of the apprehension of properties has resulted without the necessity of a lawsuit proposition. Thus, based on the inconvenient came upon the uses of the third embargoes, it denotes the extra judicial notification as an efficient activity to solve the problem of the improper apprehension, many times it has happened because of the not knowing of the real fact occurred. In addition of the establishment of criteria to realize an efficient extra judicial notification, the study also establishes an innominate intervention from the third injured directly from the process from where departs the apprehension (and even an eventual letter dispatched), pointing elements to this action. And also looking for the reflects of the lawsuit on the cost on a failure judicial cause (with its execution), it concludes that putting on the alternative forms pointed in the efficient principles of the access to the justice, wide defense, legal process, economy and process celerity.
Key words: ownership, properties liberation, embargoes and third.
1. Introdução
O exercício do direito de ação, na busca da proteção através da tutela jurisdicional, leva consigo os interentes percalços de uma demanda judicial, como o pagamento de custas, o tempo prolongado para a solução final do conflito, as despesas com advogado, entre outras situações subjetivas que afetam as partes consideradas litigantes.
Tradicionalmente, o socorro dado pelos Embargos de Terceiro tem atendido às necessidades do possuidor, que se vê tolhido indevidamente pela apreensão judicial oriunda de uma relação processual a qual não pertence.
Entretanto, na medida em que uma ação judicial pode ser substituída por outras atitudes lícitas e perfeitamente capazes de atingir o mesmo objetivo (exonerar o bem da constrição judicial), é possível concluir que esse caminho diferenciado certamente acabará sendo o preferencial, ainda mais porque é notório o entendimento de que toda demanda exige sacrifícios.
Desta forma, partindo-se da reflexão sobre os obstáculos existentes, procura-se demonstrar algumas experiências que adotaram formas alternativas ao exercício do direito de ação, indicando como foram aplicadas e o resultado que delas se obteve, na busca de se contribuir para a solução de conflitos de forma menos onerosa e mais ágil.
2. Os Embargos de Terceiro e seus inconvenientes
Mesmo que os Embargos de Terceiro não recebam qualquer crítica em relação à sua natureza e constituição, ainda assim podem ser lembradas algumas circunstâncias capazes de provocar certo desconforto ao interessado quando de sua disposição.
Neste sentido, as custas processuais sempre são o primeiro obstáculo a ser ultrapassado. Em Estados cujo serviço não está oficializado, os Embargos de Terceiro inevitavelmente atingem a tabela máxima, pois, de regra, os bens em questão – que indicam o valor da causa –, provocam essa incidência.
Mesmo a alternativa da aplicação da Lei n. 1060/50, invocando-se a assistência judiciária ao autor, tem certa dificuldade de ser enquadrada, ainda mais pela evidência patrimonial extraída do próprio bem objeto de proteção.
Em outro momento, também é problema para a parte a questão dos honorários advocatícios contratuais.
Sem qualquer discussão sobre a necessidade dos honorários advocatícios como contraprestação dos serviços realizados, não parece ser sujeito de dúvidas o incômodo financeiro provocado à parte, que deverá arcar com o seu encargo, sem que diretamente possa reavê-los, já que a sucumbência, de regra, está afeta ao direito do advogado, nos termos do que afirma o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94).
Particularmente quanto aos Embargos de Terceiro, poderá também haver o acréscimo do custo e incômodo de terceiros, com a necessidade da realização da audiência para justificação preliminar. Imagine-se tal exigência se a apreensão ocorrer através de carta precatória, onde sua discussão deverá ocorrer no Juízo Deprecante, a teor da interpretação realizada sobre o artigo 1.049 do Código de Processo Civil, que é expresso em afirmar que "os embargos serão distribuídos por dependência e correrão em autos distintos perante o mesmo juiz que ordenou a apreensão". O deslocamento das testemunhas poderá ser extremamente oneroso.
Mesmo que se possa falar da liminar nos Embargos de Terceiro, sua concessão poderá ter ocorrido depois do agravamento da situação para o possuidor. No mesmo exemplo de apreensão por via de carta precatória, dificilmente a liminar conseguirá evitar o deslocamento do bem (do juízo deprecado para as mãos do autor da busca e apreensão). Até que a parte contrate um advogado, que o mesmo elabore a petição inicial, que se viaje para comarca de origem da precatória e que lá se conseguia a liminar (mesmo se não foro o caso de designação de audiênia para justificação preliminar), o bem apreendido já terá sido movido de seu local de origem, gerando inevitáveis despesas para a locomoção de retorno entre outros prejuízos.
Contudo, tais inconvenientes podem ser excluídos ou mesmo amenizados, com as propostas indicadas no presente estudo.
3. O desconhecimento do credor
A ignorância do credor em relação ao real possuidor (e muitas vezes até mesmo no tocante ao real proprietário) do bem apreendido, sempre enseja a discussão da medida da boa-fé para a efetivação da apreensão. Isso tem reflexo direto na fixação de honorários e na imputação da sucumbência ao mesmo, pois parece estranho responsabilizar-se o credor pelos encargos dos Embargos de Terceiro quando ele não tem conhecimento do verdadeiro possuidor/proprietário.
Com efeito, pelas circunstâncias através das quais normalmente um bem apreendido indevidamente se encontra, fica difícil ao credor e mesmo ao próprio Poder Judiciário conhecer da situação fática envolvendo a posse do bem. A ausência de registro da propriedade, principalmente, faz com que se presuma diferentemente do que faticamente acontece, já que o exercício da posse (e sua respectiva proteção), não exige a regularidade formal do domínio.
Por certo, o exemplo clássico atendido pelos Embargos de Terceiro é o que decorre da proteção do possuidor/proprietário que tem como título unicamente o compromisso de compra e venda, sem qualquer escritura, sem qualquer registro (apesar de exercer a posse e tê-la como se proprietário fosse). Tanto foi a consideração de um título precário como esse (compromisso de compra e venda) que o próprio Superior Tribunal de Justiça acabou sumulando a matéria, deixando consagrada a proteção, conforme veio a expressar na Súmula Súmula n. 84 (que determina: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro"), superando a fragilidade da documentação em atendimento à consideração justa da realidade fática envolvendo o referido bem.
Nesta linha de raciocínio, na medida em que o credor deixa de conhecer a situação do bem, parece destoante condená-lo à sucumbência, com o resultado dos Embargos de Terceiro. Se a inércia do proprietário/possuidor em realizar o registro de seu domínio provoca o desconhecimento alheio, deve ele arcar com o resultado de sua conduta, respondendo pelas custas e arcando com os honorários advocatícios (ficando, portanto, sem direito à sucumbência).
Foi seguindo tal entendimento que muitos julgados surgiram negando o direito à sucumbência. Neste sentido, pode-se tomar como exemplo o julgamento proferido sobre a lavra do Ministro Aldir Passarinho Júnior, enquanto Relator no Recurso Especial n. 440.789/SP, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (DJU de 17.02.2003, p. 289)
[...] Incabível, em princípio, a condenação do banco réu na sucumbência em embargos de terceiro, onde ao exeqüente é impossível o conhecimento de venda anterior de imóvel através de contrato não registrado no cartório de imóvel respectivo. Todavia, se, após tomar ciência do fato em juízo, o credor, ao invés de prontamente concordar com o levantamento da penhora, resiste ao pedido, impugnando os embargos e postulando pela manutenção da constrição, torna-se responsável pelo pagamento das custas e da verba honorária dessa demanda.
De fato, vê-se que muitas vezes é somente com o exercício da demanda (pelo efetivo possuidor) que o credor acaba tomando conhecimento do que realmente acontece com o bem apreendido e, nesta altura, já não tem mais escapatória quanto ao resultado da apreciação judicial.
A Lei, com efeito, poderia ter configurado expressamente um comportamento anterior à propositura da ação, de maneira a destacar uma maior preocupação com o interesse de agir do Embargante (nos embargos de terceiro), na tentativa de supressão do obstáculo que se lhe impõe a apreensão judicial.
Arruda Alvim bem observa a existência de dois interesses jurídicos. Um, o considerado primário, tem por fundamento o próprio direito material. O outro, justifica-se pela necessidade da tutela judicial, provocada pela configuração de um obstáculo ao pleno exercício do primeiro interesse (2001, p. 410).
Ora, se a posse configura-se como um interesse primário, a necessidade efetiva dos Embargos de Terceiro somente poderia ser demonstrada depois que, extrajudicialmente, o possuidor promovesse os atos necessários para dar conhecimento ao credor (que provocou a apreensão), de que sua posse deveria ser respeitada. Não havendo mudança no comportamento do credor (com o levantamento da penhora/apreensão judicial), aí sim estaria configurado o interesse de agir para a oposição dos Embargos de Terceiro.
É certo que a estrutura atual de atendimento à urgência, na qual estão envolvidos os Embargos de Terceiro (que se concretiza pela possibilidade da concessão da liminar), bem como a proteção da posse, como uma noção extraída do valor que o Direito Positivo dá ao legítimo possuidor, por si só justificam a existência de uma demanda sem que antes se exija essa atitude que se menciona para o fortalecimento do interesse de agir.
Mesmo a própria apreensão (e, portanto, a retirada da posse sobre o bem) já poderia ser considerada suficiente para a configuração do interesse de agir.
Contudo, há hipóteses em que tal situação poderia ser diferenciada, quando deveria o possuidor adotar um comportamento efetivo para eliminar a ignorância do credor sobre sua posse, antes mesmo do exercício da demanda, gerando um resultado no plano do material bem mais satisfatório, superando-se todos os percalços já apontados que são provocados pelo conflito judicial.
Ainda, num plano econômico, o conhecimento prévio do credor da existência da posse em favor de um terceiro já autoriza sua condenação futura pela sucumbência, se ficar inerte quanto à supressão da penhora/apreensão judicial.
Desta feira, se o credor sabia da posse e mesmo assim não buscou respeitá-la (procedendo com o levantamento da penhora ou da apreensão judicial), fez por merecer a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios provocados pelos Embargos de Terceiro.
Portanto, essa responsabilidade pode servir como uma forma de instar o credor a adotar um comportamento ativo (e preventivo) para a solução do problema, evitando incômodos que, por via de conseqüência, irão afetar seu processo e seu próprio patrimônio.
A ignorância do credor, com isso, pode ser elidida com a notificação extrajudicial, da qual adiante se argumentará.
4. A notificação extrajudicial
Não há outro meio mais idôneo de comunicar o autor da ação que originou a constrição do bem, que não seja a notificação extrajudicial, realizada dentro de certos cuidados para a efetiva configuração do conhecimento.
Com efeito, se através da notificação fortalece-se a configuração para o interesse de agir do possuidor lesado (se os Embargos de Terceiro se fizerem necessários), permite-se ainda a imposição da sucumbência ao embargado e pode impedir a escusa da ignorância da situação fática existente. Para tanto, tal ato deve estar cercado de alguns cuidados necessários para caracterizar-se como efetiva prova documental de seu conteúdo.
Neste sentido, realizar-se a notificação extrajudicial por via de correspondência (através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) não é suficiente. Seja pela correspondência simples, seja por aviso de recebimento ou mesmo com a aparente segurança que a entrega em "mão própria" possa ensejar, nenhum dos meios é seguro o suficiente para comprovar que o destinatário de fato tomou conhecimento do conteúdo enviado. Há uma presunção de que recebeu alguma informação (comprovando-se a entrega por aviso de recebimento ou mesmo de mão própria), mas não se tem como provar o conteúdo de tal informação.
Falar-se em notificação judicial, apesar da maior segurança do instrumento, cai-se no problema das custas e na burocracia inerente à atividade jurisdicional, que podem, contudo, ser evitados, se efetivamente o caminho extrajudicial for procurado.
Assim, a melhor opção fica para a notificação extrajudicial realizada por Cartório de Títulos e Documentos, o qual tem, por força de uma de suas atribuições, a presunção de boa-fé suficiente para lançar-se uma certidão comprovando o ato, tendo o Oficial respectivo, a fé pública do ato que pratica.
Com isso, essa notificação:
a) pode ser feita pelo próprio possuidor ou por via de seu advogado (mediante procuração);
b) deve indicar os autos através do qual a constrição judicial foi determinada;
c) deve comunicar a existência da posse em favor do notificante;
d) na medida do possível, pode estar acompanhada de documentos capazes de fazer uma prova cabal das alegações, dando maior veracidade aos termos da notificação. Se não puder estar acompanhada de documentos (como alguns Cartórios podem entender incompatíveis), será necessário que se coloque a documentação disponível para consulta, informando-se o notificado de sua localização;
e) deve solicitar o levantamento da constrição judicial;
f) deve estabelecer um prazo razoável para que tal levantamento se proceda (dependendo da gravidade da constrição judicial – como no caso de um imóvel – que não se modifica sua situação diretamente -, 30 dias dá tempo suficiente para que o autor da apreensão reflita, consulte sua assessoria jurídica, determine as providências necessárias para a eliminação da constrição e sejam elas efetivamente tomadas);
g) deve estabelecer como conseqüência da inércia do autor do pedido de constrição judicial a futura responsabilidade pelos encargos advindos da propositura dos Embargos de Terceiro, com o pagamento das respectivas custas e honorários advocatícios.
Certamente que o legitimado para receber a notificação extrajudicial é aquele que figura como autor do processo de onde se originou a constrição judicial. Em se tratando de pessoa jurídica, cabe um cuidado maior na identificação do sócio-gerente responsável e competente para a comunicação pretendida (o que se pode obter através de certidão do contrato social obtido perante a Junta Comercial), a fim de dar maior eficácia ao ato (evitando-se as costumeiras discussões sobre quem deveria ou não ter sido cientificado do ato).
Com efeito, pela experiência de casos já ocorridos, percebe-se que a notificação extrajudicial compele a parte notificada a, no mínimo, refletir sobre as conseqüências futuras de seu comportamento. Com a ciência do que acontece com a posse do imóvel, de regra, o notificado toma atitudes que vão procurar evitar problemas futuros, que certamente ocorrerão com a propositura dos Embargos de Terceiro.
Já houve uma situação onde o notificado, depois de cientificado da situação da posse do imóvel sobre o qual realizou a penhora, requereu em Juízo, nos próprios autos de Execução, a sua substituição, mesmo com os Embargos já opostos pelo devedor. Requereu a substituição do bem penhorado e a baixa respectiva, tomando todo ato que lhe cabia para se isentar da responsabilidade advinda da constrição judicial.
É regra que o notificado nem mesmo preste contas diretamente ao notificante. O que ele faz é eliminar o problema, cabendo ao notificante diligenciar nos autos originários da apreensão para conferir qual comportamento foi adotado, o que, obviamente não é obstáculo, até porque deverá estar munido de informações oriundas destes autos para a propositura dos Embargos de Terceiro se isso for necessário.
Assim, a notificação extrajudicial acaba não tendo somente a função de caracterizar plenamente o interesse de agir, podendo mesmo servir de efetivo instrumento para a solução do problema, a um baixíssimo custo (envolvendo o pagamento da atividade do Cartório de Títulos e Documentos e algumas autenticações dos documentos encaminhados anexos à notificação, ainda que se somem os honorários advocatícios pelo acompanhamento realizado, que serão menores do que efetivamente os despendidos para o acompanhamento de um procedimento judicial).
Mas, certamente, nem sempre a notificação extrajudicial surte tais efeitos. Até mesmo, em muitas ocasiões, não há tempo para a que a notificação extrajudicial ocorra, diante da gravidade da lesão provocada pelo ato de constrição judicial.
Com efeito, quando a posse do bem é retirada concretamente daquele que sequer seria parte do processo (como no caso de apreensão de bem móvel), o dano interente à perda da posse deve ser resolvido com a urgência necessária a este tipo de situação, de maneira que a notificação extrajudicial pode até mesmo postergar o sofrimento do lesado.
Por isso, ainda evitando-se os Embargos de Terceiro, é possível encontrar um comportamento satisfatório para a solução do problema, que é a intervenção inominada do lesado nos próprios autos de onde se originou a ordem de constrição judicial ou naqueles onde a ordem está sendo executada.