RESUMO: O artigo aborda o direito ao esquecimento com destaque na era informacional. Direito este decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, buscando garantir que as informações veiculadas virtualmente possam ser esquecidas em casos específicos. Decorrente do surgimento da internet e dos provedores de busca, o tema ganhou destaque a partir da necessidade de proteger o indivíduo de prejuízos que violam a sua intimidade e privacidade. A partir disso, nos deparamos com o conflito entre dois direitos constitucionais que tutelam de um lado, a privacidade, e de outro, a liberdade de informação. Sendo a proposta deste trabalho explanar esta oposição entre direitos fundamentais, utilizando-se da proporcionalidade e adotando o direito ao esquecimento como instrumento jurídico essencial à proteção da dignidade humana na era do superinformacionismo.
Palavras-chave: Direito ao Esquecimento. Privacidade. Big Data. Marco Civil. LGPD.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade discutir como se dá o Direito ao Esquecimento na chamada Era do Conhecimento ou da Informação, ou seja, na Internet e analisar sua viabilidade no ordenamento jurídico. Faz-se necessário citar o que seria direito de esquecimento: o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos. (CAVALCANTE, 2014, p.198).
Para isso, será discorrido no desenvolvimento do texto a origem do direito ao esquecimento nas mídias, decorrente do princípio da dignidade humana previsto na Constituição Federal de 1988, e que trouxe base para o direito penal afim de tratar da ressocialização dos ex-presidiários. Posteriormente, será tratado o recente surgimento desse direito no ciberespaço, principal eixo a ser analisado neste trabalho.
A primeira decisão favorável ao direito ao esquecimento de um cidadão se deu pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (2014), proferindo que a partir daquela data o Google deveria desindexar links do seu provedor de busca que tragam notícias ou informações inadequadas ou excessivas que afetem de alguma forma a parte interessada, a qual deverá solicitar a retirada através de um requerimento.
Já no Brasil o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem discutindo amplamente o assunto ora afastando a responsabilidade dos provedores de busca ora os responsabilizando, nos casos em que se reivindica o chamado direito ao esquecimento.
Será também pauta deste artigo o Marco Civil da Internet, de 2014, lei esta que regula o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado, sendo a primeira iniciativa brasileira no sentido de regular o uso de informações virtuais. E logo em seguida, em 2018, ocorreu a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, legislação brasileira com objetivo de regular as atividades de tratamento de dados pessoais e alterar os artigos 7º e 16 do Marco Civil da Internet.
Fazendo análise da possível relação entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD ou LGPDP) de nº 13.709/2018 e o Direito ao Esquecimento na Internet surgem algumas questões. Existe uma previsão para o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro? A LGPD representa uma iniciativa à esta previsão?
No capítulo três será exposto as duas faces do direito ao esquecimento confrontando privacidade e honra com liberdade de expressão e informação, ambos direitos constitucionais previstos no artigo 5º, incisos IX e X da Constituição Federal - CF, de 1988. Será elucidado ao longo do artigo a inexistência de convergência para esses pontos, cada caso deve ser analisado na sua individualidade fazendo-se uso da proporcionalidade e do sopesamento do tema.
O termo big data se refere a grande quantidade de informações que os provedores de dados possuem à sua disposição, e o acesso à informação é instantâneo e tem amplitude global. Uma informação compartilhada se multiplica e pode ser acessada a qualquer momento na nova era informacional ou era do superinformacionismo. Portanto, será também objeto de discussão, até que ponto esses buscadores podem transmitir dados e a dificuldade de diferenciar o que é da esfera privada da pública no ciberespaço.
A presente investigação foi conduzida pelo método dedutivo, saindo de um tema amplo, direito ao esquecimento, e convergindo para o direito ao esquecimento na internet. Da mesma maneira, utilizou-se da revisão bibliográfica de ampla pesquisa.
ORIGEM DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
O Direito ao Esquecimento no Brasil teve sua origem amparada no princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal de 1988 e que trouxe fundamento para o direito penal, da necessidade em ressocializar os presos ao saírem das cadeias e se inserirem novamente na sociedade, portanto, através desse direito o ex-presidiário tem a sua intimidade resguardada. Uma vez cumprida a pena pelo seu crime, tem o direito de não ser fichado como transgressor da lei a fim de recomeçar sua vida em meio social.
Ou seja, dois anos após o cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade por qualquer motivo, o autor do delito tem direito à reabilitação. Depois de cinco anos, afasta-se a possibilidade de considerar o fato para fins de reincidência, apagando-o de todos os registros criminais e processuais públicos.
No Brasil esse direito surgiu recentemente, na década de 2000 alguns casos foram à julgamento contra à rede Globo de televisão por transmitirem em detalhes crimes em um programa chamado Linha Direta. O direito ao esquecimento foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 12/06/2017, em uma audiência pública presidida pelo ministro Dias Toffoli sobre a aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também julgou alguns casos de repercussão, reconhecendo o direito ao esquecimento em virtude da violação da privacidade e honra pessoais.
Um deles foi o caso de uma ex- BBB, chamada Aline Cristina, participou do reality show em 2005 e foi eliminada do programa com rejeição de 95% dos votos. Após 11 anos de sua participação, algumas matérias em sites de entretenimento citaram seu nome e veicularam fotos sobre sua vida atual. A participante ajuizou uma ação contra estes sites visando a retirada do ar de todas as matérias e fotos que transmitiam sua vida particular atual ou relembravam sua participação no programa.
O TJ/SP julgou o pedido improcedente e a autora da ação apelou da decisão do tribunal, saindo vencedora, a sentença foi reformada pela maioria dos votos dos desembargadores. O Tribunal entendeu pela remoção das matérias e fotos da internet, bem como a condenação das empresas que divulgaram ao pagamento de danos morais, com exceção do UOL que era somente o servidor de hospedagem do conteúdo publicado por terceiros. (VISCONTI, 2018). O que gerou o acórdão da 2ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP que servirá de paradigma para solucionar vários casos análogos a este em que se solicita o direito ao esquecimento.
Outro episódio bastante conhecido à época foi o da modelo Daniella Cicarelli, a qual teve um vídeo divulgado mundialmente dos seus momentos íntimos com o namorado. Ela entrou com um processo exigindo que o vídeo fosse retirado de todos os sites. O Youtube foi inclusive retirado do ar no Brasil por dois dias.
Isso fez com que o Congresso brasileiro, em 2007, iniciasse uma busca por regulamentar a internet, surgindo então as primeiras discussões sobre o direito ao esquecimento no meio virtual. Esses debates resultaram em um projeto de Lei 2.126/2001 que foi levado ao Congresso e mais tarde aprovado pela então presidente Dilma Rousseff, e conhecido como Lei 12.965/2014 ou Marco Civil da Internet. Essa lei é composta por 12 artigos e garante ao usuário a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Assegura ainda a exclusão definitiva dos dados pessoais fornecidos a determinada aplicação de internet, a seu requerimento ou ao término da relação entre as partes.
Internacionalmente, ocorreu um caso interessante chamado de Lebach, O Tribunal Constitucional Alemão proibiu uma emissora de TV alemã de exibir um documentário sobre um ex-prisioneiro, condenado a seis anos de reclusão pela participação na morte de quatro soldados alemães na cidade de Lebach, e que já havia cumprido integralmente a sua pena. O cidadão argumentou que a exibição do referido documentário traria à tona outra vez toda a comoção pública acontecida no momento do assassinato e comprometeria sua reinserção em sociedade.
No meio virtual, o episódio de maior repercussão internacional - a partir dele várias decisões internacionais foram influenciadas é o caso Costeja. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em decisão inédita, na data de 13 de maio de 2014, reconheceu o direito a ser esquecido na internet sob determinadas condições.
Um cidadão espanhol, Mario Costeja González moveu uma ação contra o Google, principal servidor de busca mundial, em que exibia informações sobre um leilão judicial de imóveis do ano de 1998 em que Costeja era executado por inadimplemento de uma dívida para com a Previdência Social Espanhola. O débito foi quitado sem a venda do imóvel em questão, contudo nada disso aparecia na notícia e, anos após o acontecimento, o link permanecia indexado aos provedores de busca. O Senhor Costeja alegou que a não retirada do link, em que continha tal informação, dos provedores de pesquisa causava diversos prejuízos à sua imagem apontando - o como devedor, fato que se fazia inverídico. O Tribunal determinou a remoção do link pelo Google:
Os links para sites que contêm esta informação devem ser suprimidos da lista de resultados, a menos que existam razões particulares como o papel desempenhado por esta pessoa na vida pública que justifiquem que prevaleça o interesse do público a ter acesso a esta informação ao efetuar a busca. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, 2014).
A fim de cumprir a determinação, o Google criou uma ferramenta para solicitar a remoção de conteúdo de suas páginas no dia 30 de maio de 2014. Segundo o Relatório de Transparência do Google:
As páginas serão removidas dos resultados somente em resposta a consultas relacionadas ao nome do indivíduo. Removeremos URLs de todos os resultados da pesquisa do Google na Europa, incluindo resultados de usuários na Alemanha, Espanha, França etc. Além disso, usaremos indicadores de geolocalização para restringir o acesso ao URL do país do solicitante. (RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA, 2019).
A imagem abaixo mostra gráfico com número total de solicitações recebidas e de URLs com solicitações de remoção desde 29 de maio de 2014 até a data de janeiro de 2019.
Figura 1 Solicitações recebidas de remoção de URLs de 2014 a 2019.
Fonte: Google Transparency report
O direito ao esquecimento é justificado através do direito à privacidade, previsto tanto na Constituição quanto no Código Civil, bem como mediante o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Porém, faz-se oportuno lembrar que também existe no ordenamento jurídico o direito à informação e liberdade de imprensa.
Portanto, como uma informação inverídica, associada aos dados pessoais de alguém permanece nos provedores de busca, causando inúmeros prejuízos à pessoa, pode permanecer na rede? Com a garantia do seu direito ao esquecimento corrige-se um equívoco ou injustiça, isto não é censura, como alguns doutrinadores defendem. Contudo, até que ponto é razoável aceitar que crimes graves que afetem a ordem pública possam ter seu direito ao esquecimento? São as duas faces deste direito que estarão em debate.
CONFLITO: DOIS DIREITOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal Brasileira de 1988 traz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).
São dois incisos IX e X - que se contrapõem totalmente na medida em que são utilizados na esfera do direito ao esquecimento na internet.
Ocorreu em março de 2013 o evento VI Jornada de Direito Civil, organizado pelo Centro de Estudos do Judiciário da Justiça Federal (CJE/CJF) com o objetivo de delinear posições interpretativas sobre o Código, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, a partir do debate entre especialistas e professores nas comissões temáticas de trabalho.
E o CJF lançou o Enunciado nº 531 que dispõe A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013). Esse direito está subentendido na regra legal que assegura a proteção da intimidade, da imagem e da vida privada, da mesma maneira que está no princípio de proteção à dignidade da pessoa humana.
Mas de acordo com o desembargador Rogério Fialho Moreira, coordenador da Comissão de Trabalho da Parte Geral na VI Jornada, tal enunciado abre espaço apenas à possibilidade de discutir o uso de eventos e fatos passados nos meios de comunicação social, sobretudo nos meios eletrônicos (CJF, 2013). Portanto, o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar acontecimentos pretéritos ou reescrever a própria história. Não é qualquer informação negativa que será eliminada do mundo virtual. É apenas uma garantia contra o que a doutrina tem chamado de superinformacionismo, explica Fialho.
De toda maneira, não deixa de ser um avanço para garantir e tutelar o direito ao esquecimento na internet. Este enunciado indicou a carência da sociedade brasileira por um direito que garanta a privacidade, sobretudo na atual era da informação, a qual sabe-se que os provedores de busca não só indexam informações, mas na verdade classificam e rotulam as pessoas.
Como, por exemplo, o caso de uma mulher que após ter feito fotos sensuais para uma revista, foi associada ao termo acompanhante pelo sugestões de busca do buscador. A caixa preta dos algoritmos do provedor, em algum momento, avaliando as informações sobre a mulher, a classificou de maneira errônea à condição de prostituta. (JOSÉ MILAGRE, 2015).
Em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) o STF deu preferência a liberdade de expressão em oposição à garantia de privacidade versando que a Constituição do Brasil proíbe a censura, que o Estado nem o particular podem anular a liberdade de informação e que este direito está constitucionalmente garantido. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015).
Em sua doutrina sobre Direito Constitucional Canotinho (1993, p.643) diz:
De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos.
Infere-se que a divergência entre direitos fundamentais é o conflito entre direitos diferentes, em que um mesmo objeto está sendo analisando sob prismas opostos, o que levanta questões sobre qual direito deve prevalecer na análise.
Portanto, a grande dificuldade relativa ao direito ao esquecimento está em se definir quando uma informação diz respeito apenas ao indivíduo e a sua privacidade, ou quando é de interesse público a ponto de justificar sua permanência em sítios, motores de busca e outras formas de publicação.
BIG DATA E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
O crescimento e a grande imersão das pessoas na internet, principalmente nas redes sociais, é indiscutível. Os indivíduos estão compartilhando informações de todos os tipos diariamente: assuntos pessoais, políticos, religiosos, de entretenimento, através de textos, montagens, vídeos, fotos, gifs, aplicativos.
Isso fez com que os provedores se interessassem em armazenar tais informações e, mais ainda, decidir o que fazer com elas. Todos esses dados coletados e armazenados nos buscadores da internet são conhecidos atualmente como big data, ou seja, é um termo que descreve o grande volume de dados disponíveis e coletados que sobrecarrega as empresas diariamente.
Porém, a grande questão não é essa quantidade de informações reunidas, mas sim o que essas empresas fazem com os dados coletados. De acordo com o site Softwares & Soluções de Analytics (SAS) O big data pode ser analisado para obter insights que levam a decisões melhores e ações estratégicas de negócio. São inúmeros os benefícios que o big data pode fornecer para o desenvolvimento de toda uma cadeia na era informacional. Os bancos, as indústrias, o governo, as operadoras de saúde, o ensino superior, as empresas, todos utilizam dos benefícios que essa coleta de informações traz.
Na década de 2000, o ato de reunir e guardar dados para posterior análise ficou conhecido quando o analista Doug Laney definiu o atual termo big data em três Vs: volume, velocidade e variedade.
A busca incessante pelo lucro atingiu o mundo informático, do processamento e armazenamento de dados. Usuários do meio virtual deixam informações à disposição o tempo todo e estas são interpretadas pelos analistas de dados virtuais. As ferramentas de busca possuem um arsenal gigantesco de informações 24 horas por dia trabalhando a favor de todo um organismo social, seja para auxiliar o governo à proteção do Estado de algum ataque terrorista, por exemplo, seja para estimular o consumo de uma população mais fragilizada.
Sinônimo de ameaça a todo este faturamento capitalista, o direito ao esquecimento enfrenta resistência no meio cibernético, uma vez que as ferramentas de busca e empresas especializadas em análise de dados virtuais não desejam que leis sejam efetivadas e proíbam certas informações de serem acessadas e divulgadas, e muito menos que o usuário tenha autonomia para decidir até que ponto fatos pretéritos vinculados ao seu nome permaneçam disponíveis nos buscadores de pesquisa.
Mais uma vez sendo pioneira ao tratar do assunto, a União Europeia (UN) criou o regulamento 2016/679 denominado Regulamento geral de proteção de dados europeu, também conhecido como GDPR (General Data Protection Regulation), que entrou em vigor em 25 de maio de 2016 estabelecendo um prazo de adequação das empresas e órgãos públicos até 25 de maio de 2018.
Seu objetivo é definir critérios para que as organizações e entidades governamentais implementem medidas de controle e gestão da privacidade dos dados pessoais, não se restringindo apenas aos 28 países do bloco, mas para todas as empresas que armazenem ou manipulem informações de cidadãos europeus, independentes de onde estão localizadas. O que acabou influenciando uma iniciativa da legislação brasileira. (NICOLAU, 2019).
O direito de ser esquecido também é tratado no regulamento europeu, determinando que a empresa apague, interrompa e suspenda o processamento desses dados. A eliminação dos dados pode ser tanto por não ser mais relevantes ao propósito inicial, quanto, caso o usuário solicite.
Já no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/18) foi sancionada em agosto do ano passado e entrará em vigor a partir de agosto de 2020, e é similar a versão europeia da lei. Ela regula as atividades de tratamento de dados pessoais e altera os artigos 7º e 16 do Marco Civil da Internet. A legislação se fundamenta em diversos valores, como o respeito à privacidade; à autodeterminação informativa; à liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; ao desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; à livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor e aos direitos humanos liberdade e dignidade das pessoas.
A Organização das Nações Unidas (ONU) já encara a privacidade desta forma, assim como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a coloca como condição para participar do bloco.
Apesar da similaridade de ambas as leis brasileira e europeia, a diferença básica é que o Brasil ainda não tem uma previsão específica em seu ordenamento jurídico para o direito ao esquecimento. Porém o princípio da finalidade, adequação, necessidade ou escopo de aplicação, descritos no art. 6º desta lei fará crescer uma tendência a esta previsão.
O artigo prevê que a empresa somente utilizará os dados enquanto ele for necessário. Ou seja:
Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:
I - finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;
II - adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;
III - necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados. (LGPD, 2018).
Observa-se que a sociedade brasileira é carente de uma regulamentação expressa acerca do direito ao esquecimento na internet e sua existência é tema bastante controverso. Alguns doutrinadores que sustentam a inexistência deste direito baseiam-se: na violação da liberdade de expressão, na censura, no modificar e apagar a história, na não ilicitude em registrar fato anteriormente público. Como se a liberdade de expressão fosse norma absoluta entre outras normas, contudo não existe hierarquia prévia entre as normas constitucionais. E sim, deve-se prevalecer a proporcionalidade, analisando o caso de acordo com sua individualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte as considerações deste trabalho, observa-se que a era da informação trouxe consigo inúmeros avanços e mudanças que já não se pode mensurar e controlar. As informações são veiculadas a todo o momento e em qualquer lugar do mundo em questão de segundos, e uma vez transmitidas não é possível voltar atrás, dificultando distinguir o que é público e o que é privado no meio virtual.
Com o advento do superinformacionismo, criou-se outra modalidade de direito - o direito ao esquecimento - surgiu a partir do princípio da dignidade humana previsto na CF e deu base ao direito penal na ressocialização de ex-presidiários.
Duas leis recentemente aprovadas legislam sobre o uso da internet e o direito dos indivíduos. São elas o Marco Civil da Internet, de 2014, que regula o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado, e a Lei Geral de Proteção de Dados que regula as atividades de tratamento de dados pessoais no Brasil, mas que ainda não tutela o direito ao esquecimento de forma expressa em seu ordenamento tal qual faz a União Europeia.
Escopo para a preservação da privacidade e honra pessoais, e base fundamental para ações judiciais requerendo o direito ao esquecimento no Brasil, é o Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo do início do ano de 2018, em que julgou deferido o pedido da apelante por ter o direito de suas informações serem esquecidas.
O big data se refere a coleta e armazenamento de uma imensa quantidade de dados, bem como a capacidade de retirar valor dessas informações em velocidade rápida. Essa disponibilidade de informação fez com que os provedores de busca armazenassem tudo e por tempo indeterminado, o que gerou preocupação acerca do destino dado a estes dados. Momento em que surge o direito ao esquecimento na internet visando proteger e tutelar a privacidade do indivíduo, impedindo que fatos e informações a seu respeito sejam armazenados e acessados eternamente nos buscadores.
Como visto, existe uma colisão de dois direitos tutelados pela Constituição Federal de 1988, o direito à privacidade em contraposição ao direito de informação e liberdade de imprensa. Sendo a grande dificuldade definir quando uma informação diz respeito apenas ao indivíduo e a sua privacidade, ou quando é de interesse público a ponto de justificar sua permanência em sítios, motores de busca e outras formas de publicação.
Portanto, faz mister citar que em caso de controvérsia entre dois direitos constitucionais, o caso deve ser analisado pelas vias judiciais cabendo ao juiz julgá-lo, e sempre protegendo a dignidade humana, de acordo com artigos citados abaixo, expressos tanto no Código Civil quanto no Marco Civil da Internet.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (CÓDIGO CIVIL, 2002).
E de acordo com Marco Civil da Internet:
Art. 23. Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro. (MARCO CIVIL, 2014).
Assim, conclui-se que o reconhecimento do direito ao esquecimento no ciberespaço deve ser analisado de acordo com o princípio da proporcionalidade, julgando cada caso em sua individualidade, porém não se pode admitir que as pessoas estejam reféns dessa contínua transmissão de informações violando o princípio da dignidade humana. Uma vez que em nossa Constituição Federal (artigo 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana é fundamento da República, e os artigos 20 e 21 do Código Civil deixam clara a opção pela proteção à privacidade do indivíduo.