Nota do Editor: Texto republicado devido a erro na atribuição da autoria.
Resumo: Depois de ter levantado contra si enorme oposição internacional, ao anexar ilegalmente a Crimeia ucraniana em 2014 e ter estimulado o separatismo das províncias de Donetsk e Luhansk, eis que em 2022 a Rússia volta a ser a notícia da vez em todo o planeta, com a guerra desencadeada contra a pacífica Ucrânia. Analisar essa deslocada intervenção bélica por interesses geopolíticos à luz do Direito Internacional Público é o escopo deste trabalho.
1 - A DANÇA DAS CADEIRAS NO JOGO POLÍTICO INTERNACIONAL
A análise dessa surreal invasão bélica russa à vizinha Ucrânia, sem que atos militares assim tenham ensejado, gerando tensões e angústias ao redor do planeta, deve ser despida de ideologismos e fanatismos políticos.
Aceitar a movimentação militar russa, sob a alegação de que os Estados Unidos e a OTAN também já recorreram à luta armada em outras áreas de interesse, é tentar justificar o injustificável, ou, na clássica expressão inglesa, "cover the sun with the bolter". Se recorrermos à história recente, cobrindo apenas o período da 2ª Guerra Mundial aos nossos dias, podemos verificar inúmeras e expressivas quebras da ordem reinante, por parte de diferentes atores, com conflitos localizados e domínios territoriais em nome de vantagens geopolíticas e econômicas, à revelia dos mais comezinhos princípios jurídicos aprovados a partir da criação da ONU (1945).
Nessa retrospectiva, sem dúvida, impossível fechar os olhos e os ouvidos à ocorrência de intervenções armadas dos Estados Unidos em países como Afeganistão, Iraque, Paquistão, Iêmen, Líbia, Coreia, Vietnã, Camboja, República Dominicana, Haiti, Panamá, Granada, Somália, Iugoslávia (Sérvia e Kosovo), para dizer o mínimo. Mas a Rússia não fica atrás, anotando-se a presença ilegítima de forças russas no Afeganistão (anos 80), Coreia, Laos, Hungria, Tchecoslováquia, Tajiquistão, Geórgia, Chechênia, Daguestão, Inguchétia, Ossetia do Norte e do Sul, Crimeia (anexada em 2014, com os russos, desde então, apostando no separatismo do leste ucraniano, casos de Donetsk e Luhansk), e agora, a incursão na Ucrânia. E, embora em menor escala, não há como esquecer a presença da China no Tibete, Vietnã, Índia (Aksai Chin e Sikkim), Turquestão Oriental (Xinjiang) e oposição permanente a Taiwan. Enfim, todas essas três grandes potências podem ser apontadas como impérios, assim como, no passado, o foram o Reino Unido e a França. Esses cinco países, aliás, são todos eles membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU deveriam estar cuidando da pacificação do planeta e não comandando ataques e ocupações militares!
2. A VIOLAÇÃO DA SOBERANIA DA UCRÂNIA PELA RÚSSIA
Nesse contexto, e neste momento, faz-se mister responder a algumas interrogações geralmente associadas às notícias da mais recente escaramuça internacional, verdadeiro imbróglio para os governos do mundo inteiro. Uma dessas perguntas: é verdade que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte uma aliança militar do Ocidente) foi criada para conter o expansionismo russo? Sim, é verdade. Outra, é certo que a Rússia construiu um dos maiores impérios do mundo sob a sigla URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas abrangendo 10 países do leste europeu e 5 asiáticos)? Sim, é certo. E mais, será que a Rússia está reagindo a um presumível controle da OTAN na Ucrânia e a OTAN está incomodada com a tentativa russa de refazer a geopolítica do pós-guerra? Pode-se responder sim às duas premissas.
Mas ao atacar a Ucrânia, não importa aqui o pretexto, a Rússia pratica deslavada agressão bélica gratuita a um país pacífico, rasgando propositalmente todos os modernos documentos internacionais garantidores da ordem justa e harmônica entre os países.
Anoto que o Direito Internacional entende uma Agressão Armada como sendo todo o emprego da força das armas por um Estado contra a soberania, a integridade territorial e/ou a independência política de outro Estado. Esse conceito decorre da Resolução nº 3.314 (XXIX), da Assembleia Geral da ONU, aprovada em 1974. Essa definição geral praticamente reproduz o contido no Art. 2 (4) da Carta da ONU de 1945, que estabelece o princípio da proibição de ameaça e do uso da força nas relações internacionais algo que se permite apenas em casos de legitima defesa e de ação coletiva aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. Além disso, a Carta da ONU acrescenta, no seu art. 33, que toda ameaça à paz e à segurança internacionais deverá ser resolvida por meio de solução pacífica de controvérsias.
Ora, o presidente da Rússia, ex-membro da KGB soviética (temido serviço secreto russo), resolveu ignorar o Direito Internacional - e os tratados assinados pelo seu país - tendo em vista interesses geopolíticos. Tendo semeado o separatismo das províncias de Donetsk e Luhansk desde que anexou a Criméia (2014), Putin decidiu agora atacar toda a Ucrânia. Isso não significa que o Direito Internacional esteja morto ou inativo. Todas as manifestações e atos institucionais que brotaram e continuam brotando em várias partes do planeta, condenando a Rússia e a tresloucada aventura de Vladimir Putin, é a prova de que o sistema global existe e está tentando funcionar.
Nesse contexto, almejando conter a ação bélica ditada por Moscou, ao tempo em que o mundo clama por imediato cessar fogo na Ucrânia, o Conselho de Segurança convocou de forma emergencial a Assembleia Geral da ONU, que aprovou, no terceiro dia de sessão extraordinária, na data de 02/03/2022, uma Resolução exigindo o fim das hostilidades russas, pedindo a retirada imediata das suas tropas e apelando para que negociações diplomáticas sejam estabelecidas para solução do impasse. A resolução ainda condena todas as violações do direito humanitário internacional e violações e abusos dos direitos humanos, e exorta todas as partes a respeitarem estritamente as disposições relevantes do direito humanitário internacional.
Em evidente anseio mundial pela paz, a mencionada Resolução AGNU, cujo texto foi proposto por 94 países, restou aprovada com 141 votos, 5 contra e 35 abstenções. Apenas Belarus, Eritreia, Coreia do Norte, Rússia e Síria votaram contra. Outros 12 países não participaram da votação. Já o Brasil votou favoravelmente ao documento sancionado.
Lamenta-se que, na contramão do clamor humanitário, com os conflitos agora entrando no seu oitavo dia (03/03/2022), o embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia, mande sinais de que seu país não cederá, insistindo que o governo ucraniano é o vilão desse indesejável conflito. Espera-se, porém, que haja lucidez no Kremlin e seja encaminhada uma solução positiva pelo fim da guerra, anseio coletivo que foi expressamente demonstrado na decisão da Assembleia Geral. O que mostra o quão feliz foi a manifestação do secretário-geral Guterres, ao final dessa sessão atípica, quando enfatizou: Povo da Ucrânia, nós sabemos que vocês precisam de paz, e povos do mundo todo exigem essa paz.
3. CONCLUSÃO
Ou o mundo insiste em reagir veementemente e não aceitar a violação russa, ou o planeta poderá retornar à época da soberania ilimitada dos Estados e da livre aceitação do poder das armas na solução de problemas circunstanciais. Vou mais longe, ou damos um basta à guerra (a ora em curso ou qualquer outra) ou corremos o risco de sermos empurrados para os tempos das cavernas! Oxalá haja uma luz e muita luz - no fim desse túnel!
REFERÊNCIAS
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 26/06/1945. Disponível em: https://unric.org/pt/wp-content/uploads/sites/9/2009/10/Carta-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf .
DANGELIS, Wagner Rocha. Direito Internacional dos Direitos Humanos visão histórica e prospectiva. In: DANGELIS, Wagner DAngelis (Org.). Direito Internacional do Século XXI Integração, Justiça e Paz. Curitiba: Juruá,1ª ed. - 2003.
DANGELIS, Wagner DAngelis (Coord.). Direito da Integração & Direitos Humanos no Século XXI. Curitiba: Juruá, 1ª ed. - 2002.
NACIONES UNIDAS. La Asamblea General exige a Rusia la retirada inmediata de sus fuerzas militares de Ucrania. Disponível em: https://www.un.org/es/. (Acesso em: 02/03/2022).