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Aplicabilidade do princípio da vedação ao confisco às multas fiscais à luz do axioma da proporcionalidade tributária

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O princípio da vedação ao confisco deve ser aplicado às multas fiscais, não só pela incidência do axioma da proporcionalidade, mas por todos os princípios constitucionais tributários que impõem um freio à avidez fiscal.

Sumário: 1 O Princípio da Vedação ao Confisco: um freio ao poder de tributar estatal; 2 As Multas Fiscais; 3 O Princípio da Proporcionalidade Aplicado ao Direito Tributário; 4 Aplicabilidade da Vedação ao Confisco às Multas Fiscais à Luz do Axioma da Proporcionalidade; 5 Conclusão; 6 Referências.


RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a aplicabilidade do princípio da vedação ao confisco às multas fiscais à luz do axioma da proporcionalidade. Princípio é uma ferramenta de controle de todo e qualquer ato Estatal, podendo, inclusive, ser um embasamento para se questionar em Juízo a constitucionalidade da legislação tributária que impõe multas fiscais em descompasso com os princípios constitucionais que impingem um limite ao Poder de Tributar. É sabido que o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, determina a vedação da instituição de tributo com efeito de confisco. Os princípios constitucionais tributários não possuem uma aplicabilidade híbrida, ou seja, só incidência no tributo, mas, também, na multa. Logo, depreende-se que se deve impingir uma interpretação extensiva e teleológica àquele dispositivo constitucional para garantir um limite mais palpável ao Poder de Tributar.

Palavras-chaves: Lei; legislação; princípio; tributo.


1 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO: UM FREIO AO PODER DE TRIBUTAR

    1. Lineamento, Importância e Função.

          O artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal estabelece a proibição à utilização do tributo com efeito confiscatório. Tal comando constitucional tem fundamento de ordem lógica no respeito ao direito de propriedade, igualmente de matiz fundamental. Nesse sentido, as observações de Horvath [1]:

          Repassando-se a pouca doutrina existente acerca do tema aqui objeto de nossas considerações, verifica-se que os autores em geral extraem o princípio tributário da vedação ao confisco daquele outro que protege a propriedade privada. Mesmo nos ordenamentos jurídicos que não o contemplam expressamente, diz-se que o princípio em cogitação existiria em qualquer sistema que protegesse a propriedade privada [...].

          Nessa linha de pensamento, leciona Luciano Amaro [2]:

          É obvio que os tributos (de modo mais ostensivo, os impostos) traduzem transferências compulsórias (não voluntárias) de recursos do indivíduo para o Estado. Desde que a tributação se faça nos limites autorizados pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação ao confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada. Vê-se, pois, que o princípio atua em conjunto com a capacidade contributiva, que também visa a preservar a capacidade econômica do contribuinte.

          O princípio da vedação ao confisco deve ser considerado de extrema importância para os contribuintes, haja vista que, por ser uma garantia fundamental destes, o Estado não pode instituir uma carga tributária que onere os cidadãos a ponto de não lhes garantir um núcleo mínimo à existência de suas sobrevivências. Nestes termos, o poder tributante encontra a baliza no princípio da vedação ao confisco como forma de limite à atuação fiscal do Estado. José Afonso da Silva [3] explica que esta é a "regra que veda a utilização do tributo com efeito de confisco. Isso, na verdade, significa que o tributo não deve subtrair mais do que uma parte razoável do patrimônio ou da renda do contribuinte".

          Contudo, no corpo da Constituição Federal, vislumbram-se situações excepcionais onde há autorização para que seja realizada uma tributação denominada de confiscatória. Um exemplo dessa afirmativa reside na tributação progressiva do IPTU com fins à realização do princípio da função social da propriedade. Desse modo, infere-se que, em regra, o mandamento principiológico constitucional preza pela vedação à utilização do tributo com efeito de confisco.

          Ressalte-se, ainda, o princípio da vedação ao confisco, como um norteador aos legisladores das pessoas políticas que compõem a federação, no sentido de estabilizar e compor um limite à avidez fiscal que quase sempre acomete o Estado Brasileiro.

          Assim, essa garantia fundamental do cidadão não deve ser interpretada de forma restrita, mas, sim, ampla, uma vez que o princípio da vedação ao confisco está intimamente ligado ao princípio constitucional da proporcionalidade, sendo uma importante ferramenta de limitação do Poder Estatal não só na seara tributária, mas, também, em todos os âmbitos de atuação do Estado.

          1.2 Natureza Jurídica

          Quando na ciência jurídica se procura discorrer acerca da natureza jurídica de um instituto, há uma busca pelo estudioso do direito da essência pertinente à figura jurídica examinada. Fixadas essas premissas, observa-se que a natureza jurídica da norma inserida no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, consubstancia-se numa garantia, uma vez que está no ápice da pirâmide normativa pátria.

          1.3 Uma Garantia do Mínimo Possível

          Os tributos têm uma função de serem revertidos ao custeio do aparelho estatal, bem como garantir a existência eficiente de todos os serviços públicos prestados aos cidadãos. Entretanto, não pode o Estado, em todas as suas esferas políticas, adentrar no núcleo intangível do direito de propriedade dos administrados, haja vista que necessariamente este deve garantir um mínimo possível para que a população possa sobreviver.

          Todavia, com o passar dos anos, a carga tributária aumentou desmedida e irrazoalvemente no Brasil, bem como as multas por infrações tributárias sendo quase sempre aviltantes, ao passo que os serviços públicos encontram-se ineficientes e defasados, não atendendo eficazmente aos anseios da população. Tal quadro se reveste de uma conclusão: O Estado Brasileiro gasta mal. Com uma função de garantir a existência do mínimo possível, o princípio da vedação ao confisco deve ser compreendido como uma exigência da razoabilidade da carga tributária sobre os contribuintes. Observe-se o escólio do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do RE nº 374981/RS [4]:

          A prerrogativa institucional de tributal, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direito de caráter fundamental, constitucionalmente assegurado ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da Própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculados em diplomas normativos por este editados.

          Portanto, o mínimo existencial deve ser garantido aos contribuintes pelo Estado, isto é, um limite razoável que não invada a propriedade destes sob a justificativa única e exclusiva do direito de tributar.

          1.4 A Posição do Supremo Tribunal Federal

          A Jurisprudência Constitucional já firmou posição acerca do princípio da vedação à instituição de tributos com efeito de confisco. Tal entendimento reside no fato de que a natureza confiscatória não deve ser avaliada em função de um único tributo isoladamente, mas, sim, com relação à dimensão da carga tributária que onera o contribuinte.

          A Corte Constitucional, outrossim, restringiu o seu entendimento no sentido de que o efeito confiscatório deve ser examinado com relação à soma dos tributos exigidos por cada pessoa política individualmente, ou seja, a análise da carga tributária se dá pelos tributos instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios isoladamente em cada sujeito passivo da relação tributária.

          Corroborando, observe-se a posição na ADIMC nº 2.010 – DF [5], do Supremo Tribunal Federal:

          A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de um determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico – financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte.

          Dessa forma, a Corte Constitucional determina que não deve examinar isoladamente um tributo para verificar se ele possui ou não o efeito confiscatório, mas, deve ser ponderada a carga tributária suportada pelo contribuinte em razão da exação pertinente a cada pessoa política separadamente, demonstrando, assim, que tal posicionamento encontra guarida no princípio do equilíbrio do Estado Federado Brasileiro.


2 AS MULTAS FISCAIS

2.1 Breves Considerações

          O estudo das sanções por infrações tributárias não é uníssono em sede doutrinária, encontrando diversos posicionamentos acerca do tema. Hugo de Brito Machado [6] pondera que "a classificação das sanções no Direito Tributário é tema dos mais difíceis".

          No que concerne às multas fiscais, a classificação pode estar adstrita ao tipo de obrigação a ela correlacionada. Sob esse enfoque, Sacha Calmon Navarro Coelho [7] ensina que haveria a "multa por descumprimento de obrigação tributária principal, e a multa por descumprimento de obrigação tributária acessória [...]". Não desconsiderando essa natureza, as multas fiscais podem ser classificadas de acordo com a particularidade do ato perpetrado pelo contribuinte descrito em Lei.

          Mesmo com a dificuldade do tema, observam-se algumas hipóteses de descumprimento de obrigações tributárias como sendo o atraso no pagamento do tributo, a falta de recolhimento do tributo e sonegação de tributo, ocasionando, por conseguinte, a imposição de multas fiscais, juros de mora, além de outros consectários legais.

2.2 Principais Fins na Seara Tributária

          Em que pese parte da doutrina sustentar que as multas fiscais representam sempre um mero ressarcimento ao Estado pelo não pagamento do tributo, as principais finalidades das multas fiscais estão circunscritas em três pilares: o ressarcimento, a reparação ou indenização do Estado pelo atraso no pagamento do tributo (multas moratórias), além das multas com natureza punitiva, bem como as que possuem o desiderato educativo e de orientação do contribuinte.

          Com relação à primeira finalidade, sustenta Bernardo Ribeiro de Moraes [8]:

          A natureza da multa moratória não é penal. Trata-se de um ônus de natureza civil, mas especificadamente, reparatório-compensatório do dano que sofre a Fazenda Pública com a impontualidade do devedor.

          Assim, as multas com finalidade moratória, ou seja, de ressarcimento, reparação ou indenização do Estado, não se confundem com as outras, dês que a ocorrência daquelas se dá quando há violação do direito subjetivo de crédito da Fazenda Pública, não dependendo de qualquer procedimento administrativo prévio para a sua regular constituição, por exemplo, o ato administrativo-tributário denominado de auto de infração realizado pela Autoridade Administrativa Tributária.

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          Em lado diametralmente oposto às multas moratórias, encontram-se as multas que não possuem uma finalidade de recomposição do tributo pago em atraso, mas, sim, não estimular de maneira ativa a prática da infração tributária, ficando em segundo plano a finalidade reparatória.

          Por fim, existem multas que possuem finalidades de cunho educativo e de orientação dos contribuintes, no sentido de tentar incutir na psiquê destes a formação de uma moral fiscal que contribuísse para não materializar a infração tributária.

          Nesse contexto, Aliomar Baleeiro [9] defende:

          O sucesso de qualquer Política Financeira depende muito da atitude psicológica dos contribuintes, segundo a sua consciência cívica e política, na mais pura acepção desta palavra.

          Embora a multa fiscal possua diversas finalidades e espécies, infere-se que a única finalidade que a multa fiscal não pode possuir é no sentido de ser caracterizada como receita adicional de recursos em favor do Estado, sob pena de haver a subversão de todos os princípios constitucionais que determinam um limite ao poder de tributar do Estado, bem como da idéia fundamental de que tributo não se confunde com multa.

          2.3 Fundamentos Para a Gradação das Multas Fiscais

          Os fundamentos para a gradação das multas fiscais estão intrinsecamente ligados à importância conferida pelo ordenamento jurídico a determinados atos cometidos pelo sujeito passivo da obrigação tributária, sendo a intensidade da resposta influenciada por esse ordenamento.

          O principal fundamento que justificaria a imposição de pesadas multas aos contribuintes na seara tributária seria o princípio da supremacia do interesse público em detrimento do privado, uma vez que com tal medida, deve ser preservada a existência do interesse da coletividade com o eficiente e tempestivo recolhimento dos tributos para os cofres estatais. Entretanto, cabe ressaltar que tal atitude do Estado encontra obstáculo no princípio constitucional da proporcionalidade.

          A par desse aspecto, sustenta Geraldo Ataliba [10]:

          [...] quanto mais o Direito repute valioso um bem, tanto mais o protege. Na medida em que a mais o quer proteger, mas severa é a sanção que aplica ao que não obedece à lei que impõe tal respeito.

          Há fundamento, ainda, para a majoração das multas tributárias quando o sujeito passivo da obrigação, imbuído de um dolo específico de não cumprir a obrigação tributária, utiliza-se, propositalmente, de expedientes ardilosos para materializar a fraude em prestar informações, como por exemplo, nos tributos sujeitos à homologação em que as informações descritas pelo contribuinte à autoridade da Administração Fazendária possuem extrema relevância para a arrecadação tributária.

          Dessa forma, a fundamentação para o aumento progressivo das multas fiscais está umbilicalmente ligada à necessidade que o Estado tem de impingir uma punição exemplar ao sujeito passivo da obrigação tributária, como forma de reduzir ou minimizar a prática de fraudes contra as Fazendas Públicas.

          2.4 O Controle Exercido Pelo Poder Judiciário

          Há limites jurídicos para a aplicação de multas por infrações tributárias, tal assertiva encontra fundamento nos princípios jurídicos lastreados pelo ordenamento jurídico-constitucional.

          Nesse liame, prescreve o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Destarte, o Poder Judiciário está habilitado a exercer o controle da legalidade e da constitucionalidade das multas fiscais, encontrando seu fundamento de validade no ordenamento jurídico brasileiro e nos seus princípios, podendo o magistrado, inclusive, quando houver provocação nesse sentido, questionar a razoabilidade e proporcionalidade das normas que institui multas desproporcionais.

          Observe-se o escólio de Paulo Henrique dos Santos Lucon [11]:

          O devido processo legal substancial diz respeito à limitação ao exercício do poder e autoriza o julgador questionar a razoabilidade de determinada lei e a justiça das decisões estatais, estabelecendo o controle material da constitucionalidade e da proporcionalidade.

          A propósito, importa transcrever a análise feita por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo [12], citando um aresto do Supremo Tribunal Federal sobre a temática em testilha:

          O Tribunal deferiu, com eficácia ex nunc, medida cautelar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC, para suspender, até decisão final da ação, a execução e aplicabilidade do art. 3º, § único, da Lei 8.846/94, que prevê, na hipótese de o contribuinte não haver emitido a nota fiscal relativa a venda de mercadorias, prestação de serviços ou operações de alienação de bens móveis, a aplicação de multa pecuniária de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado. Considerou-se juridicamente relevante a tese de ofensa ao art. 150, IV, da CF ("Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... IV - utilizar tributo com efeito de confisco;").
(STF - ADInMC 1.075-DF, rel. Min. Celso de Mello, 17.6.98).

          Portanto, caso haja vedação à existência de limites para as multas fiscais, incentivará os produtores da norma tributária a imporem multas que fixem valores desmensuravelmente elevados, ocasionando, assim, um considerável aumento da carga fiscal global e, por conseguinte, onerará demasiadamente o contribuinte.

          O legislador infraconstitucional não deve impor tais sanções tributárias, mas, sim, deve tentar buscar instituir multas tributárias condizentes com o axioma da proporcionalidade que deve iluminar todo o processo legislativo das normas tributárias.

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Sobre o autor
José Henrique de Santana Filho

assessor jurídico de procurador de Justiça, pós–graduando lato sensu em Teorias do Estado e do Direito Público pela Universidade Tiradentes (UNIT)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA FILHO, José Henrique. Aplicabilidade do princípio da vedação ao confisco às multas fiscais à luz do axioma da proporcionalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1367, 30 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9669. Acesso em: 26 abr. 2024.

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