3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO AO DIREITO TRIBUTÁRIO
3.1 Generalidades
O princípio da proporcionalidade está intimamente ligado ao princípio da razoabilidade, tendo, inclusive, parcela da doutrina sustentado a equivalência entre ambos. Contudo, a diferença entre ambos está cilhada nas Escolas doutrinárias em que os mesmos foram criados, sendo que o primeiro encontra nascedouro no direito constitucional alemão, já o último, na Carta Constitucional dos Estados Unidos.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello [13]:
A rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade. (...) Posto que se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade.
O princípio da proporcionalidade, também denominado de proibição ao excesso, tem uma cristalina e importante missão de ser um instrumento de controle de todo e qualquer ato emanado do Estado, circunscrevendo estes ao raio da constitucionalidade e legalidade, adequando-os, assim, aos fins para os quais preceituam o Estado Democrático de Direito, consoante determina o artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
A exegese do princípio da proporcionalidade no direito tributário deve ser usada em cada caso específico dos contribuintes, devendo haver o cotejo em concreto do ato praticado e do fim a ser atingido.
Na seara do direito tributário, a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade é de extrema relevância em muitos aspectos jurídicos, sendo que o campo mais comum dessa aplicação se refere à disciplina das sanções político tributárias, como forma de limitação do Poder do Estado frente aos administrados.
A respeito do tema, tratou Helenilson Cunha Pontes [14]:
O Direito Tributário é campo fértil para a previsão de sanções positivas. Basta ver, por exemplo, o número de atos normativos cujo objeto é a disciplina de incentivos e benefícios fiscais aos sujeitos passivos que enquadram a sua conduta às finalidades almejadas pelo Estado. Através dos incentivos fiscais o sujeito passivo que preenche as condições legais ao gozo do benefício, as quais nada mais são do que instrumentos para o alcance de uma finalidade de interesse público.
Contudo, as sanções positivas podem e devem ser controladas pelo princípio da proporcionalidade já que o alcance de uma finalidade de interesse público não pode chegar ao extremo de comprometer a eficácia dos demais interesses protegidos pelo ordenamento constitucional [...].
Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade permite ao intérprete – aplicador do Direito verificar concretamente a constitucionalidade também das sanções positivas.
Ao lume dessas explanações, vislumbra-se que o princípio da proporcionalidade no campo do direito tributário tem um desiderato de conferir uma linha de equilíbrio entre os interesses do Estado que possui o direito constitucional de exação dos sujeitos passivos, com fins a sua própria mantença, bem como com o direito de propriedade que o ordenamento constitucional outorga ao contribuinte. Assim, o papel exercido pelo princípio da proporcionalidade é de muita importância no ordenamento jurídico-constitucional pátrio.
3.2 Instrumento de Controle Estatal
O axioma jurídico da proporcionalidade nasceu com fins a repelir o excesso de poder perpetrado por alguns representantes do Estado, destinando-se a conter condutas, atos e até mesmo decisões dos agentes públicos que ultrapassem o limite do adequado com vistas ao objetivo colimado pelo Estado.
Consoante se desume da doutrina alemã, para que o princípio da proporcionalidade seja observado no ato Estatal em concreto, deve estar embasado em três pressupostos. Primeiramente, a adequação, significando que o meio empregado na atuação estatal deve ser compatível com o fim a ser atingido. Segundo, exigibilidade, ou seja, o meio escolhido deve ser aquele que causa menos prejuízo possível aos contribuintes. Por último, deve estar presente ainda, a proporcionalidade em sentido estrito, mencionando que o ato é proporcional quando as vantagens a serem conquistadas superem as desvantagens.
Em que pese o axioma da proporcionalidade ser um instrumento de limitação do Poder Estatal, sua aplicabilidade está cristalinamente adstrita ao excesso de poder cometido por toda e qualquer pessoa que atue em nome do Estado. Como consectário desse aspecto principiológico, sua aplicação deve ser utilizada com muita equidade e comedimento pelo magistrado ao apreciar um caso concreto, analisando exaurientemente, todos os seus aspectos, sob pena de ele mesmo ser um agente violador do princípio em estudo.
3.3 A Questão das Sanções Tributárias
Salvo algumas exceções, as sanções tributárias possuem um escopo de minimizar, ou até mesmo fazer com que não ocorram lesões ao erário estatal. A par de todas as funções que estas possuem, o Estado termina desvirtuando o principal objetivo das multas fiscais, levando ao seu patrimônio financeiro valores pecuniários em decorrência das sanções tributárias que são absolutamente superiores àquelas relacionadas como conseqüência da exação tributária.
No liame dessa linha jurídica, as sanções tributárias, juntamente com a própria tributação em si, objetivam materializar o interesse público concernente ao custeio dos serviços públicos e bens indispensáveis à coletividade, buscando, dessa forma, a efetivação do princípio da capacidade contributiva, o qual determina que todos os administrados devem contribuir na medida de suas possibilidades financeiras para o custeio do Estado.
A aferição da compatibilidade do ato normativo que instituiu uma sanção tributária em face do axioma da proporcionalidade deve sempre considerar a intensidade da limitação sofrida pelo patrimônio jurídico do sujeito passivo infrator. Sobre a imposição de limites às sanções tributárias, assevera Júlio César Krepsky [15]:
[...] Parece razoável concluir que a necessidade de garantir o ingresso de recursos nos cofres públicos, apesar de extremamente importante, não justifica o sacrifício ilimitado ou incondicional dos bens jurídicos acima citados. Dessa forma, é particularmente aconselhável, considerando o ordenamento jurídico brasileiro, que a multa por infrações tributárias seja prevista e aplicado nos limites do adequado, do necessário e do proporcional, como anteriormente exposto, de maneira que não afete indevidamente a capacidade de sobrevivência e desenvolvimento do sujeito passivo da obrigação tributária, evitando, entre outros aspectos, a supressão substancial de bens que constituem sua propriedade e permitem obter seus meios de subsistência e desenvolvimento, e garante, direta ou indiretamente, a eficácia de princípios constitucionalmente tutelados, como o da livre iniciativa. Garantir a arrecadação tributária a "qualquer custo" – no caso, à custa do sacrifício ilimitado ou incondicional de garantias constitucionais fundamentais – é atitude que não encontra amparo na concepção de proporcionalidade em sentido estrito e, em última análise, no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
À luz dessa afirmação doutrinária, vislumbra-se que para que seja observado o princípio da proporcionalidade na norma tributária instituidora da sanção tributária, deve-se buscar não somente razoável compatibilidade entre o objetivo visado com a regra tributária inobservada e o nível de sanção previsto para o descumprimento dessa regra, mas, principalmente, até que patamar o sujeito passivo da obrigação tributária pode suportar a sanção pecuniária imposta.
Com efeito, a aplicação da sanção tributária em concreto pode ser considerada inválida, ainda que seja prevista na norma tributária, por lesão ao princípio da proporcionalidade, se da imposição da multa desaguar numa absoluta destruição do acervo patrimonial do contribuinte.
Portanto, o princípio da proporcionalidade é mandamento axiológico de respeito obrigatório não apenas para quem produz as normas tributárias, mas, da mesma linha, para as autoridades da Administração Tributária devendo ser aplicado no caso concreto.
4 A APLICABILIDADE DA VEDAÇÃO AO CONFISCO ÀS MULTAS FISCAIS À LUZ DO AXIOMA DA PROPORCIONALIDADE
4.1 Uma Abordagem Crítica
Toda e qualquer definição de caráter afirmativo na ciência jurídica é peremptória.
Baseado nesse pressuposto, a visualização do que efetivamente seja confisco, ou a utilização do tributo com efeito confiscatório é um grande problema no Direito Tributário, suscitando posicionamentos divergentes, como é próprio do discurso jurídico.
Primeiramente, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 150, inciso IV, assevera que "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco".
Lastreado nesse dispositivo constitucional, interessante saber se há aplicabilidade deste às multas por infrações tributárias, de forma a concretizar o objetivo do presente estudo, qual seja, as multas fiscais sofrem limitação não só pela aplicação do princípio da vedação ao confisco, mas, também, pela incidência do princípio da proporcionalidade e de outros princípios constitucionais esparsos que impõe um limite ao poder de tributar.
No esteio desse aspecto, arrecada-se o escólio de Ives Gandra da Silva Martins [16]:
Na tentativa de lançar idéias para o estudo do problema, dever-se-ia considerar que toda a penalidade é justa na medida em que as próprias forças da operação ou bem inquinados possam responder por ela, sendo o confisco tudo o que ultrapassar aqueles limites.
Todavia, a temática trazida à baila na digressão doutrinária em comento não é uníssona no âmbito doutrinário e jurisprudencial, tendo posicionamentos em contrário que sustentam a não extensão do princípio da vedação ao confisco de modo a englobar as penalidades tributárias, assim sustenta Misabel Abreu Machado Derzi [17]:
No exame dos efeitos confiscatórios do tributo, deve ser feita a abstração de multa e juros acaso devidos. As sanções, de modo geral, desde a execução judicial até as multas, especialmente em caso de cumulação, podem levar à perda substancial do patrimônio do contribuinte, sem ofensa ao direito. [...].
Não se pode abrigar no princípio que veda utilizar tributo com efeito de confisco o contribuinte omisso que lesou o fisco, prejudicando os superiores interesses da comunidade.
Com todo o respeito científico que deve ser outorgado a corrente doutrinária adversa, mesmo porque são profundos os estudos do direito tributário, vislumbra-se que a questão referente à instituição de tributo com efeito de confisco guarda estreita relação com os princípios da proporcionalidade, capacidade contributiva, vez que o poder de tributar, inclusive, o da imposição das sanções tributárias, não deve ser compreendido como o poder de aniquilar o patrimônio pecuniário do contribuinte, mas de impor limites à voracidade fiscal do Estado.
4.2 Artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988: Há incidência sobre Multas Fiscais?
Inicialmente, corroborando com entendimento traçado até o presente momento, bem como uma simples resposta à indagação acima mencionada, sustenta Helenilson Cunha Pontes [18] que "A vedação constitucional à utilização do tributo com efeito de confisco representa, de fato, um limite à previsão e imposição de sanções tributárias".
Na mesma linha jurídica de pensamento, J. Rildo Medeiros Guedes [19] alude:
Tanto os juros de mora como as multas, que representam um decréscimo patrimonial, têm caráter de reparação e de penalidade, como conceituadas, respectivamente, nas legislações civil e penal e, por conseguinte, constituem acessório do principal.
E, na qualidade de acessório, por uma questão de lógica e princípio – vide artigos 58 e 59 do Código Civil – acompanha o principal, constituindo-se, a partir daí, num todo indivisível, como acontece, por exemplo, com um imóvel edificado, onde o terreno é o principal e a construção o acessório.
Nessa quadra, o legislador infraconstitucional na atividade de produção das normas tributárias, deverá, imperiosamente, observar as limitações constitucionais do poder de tributar. Caso não seja respeitado tal limite, haverá cristalina impossibilidade de cobrança do tributo e conseqüente nulidade do vínculo jurídico-obrigacional.
Não se questiona em sede doutrinária e jurisprudencial a incidência da principiologia acima mencionada à exação do tributo, entretanto, há indagações quanto à possibilidade da aplicação do princípio da vedação do confisco às multas.
O Código Tributário Nacional estabelece, em seu artigo 113, que:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação Principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.
Infere-se do mencionado dispositivo legal que a obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A primeira consiste na obrigação de pagar os tributos devidos e, também, as penalidades pecuniárias, que podem ser decorrentes do não pagamento de tributo tempestivamente e da forma estabelecida na Lei, assim como pelo descumprimento de uma obrigação acessória.
Essa resulta em obrigação estabelecida ex lege, cujo objeto consiste em um fazer ou não fazer alguma coisa, que tem como finalidade a viabilidade do exercício da arrecadação e fiscalização tributária dos possíveis fatos jurídico-tributários, consoante inteligência do art. 131, §2º, do CTN.
Segundo o professor e tributarista Paulo de Barros Carvalho [20], as obrigações acessórias "são liames erigidos para veicular deveres do cidadão ou de pessoa jurídica para com a Administração Pública, no sentido de se tornar viável a percepção de tributos".
Na linha dessas premissas, observa-se que é obrigatório o estrito respeito aos princípios constitucionais da limitação do poder de tributar no exercício da competência tributária das pessoas políticas, principalmente, pela aplicação do princípio da vedação ao confisco, sendo possível juridicamente a sua aplicação nas multas, ante a diretriz de natureza cogente imposta àquele poder.
A afirmação mencionada encontra arcabouço jurídico na sistemática de aplicação dos princípios tributários que não permite a previsão e incidência destes de forma híbrida, ou seja, aplicação apenas e tão somente no tributo e não na multa.
Portanto, afigura-se impossível juridicamente essa afirmativa, haja vista que na atividade tributante os princípios concernentes à proteção do sujeito passivo da relação tributária devem ser observados de forma indissociável e uníssona sob pena de ocorrer manifesta lesão indireta à Constituição Federal.
Corroborando com esse entendimento, colacionamos a lição de Amador Outerelo Fernandes [21].
Portanto, conclui-se que: a) não havendo qualquer distinção em texto expresso de lei, o tratamento dispensado às multas fiscais deverá ser o mesmo que for atribuído aos tributos, pois ambos têm a mesma natureza e integram originalmente os créditos tributários, como expressamente declara o Código Tributário Nacional.
Ademais, o nascedouro da formação da relação jurídico tributária está adstrito aos princípios da vedação ao confisco e da proporcionalidade, seja na instituição do tributo, seja na multa.