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A política de fomentos e auxílios na União Européia e o comércio internacional

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01/04/2007 às 00:00
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5- AS AJUDAS ESTATAIS NO ÂMBITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL:

O surgimento de blocos econômicos com o fim de facilitar o intercâmbio comercial e o fortalecimento e desenvolvimento econômico dos Estados que os integram, estabelece as regulamentações e condutas que devem ser seguidas no âmbito do comércio internacional.

Não apenas a União Européia, mas também a Organização Mundial do Comércio (OMC) [17] estabelece regras de concessão de ajudas públicas que podem influenciar o comércio internacional, prejudicando a livre concorrência e delimita, também, como podem ser feitas estas ajudas nos países considerados como "em desenvolvimento" de modo que estas ajudas não possam ferir o mercado internacional.

5.1- MERCOSUL

O Mercosul [18], desde sua criação, teve como objetivo a construção de um mercado comum e de uma união aduaneira, a partir da cooperação econômica, da inserção deste bloco no mercado mundial e da intensificação e fortalecimento do comércio entre os países latino-americanos. Procura manter um nível de competitividade e eliminar as barreiras que possam dificultar a livre comercialização das mercadorias no espaço intra-regional. É um projeto comercial que estabelece principalmente compromissos de natureza comercial entre os sócios.

A filosofia do Mercosul é ambiciosa, tendo em vista a sua estrutura institucional [19], das situações de grandes disparidades dos países que o compõem e das políticas domésticas inconsistentes (sobretudo na área cambial, tributária e de incentivos fiscais).

É necessário a modernização das práticas comerciais e também dos aparelhos produtivos, bem como uma política comercial comum que supere as dificuldades internas dos países do bloco, e os conduza a uma situação de maior simetria e equilíbrio e a uma agenda de cooperação entre seus membros.

Dentro da Política comercial, este tratado propõe a eliminação dos subsídios às exportações, além da harmonização de nomenclaturas, trâmites de importação/exportação e também a aplicação de direitos compensatórios de medidas antidumping. Os Estados membros estão autorizados a adotar medidas de defesa de práticas comerciais desleais no âmbito do comércio intra-bloco.

Em relação aos subsídios ilícitos, aqueles compreendidos como ajudas financeiras governamentais, que de forma direta ou indireta, resultem numa distorção da concorrência, os Países-parte se remetem às normas previstas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), ou seja, estão submetidos, de modo geral, às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) [20].

Nas palavras de Ana Cristina Paulo Pereira:

Os sócios do MERCOSUL, encontram-se proibidos, no comércio intra-bloco, de outorgarem subvenções consideradas ilícitas, seja com base no "direito do MERCOSUL", seja em virtude das regras da OMC, sob pena das mercadorias beneficiadas por tais práticas serem submetidas, no país de importação, a direitos compensatórios, isto é, a uma taxa suplementar sob forma de porcentagem que incide sobre o valor da mercadoria importada. [21]

Atualmente, a Política Comercial Comum no âmbito do MERCOSUL, compreende-se apenas na aplicação, ainda parcial, da Tarifa Externa Comum (TEC). Este bloco econômico vem enfrentando desafios significativos, devido ao crescimento dos conflitos divergências entre seus parceiros, principalmente no que se refere a medidas restritivas de comércio por disputas cotidianas, como por exemplo, as medidas Argentinas para restringir a importação de eletrodomésticos brasileiros. Estes obstáculos fazem com que essa união aduaneira imperfeita comporte exceções tanto no âmbito do comércio intra-Mercosul, quanto de suas relações externas. [22]

5.2- BRASIL

A Constituição da República Federativa do Brasil prevê que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa, onde a exploração direta da atividade econômica pelo Estado somente é permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a um relevante interesse coletivo. A intervenção indireta se dá como agente normativo e regulador da atividade econômica, onde assume as funções de fiscalização – poder de regulamentação, de incentivo - como promotor da economia e de planejamento - como organizador das atividades econômicas, nos termos do parágrafo 1º do artigo 174 da Constituição Brasileira.

Para Mariano Baena Del Alcazar:

Incentivo como função normativa e reguladora da atividade econômica pelo Estado, traz a idéia do Estado promotor da economia.É o velho fomento conhecido dos nossos ancestrais, que consiste em proteger, estimular, promover, apoiar, favorecer, auxiliar, sem empregar meios coativos, as atividades particulares que satisfaçam necessidades ou conveniências de caráter geral. [23] ( grifos no original)

A disciplina da política de fomentos deve ser feita por legislação infraconstitucional, mas este dever tem sede constitucional [24], onde a Carta Magna define os setores que deveram ser incentivados. Antes da Emenda Constitucional nº 06 de 1995 que revogou a artigo 171 da CRFB/88, a distinção entre empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional protegia essas últimas da competição estrangeira, se constituía em um tipo de fomento [25].

No texto constitucional, podemos destacar algumas áreas fomentadas, como a restrição ao capital estrangeiro [26], os incentivos de apoio ao cooperativismo [27], onde se estabelece inclusive um tratamento tributário adequado [28], a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferenças regiões do país, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte [29] e incentivo às exportações [30].

Como a redução das desigualdades regionais é um princípio da Ordem Econômica e um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil [31], temos, também, baseado nesta premissa, os incentivos destinados a promover o desenvolvimento equilibrado e a redução das desigualdades sociais, dentre eles podemos citar os juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias [32] e a criação dos Fundos de Investimentos [33].

A competência para legislar sobre direito econômico e também sobre direito financeiro é concorrente entre a União e os Estados, embora em matéria de câmbio, política de crédito e sobre direito comercial a competência é privativa da União.

Assim como o Banco Europeu de Investimentos (BEI) na União Européia, a economia brasileira também conta como agente estatal nas operações financeiras de reaparelhamento e fomento da economia nacional. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) [34], apóia a reestruturação da indústria, de forma a adequá-la a um maior grau de competitividade, privilegia a realização de investimentos do setor privado através da modernização e adequação da infra-estrutura econômica e promove no setor agropecuário a modernização através da incorporação e difusão de novos conhecimentos tecnológicos.

No âmbito agrícola, o Brasil também possui uma política que procura incentivar este setor. Além dos financiamentos rurais, o governo brasileiro incentiva a recuperação de terras áridas e coopera com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação [35], na área fiscal, prevê a imunidade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural para as pequenas glebas rurais, quando a explore o proprietário que não possua outro imóvel e também prevê um estímulo para que as propriedades se tornem produtivas, ou seja, estabelece que as alíquotas do referido imposto serão progressivas e serão fixadas de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas [36].

Assim, a política econômica brasileira possui incentivos estatais concedidos através de auxílios financeiros, como por exemplo, a concessão de subvenções e subsídios; os auxílios fiscais, que compreendem as imunidades tributárias, as isenções, as reduções da base de cálculo, as remissões, anistia, os créditos fiscais e os incentivos de apoio à iniciativa privada na organização e exploração da atividade econômica.

A Lei 4.320, de 17 de março de 1964, que instituiu Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados e dos Municípios proibia a consignação de ajuda financeira a qualquer título a empresa de fins lucrativos, salvo aquelas expressamente autorizadas em lei especial. No artigo 18 do citado dispositivo legal, se consideravam subvenções econômicas as dotações destinadas a cobrir a diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo Governo, de gêneros alimentícios ou outros materiais e também as dotações destinadas ao pagamento de bonificações a produtores de determinados gêneros ou materiais.

A Lei de Responsabilidade fiscal, Lei complementar 101 de 04 de maio de 2000, em seu artigo 14 trata da concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita estabelece que haja uma estudo da estimativa do impacto orçamentário bem como atender a condição de compensação da receita renunciada, através de medidas compensatórias ou que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que esta renúncia não afetará as metas de resultados fiscais previstas na lei de diretrizes orçamentárias.

Os mecanismos de renúncia de receita são delimitados na LC 101/2000 e devem ser vigiados pelos órgãos de controle. Compreende como renúncia a concessão de anistia, de remissão, subsídio, crédito presumido, a outorga de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação da base de cálculo que implique em redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Já o artigo 26 da referida Lei complementar disciplina e restringe as transferências de recursos públicos para o setor privado.

Desse modo, tanto a destinação quanto a utilização de recursos públicos para pessoas privadas somente poderão ocorrer se vierem a ser expressamente autorizadas em lei específica, se atenderem às condições estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e se estiverem previstas no orçamento ou em seus créditos adicionais.

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Uma diferença entre a legislação européia e a legislação brasileira que podemos apontar é a garantia que a Administração assume quando a empresa privada recorre a mercados de capitais para obter condições de desempenhar atividades de interesse público. A Comunidade Européia não se presta ao papel de "garante" dos compromissos assumidos pelos Estados-Membros, suas autoridades e organismos.

A nossa legislação em muito se aproxima da legislação da União Européia, pois a economia brasileira privilegia uma economia de mercado de competição, importando na igualdade da concorrência e com isto, excluindo as práticas que distorcem a concorrência.

Na seara brasileira, o Acordo sobre subsídios da OMC foi incorporado ao nosso ordenamento através dos Decretos 1.355/1994 e 1.751/1995, onde se estabeleceu procedimentos administrativos que estão à disposição das empresas para solicitar ao governo brasileiro aplicação de medidas compensatórias e abertura de investigação de subsídios [37].


6- CONCLUSÃO

A União Européia constituiu ma inovação sem precedentes, transformou-se em um foco de grande interesse e uma experiência única de integração econômica. É a principal atriz do comércio internacional.

Representa uma ruptura do modelo estabelecido na ordem internacional do pós-guera e onde a evolução de seu modelo de integração serve de base para os demais blocos regionais, Seu processo de integração suscita interesse crescente e mostra-se como referência aos processos de integração nas Américas e também para uma estrutura das relações comerciais entre a União Européia e o Brasil ou junto ao Mercosul.

Para um funcionamento adequado de um mercado comunitário, além do incentivo à produção, é necessário também uma política comercial que assegure uma não competitividade artificial e um não falseamento da concorrência entre os Estados-membros.

As regras de concorrência servem para controlar os auxílios concedidos pelos Estados participantes do bloco, de modo a evitar que eles atuem como uma agente falseador da livre concorrência, comprometendo a consolidação do mercado comunitário.

No controle da concessão desses auxílios, a Comissão tem um papel importante, pois é ela quem regula, fiscaliza e analisa a compatibilidade dessas concessões com o mercado comum, de modo a garantir um não falseamento da concorrência e um desenvolvimento sadio do mercado intra-bloco.

Produtos subsidiados pressupõem um obstáculo ao desenvolvimento do mercado comunitário, pois cria uma competitividade artificial que prejudica os interesses de um mercado comum.

Apesar da prática de auxílios estatais sofrer um controle rigoroso pela União européia, a mesma emprega em grande escala estes recursos em vários setores, como por exemplo o setor agricultura. Este fato enfraquece a Comunidade como acusadora dessa prática desleal em outros processos a nível internacional contra os subsídios.

Para implementações de negociações no âmbito internacional, o tema de subsídios é um dos mais polêmicos, pois muitas vezes, é ele o elemento que impede os acordos internacionais.

A União Européia se sujeita aos princípios básicos ditados pela OMC, mas estabeleceu suas próprias regras em matéria de política comercial para os parceiros comunitários e também para os parceiros internacionais que desejam atingir os mercados da Comunidade Européia. Possui regras próprias para uma política de fomentos e auxílios na Comunidade Européia.

O MERCOSUL e o Brasil se sujeitam às regras estabelecidas pela OMC no que diz respeito à política de auxílios estatais e sofrem restrições comerciais quando do protecionismo de seu mercado, principalmente através da concessão de subsídios aos produtos exportados.

É necessário que os países de um modo geral tenham uma política de incentivo às suas indústrias ou produções, mas é necessário que em qualquer mercado que preza a competitividade haja uma controle e uma forma adequada de promoção desses fomentos, de modo que a livre concorrência seja respeitada e não falseada.

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Sobre a autora
Ana Cristina Silva Iatarola

professora de Direito Tributário da UNIPAC, servidora de carreira de auditoria da Receita Federal, mestre em Direito pela Universidade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IATAROLA, Ana Cristina Silva. A política de fomentos e auxílios na União Européia e o comércio internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1369, 1 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9684. Acesso em: 19 abr. 2024.

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