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Lançamento do IPTU em prédio de uso misto

05/04/2022 às 19:55

Resumo:


  • A questão do IPTU em imóveis de uso misto não é amplamente estudada pela doutrina e carece de normatização específica em muitos municípios.

  • Alguns municípios adotam a alíquota mais alta para imóveis mistos, o que pode violar princípios tributários como o da neutralidade e da razoabilidade.

  • No Município de São Paulo, a legislação prevê o critério da preponderância do uso para definir a alíquota do IPTU, mas houve casos de lançamentos com alíquotas mais vantajosas para o fisco, contrariando a própria lei municipal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Alguns municípios prescrevem que em caso de imóvel misto — comercial e residencial — prevalece a alíquota que for maior.

A questão do lançamento do IPTU em imóvel de uso misto, ou seja, de uso residencial e uso comercial ao mesmo tempo não é objeto de estudos pela doutrina especializada.

Nem há normatização na maioria dos Municípios.

Alguns municípios prescrevem que em caso de imóvel misto — comercial/residencial — prevalece a alíquota que for maior, ou seja, a alíquota pertinente a prédio não residencial.

Trata-se, sem dúvida de um critério arbitrário que desatende ao princípio da neutralidade da lei tributária: nem pró fisco, e nem pró contribuinte. Ademais, semelhante critério ofende o princípio da razoabilidade.

Aludido critério, timbrado pela parcialidade, representa uma doença legislativa transplantada da antiga legislação do ITBI do Município de São Paulo que prescrevia a base de cálculo desse imposto como sendo o valor venal do IPTU, ou o valor da transmissão prevalecendo o que for maior.

Essa esdrúxula legislação foi revogada antes da decisão do STJ que em sede de recurso repetitivo adotou a tese de que a base de cálculo do ITBI é o valor da transmissão, gozando da presunção de veracidade esse valor declarado pelo contribuinte, ressalvado ao fisco o arbitramento mediante instauração do respectivo processo administrativo regular, vedado o arbitramento prévio (REsp nº 1.837.821).

Em se tratando de prédio de uso misto o certo e o lógico seria a adoção de lançamentos separados, ainda que constantes de um único documento, tributando a parte residencial com a alíquota de 1% e a parte não residencial, com a alíquota de 2%. Esse critério é adotado no lançamento de imóvel contendo edificação e porção de terreno não edificado.

No Município de São Paulo adotou-se para o lançamento do IPTU em prédio residencial/comercial o critério da preponderância do uso, conforme se verifica do art. 7º da Lei nº 6.989, de 29-12-1966:

“Art. 7º. O imposto calcula-se sobre o valor venal do imóvel à razão de:

1 - tratando-se de imóvel utilizado exclusivamente ou preponderantemente como residência:”

O que significa a expressão “preponderantemente como residência”?

Essa preponderância a que alude o texto normativo só pode se dar em função da área do imóvel utilizado como residência.

De fato é comum em um sobrado parte do prédio situado no térreo ser destinado a uso comercial. Outras vezes, um prédio térreo é destinado ao uso residencial na parte dos fundos e a parte frontal para desenvolvimento de atividade comercial ou de serviços.

Segundo a legislação do Município de São Paulo se a área ocupada como residência for maior que a área ocupada para outro fim, o IPTU deverá ser lançado como prédio residencial, ou seja, pela alíquota de 1%. Na hipótese inversa, deverá ser lançado pela alíquota pertinente a prédio não residencial, isto é, pela alíquota de 1,5%.

Poderia lei ter optado pelo lançamento em separado da área de uso comercial e da área de uso residencial, hipótese em que caberia ao proprietário do prédio no ato de cadastramento do imóvel perante o Departamento de Rendas Imobiliárias proceder à descrição em separado das duas áreas, para fins de lançamento do IPTU.

Tendo a Prefeitura paulistana adotado o critério da preponderância de uso não havia razão para o contribuinte efetuar o cadastramento do imóvel de forma desmembrada separando a área residencial da área não residencial.

Outrossim, na matriculo do imóvel perante o registro imobiliário competente não há lugar para proceder a essa separação.

Ocorre que abandonando a postura tradicional de lançar o IPTU de prédio misto segundo o critério da preponderância previsto no art. 7º da Lei nº 6.989/1966, o fisco municipal de São Paulo, a partir do exercício de 2022, passou a proceder ao lançamento do IPTU com a adoção da alíquota mais vantajosa para o fisco, ou seja, 1,5% pertinente a imóvel não residencial em contraste com imóvel residencial em que a alíquota e de 1%, desobedecendo ao princípio da vinculação da administração a seus próprios atos.

A Prefeitura de São Paulo, talvez, para compensar as despesas extraordinárias decorrentes da pandemia, promoveu brutal elevação de impostos em geral pela Lei nº 17.719/2021, sem observância dos princípios tributários e da própria lei.

Só para citar, o artigo 13 da Lei 17.719/2022 alterou a base de cálculo do ISS das Sociedades Uniprofissionais tributadas pela alíquota fixa, como prescrevem o art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-lei nº 406/68, lei de aplicação em âmbito nacional, substituindo-a pela receita bruta apurada de forma progressiva fundada no número de profissionais integrantes da SUP, fazendo incidir sobre ela a alíquota de 5%.

Em outra passagem, essa Lei previu a aplicação extraordinária da trava no lançamento do IPTU nos exercícios de 202, 2023 e 2024 representada pela variação do índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA do exercício anterior.

Pois bem, a variação do IPCA no exercício de 2021 foi de 10,06%, porém, a Prefeitura de São Paulo efetuou o lançamento de 2022 com aumentos que variam de 750% até 800% ou mais, desobedecendo a própria legislação que editou.

No caso objeto deste artigo sequer houve alteração legislativa, continuando valer o critério da preponderância previsto no art. 7º da Lei nº 6.989/1966 que passou a ser inobservado pelo fisco municipal a partir do exercício de 2022.

O que é pior, o fisco vem procedendo ao lançamento retroativo obedecido o prazo decadencial, para cobrar o IPTU por inteiro com a aplicação da alíquota de prédio não residencial, ou seja, alíquota de 1,5%, sem que tivesse havido alteração fática ou jurídica.

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Não há que se falar em revisão de lançamento com fundamento no art. 149, VIII do CTN, pois a situação fática (ocupação da posição maior do prédio como residência) sempre existiu procedendo-se ao lançamento do IPTU segundo o critério da preponderância.

Assim o fisco municipal alterou o critério jurídico adotado no exercício do lançamento promovendo a aplicação retroativa desse novo critério que implica inverter o critério da preponderância, ou seja, aplica-se a alíquota de área não residencial (1,5%) relativamente à maior porção do imóvel utilizado como residência.

Patente a violação do art. 146 do CTN que impede a aplicação do novo critério de lançamento no mesmo exercício de sua alteração.

É o caso de ação ordinária de anulação do lançamento por desobedecer a prescrição da sua própria lei e ofender escancaradamente o disposto no art. 146 do CTN.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Lançamento do IPTU em prédio de uso misto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6852, 5 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97135. Acesso em: 23 dez. 2024.

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