4. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR x ASSÉDIO MORAL
Diante da dificuldade em se delimitar quais comportamentos caracterizam assédio moral, muitas das alegações levadas à Justiça do Trabalho não passam de conduta lícita do empregador, decorrente do seu poder diretivo.
Também chamado de poder de comando ou poder hierárquico, o poder diretivo tem fundamento no princípio da livre iniciativa e no direito de propriedade. Além disso, como prevê o art. 2º da CLT, é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, o que lhe autoriza estabelecer as normas para o funcionamento do negócio e fiscalizar a execução do trabalho em conformidade com as regras fixadas.
Segundo Octavio Bueno Magano, citado por Bezerra Leite:
O poder hierárquico, ou poder diretivo lato sensu, subdivide-se em poder diretivo stricto sensu, poder regulamentar e poder disciplinar. O poder diretivo stricto sensu consiste na faculdade de ditar ordens e instruções; o poder regulamentar corresponde à faculdade de legislar no âmbito da empresa, consubstanciando-se na expedição de ordens genéricas, notadamente o regulamento de empresa; o poder disciplinar traduz-se na faculdade de impor sanções aos trabalhadores (LEITE, 2016)13.
Não se deve, assim, confundir os poderes de comando do empregador com o assédio moral, ressalvados os casos em que se configure abuso desse poder.
Sobre os limites ao poder diretivo do empregador, Maurício Godinho Delgado observa:
Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente, com o universo normativo e de princípios abraçado pela Constituição vigorante (DELGADO, 2016)14.
Ponto que merece destaque, em razão das inúmeras reclamações trabalhistas envolvendo a questão, é a cobrança de metas e de produtividade do trabalhador. Embora tal conduta esteja inserta no poder de comando da empresa, além de amparado no princípio da livre iniciativa e no direito de propriedade, a exigência de desempenho ou a adoção de práticas motivacionais deve ser compatível com as regras que tutelam a dignidade da pessoa humana.
O poder diretivo da empresa, portanto, desde que exercido dentro dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade, não gera direito à indenização por assédio moral.
Alguns julgados nesse sentido:
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA X EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. ARTS. 1º, III E 5º, V E X, AMBOS DA CF/88. O dano moral ocasiona lesão na esfera personalíssima do titular, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, implicando numa indenização compensatória ao ofendido (art. 5º, incisos V e X, CF).,O assédio moral caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar-lhe ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica e, que pode ser praticado pela empresa (na figura do preposto, superior hierárquico) ou pelos próprios colegas. E, no caso dos autos, ao contrário do pretendido pelo reclamante, a prova oral não revelou "excesso" do superior hierárquico, mas, sim o efetivo exercício do poder diretivo, em substituição do empregador.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000411-55.2018.5.02.0441; Data: 09-11-2021; Órgão Julgador: 4ª Turma - Cadeira 5 - 4ª Turma; Relator(a): IVANI CONTINI BRAMANTE)
ASSÉDIO MORAL. COBRANÇA DE METAS. EXCESSO DE RIGOR NÃO COMPROVADO. A cobrança de metas, por si, não implica reparação moral, especialmente quando inexistente abuso de direito ou postura vexatória por parte dos superiores hierárquicos. Não se evidencia nos autos qualquer excesso aos limites do poder diretivo. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000963-71.2019.5.02.0445; Data: 27-05-2021; Órgão Julgador: 7ª Turma - Cadeira 1 - 7ª Turma; Relator(a): CELSO RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA)
DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. O direito à indenização por dano extrapatrimonial, quando derivado da conduta do empregador no âmbito das relações de trabalho, pressupõe a comprovação, de forma robusta, da conduta culposa do empregador, do dano propriamente dito e do nexo causal entre o prejuízo sofrido pelo empregado e o ato do empregador. Não comprovada hipótese em que o empregador tenha agido fora dos limites do poder diretivo, não há direito a reparação civil por assédio moral.
(TRT 12 - ROT - 0000652-89.2019.5.12.0002 , ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO , 1ª Câmara , Data de Assinatura: 23/02/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ASSÉDIO MORAL. ABUSO DO PODER DIRETIVO . 1. Incumbe ao empregador o dever de proporcionar ao empregado as condições de higiene, saúde e segurança no ambiente laboral, sob pena de afronta ao princípio da prevenção do dano ao meio ambiente, exteriorizado, no âmbito do Direito do Trabalho, na literalidade do artigo 7º, XXII, da Carta Magna. O fato de o empregador exercer de forma abusiva seu poder diretivo art. 2º da CLT-, com a utilização de práticas degradantes de que é vítima o trabalhador, implica violação dos direitos de personalidade, constitucionalmente consagrados (art. 1º, III). A afronta à dignidade da pessoa humana, aliada ao abuso do poder diretivo do empregador, enseja a condenação ao pagamento de compensação por dano moral.
(TST Processo RRAg - 10747-50.2014.5.03.0053. Orgão Judicante: 3ª Turma. Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Julgamento: 06/04/2022)
CONSEQUÊNCIAS
São de reconhecimento inquestionável as mazelas que o assédio moral causa ao empregado. A conduta reiterada de violência psicológica ou de situações constrangedoras e vexatórias desestabiliza e perturba o equilíbrio emocional do trabalhador, corrompendo o seu meio ambiente de trabalho, o qual deveria ser, não só gerador de desenvolvimento profissional e econômico, mas também fonte de satisfação pessoal.
Há que se ressaltar, por outro lado, as repercussões negativas que o assédio moral traz para a empresa onde ele ocorre. Muitas empresas dispensam tratamento com rigor excessivo a seus empregados, ou incentivam um ambiente de trabalho competitivo, com o intuito de obter maior comprometimento e produtividade do trabalhador. Essa conduta, no entanto, pode resultar em efeito contrário, uma vez que, além de causar excessiva rotatividade de mão de obra, tem se mostrado como um fator de queda da produtividade do trabalhador que se encontra insatisfeito e desmotivado.
Numa visão mais ampla, cabe considerar que a sociedade como um todo também sofre as consequências desse ato danoso, haja vista ser o Estado quem custeia os afastamentos superiores a quinze dias, mediante recursos da Previdência Social. Outras despesas decorrentes dessa prática são também despendidas pelo Estado, como o pagamento de seguro-desemprego e de eventuais aposentadorias precoces concedidas em razão do dano psicológico causado à vítima. Recursos esses que poderiam ser aplicados em outras demandas carentes de investimento público.
Vale, ainda, ressaltar as consequências danosas do assédio moral praticado no âmbito da Administração Pública. Somada aos prejuízos com afastamento de servidores e pagamento de indenizações, a prática corriqueira implica mal funcionamento da máquina pública e queda na qualidade do serviço prestado.
A violência moral no trabalho, como se vê, tem um alto custo para todos os atores envolvidos, inclusive para a sociedade. Mostra-se imperativo, assim, que as empresas se voltem à adoção de medidas que fortaleçam a proteção da saúde mental de seus trabalhadores. É o empregador, pois, o responsável por um ambiente de trabalho saudável, haja vista dispor dos meios coercitivos que o poder diretivo lhe confere para punir os excessos de dirigentes e os desvios de conduta dos empregados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assédio moral no trabalho é preocupação não só no Brasil, mas em vários países que, cientes das consequências danosas dessa prática, buscam medidas para combatê-la, atendendo, assim, às recomendações da Organização Internacional do Trabalho, no sentido de se proporcionar aos trabalhadores em geral um meio ambiente do trabalho saudável, digno e decente.
Diante da ausência de uma legislação nacional específica, o assédio moral tem sido enfrentado pela doutrina e pela jurisprudência mediante análise de casos concretos e estudo do direito comparado (como a matéria é tratada em outros países).
Apesar da imperiosa necessidade de regulamentação do instituto, as iniciativas parlamentares não parecem capazes de estabelecer uma definição precisa, que venha, finalmente, suplantar a insegurança jurídica que subsiste em torno da matéria para ambas as partes da relação laboral.
É fato que a saúde do trabalhador deve ser garantida e preservada, sem qualquer sombra de questionamento, eis que não há espaço, no ordenamento jurídico pátrio, para situações contrárias à dignidade do ser humano.
Por outro lado, cabe observar que nem toda conduta caracteriza o assédio moral. Este restará caracterizado somente quando observada a repetição sistemática de conduta no ambiente de trabalho que cause dano psicológico muito específico ao trabalhador.
Há que se ter o cuidado, portanto, de rechaçar toda e qualquer tentativa doutrinária, judiciária ou legislativa de banalização do assédio moral, para que meros dissabores, comuns às relações de trabalho, não sejam enquadrados como tal.
REFERÊNCIAS
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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1363.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 38. e 57.
DELGADO, Maurício Godinho. Ob. Cit., p. 1360.
ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 92. Citado por Felipe Fonseca de Carvalho Nina in Assédio moral no trabalho. Um estudo sobre os seus elementos. Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11433. Acesso em 26/06/2016.
OIT. Uma Década de Promoção de Trabalho Decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_467352/lang--pt/index.htm. Acesso em 08/07/2016.
Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=465837. Acesso em 09/08/2016.
Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=139681. Acesso em 09/08/2016.
Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=542709. Acesso em 09/08/2016.
Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=464348. Acesso em 09/08/2016.
GUEDES, Márcia Novaes. Mobbing - Violência psicológica no trabalho. Disponível em: https://artigoscheckpoint.thomsonreuters.com.br/a/29bs/mobbing-violencia-psicologica-no-trabalho-marcia-novaes-guedes. Acesso em 18/07/2016.
PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio Moral. Rev. TST, Brasília, vol. 73, n. 2. , abr/jun 2007. Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/1295387/1312860/1.+Ass%C3%A9dio+moral. Acesso em 13/07/2016.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob. Cit., p. 251.
DELGADO, Maurício Godinho. Ob. Cit., p. 737.