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Assédio moral no trabalho: conjuntura doutrinária, legal e jurisprudencial

12/04/2022 às 17:00
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Considerações sobre a situação doutrinária, legal e jurisprudencial do assédio moral no trabalho. Relação de projetos de lei que pretendem regulamentar a matéria. Regulamentação do tema por outros países. Consequências da conduta para os atores envolvidos.

Resumo: O presente estudo tem por objetivo tecer algumas considerações sobre a situação doutrinária, legal e jurisprudencial do assédio moral no trabalho, o qual tem sido objeto corriqueiro nas reclamações trabalhistas levadas ao Judiciário. A pesquisa também aborda os projetos de lei que pretendem regulamentar a matéria e traz um breve relato sobre como o tema vem sendo tratado em outros países. Apresenta, ainda, as consequências dessa conduta danosa, concluindo, ao final, que independentemente da aprovação de uma legislação específica, a dignidade do trabalhador, como direito fundamental que é, deve ser garantida e preservada, sem se descuidar, por outro lado, de rechaçar a banalização do assédio moral, para que o devido poder de comando do empregador ou meros dissabores comuns às relações de trabalho não sejam enquadrados como tal.

Palavras-chave: Assédio Moral. Trabalho. Legislação Vigente. Regulamentação.

Sumário: 1 Introdução; 2 Fundamento Jurídico; 3 Regulamentação; 3.1 Regulamentação em estados e municípios; 3.2 Regulamentação em outros países; 4 Poder Diretivo do Empregador x Assédio Moral; 5 Consequências; 6 Considerações Finais; 7 Referências.


INTRODUÇÃO

Apesar do grande número de ações na Justiça Trabalhista alegando o assédio moral no local de trabalho, ainda não há legislação nacional definindo o tema. De uma forma geral, a doutrina e o Judiciário têm caracterizado o instituto quando há a exposição do trabalhador à situação de constrangimento, humilhação, com a inferiorização, ridicularização ou descrédito diante dos colegas. Também pode se configurar através de isolamento do trabalhador ou do esvaziamento de suas atividades.

Como espécie de dano moral que é, deve trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho. Para sua caracterização, o Judiciário exige, ainda, que a exposição do trabalhador ao dano emocional seja prolongada e repetitiva.

O assédio moral pode se configurar de três formas. Na maioria das vezes, envolve atos por parte de um superior hierárquico contra uma ou mais pessoas, é o denominado assédio moral vertical descendente. Mas também pode ser caracterizado pela conduta desumana entre colegas que se encontram no mesmo nível hierárquico (assédio moral horizontal), e mesmo por atos de inferior hierárquico contra o superior, ainda que incomum, o que pode ocorrer com relação ao chefe novato na empresa ou com o colega que passou a exercer cargo de chefia sem o apoio dos demais colegas (assédio moral vertical ascendente).

Segundo Maurício Godinho Delgado,

Define-se o assédio moral como a conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de desequilíbrio e tensão emocionais graves.

Trata-se de figura de apreensão nova na doutrina e na jurisprudência trabalhistas, estimuladas por percepção mais cuidadosa de potencial dinâmica ilícita vivida na relação de emprego, que não mereceu, no Brasil, a necessária análise e ênfase antes da Constituição de 1988 (DELGADO, 2016)[2].

A página na internet www.assediomoral.org, que tem por objetivo informar, dar visibilidade e subsidiar as discussões sobre o tema, trata o assédio moral da seguinte forma:

É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.

O mesmo sítio, ao resumir o instituto, ressalta que um ato isolado de humilhação não configura assédio moral, uma vez que este pressupõe:

  1. repetição sistemática
  2. intencionalidade (forçar o outro a abrir mão do emprego)
  3. direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida como bode expiatório)
  4. temporalidade (durante a jornada, por dias e meses)
  5. degradação deliberada das condições de trabalho

Em julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Minas Gerais, a desembargadora Alice Monteiro de Barros sintetizou com precisão o tema, contribuindo para a evolução dos debates e análise dos casos concretos envolvendo a matéria:

DANO MORAL - ASSÉDIO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - Requisitos - 'assédio moral. Caracterização. O termo 'assédio moral' foi utilizado pela primeira vez pelos psicólogos e não faz muito tempo que entrou para o mundo jurídico. O que se denomina assédio moral, também conhecido como mobbing (Itália, Alemanha e escandínávia), harcèlement moral (França), acoso moral (Espanha), terror psicológico ou assédio moral entre nós, além de outras denominações, são, a rigor, atentados contra a dignidade humana. De início, os doutrinadores o definiam como 'a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente (em média uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de uns 6 meses) sobre outra pessoa, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com o objetivo de destruir as redes de comunicação da vítima, destruir sua reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe deixando o emprego' (CF.Heinz Leymann, médico alemão e pesquisador na área de psicologia do trabalho, na suécia, falecido em 1999, mas cujos textos foram compilados na obra intitulada 'Mobbing: Emotional Abuse in the American Workplace'). O conceito é criticado por ser muito rigoroso. Esse comportamento ocorre não só entre chefes e subordinados, mas também na via contrária, e entre colegas de trabalho com vários objetivos, entre eles o de forçar a demissão da vítima, o seu pedido de aposentadoria precoce, uma licença para tratamento de saúde, uma remoção ou transferência. Não se confunde com outros conflitos que são esporádicos ou mesmo com más condições de trabalho, pois o assédio moral pressupõe o comportamento (ação ou omissão) por um período prolongado, premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima. Se a hipótese dos autos revela violência psicológica intensa sobre o empregado, prolongada no tempo, que acabou por ocasionar, intencionalmente, dano psíquico (depressão e síndrome do pânico), marginalizando-o no ambiente de trabalho, procede a indenização por dano moral advindo do assédio em questão.' (TRT 3ª R. - RO 01292.2003,057.03.00.3 - 2ª Turma. - Relª Juíza Alice Monteiro de Barros - DJMG 11.08.2004. grifo nosso).

O Ministro João Oreste Dalazen, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao afirmar que não há ainda conceito de assédio moral por se tratar de um fenômeno que se apresenta sobre múltiplas facetas e de formas diversificadas, citou alguns elementos que indicam a existência de assédio moral:

a) violação à imagem ou integridade do trabalhador, sendo a situação vexatória a tal ponto que cause lesão;

b) violação proposital, ou seja, degradação deliberada, em que há a intenção de prejudicar a saúde psíquica do trabalhador, sendo que, ao contrário do dano moral simples, no qual não é necessária a prova de dolo/culpa, para a configuração do assédio moral faz-se necessária a demonstração do propósito de causar dano;

c) intensidade da violência psicológica, que deve ser grave na concepção objetiva do homem médio;

d) repetição da conduta assediadora. Fatos isolados, ainda que graves, não são suficientes para caracterizar assédio moral. Mesmo que não haja delimitação temporal acerca da periodicidade do dano, na análise do caso concreto e pelo grau de violência, é possível a constatação desse elementos (TST-RR-453400-46.2008.5.09.0020. Rel. Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/04/2011).

O Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, em recente julgado, assim definiu o instituto:

ASSÉDIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O assédio moral no trabalho corresponde a violência consistente na exposição prolongada e repetitiva do empregado a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes, de forma direcionada, o que ficou demonstrado nos presentes autos. (TRT12 - ROT - 0000228-51.2020.5.12.0054 , HELIO HENRIQUE GARCIA ROMERO , 1ª Câmara , Data de Assinatura: 23/02/2022)

Percebe-se, assim, que o assédio moral, nos termos da doutrina e da jurisprudência citadas, pressupõe um comportamento (ação ou omissão) por período prolongado, que tem por efeito desestabilizar psicologicamente a vítima. Esse comportamento pode ocorrer não só entre chefes e subordinados (assédio moral vertical descendente e assédio moral vertical ascendente), mas também entre colegas de trabalho (assédio moral horizontal).

FUNDAMENTO JURÍDICO

Conforme mencionado inicialmente, o assédio moral não possui regulamentação específica, quer no Direito do Trabalho, quer no Direito Civil, ou ainda, no Direito Penal. Não obstante, a Constituição Federal, o Código Civil brasileiro, a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e até mesmo leis esparsas, apresentam regras que sanam a lacuna de um regramento específico para o tema. Há que ressaltar, no mais, preceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que versam sobre a saúde do trabalhador, abordando a questão do assédio moral, ainda que indiretamente.

Fonte primária de todo ordenamento jurídico, a Constituição Federal elenca, como princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, incisos III e IV). O art. 5º, inciso III, prevê que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante. Ainda, o art. 170 estabelece que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos a existência digna. O art. 193, por sua vez, determina que A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

O trabalho é, assim, tutelado pela Constituição Federal, e, como bem afirma Carlos Henrique Bezerra Leite, não é qualquer trabalho que deve ser considerado um direito humano e fundamental, mas apenas o trabalho que realmente dignifique a pessoa humana. Destaca o autor que o trabalhador é antes uma pessoa humana e, como tal, também possui atributos essenciais decorrentes de sua dignidade (LEITE, 2016)[3].

O Código Civil brasileiro, tutelando a dignidade da pessoa humana, dispõe sobre o direito da personalidade, possibilitando exigir que se cesse a ameaça ou a lesão a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos (art. 12). Do Diploma Civil, vale destacar também o art. 932, inciso III, que prevê a responsabilidade de reparação civil do empregador pelas atitudes de seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

A própria CLT, embora também não trate especificamente do assédio moral, assegura ao empregado, em seu art. 483, a rescisão indireta do contrato de trabalho e a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

[...]

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

Cabe lembrar que a rescisão indireta resulta de uma infração cometida pelo empregador, e como tal, confere ao empregado os mesmos direitos da demissão sem justa causa.

Maurício Godinho Delgado menciona, em sua obra, a infração do empregador:

A intolerância contínua, o exagero minudente de ordens, em especial quando configurar tratamento discriminatório, as despropositadas manifestações de poder em desarmonia com os fins regulares do contrato e da atividade empresarial consubstanciam a presente infração (DELGADO, 2016)[4].

Maria Aparecida Alkimin relaciona o assédio moral com a rescisão indireta:

Sob o prisma das obrigações contratuais, todas as atitudes, gestos, comportamentos, palavras caracterizadoras do assédio moral se enquadram nas hipóteses tipificadas no art. 483 da CLT, consubstanciando grave violação patronal das obrigações legais e contratuais, além de violar o dever geral de respeito à dignidade e intimidade do trabalhador, legitimando a despedida indireta por justa causa ou falta grave do empregador (ALKIMIN, 2005)[5].

Quando é o empregado quem pratica, no serviço, ato lesivo da honra ou da boa fama contra o colega de serviço ou contra o superior hierárquico, sua conduta preenche os requisitos para a demissão por justa causa, conforme estabelece o art. 482, da CLT.

Outra disposição legal do ordenamento jurídico brasileiro que rechaça a conduta considerada assédio moral pode ser verificada no Decreto nº 3.048, de 1999 (Regulamento da Previdência Social). Ao tratar dos Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados com o Trabalho (Anexo II, Lista B, do Decreto nº 3.048/1999), prevê, como agente etiológico ou fator de risco de natureza ocupacional, a ameaça de perda de emprego, ritmo de trabalho penoso; desacordo com patrão e colegas de trabalho (condições difíceis de trabalho), outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (item X). Destaca-se, também, a expressa menção à Síndrome de Burnout como doença relacionada ao trabalho, referindo como fatores de risco, o ritmo de trabalho penoso ou dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (item XII).

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Vale, ainda, citar a disposição presente na Lei nº 11.948 de 2009, que indiretamente contribui para inibir a prática de assédio moral ao estabelecer em seu art. 4º, que:

Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente. 

Em teor semelhante, a Lei nº 14.194, de 2021 (Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO para 2022), que repete comando previsto em LDOs anteriores:

Art. 122. As agências financeiras oficiais de fomento terão como diretriz geral a preservação e a geração do emprego e, respeitadas suas especificidades, as seguintes prioridades para:

[...]

§ 1º A concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelas agências financeiras oficiais de fomento não será permitida para:

[...]

IV - instituições cujos dirigentes sejam condenados por trabalho infantil, trabalho escravo, crime contra o meio ambiente, assédio moral ou sexual, ou racismo.

A Convenção 155 da OIT sobre segurança, saúde dos trabalhadores, ratificada pelo Brasil, é também norma que reprova o assédio moral no trabalho, na medida em que institui em seu artigo 3º, alínea e, que o termo saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.

A OIT também defende o direito do trabalhador ao trabalho decente, conceituando este como trabalho produtivo e de qualidade em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana[6].

A proteção psíquica do trabalhador, como visto, encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, o que vem autorizando a condenação da prática do assédio moral pelo Judiciário, conforme se verifica dos julgados transcritos no decorrer deste estudo.

REGULAMENTAÇÃO

Conquanto a reparação da prática de assédio moral esteja pautada no ordenamento jurídico pátrio, permanece a indefinição legal da conduta, o que acarreta insegurança jurídica às relações de trabalho, pois dificulta a análise das demandas e aumenta o risco de subjetivismo na caracterização do instituto.

Ainda que necessária, a regulamentação da matéria não é tarefa fácil. O tema vem sendo discutido na Câmara dos Deputados há mais de 15 anos, onde tramitam vários projetos de lei sobre assédio moral. A maioria deles tem por objetivo definir o termo nas relações de trabalho, outros pretendem configurar a conduta como crime, a exemplo do que ocorreu com o assédio sexual (art. 216-A, do Código Penal).

No Senado Federal, a matéria foi abordada no PLS 79 de 2009, o qual restou aprovado e remetido ao exame da Câmara dos Deputados, onde tramita como PL 6757 de 2010. Em razão de ser a proposta com tramitação mais avançada, passou a ser o projeto principal sobre o tema no Congresso, tendo sido apensado a ele inúmeros outros projetos sobre o tema. Seu conteúdo tem por finalidade incluir, no art. 483, da CLT (rescisão indireta do contrato de trabalho) a seguinte hipótese:

h) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele, coação moral, por meio de atos ou expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade que lhes conferem suas funções[7].

Projeto de lei que foi bastante debatido na Câmara dos Deputados é o PL 2369 de 2003, que prevê indenização no valor mínimo equivalente a dez vezes a remuneração do empregado (calculada em dobro em caso de reincidência) quando configurado o assédio moral, o qual resta assim definido na proposta:

Assédio moral consiste no constrangimento do trabalhador por seus superiores hierárquicos ou colegas, através de atos repetitivos, tendo como objetivo, deliberado ou não, ou como efeito, a degradação das relações de trabalho e que:

I - atente contra sua dignidade ou seus direitos, ou

II - afete sua higidez física ou mental, ou

III comprometa a sua carreira profissional[8].

A discussão avançou recentemente (2019), com a aprovação do PL 4742/2001 pela Câmara dos Deputados. O texto (aprovado pela Casa de origem e remetido à apreciação do Senado Federal) altera o Código Penal para inserir o crime de assédio moral, definindo-o como:

Assédio moral

Art. 146-A. Ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função.

Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Somente se procede mediante representação, que será irretratável.

§ 2º A pena é aumentada em até 1/3 (um terço) se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

§ 3º Na ocorrência de transação penal, esta deverá ter caráter pedagógico e conscientizador contra o assédio moral.

Apesar do esforço Legislativo em suprir a falta de definição legal do assédio moral, percebe-se que os textos propostos, tanto no âmbito criminal como para fins de relações de trabalho, não sanam a subjetividade que cerca a matéria, diante da relatividade e da ampla interpretação que se pode dar aos termos utilizados.

O mesmo ocorre com outros projetos de lei que pretendem regular o tema. O PL 3760 de 2012, por exemplo, define o instituto da seguinte forma:

Entenda-se por assédio moral a reiterada e abusiva sujeição do empregado a condições de trabalho humilhantes ou degradantes, implicando violação à sua dignidade humana, por parte do empregador ou de seus prepostos, ou de grupo de empregados, bem como a omissão na prevenção e punição da ocorrência do assédio moral[9].

Em teor semelhante, o PL 6625 de 2009 prevê:

O assédio moral é toda conduta que cause constrangimento ao trabalhador por parte de seus superiores hierárquicos ou colegas, resultantes de atos omissivos ou comissivos que resultem ao trabalhador :

1. atentado contra a dignidade;

2. danos à integridade;

3. exposição do empregado a efeitos físicos ou mentais adversos, com prejuízos à carreira profissional[10].

Percebe-se, das propostas transcritas, o caráter subjetivo das condutas enquadradas como assédio moral, o que evidencia a necessidade de amadurecimento da matéria, de modo a evitar que meros desentendimentos ou conflitos pontuais nas relações de trabalho sejam enquadrados como assédio moral.

A aprovação de um conceito impreciso, da forma como vem sendo apresentado nos projetos de lei em tramitação, ao invés de conferir segurança às relações de emprego e proteção à saúde mental dos trabalhadores, acabará por agravar a situação jurídica atual de incertezas, atribuindo ao julgador amplo poder de interpretação e de decisão na análise dos casos levados ao Judiciário.

3.1 Regulamentação em estados e municípios

Considerando que a competência para legislar sobre direito do trabalho é atribuída, privativamente, à União (art. 22, I, da Constituição Federal), alguns estados brasileiros editaram leis dispondo sobre o assédio moral, mas de aplicação restrita às respectivas administrações públicas estaduais. É o caso do Rio de Janeiro (Lei nº 3.921, de 2002), São Paulo (Lei nº 12.250, de 2006), Rio Grande do Sul (Lei Complementar nº 12.561, de 2006), Pernambuco (Lei 13.314, de 2007), Minas Gerais (Lei Complementar nº 117, de 2011), entre outros.

Existem também leis municipais regulamentando a matéria nas dependências da administração direta, indireta, fundacional e autárquica do município, a exemplo de São Paulo/SP (Lei nº 13.288, de 2002), Campinas /SP (Lei nº 11.409, de 2002), Natal/RN (Lei nº 189, de 2002), Brasília/DF (Lei nº 2.949, de 2002), Santa Maria/RS (Lei nº 4.552, de 2002), Juiz de Fora/MG (Lei nº 10.607, de 2003), Bombinhas/SC (Lei nº 864, de 2005), Balneário Camboriú/SC (Lei nº 2.665, de 2006), Florianópolis/SC (Lei nº 8.630, de 2011), Porto Alegre/RS (Lei Complementar nº 735, de 2014).

A Lei de Brasília/DF (Lei nº 2.949, de 2002), por exemplo, traz uma relação concisa de condutas que configuram o instituto:

Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, configura prática de assédio moral:

1. desqualificar o subordinado por meio de palavras, gestos ou atitudes;

2. tratar o subordinado por apelidos ou expressões pejorativas;

3. exigir do subordinado, sob reiteradas ameaças de demissão, o cumprimento de tarefas ou metas de trabalho;

4. exigir do subordinado, com o intuito de menosprezá-lo, tarefas incompatíveis com as funções para as quais foi contratado.

Já a Lei municipal de Florianópolis/SC (Lei nº 8.630, de 2011) estabelece um rol maior de condutas e de forma mais minuciosa:

Art. 2º Considera-se assédio moral para os fins desta Lei, toda ação, gesto ou palavra praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcional do servidor, especialmente:

I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexequíveis;

II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos; e

III - apropriando-se do crédito de ideias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.

Parágrafo Único - Considera-se também assédio moral as ações, palavras e os gestos que impliquem:

I - em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;

II - na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;

III - na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor; e

IV - na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Importa destacar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade formal da Lei estadual de São Paulo (Lei nº 12.250, de 2006), a qual trazia a seguinte definição e relação de condutas sobre o instituto:

Artigo 1º - Fica vedado o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas, submetendo o servidor a procedimentos repetitivos que impliquem em violação de sua dignidade ou, por qualquer forma, que o sujeitem a condições de trabalho humilhantes ou degradantes.

Artigo 2º - Considera-se assédio moral para os fins da presente lei, toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcionais do servidor, especialmente:

I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexeqüíveis;

II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos;

III - apropriando-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.

Parágrafo único - Considera-se também assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:

1 - em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;

2 - na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;

3 - na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor;

- na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.

A declaração de inconstitucionalidade da Lei paulistana pelo Supremo Tribunal Federal se deu, não em razão de seu conteúdo, mas pela inobservância da competência legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo para propor a regulamentação de deveres, proibições e responsabilidades dos servidores públicos estaduais (ADI 3980).

3.2 Regulamentação em outros países

Por se tratar de instituto de preocupação recente nas relações de trabalho, a maioria dos países não possui legislação específica regulamentando o assédio moral na esfera trabalhista.

Conforme acentua a Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, Márcia Novaes Guedes, a primeira tentativa de dar uma definição jurídica para o assédio moral partiu de uma Comissão da União Europeia, que relacionou a palavra mobbing a uma situação na qual a pessoa vem maltratada ou perseguida em circunstância ligada ao trabalho, surgindo uma explícita ou implícita ameaça à sua segurança e saúde (GUEDES, 2003)[11].

A Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, também refere que a questão foi abordada pela União Europeia em Resolução de 2001, a qual instou os Estados membros a prestar atenção ao problema do assédio moral no local de trabalho e a considerá-lo nas respectivas legislações nacionais (PEDUZZI, 2007) [12].

Segundo a Ministra, não há disciplina legal específica do assédio moral laboral na Espanha, na Itália, na Alemanha e no Chile. Na Suécia, foi promulgada a Lei Básica de Prevenção de Riscos, de 1993, contendo normas de prevenção ao assédio moral. Na Grã-Bretanha, Ato de 1997 disciplina a conduta, prevendo pena de prisão de até seis meses e multa.

Informações disponíveis na página  www.assediomoral.org demonstram que, na França, o capítulo 4 da Lei de Modernização Social, de 2002, trata do assédio moral no trabalho. Verifica-se também a existência de lei argentina, aprovada na província de Buenos Aires (Lei 13.168, de 2004), da qual vale citar os seguintes dispositivos:

ARTICULO 4°: Se entiende por maltrato psíquico y social contra el trabajador o la trabajadora a la hostilidad continua y repetida en forma de insulto, hostigamiento psicológico, desprecio o crítica.

ARTICULO 5°: Se define con carácter enunciativo como maltrato psíquico y social a las siguientes acciones:

Obligar a ejecutar tareas denigrantes para la dignidad humana.

Asignar misiones innecesarias o sin sentido con la intención de humillar.

Juzgar de manera ofensiva su desempeño en la organización.

Cambiarlo de oficina, lugar habitual de trabajo con ánimo de separarlo de sus compañeros o colaboradores más cercanos.

Bloquear constantemente sus iniciativas de interacción generando el aislamiento del mismo.

Prohibir a los empleados que hablen con él o mantenerlos incomunicados, aislados.

Encargar trabajo imposible de realizar.

Obstaculizar y/o imposibilitar la ejecución de una actividad, u ocultar las herramientas necesarias para realizar una tarea atinente a su puesto.

Promover el hostigamiento psicológico a manera de complot sobre un subordinado.

Efectuar amenazas reiteradas de despido infundado.

Privar al trabajador de información útil para desempeñar su tarea y/o ejercer sus derechos.

PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR x ASSÉDIO MORAL

Diante da dificuldade em se delimitar quais comportamentos caracterizam assédio moral, muitas das alegações levadas à Justiça do Trabalho não passam de conduta lícita do empregador, decorrente do seu poder diretivo.

Também chamado de poder de comando ou poder hierárquico, o poder diretivo tem fundamento no princípio da livre iniciativa e no direito de propriedade. Além disso, como prevê o art. 2º da CLT, é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, o que lhe autoriza estabelecer as normas para o funcionamento do negócio e fiscalizar a execução do trabalho em conformidade com as regras fixadas.

Segundo Octavio Bueno Magano, citado por Bezerra Leite:

O poder hierárquico, ou poder diretivo lato sensu, subdivide-se em poder diretivo stricto sensu, poder regulamentar e poder disciplinar. O poder diretivo stricto sensu consiste na faculdade de ditar ordens e instruções; o poder regulamentar corresponde à faculdade de legislar no âmbito da empresa, consubstanciando-se na expedição de ordens genéricas, notadamente o regulamento de empresa; o poder disciplinar traduz-se na faculdade de impor sanções aos trabalhadores (LEITE, 2016)[13].

Não se deve, assim, confundir os poderes de comando do empregador com o assédio moral, ressalvados os casos em que se configure abuso desse poder.

Sobre os limites ao poder diretivo do empregador, Maurício Godinho Delgado observa:

Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente, com o universo normativo e de princípios abraçado pela Constituição vigorante (DELGADO, 2016)[14].

Ponto que merece destaque, em razão das inúmeras reclamações trabalhistas envolvendo a questão, é a cobrança de metas e de produtividade do trabalhador. Embora tal conduta esteja inserta no poder de comando da empresa, além de amparado no princípio da livre iniciativa e no direito de propriedade, a exigência de desempenho ou a adoção de práticas motivacionais deve ser compatível com as regras que tutelam a dignidade da pessoa humana.

O poder diretivo da empresa, portanto, desde que exercido dentro dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade, não gera direito à indenização por assédio moral.

Alguns julgados nesse sentido:

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA X EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. ARTS. 1º, III E 5º, V E X, AMBOS DA CF/88. O dano moral ocasiona lesão na esfera personalíssima do titular, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, implicando numa indenização compensatória ao ofendido (art. 5º, incisos V e X, CF).,O assédio moral caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar-lhe ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica e, que pode ser praticado pela empresa (na figura do preposto, superior hierárquico) ou pelos próprios colegas. E, no caso dos autos, ao contrário do pretendido pelo reclamante, a prova oral não revelou "excesso" do superior hierárquico, mas, sim o efetivo exercício do poder diretivo, em substituição do empregador. (TRT da 2ª Região; Processo: 1000411-55.2018.5.02.0441; Data: 09-11-2021; Órgão Julgador: 4ª Turma - Cadeira 5 - 4ª Turma; Relator(a): IVANI CONTINI BRAMANTE)

ASSÉDIO MORAL. COBRANÇA DE METAS. EXCESSO DE RIGOR NÃO COMPROVADO. A cobrança de metas, por si, não implica reparação moral, especialmente quando inexistente abuso de direito ou postura vexatória por parte dos superiores hierárquicos. Não se evidencia nos autos qualquer excesso aos limites do poder diretivo. Recurso ordinário a que se nega provimento. (TRT da 2ª Região; Processo: 1000963-71.2019.5.02.0445; Data: 27-05-2021; Órgão Julgador: 7ª Turma - Cadeira 1 - 7ª Turma; Relator(a): CELSO RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA)

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. O direito à indenização por dano extrapatrimonial, quando derivado da conduta do empregador no âmbito das relações de trabalho, pressupõe a comprovação, de forma robusta, da conduta culposa do empregador, do dano propriamente dito e do nexo causal entre o prejuízo sofrido pelo empregado e o ato do empregador. Não comprovada hipótese em que o empregador tenha agido fora dos limites do poder diretivo, não há direito a reparação civil por assédio moral. (TRT12 - ROT - 0000652-89.2019.5.12.0002 , ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO , 1ª Câmara , Data de Assinatura: 23/02/2022)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ASSÉDIO MORAL. ABUSO DO PODER DIRETIVO . 1. Incumbe ao empregador o dever de proporcionar ao empregado as condições de higiene, saúde e segurança no ambiente laboral, sob pena de afronta ao princípio da prevenção do dano ao meio ambiente, exteriorizado, no âmbito do Direito do Trabalho, na literalidade do artigo 7º, XXII, da Carta Magna. O fato de o empregador exercer de forma abusiva seu poder diretivo art. 2º da CLT-, com a utilização de práticas degradantes de que é vítima o trabalhador, implica violação dos direitos de personalidade, constitucionalmente consagrados (art. 1º, III). A afronta à dignidade da pessoa humana, aliada ao abuso do poder diretivo do empregador, enseja a condenação ao pagamento de compensação por dano moral. (TST Processo RRAg - 10747-50.2014.5.03.0053. Orgão Judicante: 3ª Turma. Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Julgamento: 06/04/2022)

CONSEQUÊNCIAS

São de reconhecimento inquestionável as mazelas que o assédio moral causa ao empregado. A conduta reiterada de violência psicológica ou de situações constrangedoras e vexatórias desestabiliza e perturba o equilíbrio emocional do trabalhador, corrompendo o seu meio ambiente de trabalho, o qual deveria ser, não só gerador de desenvolvimento profissional e econômico, mas também fonte de satisfação pessoal.

Há que se ressaltar, por outro lado, as repercussões negativas que o assédio moral traz para a empresa onde ele ocorre. Muitas empresas dispensam tratamento com rigor excessivo a seus empregados, ou incentivam um ambiente de trabalho competitivo, com o intuito de obter maior comprometimento e produtividade do trabalhador. Essa conduta, no entanto, pode resultar em efeito contrário, uma vez que, além de causar excessiva rotatividade de mão de obra, tem se mostrado como um fator de queda da produtividade do trabalhador que se encontra insatisfeito e desmotivado.

Numa visão mais ampla, cabe considerar que a sociedade como um todo também sofre as consequências desse ato danoso, haja vista ser o Estado quem custeia os afastamentos superiores a quinze dias, mediante recursos da Previdência Social. Outras despesas decorrentes dessa prática são também despendidas pelo Estado, como o pagamento de seguro-desemprego e de eventuais aposentadorias precoces concedidas em razão do dano psicológico causado à vítima. Recursos esses que poderiam ser aplicados em outras demandas carentes de investimento público.

Vale, ainda, ressaltar as consequências danosas do assédio moral praticado no âmbito da Administração Pública. Somada aos prejuízos com afastamento de servidores e pagamento de indenizações, a prática corriqueira implica mal funcionamento da máquina pública e queda na qualidade do serviço prestado.

A violência moral no trabalho, como se vê, tem um alto custo para todos os atores envolvidos, inclusive para a sociedade. Mostra-se imperativo, assim, que as empresas se voltem à adoção de medidas que fortaleçam a proteção da saúde mental de seus trabalhadores. É o empregador, pois, o responsável por um ambiente de trabalho saudável, haja vista dispor dos meios coercitivos que o poder diretivo lhe confere para punir os excessos de dirigentes e os desvios de conduta dos empregados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assédio moral no trabalho é preocupação não só no Brasil, mas em vários países que, cientes das consequências danosas dessa prática, buscam medidas para combatê-la, atendendo, assim, às recomendações da Organização Internacional do Trabalho, no sentido de se proporcionar aos trabalhadores em geral um meio ambiente do trabalho saudável, digno e decente.

Diante da ausência de uma legislação nacional específica, o assédio moral tem sido enfrentado pela doutrina e pela jurisprudência mediante análise de casos concretos e estudo do direito comparado (como a matéria é tratada em outros países).

Apesar da imperiosa necessidade de regulamentação do instituto, as iniciativas parlamentares não parecem capazes de estabelecer uma definição precisa, que venha, finalmente, suplantar a insegurança jurídica que subsiste em torno da matéria para ambas as partes da relação laboral.

É fato que a saúde do trabalhador deve ser garantida e preservada, sem qualquer sombra de questionamento, eis que não há espaço, no ordenamento jurídico pátrio, para situações contrárias à dignidade do ser humano.

Por outro lado, cabe observar que nem toda conduta caracteriza o assédio moral. Este restará caracterizado somente quando observada a repetição sistemática de conduta no ambiente de trabalho que cause dano psicológico muito específico ao trabalhador.

Há que se ter o cuidado, portanto, de rechaçar toda e qualquer tentativa doutrinária, judiciária ou legislativa de banalização do assédio moral, para que meros dissabores, comuns às relações de trabalho, não sejam enquadrados como tal.


REFERÊNCIAS

  1. .
  2. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1363.
  3. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 38 e 57.
  4. DELGADO, Maurício Godinho. Ob. Cit., p. 1360.
  5. ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 92. Citado por Felipe Fonseca de Carvalho Nina in Assédio moral no trabalho. Um estudo sobre os seus elementos. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11433. Acesso em 26/06/2016.
  6. OIT. Uma Década de Promoção de Trabalho Decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_467352/lang--pt/index.htm. Acesso em 08/07/2016.
  7. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=465837. Acesso em 09/08/2016.
  8. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=139681. Acesso em 09/08/2016.
  9. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=542709. Acesso em 09/08/2016.
  10. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=464348. Acesso em 09/08/2016.
  11. GUEDES, Márcia Novaes. Mobbing - Violência psicológica no trabalho. Disponível em: http://artigoscheckpoint.thomsonreuters.com.br/a/29bs/mobbing-violencia-psicologica-no-trabalho-marcia-novaes-guedes. Acesso em 18/07/2016.
  12. PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio Moral. Rev. TST, Brasília, vol. 73, n. 2 , abr/jun 2007. Disponível em: http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1312860/1.+Ass%C3%A9dio+moral. Acesso em 13/07/2016.
  13. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob. Cit., p. 251.
  14. DELGADO, Maurício Godinho. Ob. Cit., p. 737.
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Sobre a autora
Jomara Cadó Bessa

Advogada, especialista em Direito Público e em Direito Material e Processual do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BESSA, Jomara Cadó. Assédio moral no trabalho: conjuntura doutrinária, legal e jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6859, 12 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97246. Acesso em: 26 abr. 2024.

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