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Juízo 100% digital: regras gerais

09/05/2022 às 12:20
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As partes podem optar pelo juízo 100% digital, inclusive por meio de negócio jurídico processual firmado previamente, compreendendo todo o processo ou a prática de determinados atos.

A consolidação do Judiciário Digital foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução nº 345/2020, do dia 9 de outubro, que estabeleceu regras gerais para a criação, por todos os tribunais do país, do Juízo 100% Digital.

Seu principal fundamento está no art. 193 do Código de Processo Civil, que permite a prática de atos processuais totalmente digitais, e no art. 18 da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico), que confere aos tribunais o poder de regulamentação do processo judicial eletrônico, entre outros dispositivos.

Além disso, o 196 do CPC atribui ao CNJ (de forma principal) e aos tribunais (de modo supletivo) o poder regulamentar sobre a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico, com a disciplina da incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e a preservação da compatibilidade dos sistemas eletrônicos.

Com a Resolução nº 345/2020, o CNJ autorizou os tribunais a criarem unidades judiciárias que prestam os seus serviços integralmente no meio digital.

Isso significa que não só os processos são eletrônicos, mas todos os atos praticados ocorrem em meio virtual, sem a presença ou participação física de partes, testemunhas, peritos, advogados públicos e privados, promotores, servidores, juízes e outras pessoas que atuarem no processo.

A necessidade eventual da prática de atos probatórios no meio físico e de forma presencial (como, por exemplo, o exame sobre pessoa ou a vistoria sobre imóvel na prova pericial) não exclui a competência do Juízo 100% Digital (art. 1º, § 2º, da Resolução nº 345/2020).

Do mesmo modo, o cumprimento de mandados (de citação, intimação, penhora etc.) e a realização de audiências presenciais de conciliação ou mediação, entre outros atos presenciais, podem ser praticados no processo digital e não afastam a competência do juízo (art. 1º, § 3º, da Resolução nº 345/2020).

Em resumo, determinados atos processuais podem ser praticados off-line, ou seja, de forma presencial, desde que possam ser convertidos para o meio eletrônico e inseridos no processo digital.

A implantação do Juízo 100% Digital pelos tribunais deve ser acompanhada do fornecimento da infraestrutura de informática e telecomunicação necessárias ao seu funcionamento (art. 4º da Resolução nº 345/2020).

O Juízo 100% Digital não importa em modificação de competência, mas sim em especificação da forma de prestação dos serviços da unidade jurisdicional (art. 2º da Resolução nº 345/2020).

O art. 3º da Resolução nº 345/2020 do CNJ permite às partes optar pelo Juízo 100% Digital, o que pode ocorrer inclusive por meio de negócio jurídico processual firmado previamente entre elas, que pode compreender todo o processo ou a prática de determinados atos processuais (art. 3º-A).

Há uma regra curiosa de remessa do processo para o Juízo 100% Digital em virtude da ausência de oposição das partes: o juiz do processo pode intimar as partes para se manifestarem acerca de eventual interesse na adoção do Juízo 100% Digital, ainda que em relação a processos anteriores à entrada em vigor da Resolução nº 345/2020 e, caso ambas não se manifestem expressamente de forma contrária após duas intimações, o silêncio deve ser interpretado como aceitação tácita (art. 3º, § 4º, da Resolução nº 345/2020).

Contudo, nesse caso, também é possível que ocorra a retratação por qualquer uma das partes, até a sentença, nos termos do art. 3º, § 2º, da Resolução nº 345/2020.

Ainda, mesmo que as partes recusem expressamente a adoção do Juízo 100% Digital, o magistrado pode propor a realização de atos processuais isolados de forma digital e, caso ambas não se manifestem expressamente de forma contrária após duas intimações, o silêncio deve ser interpretado como aceitação tácita (art. 3º, § 5º, da Resolução nº 345/2020).

A principal diferença entre o Juízo 100% Digital e o processo eletrônico (objeto da Resolução nº 420/2021) está na forma de prática dos atos, que é preferencialmente (mas não exclusivamente) digital no juízo digital (atendimento, comunicações, audiência e sessão de julgamento etc.), enquanto o fato de um processo ser eletrônico não exclui a prática de atos no meio físico (especialmente a audiência).

Dessa forma, ao permitir a criação do Juízo 100% Digital, a Resolução nº 345/2020 faz com que, ao lado do princípio do juiz natural (que está no art. 5º, XXXVII e LIII, da Constituição, e estabelece que só há um juiz competente e imparcial para cada processo, definido de forma genérica e prévia pela própria Constituição ou por lei, o que leva à proibição de juízes ou tribunais de exceção), existe hoje no Brasil um princípio do juiz virtual, que permite a existência de um segundo juízo competente para o mesmo litígio (desde que seja 100% digital), a ser escolhido pelo autor e condicionado à concordância do réu.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Juízo 100% digital: regras gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6886, 9 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97696. Acesso em: 18 abr. 2024.

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