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Comentários à reforma do Judiciário (IX).

Superior Tribunal de Justiça

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26/04/2007 às 00:00
Leia nesta página:

A Constituição Federal, no concernente ao Superior Tribunal de Justiça, teve poucas atribuições alteradas, já que muito ainda pende da aprovação da denominada PEC paralela da Reforma do Judiciário, ainda em tramitação perante a Câmara dos Deputados, após aprovada pelo Senado ao instante em que promulgada a Emenda Constitucional nº 45/2004. Ademais, detalhamento para a escolha de seus Ministros e a existência da Escola Nacional de Formação de Magistrados e do Conselho da Justiça Federal, junto ao STJ, resultaram especificados.

Assim restam alterados ou inseridos os dispositivos que dizem respeito ao STJ:

"Art. 36. (...)

(...)

III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.

IV - (Revogado).

"Art. 104. (...)

Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

(...)" (NR)

"Art. 105. (...)

I – (...)

(...)

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

(...)

III – (...)

(...)

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

(...)

Parágrafo único. Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:

I - a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;

II - o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante." (NR)

"Art. 109. (...)

(...)

V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

(...)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal." (NR)


CompOSIÇÃO:

A comparação entre o anterior parágrafo único do artigo 104 da Constituição Federal e aquele decorrente da nova redação emprestada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 é sutil, embora significativa.

Antes, a escolha dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça podia fazer-se por maioria simples do Senado Federal; agora, a exigência é de que o nome escolhido pelo Presidente da República seja aprovado pela maioria absoluta do Senado.

A exigência do quorum especial ficou em similitude ao que já era exigido em relação ao Supremo Tribunal Federal e que passou a constar, também, da exigência para aprovação de nomes ao Tribunal Superior do Trabalho. De fora, por ora, apenas o Superior Tribunal Militar, cuja regra encontra-se contida na PEC paralela da Reforma do Judiciário, em decorrência da alteração da composição proposta.

Embora não se possa deixar de considerar a regra como salutar, a alteração mais significativa, concernente à limitação da escolha dos Ministros oriundos dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais dentre magistrados de carreira, ainda pende da aprovação da PEC paralela da Reforma do Judiciário pela Câmara dos Deputados, regra que poderá restabelecer a composição paritária prevista no artigo 104 da Constituição, hoje prejudicada pelo vício de origem de muitos dos Ministros, ainda que certamente qualificados e detentores dos requisitos constitucionais, em detrimento da classe dos magistrados de carreira em prol de advogados e membros do Ministério Público, ingressos diretamente ou por considerados magistrados, embora componentes do quinto do artigo 94 da Constituição nos respectivos tribunais de origem.

Quanto à regra sob comento, embora não haja notícia de aprovação de nome ao STJ por maioria simples de votos do Senado, preferiu o constituinte não deixar tão significativo cargo à mercê de maiorias ocasionais, exigindo doravante deliberação consistente dos Senadores para formarem o quorum exigido para maioria absoluta para a aprovação do nome escolhido.


Competências:

Com relação às competências descritas no texto original da Constituição de 1988, houve uma inversão em duas questões antes entregues ao STF e ao STJ, e agora invertidas, conforme inclusive já debatidas quando da análise da alteração competencial do Supremo Tribunal Federal, e outra relativa à competência para apreciar representação dirigida à intervenção federal, que restou revogada para atribuir toda a competência pertinente apenas ao STF, dado o caráter político-constitucional envolvido.

Mas emerge, ainda, também uma competência anômala descrita no rol do artigo 109 da Constituição, próprio da Justiça Federal, pertinente ao conhecimento do denominado "incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal", sempre que estiver envolvida causa de direitos humanos, por hipótese de grave violação e para o fim de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.

Por partes.

a) Competências Perdidas:

No artigo 36, a revogação do inciso IV e a refeitura do inciso III resultaram na exclusão da competência do Superior Tribunal de Justiça para conhecer e dar provimento à "representação do Procurador-Geral, no caso de recusa à execução de lei federal", para fins de decretação de intervenção federal em Estado ou no Distrito Federal.

Com isso, retornou-se ao sistema anterior à Constituição de 1988 quando a discussão alusiva à representação interventiva era toda centrada no Supremo Tribunal Federal, dado o contorno político-constitucional envolvido. Com efeito, a premissa equivocada de que a mera invocação de descumprimento a norma infraconstitucional poderia traduzir a competência do Superior Tribunal de Justiça não se fazia pertinente, como, aliás, na mesma linha ensejou a alteração das hipóteses de admissibilidade do recurso especial, retornando ao STF a competência quando a discussão envolvendo normas legais locais se fazia contestada em face da lei federal, a traduzir exame de competência legislativa inscrita na Constituição Federal.

Como já indicado, também a nova redação dada ao artigo 105, III, "b", da Constituição Federal, deslocando para o STF competência antes inscrita como do STJ, porque envolvida a hipótese em nítido exame de constitucionalidade da norma local ou da norma federal, quando ao aspecto das competências legislativas da União e dos Estados e Distrito Federal, traduziu mera readequação lógica da função de cada Corte, já que embora envolvido o exame de norma legal a discussão não se fazia, como antes suposto quando da edição da Constituição de 1988, no campo meramente infraconstitucional, ao contrário exigindo o pronunciamento segundo os preceitos expressos ou decorrentes da Carta Constitucional para aferir qual norma, se a local ou se a federal, é que deveria prevalecer.

b) Homologação de Sentenças Estrangeiras e "Exequatur" a Cartas Rogatórias:

Doutro lado, por não conter conteúdo político-constitucional nítido, preferiu o constituinte derivado entregar ao Superior Tribunal de Justiça a competência antes do Supremo Tribunal Federal para "a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias", aliviando o STF de competência homologatória que poderia e será bem exercida pelo STJ, tanto mais ante a capacidade desta Corte Superior em ter aumentado o número de membros ou de distribuir tais competências entre seus Ministros ou órgãos fracionários, não havendo indicativo de que possa haver prejuízo aos trabalhos pelo diminuto implemento de feitos assim deslocados.

Noto que tais deslocamentos competenciais já se fizeram em tópicos pertinentes à representação interventiva e à competência do Supremo Tribunal Federal, pelo que ora apenas rememorados.

c) Incidente de Deslocamento Competencial para a Justiça Federal de Causas envolvendo Violação a Direitos Humanos:

Competência que emerge como nova, embora tecnicamente disposta em local impróprio (porque deveria estar descrita no rol do artigo 105, inciso I), é aquela contida no parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição, acrescida pela EC 45/2004, que resulta na atribuição de processar e julgar o incidente proposto exclusivamente pelo Procurador-Geral da República no sentido de deslocamento de feito de qualquer ramo judiciário para a Justiça Federal, sempre que envolvida suposta e grave violação a direitos humanos protegidos por norma internacional da qual seja o Brasil signatário.

Não há dúvidas de que a melhor técnica legislativa, por conta inclusive da Lei Complementar nº 95/1998, deveria resultar no parágrafo como inciso do artigo 105 que disciplina as competências originárias do STJ, com a conseqüente adequação da remissão contida no artigo 109, V-A, da Constituição.

No entanto, suplantada a questão meramente redacional, há que se apreciar os efeitos em que o incidente será processado e julgado pelo STJ, sem adentrar-se, por ora, na discussão do julgamento eventual pela Justiça Federal, no caso de deferido o deslocamento, à luz do artigo 109, V-A, da Constituição Federal.

Com efeito, a norma descrita emergiu na apreciação da Reforma do Judiciário após casos envolvendo crimes por disputas agrárias ou envolvendo policiais que repercutiram na imprensa internacional, numa suspeita inconseqüente e despropositada de que a Justiça Comum dos respectivos Estados não seria capaz de responder à necessária busca da verdade e da condenação dos envolvidos.

O problema maior era como desenvolver a lógica de que o princípio do juízo natural pudesse restar quebrado em certas situações que envolvessem o nome do País na mídia internacional, sem que isso envolvesse afronta à Constituição Federal.

A resposta veio com a possibilidade do deslocamento para a Justiça Federal, dos feitos assim relacionados, responderem a duas premissas: (1) restar configurada grave violação a direito humano descrito em norma internacional subscrita pelo Brasil; e (2) haver o manifesto interesse federal envolvido mediante a representação do Procurador-Geral da República propondo o incidente para o deslocamento.

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Com a devida vênia, a denominada "federalização dos crimes contra direitos humanos", embora de todo inadequada porque a regra contida no artigo 109, V-A e § 5º, da Constituição, conforme a EC 45/2004, não envolve apenas causas criminais, podendo a violação emergir também no campo cível ou similar, traduz uma perturbação de princípio secular contido na Carta vigente pertinente à proibição para juízos ou tribunais de exceção.

A Constituição Federal, artigo 5º, XXXVII, ao enunciar não admitir juízos ou tribunais de exceção, exatamente pretendeu inibir a criação de juízos ou tribunais excepcionais ou temporários, ou que afrontem o princípio do juízo natural.

Nesse sentido, a condenar medida como a decorrente do deslocamento de causa para o foro federal, quando envolvida violação a direitos humanos assegurados por norma internacional, a repulsa veemente do renomado Pontes de Miranda quando estabeleceu a premissa de que o juízo ou tribunal de exceção é aquele que emerge para o fato, ainda quando exercido por autoridade judiciária pré-constituída [01].

Nesse sentido, o confronto da norma inscrita pela Emenda Constitucional nº 45/2004 em relação àquela descrita pelo artigo 5º, XXXVII, da Constituição, segundo o texto original de 1988, parece colidir com a regra do artigo 60, § 4º, IV, da Constituição vigente, ao estabelecer como cláusula pétrea constitucional aquelas pertinentes aos direitos e garantias fundamentais, que teriam restado violados ao admitir-se, doravante, o deslocamento de competência de juízo ou tribunal já estabelecido para outro, a partir de critério de conveniência do Procurador-Geral da República ao invocar a existência de violação a direitos humanos assegurados por norma internacional, em caso de acolhimento do incidente pelo Superior Tribunal de Justiça.

De todo modo, ainda que não se considere a inconstitucionalidade do inciso V-A e do parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição Federal, como inseridos pela Emenda Constitucional nº 45/2004, percebe-se que, por conta da necessidade de aferição do interesse federal à luz da invocação da norma internacional descritiva de direitos humanos violados, atribuiu-se ao Superior Tribunal de Justiça a penosa competência para deferir ou não o deslocamento pretendido pelo Procurador-Geral da República.

Nesse sentido, o disposto no Código de Processo Penal, artigo 424, que dispõe sobre o desaforamento para comarca próxima ao do Juízo antes competente para o julgamento criminal envolve elemento jurídico que dificulta a compreensão de que tal seria legítimo e aquele desaforamento para a Justiça Federal não o seria, embora haja nuances peculiares como a possibilidade de o desaforamento ocorrer ainda na fase de mero inquérito e não se facultar aos acusados a mesma prerrogativa agora conferida apenas ao Chefe do Ministério Público Federal.

Há que se notar, desde logo, como dito, que o deslocamento pode ocorrer não apenas quando do início do inquérito, mas inclusive no curso do julgamento, sempre que entender-se razoável o deslocamento.

Logicamente, com a decisão que decidir pelo deslocamento para a Justiça Federal acaba o STJ por enunciar um descrédito à Justiça Local ou à Justiça Especializada, sobretudo, razão porque o incidente é restrito quanto ao autor legitimado e quanto às hipóteses de admissibilidade.

Cabe registrar, nesse particular, que a "grave violação de direitos humanos" não se circunscreve a violação de ordem penal, também podendo ocorrer no âmbito civil e trabalhista, desde que previamente conceituado o que sejam "direitos humanos" e qual o âmbito razoável de sua violação para justificar o excepcional deslocamento de competência de um para outro ramo do Judiciário nacional.

De todo modo, conquanto pareça ao primeiro instante que o exame das premissas pelo STJ sejam de caráter objetivo, o conceito de direitos humanos nem sempre se vislumbra para desviar certos ilícitos ou violações civis do juízo natural local para a Justiça Federal.

Com efeito, o que ou quais são os "direitos humanos"?

A resposta contida na doutrina, certamente, caminhará a cada novo julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, ao qual competirá descrever quais são os limites do conceito necessários ao deslocamento competencial, certamente passando pela repercussão geral da violação ocorrida, para assim capitular restar inserida a violação dentre aquelas repulsadas por norma de direito internacional subscrita pelo Brasil.

Ora, todo direito de que detentor a pessoa humana envolve-se no conceito de "direitos humanos", mas logicamente a característica primordial buscada pelo legislador constituinte foi ultrapassar os limites do indivíduo para buscar aqueles direitos coligados à sobrevivência do ser humano enquanto raça, grupo ou certas especificidades, ou quando a violação contra um único indivíduo ou parcela do conjunto protegido acarreta ameaça indireta à própria sobrevivência do conjunto ou das condições para a defesa de seus interesses legítimos.

Há que se notar, por exemplo, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), inequivocamente a mais importante norma internacional de direitos humanos, envolve regras que se inscrevem como direitos personalíssimos do ser humano e não poderiam traduzir, quando violados, a necessária transposição competencial do juízo natural onde processado para a Justiça Federal brasileira, inclusive sob pena de transformar a Justiça Federal num arremedo por incapacitá-la para apreciar todos os casos que decorreriam da invocação de violação a direitos humanos baseada na norma internacional fundamental da sociedade mundial contemporânea.

Mas sempre que o direito considerado na norma internacional reguladora dos preceitos de proteção à dignidade humana se fizerem violados em ataque não apenas ao indivíduo detentor de tais direitos mas ao conjunto social em que se integra, certamente restará afrontada a garantia que se pretendia assegurar pelo tratado internacional subscrito pelo País, a exigir o deslocamento competencial ante o indireto interesse da União como signatária de tais normas internacionais que prometeu cumprir no território brasileiro.

Penso que a regra inserida na Constituição foi despropositada ante a dignidade com que os magistrados dos diversos ramos judiciários do País se portam frente à problemática envolvida quando do exame de direitos humanos havidos como violados em detrimento de uma coletividade, mas porque assim eleita a norma pelo constituinte derivado não mais se deve retomar constantemente o tema da inoportunidade da regra incorporada ao ordenamento constitucional.

Com base na norma descrita, doravante caberá ao Superior Tribunal de Justiça precisamente definir os limites do conceito de direitos humanos consagrados internacionalmente para não transformar casos de mídia em relevantes exemplos de violação a direitos humanos, eis que o caminho certamente passará por vislumbrar, na norma internacional que os assegure, a emblemática disposição de garantir não apenas o indivíduo objeto do ataque impróprio, mas o próprio conjunto social que integra, numa violação indireta a todos os seus componentes pelo resultado da ameaça velada a certas condutas que se queiram desprestigiar.

Nesse baluarte em que passará a se constituir o Superior Tribunal de Justiça, os limites do conceito envolvem a própria dignidade da busca da defesa do ser humano como imprescindível à comunidade mundial, e toda a violação que não sirva a tal defesa certamente envolverá a hipótese descrita sumariamente pela Constituição Federal, que cumprirá àquela Corte Superior lapidar e aprimorar para a defesa da própria compreensão de sociedade: o conjunto e não apenas a parte dissociada consubstanciada no indivíduo.

A compreensão precisa de quando o ataque a um indivíduo prejudica todo o conjunto, tal qual o pilar que, sucumbindo, faz derrubado todo o prédio, é que denotará a conduta do STJ no enunciar a regra que não desmonte o conceito tão precioso do juízo natural para autorizar o deslocamento excepcional ao foro federal constituído para que examine a violação sob o manto imprescindível da norma internacional que assegurara o direito humano havido por atingido.

Se o direito humano invocado como violado não puder ser assegurado pela norma internacional invocada, se a violação não puder ser suplantada pela adoção das regras dispostas no tratado internacional que a repulsa, então a questão poderá ser de direito humano violado no plano individual e protegido pelas regras do ordenamento jurídico interno, sob a jurisdição do juízo natural previsto na Constituição ou nas Leis da República.

Nesse sutil detalhe estará ou não o autorizativo para o deslocamento competencial que possa vir a ser postulado, perante o Superior Tribunal de Justiça, pelo Procurador-Geral da República, eis que todo direito do ser humano pode ser violado e cabe ser reparado, mas nem todos envolvem a complexidade de atingir, mais que o indivíduo vitimado, a própria sociedade ao qual integrado.

No início de maio de 2005, a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a ADI 3486/DF, com pedido de liminar, redistribuída ao Exmo. Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, questionando a constitucionalidade do inciso V-A e do parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição Federal, conforme inseridos pela EC 45/2004, sob o fundamento de que não se define, pelos dispositivos questionados, o que seria a grave lesão aos direitos humanos nem se relacionam os crimes enquadrados em tal condição, comprometendo-se, assim, segundo a entidade Autora, os preceitos constitucionais processuais penais e a segurança jurídica no âmbito penal, em violação ao artigo 5º, XXXIX, da Constituição, caracterizada como cláusula pétrea, além de violar, em diversos casos, o juízo natural constituído no júri popular para julgar os crimes dolosos contra a vida em razão do deslocamento por mero acolhimento do incidente formulado pelo Procurador-Geral da República. O pedido de liminar suscitado pelo Procurador-Geral da República indicou como razão de urgência o fato de já haver o primeiro incidente de deslocamento apresentado pelo Procurador-Geral perante o Superior Tribunal de Justiça, relacionado ao chamado "caso Dorothy Stang", sob exame da Justiça do Estado o Pará, Suscitada, que restou autuado como IDC 1/PA (2005/0029378-4), apresentado em 04.03.2005 e distribuído, naquela Alta Corte, ao Exmo. Sr. Ministro Arnaldo Esteves, da Egrégia Terceira Seção, que ao admitir liminarmente o incidente assim despachou como Relator:

"Trata-se de incidente de deslocamento de competência suscitado pelo Procurador-Geral da República CLAUDIO FONTELES, com base no § 5º, do art. 109, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada no dia 31 de dezembro do ano passado, para que a investigação, o processamento e o julgamento dos mandantes, intermediários e executores do assassinato da irmã Dorothy Stang ocorra no âmbito da Polícia e da Justiça Federal no Estado do Pará.

Em suas razões, demonstra o suscitante a presença, na hipótese, dos dois requisitos que autorizam o deslocamento pretendido, que são: (a) grave violação de direitos humanos e (b) necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre direitos humanos, apontando evidências quanto ao quadro de omissões das autoridades estaduais constituídas, diversas vezes alertadas da prática das mais variadas atrocidades e violências envolvendo disputa pela posse de terras no Município de Anapu/PA.

Embora criada pela Resolução nº 6, de 16/2/2005, a classe processual de Incidente de Deslocamento de Competência – IDC, no rol dos feitos submetidos a este Tribunal, por força do disposto na referida EC 45/2004, que acrescentou o § 5º ao art. 109 da Constituição Federal, não existe ainda norma legal ou regimental dispondo sobre o processamento do aludido incidente, que, na minha maneira de ver, guarda muita semelhança com o pedido de desaforamento nos processos de competência do Tribunal do Júri.

Por essa razão, solicitem-se as informações ao Juízo suscitado, que deverão ser prestadas no prazo máximo de 10 (dez) dias, encaminhando cópia do referido pedido e da documentação que o instruiu.

Oportunamente, voltem-me conclusos.

Cumpra-se.

Publique-se.

Brasília (DF), 04 de março de 2005.

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

Relator"

decisão publicada no Diário de Justiça da União, seção I, de 09.03.2005.

O IDC 1/PA foi posteriormente julgado pela Colenda Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que à unanimidade, em sessão ocorrida no dia 08.06.2005, elencou que todos os direitos humanos restam contemplados pela norma constitucional, cabendo ao STJ apreciar se há inequívoca inobservância das condições da Polícia e do Judiciário locais para o deslocamento da competência da Justiça estadual à Justiça Federal, e assim, no citado "caso Dorothy Stang", não tendo sido percebida pela Corte Superior tal defeito na atuação estatal local, indeferiu o incidente suscitado pelo Procurador-Geral da República em relação à Justiça Estadual do Pará, conforme voto do Relator, assim ementado: [02]

"Ementa:

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.

1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, razão por que não há falar em inépcia da peça inaugural.

2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão "direitos humanos", é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições.

3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve se resolvida aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos.

5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente.

6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446, de 8/5/2002." [03]

Superior Tribunal de Justiça – 3ª Seção

Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima

IDC 1/PA

Julgado em 08.06.2005

A liminar da ADI 3486/DF ainda não foi apreciada pelo Relator, nem pelo Supremo Tribunal Federal.

Pouco depois, a ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais também ajuizou a ADI 3493/DF, também distribuída ao Exmo. Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, por prevenção, com fundamentos similares àqueles da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela AMB, não tendo o igual pedido de liminar, em que pretendida a suspensão dos dispositivos contidos nos artigos 109, inciso V-A e parágrafo 5º, da Constituição, conforme redação dada pelo artigo 1º da EC 45/2004, sido ainda apreciada pelo Relator ou pelo Plenário do STF, inclusive ensejando, pela correlação temática, a reunião com aquel’outra para julgamento conjunto.

A partir do julgamento do primeiro incidente pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, contudo, é supor que o Colendo Supremo Tribunal Federal entenda pela constitucionalidade do instituto processual descrito, observadas as premissas inclusive delineadas, sabiamente, pelo eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima, no precedente transcrito, dadas as restrições adotadas pelo STJ para deferir-se o deslocamento de competência em casos envolvendo direitos humanos assegurados em norma internacional, por estabelecidas outras condições implícitas da necessidade de intervenção parcial na atuação local em prol da atuação dos órgãos policiais e judiciais federais, sem prejuízo, como já estabelecido pelo acórdão descrito, a atuação em regime de colaboração pela Polícia Federal à conta da Lei nº 10.446/2002, artigo 1º, inciso III, que não envolve inibição à atuação constitucional das Polícias Militar e Civil de cada unidade da Federação.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Comentários à reforma do Judiciário (IX).: Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1394, 26 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9774. Acesso em: 19 dez. 2024.

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