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Comentários à reforma do Judiciário (VII).

Conselho Nacional de Justiça

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24/04/2007 às 00:00
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COMPETÊNCIAS: [06]

Criado sob a polêmica da necessidade de instituir-se o controle externo sobre o Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça acabou, ao final das discussões parlamentares, menor que a idéia original, com certos vícios corrigidos, embora ainda com capacidade suficiente a desvirtuar princípios caros consagrados pelo constituinte originário, como o autogoverno judiciário, com autonomia administrativa e financeira dos Tribunais, e a implementação de regras internas de disciplina.

O sistema de administração e controle de contas do Poder Judiciário e os meios de correição funcional pareceram insuficientes ao Congresso Nacional, no exercício do Poder Constituinte Derivado.

A crítica que se fazia é que o sistema correicional seria insuficiente a descrever para a Sociedade as mazelas internas, já que a investigação e apreciação das condutas incompatíveis por vezes permeiam o sigilo que transparece, aos olhos de alguns, o exacerbamento do corporativismo, onde o errado é escondido de todos.

Mas como fazer para preservar a imagem daquele magistrado que, ao final, é inocentado, por vezes vítimas apenas do sensacionalismo ou do sentimento indevido de derrota ou mágoa por quem tenha sido alvo de alguma condenação? Como não condenar o juiz, pela mídia, antes que possa defender-se e mostrar sua conduta ilibada?

A razão do sigilo nos procedimentos investigatórios e nos julgamentos dos magistrados encontrava assim uma razão indissociável com a preservação da própria Instituição, o que parece não ter sido bem compreendido, sobretudo a partir da implacável atuação de setores da mídia que verificam com receio tudo que não pode ser alvo de imediata manchete.

Com relação ao autogoverno do Poder Judiciário, os benefícios da ruptura de laços com o Poder Executivo, e que outrora foram tão criticados, pareceram repentinamente esquecidos, como se todas as mazelas dos Juízos e Tribunais submetidos a curvarem-se para obter recursos, numa mendicância implícita pelo melhoramento nas condições de processamento e julgamento das lides, fosse algo inexistente, fruto apenas da imaginação dos que diziam ter vivenciado aqueles momentos mais difíceis dos diversos momentos de paralisia institucional do País.

No entanto, se os meios de controle eram precários, e para isso o remédio seria o aperfeiçoamento e não o desvio para novo órgão, indubitavelmente não pretendeu a Constituição permitir interferências externas na formação da convicção do magistrado, sob pena de a tal modo descaracterizar a independência necessária ao exercício das atribuições jurisdicionais, nem ainda descaracterizar o avanço obtido pela autogestão interna, consagradora maior do princípio da separação de Poderes, tão precioso ao País e que se revela no artigo 2º da Constituição, expressamente intocável pelo contido no artigo 60, § 4º, III, como cláusula pétrea constitucional.

Há que se notar que no âmbito do Poder Judiciário da União foram criados ou reformulados o Conselho da Justiça Federal e o Conselho da Justiça do Trabalho, com a incumbência de uniformização administrativa e financeira, cabendo àquele (CJF), inclusive, função correicional sobre os Tribunais Regionais Federais, enquanto persistiu com o Tribunal Superior do Trabalho o exercício da atividade correicional sobre os Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição, artigos 105, parágrafo único, II; e 111-A, § 2º, II).

Também em boa hora o Congresso Nacional entendeu descabida a possibilidade de decreto de pena de demissão do magistrado e ainda a responsabilização por crime de responsabilidade quando delineada decisão contrária à jurisprudência, o que estratificaria o sistema judiciário e caracterizaria a maior perda na garantia do Estado de Direito: a livre convicção do juiz ao julgar.

Persistiu, no entanto, inclusive com o apoio, dissimulado ou expresso, de alguns magistrados, na idéia de que qualquer controle sobre a gestão administrativo-financeira e sobre a disciplina apenas teria razão se fosse externo pela composição mista e notadamente pela existência de representantes do Poder eleito diretamente.

Igualmente, interferências administrativa e financeira não podem ser concebidas de modo a prejudicar a autonomia dos Tribunais Judiciários, eis que esta igualmente restou erigida constitucionalmente como regra de preservação da independência do Judiciário como Poder do Estado (Constituição, artigo 99).

Qualquer alteração das regras originais, pois, deve observar os princípios delineados na Constituição, vedada qualquer inovação no sentido de retirar a autonomia administrativa e financeira do Judiciário e a independência dos magistrados, mas não o aperfeiçoamento dos modelos constitucionalmente previstos.

Neste sentido o prosseguir desta análise.

Algo que vinha sendo alvo de fundadas críticas era a falta de unidade administrativa e financeira do Judiciário, eis que cada Tribunal, detendo significativa parcela da autogestão do Poder Judiciário, não precisava coadunar sua atuação neste campo com a dos demais Tribunais.

Também, a necessidade de melhores vias de correição disciplinar da atuação dos magistrados, eis que se tem ressentido a Sociedade de modos eficazes de repreensão a juízes improdutivos ou relapsos, certo que as Corregedorias de Justiça em regra apenas têm atuado, e ainda assim em pequena escala, em relação a juízes de primeira instância, enquanto os Ministros dos Tribunais Superiores, Desembargadores e Juízes de Tribunais Regionais ou de Alçada não eram atingidos por via similar, senão em raras exceções que apenas confirmam a regra enumerada.

Por isso, a instituição de Conselho da Justiça, com atribuições de unificação dos procedimentos administrativo-financeiros dos Tribunais e apuração de disciplina poderia ser via eficaz desde que circunscritos a apoiar os Tribunais na formulação de políticas gerais ou para empreender controle colegiado das atuações correicionais, evitando as omissões ou excessos das Corregedorias ao instante em que doutro lado fazia efetivo o controle disciplinar da atuação do magistrado em desacordo com suas nobres funções.

O exame dos textos que foram propostos em relação àquele finalmente promulgado pelo Congresso Nacional denota que o Conselho Nacional de Justiça resultou menor em atribuições, sem aquelas que poderiam indicar a necessária uniformização da atuação do Poder Judiciário Nacional, por seus diversos Juízos e Tribunais, na autogestão a cargo de cada qual, limitando-se em muito a meras recomendações ou ao exame estatístico dos resultados localizados, ou, no âmbito disciplinar, a apreciar específicas condutas em decorrência das penas aplicadas ou funcionar em caráter revisional da atuação disciplinar dos Tribunais.

Não por menos, a elevada composição do CNJ, com quinze Conselheiros denuncia o alto custo de órgão colegiado que pouco poderá empreender na melhoria dos serviços judiciários, senão a partir de uma ampliação competencial por parte do Estatuto da Magistratura, com isso advindo todos os riscos de excessos ou perversão da idéia original do Conselho, conforme delineada pela Constituição, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Mais surpreende ainda a instituição do Conselho Nacional de Justiça como órgão de cúpula administrativa quando se percebe não lhe ter sido outorgada competência para iniciativa legislativa em assuntos de interesse do Poder Judiciário e da Magistratura Nacional. Com efeito, os artigos 61, 93 e 96 da Constituição são inequívocos ao reservar a iniciativa legislativa, nesses casos, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça, falha que deverá ser corrigida futuramente, sob pena de o órgão transformar-se em mero consultor e depender sempre do crivo do STF para o encaminhamento dos anteprojetos que venha a elaborar.

De todo modo, outras competências, no campo da coordenação e supervisão administrativa-financeira e da atuação disciplinar superior, inclusive à conta da corregedoria-geral nacional junto ao Conselho, faz indicar que o órgão, ainda assim, terá muito por fazer.

Nesse sentido, o Conselho definiu os modos de provocação dos interessados: (a) Reclamação Disciplinar, utilizada quando um juiz ou servidor do Judiciário é apontado pela prática de algum ato irregular ou ilícito; (b) Pedido de Providências, quando o interessado sugere alguma medida administrativa ou política gerencial que o Judiciário possa adotar ou pede a edição de um ato normativo; (c) Procedimento de Controle Administrativo, quando a acusação não se refere a uma pessoa em particular, mas a uma situação considerado ilegal em algum tribunal; (d) Representação Por Excesso de Prazo, quando o interessado entende haver atraso injustificado na tramitação de processo do qual seja parte, havendo que ser demonstrado não haver demora razoável; (e) Revisão Disciplinar, quando o Conselho atua como instância superior para a análise de recursos em processos administrativos no âmbito do Judiciário; e (f) Avocação, quando há o pedido para que o Conselho avoque para si a competência para decidir sobre processo disciplinar que tramita em determinado Tribunal ou Corregedoria do Poder Judiciário, em sendo constatado que está parado ou tramita de modo irregular.

a) Competências Administrativo-Financeiras

O artigo 103-B da Constituição, inserido pela EC 45/2004, estabelece as seguintes competências administrativo-financeiras outorgadas ao Conselho Nacional de Justiça: "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa".

Percebe-se, inicialmente, que função essencial entregue ao CNJ foi a regulamentação do Estatuto da Magistratura e a defesa das prerrogativas funcionais dos magistrados e do autogoverno dos Tribunais, assim zelando pela autonomia do Poder Judiciário.

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Não há, como propalado, uma função de coordenação administrativa ou financeira efetiva, inclusive porque, considerando o caráter nacional e não apenas federal do Conselho, estabeleceu-se regra livre de ataque de inconstitucionalidade por afronta ao sistema federativo.

Por isso, não há regra de uniformização orçamentária nem de gerência administrativa dos Tribunais, mas apenas indiretamente, no contraponto diverso, a possibilidade de atuar para garantir a autogestão de cada um dos Tribunais no exercício das atribuições administrativas e financeiras outorgadas, sobretudo, pelos artigos 96 e 99 da Constituição Federal.

Eventual regulamentação de preceito administrativo ou financeiro, pelo CNJ, pressupõe a atuação na função de guardião do Poder Judiciário e para preservação de suas garantias institucionais, e não como substituto de qualquer Juízo ou Tribunal, em atividade de tal ordem, ou ainda para a regulamentação dos preceitos infraconstitucionais que derivarem do Estatuto da Magistratura, exercendo a atividade que, em paralelo, no Governo cabe ao Presidente da República para a expedição de decreto regulamentador de lei federal, excetuada que fora, no caso específico, pudesse o Chefe da Nação regulamentar preceito contido no Estatuto da Magistratura.

Doutro lado, embora não funcione como efetivo coordenador administrativo, tal função poderá ser exercida, obliquamente, pelo Conselho Nacional de Justiça ao atuar como revisor de atos administrativos emanados dos Tribunais, quando indicada inobservância ao artigo 37 da Constituição Federal, atuando como instância não-jurisdicional para a adequação da administração judiciária, também sujeita a vícios por afronta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além dos preceitos enumerados no dispositivo constitucional transcrito, inclusive a regularidade das nomeações dos servidores e magistrados e dos valores remuneratórios da ativa ou da inatividade, do exercício funcional, das licitações e dos contratos administrativos firmados pelo Poder Judiciário, e o controle da probidade administrativa dos servidores e dirigentes dos Juízos e Tribunais.

Com efeito, é lógico que ao estabelecer a adequação de certo ato viciado ou ao privilegiar como correto o ato administrativo emanado do Tribunal, estará o Conselho Nacional de Justiça estabelecendo uma orientação administrativa inibidora de atos incorretos ou enunciando o meio de conduta pertinente à Administração Judiciária.

A "jurisprudência administrativa" do CNJ, pois, será capaz, mesmo à falta de competência originária para atuar como coordenador administrativo-financeiro do Poder Judiciário, de estabelecer premissas de observância pelos Juízos e Tribunais do País, integrantes do Poder Judiciário da União ou dos Poderes Judiciários dos Estados, sob a reserva de conduta própria delimitada pelo artigo 37 da Constituição Federal, assim estabelecida pelo Conselho a cada revisão empreendida em ato administrativo enunciado por Juízo ou Tribunal, inclusive porque a atribuição revisora do CNJ pode estabelecer-se mediante provocação ou, ainda, de ofício pelo próprio Conselho.

Outra função administrativa entregue ao Conselho é a de observar e organizar as estatísticas do Poder Judiciário, estabelecendo as necessidades dos diversos Juízos e Tribunais, nos diversos ramos e no âmbito federal ou estadual, assim apresentando relatório ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, para integração à mensagem anual a ser agora encaminhada regularmente ao Congresso Nacional, quando do início da respectiva sessão legislativa, a partir, certamente, dos relatórios semestrais sobre produtividade judiciária e por conta das demais deliberações do próprio CNJ.

Cabe notar que o Conselho Nacional de Justiça não foi dotado de uma competência que seria interessante, concernente à possibilidade de encaminhar projetos de lei pertinentes à administração judiciária e às normas de processo e procedimentos, embora, implicitamente, tal atribuição possa estar embutida no elenco das propostas de "providências que julgar necessárias" sobre a situação do Poder Judiciário. No entanto, apesar de razoável, quando muito haveria na mensagem do Presidente do STF, integrando o relatório do CNJ, um mero anteprojeto legislativo indicativo da solução entendida como razoável, e não a efetiva iniciativa legislativa que, em boa hora, poderia ter sido entregue, em caráter concorrente, ao Conselho, fora o que tal atividade de gestor estatístico fica seriamente comprometida e diminuída, à falta de maior efetividade dos resultados geridos.

b) Competências Disciplinares

No concernente a atribuições de caráter disciplinar, a EC 45/2004 empreendeu alteração no artigo 93, inciso VIII, da Constituição, em adequação ao que restou inserido por conta do artigo 103-B, § 4º, incisos III, IV e V, que estabelecem a competência do Conselho Nacional de Justiça para "receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano".

Tais atribuições colegiadas do Conselho vêm agregadas àquelas estabelecidas ao Corregedor-Geral, que assim funcionará como executante das deliberações e com as funções de inspeção e correição dos Juízos e Tribunais de todo o País (artigo 103-B, § 5º, II).

Cabe notar que no âmbito disciplinar a atividade do CNJ não é meramente revisional, podendo avocar os processos disciplinares em curso nas Corregedorias e Tribunais para determinar a remoção, disponibilidade ou aposentadoria disciplinar, além doutras sanções administrativas que venham previstas no Estatuto da Magistratura, como advertências e censuras, assegurada ampla defesa.

Por conta disso, houve a alteração do artigo 93, VIII, da Constituição, para estabelecer a competência concorrente dos Tribunais e do Conselho Nacional de Justiça, em tais questões disciplinares, além de estabelecer quorum deliberativo da maioria absoluta do respectivo colegiado, assim diminuindo a exigência anterior que o estabelecia em dois terços dos respectivos membros e permitia decisões mais afinadas com a reflexão e gravidade da punição disciplinar de magistrado.

Cabe perceber, ainda, que a atividade disciplinar desenvolvida pelo Conselho não é restrita à disciplina dos magistrados, mas atinge também aquela envolvendo os servidores do Poder Judiciário, os serviços auxiliares e as serventias extrajudiciais como tabeliães e notários, os quais, vinculados às Corregedorias locais, por conseqüência passam a ser submetidos, também, ao crivo disciplinar do CNJ.

A atividade, como antes dita, é em caráter concorrente com a desempenhada pelos respectivos Corregedores e Tribunais, embora o ponto crucial seja a possibilidade de avocação dos processos disciplinares em curso, numa inequívoca retirada da autoridade dos Corregedores e Tribunais, assim submetidos a uma censura de sua atividade, ainda quando implícita.

Igualmente, ao lado do poder disciplinar originário ou por avocação, o Conselho Nacional de Justiça tem atribuição revisional dos processos disciplinares envolvendo juízes e membros de Tribunais, desde que decididos há menos de um ano.

Nesse ponto, o primeiro diferencial: embora possível a avocação de processos disciplinares envolvendo servidores, auxiliares, tabeliães e notários, a revisão não foi estabelecida como possível, em nível constitucional, quanto a estes, numa omissão inexplicável, embora o parágrafo 4º admita sejam outras atribuições outorgadas, pelo Estatuto da Magistratura, ao CNJ.

Também estabeleceu o preceito sob comento o prazo para o trânsito em julgado da decisão disciplinar proferida pelos Tribunais: um ano.

A possibilidade de revisão disciplinar, por provocação ou de ofício, tal como no âmbito administrativo, submete os Corregedores e Tribunais, quanto às decisões que proferiram, a uma estatura menor, eis que sempre sujeitas à reanálise pelo CNJ, ressalvada apenas a extrapolação do prazo constitucionalmente estabelecido para sua ocorrência.

Questão que causara celeuma durante toda a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional para Reforma do Poder Judiciário envolvia a possibilidade de decretação da perda do cargo de magistrado por decisão do Conselho Nacional de Justiça, assim retirada quando percebido pelo Senado Federal a violação à garantia constitucional da vitaliciedade, cuja perda exigia sentença judicial transitada em julgado, ato impróprio de ser proferido pelo Conselho enquanto desprovido de atuação jurisdicional.

Merece registro a atuação das associações representativas dos magistrados que demonstravam, desde o início, a quebra do preceito inscrito no artigo 95 da Constituição Federal, a tornar inócua a garantia da vitaliciedade se sua quebra pudesse resultar de mero ato administrativo-disciplinar empreendido pelo CNJ. Mas, com isso, elucidada fica a tentativa extrema das referidas entidades, já que também havia uma violação a garantias seculares pela atuação disciplinar de órgão distinto dos Tribunais: não por menos, na penúltima hora o Senado restabeleceu o dispositivo que vinha do texto remetido pela Câmara incluindo o Conselho Nacional de Justiça como órgão do Poder Judiciário, como a estabelecer, indiretamente, o justificador para a atuação disciplinar antes questionada.

É certo que proposta de decreto exoneratório pelo CNJ vinha contida no texto remetido ao Senado pela Câmara dos Deputados e causou celeuma inclusive às vésperas da promulgação da EC 45/2004 pelas notícias de possível obstrução à promulgação da Emenda como ao final aprovada pelo Senado Federal, que retirara a atuação jurisdicional e a possibilidade de decretação de perda do cargo de juiz por ato do Conselho Nacional de Justiça, o que apenas foi ultrapassado após o convencido o Presidente da Câmara dos Deputados pelo Presidente do Senado Federal quanto à regularidade da conduta senatorial retirando parcela do texto proposto e não resultando em modificação de conteúdo, assim sendo entendido resultar na desnecessidade de constar da PEC remetida pelo Senado à Câmara para possibilitar a imediata promulgação como decidido em sessão final ocorrida em novembro de 2004, o que acabou consagrado para permitir a reunião das Mesas da Câmara e do Senado, em sessão solene necessária à promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em 08 de dezembro de 2004.

Por fim, pode o Conselho Nacional de Justiça atuar em representação ao Ministério Público quando verificado o caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade, para envolver a atividade persecutória no caso de crime cometido por magistrado ou servidor do Poder Judiciário, inclusive nos serviços notariais e de registro, que poderia acarretar a sentença declaratória da perda do cargo, conforme a pena aplicada pelo crime noticiado.

É certo que a norma, embora fruto da atribuição disciplinar entregue ao CNJ, não se encerra apenas na representação por suposto crime cometido por agentes e servidores do Poder Judiciário, ou equiparados, mas alcança, também, e agora num desdobramento da atividade de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelas garantias estabelecidas no Estatuto da Magistratura, a atuação contra terceiros que tenham agido contra o autogoverno dos Tribunais, ou contra as autoridades de outros Poderes que assim tenham perturbado a autonomia deferida ao Poder Judiciário, agindo com abuso de poder.

c) Ofício Ministerial e Advocatício junto ao CNJ

O parágrafo 6º do artigo 103-B da Constituição descreve que "junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil".

Embora salutar a regra descrita, a mesma é também uma das justificativas empreendidas para estabelecer a indevida participação de advogados e membros do Ministério Público como Conselheiros, inclusive pela possibilidade de perda de isenção com a presença, como oficiantes, do Presidente Nacional da OAB e do Procurador-Geral da República, aquele como representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, responsável pela indicação de advogados ao CNJ, e este como eleitor dos representantes do Ministério Público da União e dos Ministérios Públicos estaduais no Conselho Nacional de Justiça.

Afinal, qual isenção terá o Conselheiro, oriundo de uma das referidas categorias, em término de mandato, quando eventual questão houver sido submetida pelo Procurador-Geral ou pelo Presidente da OAB? Como não imaginar, antes da deliberação, o voto já adotado em favor da posição institucional de seu representante máximo?

Doutro lado, desde sempre as associações representativas dos magistrados defenderam que a participação do Procurador-Geral da República e do Presidente Nacional da OAB eram o contraponto necessário e razoável à composição por estranhos à Magistratura, já que, assim, o controle externo estaria sendo desempenhado pelo acompanhamento constante de pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada, representantes de duas instituições tão prestigiadas e respeitadas pelo País: o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.

No entanto, a posição associativa restou desconsiderada pelo Congresso Nacional, ao instante em que aceita a atuação de tais autoridades perante o Conselho Nacional de Justiça quando também presentes Conselheiros que advieram da escolha do próprio oficiante ou do órgão colegiado que representa.

Penso que o dispositivo constitucional não merecerá censura, embora pudesse ter revelado, doutro lado, mais um item para a consideração da violação empreendida pelos incisos X, XI e XII do artigo 103-B ao texto básico da Constituição Federal.

Tal aspecto, contudo, apenas denota que o Procurador-Geral da República e o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil deverão portar-se, ao oficiar perante o Conselho Nacional de Justiça, com desprendimento em relação à atuação dos representantes do Ministério Público e da OAB, dos quais se desvinculam, sob pena de macularem a atuação responsável de apoio defendida pelo Exmo. Sr. Ministro Cezar Peluso, na ADI 3367/DF, quando asseverou que "Não fora impróprio, eu até diria que já não devem agora sentir-se lá confortáveis os advogados e os membros do Ministério Público, porque, com o assento dos seus representantes no Conselho, se despem da cômoda posição de observadores críticos, para se converterem em co-responsáveis formais pelos rumos do Judiciário".

Assim se espera.

d) Controle Jurisdicional das Decisões do CNJ

Os artigos 92, I, e § 2º, e 102, I, "r", da Constituição, revelam que, a par da autoridade administrativa e disciplinar conferida ao Conselho Nacional de Justiça, o mesmo não restou colocado como órgão de cúpula do Poder Judiciário, tendo sido resguardada tal atribuição ao Supremo Tribunal Federal, sobretudo para atuar como guardião maior da constitucionalidade e legalidade das decisões do Conselho, eis que submetidas ao crivo final da Corte Suprema.

O controle jurisdicional das decisões do Conselho Nacional de Justiça, a partir da competência originária do STF para processar e julgar "as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público" permite revelar o recurso final contra as deliberações adotadas, inclusive para o reexame de fatos e provas e para a análise jurídica ampla das questões debatidas pelo CNJ, eis que não há crivos de admissibilidade inscritos na Constituição para limitar a atuação jurisdicional confiada, ainda que em única instância, ao Supremo Tribunal Federal, senão aqueles que o próprio Judiciário tem estabelecido como premissas, quando o ato sob exame tenha caráter administrativo, assim sendo entendido o obstáculo ao reexame dos motivos de conveniência e oportunidade para a edição do ato administrativo, enquanto não se revelam iguais limites ao reexame dos atos disciplinares, que em regra não podem revelar tais motivos para a aplicação ou não da pena ao suposto infrator.

É certo que a lógica do sistema empreendido pela EC 45/2004 desautorizava a concretização do controle descrito por Juízo ou Tribunal inferior ao Supremo Tribunal Federal, ao instante em que, doutro lado, muitos sequer admitiam a própria atuação jurisdicional do STF, como se admitindo que o CNJ fosse elemento único na República.

Tem prevalecido, no entanto, a máxima de que o controle jurisdicional dos atos administrativos, inclusive os de cunho disciplinar, é a garantia de observância dos preceitos do Estado de Direito consagrados na Constituição e nas Leis, do qual o Supremo Tribunal Federal enverga a condição de guardião máximo, assim consagrando sua jurisprudência. [07]

Mas o preceito descrito não veio ao sistema jurídico como garantia última dos magistrados, eis que para a ação contra a decisão do CNJ não resulta legitimado apenas o eventualmente apenado em caráter disciplinar, nem tal atuação é restrita a tal campo, podendo as discussões envolverem a ação por terceiro interessado exatamente quanto à absolvição de pena disciplinar, ou ainda para rediscutir decisões de cunho administrativo empreendidas pelo Conselho.

Logicamente, guardado o mínimo do interesse de agir a justificar a ação, sob pena de decreto de carência, nos termos da legislação processual, enquanto não advir regulamentação específica que possa restringir seus autores e objeto, a ação prevista constitucionalmente permitirá ao Supremo Tribunal Federal atuar como final enunciador das regras de conduta administrativo e financeira dos Tribunais ou da disciplina dos magistrados, servidores e equiparados, ao instante em que mantenha ou reforme decisão enunciada anteriormente pelo Conselho Nacional de Justiça, no exercício da competência jurisdicional que lhe foi entregue pelo referido artigo 102, inciso I, alínea "r", da Constituição Federal, conforme inserida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

De todo modo, é necessário ainda perceber uma outra filigrana jurídica compreendida no dispositivo sob comento.

O artigo 102, I, "r", da Constituição, menciona amplamente "as ações contra o Conselho Nacional de Justiça", enquanto não foram alterados os dispositivos que tratam da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus, habeas data e mandado de segurança, quando o ato questionado for emanado do CNJ.

A leitura do dispositivo parece considerar a mesma amplitude empreendida pelo legislador constituinte quanto à regra da alínea "n" do inciso I do artigo 102 da Constituição de 1988, asseverando o caráter genérico das ações admissíveis, para assim permitir que também as ações constitucionais de garantia, como o habeas corpus, o habeas data e o mandado de segurança estejam dentre aquelas manejáveis a partir do contido no artigo 102, I, "r", inscrito pela EC 45/2004, além das ações ordinárias que envolvam a discussão contrária a decisão ou ato do Conselho Nacional de Justiça, eis que o pressuposto do dispositivo, embora precária a redação, é exatamente o desacordo, a contrariedade com decisão ou ato do CNJ, ainda que colocada a regra como contrariedade com o próprio órgão, o que seria de todo incompreensível sob outra lógica interpretativa.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Comentários à reforma do Judiciário (VII).: Conselho Nacional de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1392, 24 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9777. Acesso em: 19 dez. 2024.

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