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Contrato de empreitada

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Contrato de Empreitada e o Código de Defesa do Consumidor

O contrato de empreitada submete-se à legislação consumerista, uma vez configurada a relação de consumo.

Desta forma, se o empreiteiro, seja pesssoa física ou jurídica, pública ou privada, desenvolve sua atividade, oferecendo-a ao mercado consumidor, aplicar-se-á o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Claudia Lima Marques, lapidando a definição de consumidor, o define como o não profissional, aquele que retira serviço em posição estruturalmente mais fraca, é o agente vulnerável do mercado de consumo, é o destinatário final fático e econômico dos produtos e serviços oferecidos pelos fornecedores na sociedade atual, chamada sociedade de consumo.[10]

Assim, quem encomenda, como destinatário final, um determinado projeto ou obra à determinada empresa que desenvolve comercialmente tais atividades, cartaterizada estará a relação de consumo, tendo de um lado o consumidor e de outro o fornecedor, aplicando-se, então a lei especial, ao invés da norma geral (Código Civil). Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE EMPREITADA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTALAÇÃO DE CÂMARAS CÍVEIS ESPECIALIZADAS EM DIREITO DO CONSUMIDOR. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA.

1. Cuida-se de ação indenizatória ajuizada por microempresário individual em face de pessoa física, em virtude de suposto inadimplemento de contrato de empreitada.

2. A relação jurídica existente entre as partes qualifica-se como relação de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes desta Corte de Justiça.

3. Note-se que na própria petição inicial o autor afirma que está representando sua empresa, provavelmente nome fictício, sendo um microempreendedor individual, possuindo CNPJ, logo, pessoa jurídica, ao passo que a ré é pessoa física e foi quem contratou os serviços de empreitada a serem prestados pelo demandante, caracterizando, assim, sua hipossuficiência técnica, e, por consequência, a figura de consumidor.

4. Declínio da competência para uma das Câmaras Cíveis especializadas em direito do consumidor, encaminhando-se os autos à 1ª Vice-Presidência para redistribuição.

(0044786-49.2013.8.19.0203 - APELAÇÃO. Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO - Julgamento: 14/08/2017 - OITAVA CÂMARA CÍVEL) GRIFEI E DESTAQUEI

A responsabilidade civil do empreiteiro decorrerá do correto enquadramento de determinada situação jurídica, que poderá ser regulada pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor, caso haja relaçã de consumo, uma vez que prevalece a aplicação da normas especial sobre a geral.

Caracteriza a relação consumerista a responsabilidade do empreiteiro será objetiva, bastando a comprovação do dano e seu nexo causal. Leciona Giselda Novaes Hironaka[11]:

mediante a aplicação do CDC, infere-se que a responsabilidade dos construtores e afins é objetiva, não mais funda no risco do empreendimento, mas sim no defeito do produto (material) ou serviço (a construção propriamente considerada).

Por outro vértice, inexistindo relação de consumo aplicar-se-ão as regras do Código Civil para apuração da responsabilidade civil.

Destarte, se a obra executada pelo empreiteiro causar danos, haverá responsabilidade, sejam danos a quem a encomendou, sejam a terceiros.

Releva consignar que o Enunciado nº 190, da III Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, foi assim redigido: A regra do art. 931 não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no CDC 12, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado.

Desta forma, os defeitos e vícios, bem como os prazos para a apresentação de reclamações, não são os da lei geral, mas o da lei especial, embora, subsidiariamente, seja possível a aplicação do Código Civil no que não puder ser dirimido pela lei consumerita.

Serviço ou produto defeituoso é aquele que não oferece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido[12]

O empreiteiro se eximirá de responsabilidade se provar a inexistência de vício na obra ou que o defeito foi ocasionado exclusivamente pelo consumidor, que, por exemplo, deixou de dar a correta manutenção ao imóvel. Neste sentido:

CEF E CONSTRUTORA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO OU NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO ESTRUTURAL. OBSTRUÇÃO ENCANAMENTO. VAZAMENTO. USO INDEVIDO DOS BENS E EQUIPAMENTOS. NOVO DESENTUPIMENTO. ATO LIBERALIDADE. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA CEF E DA CONSTRUTORA. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Ação ajuizada contra a CEF e a construtora Emccamp Residencial S/A objetivando a condenação das requeridas em obrigação de fazer os concertos no imóvel ou a substituição por outro em c ondições de uso, bem como, ao pagamento de indenização a título de danos morais. 2. Perda superveniente do objeto quanto ao pedido de condenação em obrigação de fazer os reparos no imóvel. A Emccamp Residencial S/A cumpriu o acertado em audiência de conciliação, no sentido de concluir os reparos complementares dos serviços executados em 2012, e por ato de liberalidade desentupiu novamente o encanamento. A autora informou ao juízo a ciência dos serviços de reparo realizados no imóvel, reiterando apenas o pedido de indenização por danos m orais. 3. Das provas carreadas aos autos, verifica-se que a reclamação de vazamento no imóvel foi documentada em 2012, tendo sido reparado no mesmo ano, embora a filha da autora tenha se n egado a assinar a ficha de atendimento elaborada pela Emccamp. 4. Restou incontroverso que o problema do entupimento foi resolvido naquela ocasião com a intervenção da equipe técnica da construtora. Evidenciando-se pelas provas que os problemas apresentados na unidade habitacional não são oriundos de construção nem necessitaram de qualquer intervenção estrutural. 5. As provas colacionadas, e não impugnadas, comprovam que o problema do entupimento se repetiu pela indevida utilização e o mau uso dos bens e equipamentos pelos usuários do imóvel. Esse foi o fato gerador dos danos e a causa da obstrução do encanamento, dos vazamentos e do retorno do esgoto, em função da existência de diversos detritos lançados indevidamente na tubulação da residência. Novo desentupimento ato de liberalidade. 6. Exclusão da responsabilidade da construtora e, por extensão da CEF. Dever de indenizar afastado. 7. Recurso de apelação não provido. (TRF2 6ª Turma Especializada Apelação nº 0030066-37.2013.4.02.5101 Relatora Des. Salete Maccalóz Data da publicação: 29/11/2016)

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No contrato de empreitada onde há relação consumerista, o consumidor deverá reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação, bem como os vícios ocultos, conforme preconiza o art. 26 do CDC, ou seja, no prazo de 90 (dias) contados da entrega da obra, no primeiro caso ou da descoberta do defeito no segundo. Trata-se de prazo decadencial.

Por óbvio, o diploma protetivo das relações de consumo não afasta a garantia legal da obra, instituída no artigo 618 do Código Civil, analisado anteriormente, que trata especificamente dos defeitos estruturais e de segurança da obra.

O artigo 27 do CDC estipula o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço.

A primeira vista infere-se que a proteção conferida ao comitente no regime da lei geral (Código Civil) é maior do que aquele estipulado no Códigio de Defesa do Consumidor.

A questão que se apresenta é se as regras mais favoráveis do Código Civil podem ser aplicadas nas relações de consumo.

Carlos Alberto Ferriane, na monografia intitulada Responsabilidade Civil na Empreitada, apresentada na tese de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, aborda com proficiência o assunto:

Com a admissibilidade desse entendimento, a proteção conferida ao dono da obra seria maior no regime do Código Civil do que no do Código de Defesa do Consumidor. Isso pode conduzir ao entendimento de que dado o que se vem difundindo sobre o chamado diálogo das fontes, o Código Civil poderia sim ser invocado, uma vez que, no caso, se trata de lei mais favorável ao consumidor. Ou seja, alargar-se-ia o prazo do artigo 27 para maior proteção do consumidor.

Oportuno trazer à colação, a este propósito, o que Cláudia Lima Marques observou com propriedade em capítulo de livro que teve dela a coordenação, intitulado Diálogo das Fontes Do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro.

Refere a autora na abertura do capítulo que Erik Jayme -- por ela considerado o grande mestre de Heidelberg, que se inspirou na busca de coerência no sistema de direito --, ao analisar o reflexo da cultura da comunicação no direito, afirma que o fenômeno mais importante, nesta sua nova teoria dos reflexos da pós-modernidade no direito internacional privado, é que a solução dos conflitos de leis emerge agora de um diálogo entre as fontes as mais heterogêneas. Os direitos humanos, os direitos fundamentais e constitucionais, os tratados, as leis e códigos, estas fontes todas não mais se excluem, ou não mais se revogam mutuamente; ao contrário, elas falam uma às outras e os juízes são levados a coordenar estas fontes escutando o que as fontes dizem .

Esta teoria, sem dúvida, afirma a superação da noção de conflito entre leis, substituindo-a pela coordenação, para tornar possível a aplicação de diferentes leis sobre um mesmo caso, de forma orientada, justamente, pela proteção dos direitos fundamentais e da pessoa humana. Por isso, não parece heresia admitir que o prazo do artigo 27 da lei consumerista seja substituído pelo do artigo 205 do Código Civil, embora a situação jurídica não esteja submetida ao regime da lei especial.


Extinção do Contrato de Empreitada

O contrato de empreitada se extingue por várias formas, dentre as quais a execução, a resolução e a desistência do dono da obra.

A execução é o modo natural de extinção da empreitada. Uma vez aceita a obra e pago o preço, estarão cumpridas as obrigações que deram origem ao contrato, extinguindo-o.

Por outro lado, resolve-se o contrato, se um dos contratantes deixa de cumprir qualquer das obrigações pactuadas.

Havendo promessa de pagamentos antecipados pelo dono da obra, operar-se-á a resolução do contrato em caso de inadimplemento. Da mesma forma, se o empreiteiro não entregar a obra no prazo estipulado, o dono da obra não está obrigado a recebê-la posteriormente, também ensejando a resilição.

Outra hipótese é a do empreiteiro se afastar das instruções técnicas recebidas e dos projetos apresentados. Porém, neste caso, a resolução não é consequência necessária, pois a parte que encomendou a obra pode preferir recebê-la com abatimento de preço.

Perecendo a coisa por força maior ou caso fortuito, extingue-se o contrato por impossibilidade de execução.

Se o empreiteiro vier a falecer no curso da obra o contrato não se extingue, exceto se a contratação de deu na modalidade intuitu personae, ou seja, somente o contratado teria capacidade de executar aquela empreitada, como por exemplo um artista escolhido para executar determinada obra de arte.

Com o falecimento do comitente, seus herdeiros assumirão seu lugar, respondendo pelo contrato até as forças da herança (CC, art. 1.792).


Síntese

  1. O contrato de empreitada é largamente utilizado e exerce grande influência na economia nacional, principalmente na construção civil.
  2. A empreitada, também chamada de locação de serviços é o contrato pelo qual o locador (empreiteiro ou executor) se obriga a fazer pessoalmente ou através de terceiro, determinada obra a outrem (contratante; dono da obra ou comitente), mediante retribuição certa ou proporcional, sem que haja entre eles relação de subordinação.
  3. O contrato de empreitada pode se prestar também à execução de obras incorpóreas (imateriais), como por exemplo uma criação artística (composição de uma música).
  4. O Código Civil trata do contrato de empreitada entre os artigos 610 a 626. Podemos dizer, portanto, que se trata de um contrato típico.
  5. Os contratos de empreitada geram uma obrigação de resultado para o empreiteiro, que se traduz na entrega da obra.
  6. A empreitada pode se circunscrever ao fornecimento da mão-de-obra, sendo, neste caso, denominada empreitada de lavor ou pode prever também o fornecimento, pelo empreiteiro, dos materiais, sendo denominada empreitada mista.
  7. A escolha por um ou outro modelo tem reflexos na responsabilidade civil dos contratantes. Sendo apenas de lavor o empreiteiro será responsabilizado caso tenha agido culposamente. Porém, se também forneceu os materiais se a extensão de sua responsabilidade perdura até a entrega da obra.
  8. É possível contratar a empreitada a preço global, por administração ou por etapas.
  9. O prazo legal de garantia da obra é de 5 (cinco) anos, sendo que o prazo decadencial para pleitear ressarcimentos por vícios da obra é de 180 (cento e oitenta) dias, contados da constatação do defeito.
  10. Já o prazo prescricional para interposição das medidas judiciais ressarcitórias é de 10 (dez) anos, contados da data de constatação do vício ou escoamento da garantia legal.
  11. Havendo relação de consumo, a responsabilidade civil do empreiteiro é objetiva, o qual se eximirá de indenizar caso comprove a culpa exclusiva do consumidor no uso indevido do bem.
  12. Pelo diálogo das fontes, nada obsta que se aplique as disposições do Código nas relações de consumo, quando omissas ou menos favorável ao consumidor.
  13. O contrato de empreitada extingue-se pela sua execução ou pelo inadimplemento contratual de uma das partes ou ainda por caso fortuito ou força maior.
  14. O falecimento de uma das partes em regra não extingue o contrato, exceto que a empreitada foi contratada intuitu personae.

Bibliografia:

DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 17ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2014.

PEREIRA Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III

DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 2ª Edição. São Paulo: Saraiva. 1996. Vol. II

MONTEIRO. W. B. de. Curso de Direito Civil Direito e obrigações. 20ª ed. São Paulo:Saraiva 1985

GOMES, Orlando, Contratos, 26º Ed, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007

GONÇALVES. C. R. Direito Civil Brasileiro 3. Contratos e Atos Unilaterais, 7ª Edição. São Paulo, Saraiva. 2010.

MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011

HIRONAKA, Giselda M. F. Novaes; ARAÚJO, Vaneska Donato, Responsabilidade civil, vol. 5. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais

FERRIANE, Carlos Alberto, monografia Responsabilidade Civil na Empreitada, Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


Notas

  1. DINIZ., Maria Helena, Código Civil Anotado. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 523.
  2. PEREIRA Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III p. 315
  3. DINIZ., Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 2ª Edição. São Paulo: Saraiva. 1996. Vol. II, p. 162.
  4. GOMES, Orlando. Contratos, 26º Ed, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007, p. 37
  5. GONÇALVES. C. R. Direito Civil Brasileiro 3. Contratos e Atos Unilaterais. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 54.
  6. GONÇALVES. C. R. Direito Civil Brasileiro 3. Contratos e Atos Unilaterais. 7ª Edição. São Paulo - Saraiva. 2010. p. 370 e 371.
  7. Art. 610 do Código Civil
  8. Diniz, Maria Helena Código Civil Anotado, (p.525), Ed. Saraiva, 17ª edição
  9. Diniz, Maria Helena Código Civil Anotado, (p.528), Ed. Saraiva, 17ª edição
  10. Claudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 302
  11. Giselda M. F. Novaes Hironaka (orientação) e Vaneska Donato de Araújo (coordenação), Responsabilidade civil, vol. 5. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 284.
  12. § 1º do Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor
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Sobre o autor
Rodrigo Otávio Coelho de Souza

Advogado - Especialista em Direito Imobiliário e Contratual Pós Graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC Pós Graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Rodrigo Otávio Coelho. Contrato de empreitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6894, 17 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97825. Acesso em: 18 abr. 2024.

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