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Ministro da Educação baixa norma técnica para regulamentar furto legal

01/02/2001 às 00:00
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O que se segue é ficção. Porém, nem toda semelhança é mera coincidência

A argumentação do Ministro da Saúde José Serra de que tudo que não se pune é lícito está encontrando seguidores. O Ministério da Educação acaba de editar uma "Norma Técnica" instruindo os professores de 1º grau a ensinarem aos alunos a disciplina "furto legal".

Argumenta o Ministro da Educação que, seguindo o exemplo de seu colega José Serra, verificou não há qualquer pena prevista para os filhos que furtem de seus pais. Logo, concluiu, se tal furto não é punível, então é legal. Mais ainda: tal direito dos filhos até agora ainda não tinha sido posto em prática. A "Norma Técnica do Furto Legal" veio preencher a lacuna. Orgulhoso, o Ministro da Educação exibe o dispositivo do Código Penal em que se baseia o direito dos filhos de surrupiar coisas de seus progenitores:

"Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título (crimes contra o patrimônio), em prejuízo:

I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural"

De acordo com a "Norma do Furto" as professoras primárias serão instruídas a ensinar aos alunos de que modo eles podem mais eficientemente usurpar as coisas do papai e da mamãe, desde pequenos objetos até quantias em dinheiro. O Ministro da Educação argumenta que tal direito de furto aos pais já existe desde 1940, quando o Código Penal foi editado, mas até agora ainda não havia sido regulamentado. O resultado era uma tremenda injustiça: os filhos mais astutos conseguiam furtar com segurança, enquanto os outros, por falta de perícia, acabavam sendo submetidos a grandes surras. A administração da disciplina "furto legal" prevista pela "Norma" pretende minimizar estas desigualdades.


PROTESTOS

Diversas associações de pais de alunos encaminharam abaixo-assinados de protestos contra a "Norma do Furto Legal". O Ministro da Educação respondeu que não pretende fazer apologia do furto doméstico. "Pessoalmente – confessou ele – sou contra o furto, ainda que praticado contra os pais. Mas como Ministro, eu não posso deixar de oferecer aos alunos o furto a que eles têm direito, assegurado por lei".


NÃO PUNÍVEL

Uma comissão de juristas em audiência com o Ministro da Educação tentou explicar-lhe a diferença entre "é isento de pena" e "é um direito". Argumentaram os especialistas que há casos em que uma conduta, sem deixar de ser crime, fica isenta de pena, por razões de política criminal. Tais causas, chamadas escusas absolutórias, não tornam o ato lícito, mas apenas autorizam sua não-punição. Assim, explicaram eles, o Estado não pode regulamentar o furto aos pais, simplesmente porque tal furto não constitui um direito dos filhos.


IRRESPONDÍVEL

Todo o discurso jurídico da Comissão deu em nada. O Ministro da Educação retrucou com um argumento irrespondível: "Se o furto aos pais, mesmo sendo impunível, continua sendo crime – e por isso eu não poderia regulamentá-lo – como é que o meu colega, o Ministro José Serra, baixou uma Norma Técnica regulamentando o aborto em caso de estupro? O artigo 128 do Código Penal diz apenas tal aborto "não se pune". Se para o Ministro Serra, o que não se pune é um direito, por que para mim seria diferente?"

O que foi narrado até agora é ficção.

Porém, nem toda semelhança é mera coincidência.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Lodi da Cruz

Sacerdote. Presidente do Pró-Vida de Anápolis. Advogado. Estudante de Licenciatura em Bioética no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum - Roma

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Luiz Carlos Lodi. Ministro da Educação baixa norma técnica para regulamentar furto legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/986. Acesso em: 29 mar. 2024.

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