No dia 17 de abril de 2007, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), por maioria de votos, decidiu pela improcedência de diversas Representações Eleitorais oferecidas pela Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP) contra pessoas jurídicas acusadas de realizarem doações eleitorais sem respeitarem o limite legal de dois por cento sobre o seu faturamento bruto do ano anterior ao da eleição estabelecido no artigo 81, parágrafo primeiro da Lei nº 9.504, de 1997.
Para apurar a existência de doações acima do limite legal, a PRE-SP havia encaminhado ofícios a Secretaria da Receita Federal (SRF) em São Paulo pleiteando informações do faturamento bruto declarado pelos doadores em suas declarações de imposto de renda, tendo obtido das autoridades fiscais documentos protegidos por sigilo fiscal descrevendo tais montantes. De posse destes dados apurou a existência de doações acima do limite legal e ofereceu Representações em face dos doadores que supostamente desrespeitaram o limite legal para a realização de doações previsto no referido dispositivo da legislação eleitoral.
Em razão disto, por terem sido as provas obtidas junto à SRF sem autorização judicial, o TRE-SP considerou a ilicitude das provas, tendo sido a votação favorável baseada no posicionamento adotado pelo MM. Desembargador Marco César Müller Valente, atual Vice-Presidente do Tribunal e Corregedor Regional Eleitoral, para o qual: "a quebra do sigilo fiscal foi requerida pelo próprio órgão ministerial à Secretaria da Receita Federal, o que demonstra a desobediência ao mandamento constitucional, o qual não cede a prerrogativa conferida ao Ministério Público da União. ..".
Espera-se que o posicionamento adotado pelo TRE-SP seja mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), caso a PRE-SP recorra da decisão, mormente por existir uma jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal (STF) respaldando o entendimento favorável aos doadores ao negar ao Ministério Público o poder de quebrar o sigilo de dados independentemente de autorização judicial como demonstram as decisões proferidas no Recurso Extraordinário nº 215.301-0/CE e Agravo de Instrumento no Agravo Regimental nº 541.265/SC.
Não existe a possibilidade do procedimento realizado pela PRE-SP ser considerado válido e lícito porque, maxima venia concessa, os dados fiscais dos doadores existentes na SRF estão protegidos por sigilo fiscal, nos termos do artigo 5º, incisos X e XII da Constituição Federal de 1988, somente sendo admitida a sua quebra mediante prévia, expressa e fundamentada requisição ou autorização judicial.
O sigilo fiscal não é um direito absoluto do contribuinte, podendo ser quebrado quando existir a necessidade de se apurar a existência de crimes e eventuais irregularidades praticadas em detrimento do interesse público, todavia, para ser afastado existe um procedimento constitucionalmente garantido de ser necessária à prévia intervenção e autorização do Poder Judiciário sob pena da ilicitude das provas obtidas.
Nas Representações oferecidas pela PRE-SP, a quebra do sigilo fiscal foi realizada sem a presença de supostos indícios de infração a legislação eleitoral, porque buscou, sem nenhum critério, as informações dos doadores para após receber os dados fiscais da SRF apurar as pessoas que supostamente não observaram o limite legal previsto na legislação eleitoral para a realização de doações.
O PRE-SP deveria ter adotado um procedimento similar ao realizado pelo antigo Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, que ao buscar informações para apurar a prática de crimes fiscais, eleitorais e de evasão de divisas do Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não buscou diretamente na SRF tais informações, mas obteve previamente uma ordem judicial expedida, por questões de foro privilegiado, pelo MM. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, acatando o seu pleito e garantindo a licitude dos procedimentos adotados.
Da mesma forma, a SRF jamais poderia ter acatado o pedido formulado pelo PRE-SP de prestação de informações protegidas por sigilo fiscal de diversos contribuintes, porque além de estar submetida às regras previstas na Constituição Federal de 1988, deveria ter observado as limitações impostas pelo artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN), com a redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 2001. Neste dispositivo está vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
No artigo 198 do CTN existem algumas exceções à regra do sigilo, como são a requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; a solicitação de autoridade administrativa no interesse da administração pública, desde que comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere à informação, por prática de infração administrativa; e a prestação de informações relativas a representações fiscais para fins penais, inscrições na dívida ativa da Fazenda Pública e parcelamento ou moratória.
Nenhuma destas exceções estavam presentes para dar legitimidade à prestação de informações pela SRF, demonstrando terem sido irregulares os procedimentos realizados por contrariarem às disposições previstas na Constituição Federal e no artigo 198 do CTN, viciando as provas obtidas pela Procuradoria Regional com ilicitude geradora da nulidade das Representações oferecidas contra os doadores.
Uma ofensa semelhante à ocorrida no caso eleitoral, aliás, gerou a condenação da União Federal a pagar indenização por danos morais a modelo Luiza Brunet, por terem sido divulgados na imprensa dados de sua empresa protegidos por sigilo fiscal sem que tivesse existido sua autorização prévia.
Na hipótese do Poder Judiciário reconhecer em decisão final a ilicitude das provas, os doadores representados poderão buscar a indenização por danos morais e até materiais por terem sido irregulares os procedimentos adotados pela SRF ao fornecer a PRE-SP dados protegidos por sigilo fiscal sem observar a legislação de regência da matéria. Também nesta hipótese, os servidores da SRF que forneceram os dados fiscais dos doadores representados poderão ser denunciados por crime decorrente da violação de sigilo funcional previsto no artigo 325 do Código Penal Brasileiro, por terem revelado dados que tinham ciência em razão do seu cargo e que deveriam ter permanecido em segredo.
O reconhecimento da ilicitude das provas pelo TRE-SP merece ser prestigiado porque, mesmo não sendo o sigilo fiscal um direito absoluto, o mesmo somente pode ser afastado mediante a prévia, expressa e fundamentada requisição ou autorização judicial e na presença das condições previstas no artigo 198 do CTN.
Fernando Dantas Casillo Gonçalves – Advogado em São Paulo pela USP. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. Especialista em Direito Empresarial Internacional pelo CEU/SP. Professor no Curso de Gestão Estratégica de Impostos na Trevisan/SP. Professor do Curso de Direito Tributário Aplicado na IOB-Thompson/SP. Professor no L.L.M. em Direito Tributário do IBMEC/SP. Membro-fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias - IPT/SP. Membro do Conselho Consultivo da Associação Paulista de Estudos Tributários - APET. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. Membro do Conselho Editorial das Revistas IOB de Direito Administrativo e de Direito Tributário.