3. Processo Legislativo
Dentro do propósito do presente texto, trataremos, em breves linhas, a respeito do processo legislativo pertinente às leis complementares e ordinárias, que abrange as fases da iniciativa, constitutiva (deliberação parlamentar discussão e votação; deliberação executiva sanção ou veto) e complementar (promulgação e publicação).
Por iniciativa entende-se o ato de deflagração do processo de criação da espécie normativa, conforme atribuído a alguém ou a um órgão, nos exatos termos da Lei Maior. Trata-se da fase inicial do processo legislativo, analisada sob a ótica da competência firmada na Constituição. A título de exemplo, as leis que disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas b e d do inciso II do art. 96 da CF (STF, Plenário, ADI nº 3.773/SP, Rel. Min. MENEZES DIREITO, julgamento em 04.03.2009). Com efeito, nem mesmo a sanção presidencial terá o poder de convalidar eventual vício detectado na fase da iniciativa, conforme entendeu o STF (STF, Plenário, ADI nº 2.867/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 03.12.2003).
A próxima etapa, denominada pela doutrina de fase constitutiva, compreende a deliberação parlamentar (discussão e votação, própria do Poder Legislativo) e a deliberação executiva (sanção ou veto, pertinente ao Poder Executivo). Por deliberação parlamentar entende-se a fase na qual ocorre a discussão a respeito dos termos do projeto de lei, ocasião em que, nos termos regimentais, poderão ser apresentadas as chamadas emendas parlamentares. Após a discussão, segue-se a votação. Tal fase desenvolve-se em ambas as Casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), tendo em vista o bicameralismo que caracteriza o Poder Legislativo Federal brasileiro. Deste modo, discutido, votado e aprovado por uma Casa (iniciadora), o projeto seguirá para a outra (revisora).
Uma vez aprovado em ambas as Casas, será o projeto de lei enviado ao Chefe do Executivo agora para efeito de deliberação executiva , a quem cabe sancioná-lo ou vetá-lo, nos termos do art. 66 da CF, em uma nítida demonstração de deferência constitucional ao sistema de freios e contrapesos. Nesta fase, duas hipóteses podem surgir: sanção (total ou parcial) ou veto (total ou parcial).
Nos termos do art. 66, caput, da CF, sanção é o ato pelo qual o Chefe do Poder Executivo adere ao texto aprovado pelo Poder Legislativo, demonstrando aquiescência quanto aos seus termos, ocasião em que o projeto de lei efetivamente se transforma em lei.
Quanto às espécies, a sanção pode ser expressa ou tácita (implícita). A primeira ocorre quando o Chefe do Executivo expressamente concorda com os termos do projeto de lei e o sanciona. A sanção tácita acontece quando o Chefe do Executivo permanece inerte por um determinado lapso de tempo e não sanciona expressamente o projeto de lei que lhe foi submetido à apreciação. Neste caso, conforme prevê o art. 66, § 3º, da CF, decorrido o prazo de quinze dias úteis, contados do recebimento, o silêncio do Presidente da República implicará em sanção.
Ademais, a sanção pode ser total ou parcial. A primeira ocorre quando o Chefe do Executivo sanciona inteiramente o projeto de lei aprovado e enviado pelo Parlamento. Ao contrário, há sanção parcial quando o projeto de lei não é sancionado em sua integralidade. Neste caso, diz-se que houve veto.
A Constituição, no seu art. 84, inciso IV, confere ao Presidente da República o poder de vetar (total ou parcialmente) projetos de lei aprovados pelo Poder Legislativo, instrumento condizente com o sistema de checks and balances, por meio do qual cada Poder, nos termos rigidamente constitucionais, exerce controle sobre os demais. Por conseguinte, veto é a discordância do Chefe do Executivo quanto aos termos do projeto de lei aprovado pelo Legislativo e submetido à sua apreciação. Diferentemente do que eventualmente pode acontecer com a sanção, não se admite veto tácito. Em linhas gerais, a doutrina assevera que o veto é irretratável e deve ser formalmente motivado (por escrito), podendo ser rejeitado pelo Poder Legislativo, mantendo-se, assim, o texto na forma como aprovado pelo Congresso.
Ao vetar (total ou parcialmente) um projeto de lei, deve o Chefe do Executivo explicitar as respectivas razões de veto, encaminhando-as ao Congresso Nacional, de modo que o Parlamento possa conhecer os motivos que o conduziram à discordância. Afinal, conforme adverte LENZA (2012, p. 574), se o Presidente da República simplesmente vetar, sem explicar os motivos de seu ato, estaremos diante da inexistência do veto, portanto, o veto sem motivação expressa produzirá os mesmos efeitos da sanção (no caso, tácita).
Em termos classificatórios, o veto poderá ser: a) quanto ao motivo determinante, veto jurídico (por ser o projeto de lei inconstitucional), veto político (por ser contrário ao interesse público) e veto político-jurídico (por ser contrário ao interesse público e inconstitucional, simultaneamente); b) quanto à extensão, veto total (quando há rejeição total do projeto de lei) e veto parcial (no caso de haver rejeição parcial).
Ressalte-se, ainda, que o veto não poderá recair apenas sobre algumas palavras ou frases existentes em um determinado dispositivo do projeto de lei. Ao contrário, deve incidir sobre artigo, parágrafo, inciso, alínea ou item, sempre para suprimi-los em sua integralidade, jamais para promover qualquer adição ou alteração no texto. Ainda no que concerne às características, o veto reveste-se de uma natureza relativa, sendo perfeitamente superável, de modo que a parte vetada pelo Presidente da República poderá ser derrubada pelo Congresso Nacional, nos moldes do que preconiza o art. 66, §§ 4º e 5º da CF. Desta feita, é lícito concluir que o veto presidencial acarretará o prosseguimento do processo legislativo, particularmente no que se refere ao texto vetado.
Ademais, consoante lecionam PAULO e ALEXANDRINO (2003, p. 81) o veto é insuscetível de ser enquadrado no conceito de ato do Poder Público, para efeito de controle judicial, do que se depreende que as razões de veto são insuscetíveis de controle por parte do Poder Judiciário, sobretudo em face do princípio da separação dos poderes, podendo o Congresso Nacional, se assim entender pertinente, derrubá-lo.
Após as fases da iniciativa e constitutiva, o texto precisará percorrer a chamada fase complementar, que abrange as etapas da promulgação e da publicação.
Promulgação é o ato pelo qual o chefe do Executivo autentica a lei, ou seja, atesta a sua existência. É a declaração de nascimento da lei, embora ainda não esteja em vigor. Não obstante a existência de alguma controvérsia, e diante da redação prevista no art. 66, § 7º, da CF, a melhor exegese a respeito é a que entende que o ato de promulgação recai sobre a lei (que efetivamente já existe desde a sanção ou derrubada do veto por parte do Congresso Nacional), e não sobre o projeto de lei.
Nas hipóteses de sanção tácita e de rejeição de veto, se o Presidente da República não promulgar a lei em 48 horas, caberá ao Presidente do Senado fazê-lo; e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo (art. 66, §§ 3º ao 7º, da CF).
Uma vez promulgada, a lei precisa ser publicada. Assim, publicação é o ato pelo qual se presume que uma lei é conhecida por todos. Trata-se de condição essencial para a lei entrar em vigor e, consequentemente, exigir-se a sua observância. Afinal, de acordo com a regra do art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Assevera REALE (2002, p. 158-159) que a lei, cercada como está, desde a sua origem, por tantas certezas e garantias, opera, por si mesma, erga omnes, é universal quanto à sua aplicação, sendo, pois, de execução imediata e geral, dispensando a prova de sua existência, razão pela qual ela é, de per si, o seu conteúdo normativo e a força de sua obrigatoriedade, se não houver elemento de ordem formal condicionando a sua executoriedade.
4. Conclusão
O Poder Legislativo representa o órgão fundamental imbuído da missão básica de elaborar, revogar e alterar as leis (criação do Direito Positivo infraconstitucional) e também, por expressa autorização constitucional, de desempenhar a função de Poder Constituinte de 2o Grau, além de outras funções expressamente estabelecidas pela própria Constituição. Exatamente como fizeram todas as Constituições brasileiras, a de 1988 expressamente alude ao denominado processo legislativo, elencando um rol de espécies normativas a serem elaboradas segundo o rito básico nela contido: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções (art. 59, I a VII), regramento que deve ser fielmente observado, sob pena de ser inconstitucional a futura espécie normativa, do que se extrai a profunda relação que há entre o tema em exame e o chamado controle de constitucionalidade (LENZA, 2012, p. 545).
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