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O combate ao contrabando de cigarros nas esferas administrativa e jurisdicional

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15/05/2024 às 15:20
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4. CONCLUSÃO

Conforme dados apresentados ao longo deste artigo, o tabagismo, segue como um importante problema de saúde que deve ser combatido. Acredita-se ser de extrema importância o papel das campanhas feitas já com crianças apresentando todos os malefícios advindos desse vício. Muitas vezes o exemplo negativo vem do próprio seio familiar ou então dos círculos de amizade. Talvez casos fatais de pessoas próximas contribuam para o desinteresse no consumo, mas a apresentação de estudos e exemplos com imagens sejam tão eficazes quanto.

Não bastasse todo o esforço para coibir o uso inicialmente recreativo do tradicional cigarro de tabaco, agora os órgãos de saúde encontram uma nova modalidade de cigarros que tem despertado o interesse das gerações mais novas: vapers, também conhecidos como cigarros eletrônicos. Determinou a ANVISA, no ano de 2009, que tais dispositivos para consumo de nicotina e outras substâncias tóxicas são de importação, propaganda e venda proibidas no Brasil, conforme disposto pela RDC n°46, de 28 de agosto de 2009.

Claro que a redução de 46% do percentual de fumantes no Brasil dentre o período de 1989 a 2010 é um dado a ser comemorado. As políticas de controle do tabagismo, conforme estudo do INCA, estimam que um total de 420.000 mortes foram evitadas nesse período20.

Por outro lado, os custos médios associados ao tabagismo no ano de 2015 passaram de R$ 40 bilhões, o que equivale a 8,04% de todo o gasto em saúde. A fatura indireta, que diz respeito à perda de produtividade e a mortes prematuras, beirou os R$ 17 bilhões naquele ano, segundos dados levantados por pesquisa da Fiocruz21. Conforme veiculado na Campanha do Dia Mundial sem Tabaco de 2022, o Brasil precisa desembolsar anualmente cerca de R$ 125 bilhões para o tratamento de doenças e incapacitações provocadas pelo tabagismo22.

Não se entende que a criminalização do uso e venda regular de tabaco pudesse ser uma política acertada. A própria política antidrogas adotada no Brasil tem sido mais branda ao cominar penas mais leves para a simples posse de drogas desde o advento da Lei n° 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Todavia, os produtos fumígeros fabricados no Brasil devem respeitar rigorosamente a legislação que impõe condições mínimas de segurança na sua produção. A proibição de comerciais em canais de televisão, exposição de cigarros perto de brinquedos, dentre outras práticas que glamourizavam o consumo de cigarros, é irreversível. A impossibilidade de uso de cigarros e assemelhados dentro de ambientes fechados, além de desestimular o consumo, é um alento para a saúde e bem-estar dos não-fumantes.

O controle em tempo real sobre a produção de cigarros através do sistema Scorpios é medida imperativa. Através dele são coibidas fraudes que visam burlar a fiscalização da Receita Federal do Brasil e consequentemente os tributos devidos são cobrados com exatidão. Em decorrência dele também é feita a rastreabilidade dos produtos em todo o território nacional, sendo possível identificar a origem e combater a produção e importação ilegais de cigarros.

Apesar de a arrecadação fiscal total pela venda de produtos de tabaco e derivados alcançar valores que não cobrem os custos diretos causados pelo tabagismo ao sistema de saúde23, acredita-se que os preços elevados do produto em decorrência da alta carga tributária, tal como ocorre em outros países, sejam minimamente eficientes para o combate à proliferação do consumo de tabaco. Pelo menos é dificultada a compra pelo público mais jovem, faixa etária na qual é iniciado o vício, e por camadas sociais menos abastadas.

Apesar de a fiscalização tributária alcançar excelentes resultados no combate à sonegação fiscal sobre os produtos regularmente fabricados no Brasil através do uso de tecnologia de ponta, o mesmo não se pode dizer em relação ao combate ao contrabando de cigarros.

As apreensões realizadas por todas as forças de segurança e equipes de repressão ao contrabando da Receita Federal do Brasil são muito significativas, evoluindo ano após ano, mas ainda assim o crime organizado consegue ter sucesso no contrabando deste produto24.

Apenas elevar alíquotas sem aprimorar a repressão enfraquece o combate ao crime. A fronteira com o Paraguai é longa e o Brasil tem uma extensa malha rodoviária pouco vigiada, especialmente na faixa de fronteira. Não apenas veículos de passeio como também caminhões são apreendidos com regularidade transportando enormes quantidades de caixas de cigarros. Além disso, o crime organizado vem inovando ao fazer ingressar cigarros ilegais através da costa de estados do norte e nordeste, conforme divulgado pelas assessorias de imprensa da Polícia Federal e da Marinha do Brasil25.

O aumento do efetivo de servidores de órgãos com vocação constitucional para o combate ao contrabando em lotações de fronteira é medida imperiosa, sem deixar de lado a necessidade de otimização dos recursos tecnológicos já existentes. Não obstante, a fiscalização já no mercado interno dos cigarros comercializados também deve ser medida preconizada. Em matérias de segurança e soberania nacional são incabíveis políticas de estado mínimo.

Não obstante, acertou o legislador infraconstitucional ao tornar mais severa a pena para o praticante do tipo penal de contrabando. O criminoso deve ser submetido não somente às sanções administrativas como também punindo exemplarmente ao ter sua liberdade privada, dentre outras medidas cabíveis26.

Apesar de ainda haver divergências jurisprudenciais, especialmente nos tribunais de origem, vislumbra-se que os Tribunais Superiores pacificarão entendimento de que ao crime de contrabando de cigarros não cabe a aplicação do princípio da insignificância.

Sabe-se que o crime em testilha não é objeto de alto grau de reprovabilidade moral pela sociedade de um modo geral. Afinal, é ela que incentiva o esquema criminoso ao adquirir os produtos ilegais. Todavia, como se dissertou ao longo deste trabalho, não se está diante de um delito meramente fiscal, mas de uma conduta que, analisada sob o ponto de vista macro, fere a saúde da população, a atividade industrial interna, a moralidade administrativa e a ordem pública.

A articulação e implementação de políticas públicas, unindo-se esforços dos três poderes, no combate à ilegalidade do contrabando de cigarros, apesar de todas as dificuldades, têm mostrado resultados positivos.

Num primeiro momento, o ideal é que a população se convença que hábitos saudáveis devem ser adotados durante toda sua jornada para fins de se evitar doenças fatais e ter qualidade de vida. Caso ainda assim parte dela se entregue ao consumo de drogas lícitas, deverá entender que as exigências sanitárias existem para evitar o contato com substâncias ainda mais tóxicas. Hoje felizmente temos mais ex-fumantes que fumantes no Brasil27, como é fácil se inferir ao analisar o comportamento da sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 15. ed. São Paulo: Grupo Gen, 2021.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 9.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro- parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.


Notas

1POR QUE O CIGARRO ELETRÔNICO NÃO É AUTORIZADO? Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2018/por-que-o-cigarro-eletronico-nao-e-autorizado>. Acesso em 13 de junho de 2022); e DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

2MARCAS DE CIGARROS PERMITIDAS. Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/consulta-a-registro/arquivos/marcas-de-cigarros_2022_06_06.pdf>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

3 Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-559-de-30-de-agosto-de-2021-341676455>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

4 DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

5 MAGNITUDE DO COMÉRCIO ILÍCITO DE CIGARROS NO BRASIL. Disponível em https://www.inca.gov.br/en/node/4622. Acesso em 16 de jun. de 2022.

6 APREENSÃO DE CIGARRO ILEGAL TEM ALTA DE 35% EM UM ANO. Disponível em <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/04/4998624-apreensao-de-cigarro-ilegal-tem-alta-de-35-em-um-ano.html>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

7 OPERAÇÃO CONJUNTA APREENDE 10 MILHÕES DE MAÇOS DE CIGARROS, RECOLHE 56 VEÍCULOS E BLOQUEIA 13 IMÓVEIS. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2021/10/operacao-conjunta-apreende-10-milhoes-de-macos-de-cigarros-recolhe-56-veiculos-e-bloqueia-13-imoveis-ckuyf256s0000019muk4yftjs.html. Acesso em 17 de jun. de 2022.

8 MERCADORIAS APREENDIDAS PELA RECEITA FEDERAL. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/mercadorias/cigarros.csv>. Acesso em 16 de jun. de 2022.

9 RECEITA FEDERAL REGISTRA RECORDE HISTÓRICO NA DESTRUIÇÃO DE CIGARROS APREENDIDOS. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2022/janeiro/receita-federal-registra-recorde-historico-na-destruicao-de-cigarros-apreendidos>. Acesso em 16 de jun. de 2022.

10 IDENTIFICADAS 90 MARCAS IRREGULARES DE CIGARROS. Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2019/identificadas-90-marcas-irregulares-de-cigarros>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

11 CARGA TRIBUTÁRIA MENOR INCENTIVA CONTRABANDO DE CIGARROS DO PARAGUIA, DIZEM ESPECIALISTAS. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/carga-tributaria-menor-incentiva-contrabando-de-cigarros-do-paraguai-dizem-especialistas.shtml>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

12 PREÇOS E IMPOSTOS. Disponível em <>.

13 Súmula 599/STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública. (CORTE ESPECIAL, julgado em 20.11.2017, DJe 27.11.2017)

14 Art. 20. da Lei 10.522/02: Serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

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15 Art. 2º da Portaria 75/MF: O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. (Redação dada pelo(a) Portaria MF nº 130, de 19 de abril de 2012)

16 JURISPRUDÊNCIA EM TESES. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

17 ENUNCIADOS DA 2ª CÂMARA CRIMINAL. Disponível em <https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/enunciados>. Acesso em 14 de jun. de 2022.

18 No sítio do STJ, ao propormos consulta simultânea às palavras-chaves “insignificância” e “cigarros”, são apuradas 1.750 decisões monocráticas em 18 de jun. de 2022.

19 JURISPRUDÊNCIA EM TESES. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

20 PLOS Medicine, 2012, citado em DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

21 CUSTO DO TABAGISMO PARA O BRASIL. Disponível em: <https://actbr.org.br/uploads/conteudo/741_custos_final.pdf>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

22 DIA MUNDIAL SEM TABACO 2022. Material para web. Disponível em <https://www.inca.gov.br/publicacoes/material-para-web/carrossel-2-voce-sabia-que-o-brasil-precisa-desembolsar-anualmente>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

23 Nesse ponto, PAES faz uma excelente análise: “A arrecadação estimada sobre cigarros no Brasil em 2012 foi de R$ 9,473 bilhões (0,22% do PIB), de acordo com dados da RFB e da OMS (2013), sendo R$ 6,785 bilhões em tributos federais (R$ 4,077 bilhões de IPI e R$ 2,707 bilhões de PIS/Cofins) e R$ 2,688 bilhões em tributos estaduais (ICMS). Esses valores são inferiores ao custo do tabagismo para o sistema de saúde no Brasil, estimado pela ACTBr (2012) em R$ 20,7 bilhões, em 2008 (0,5% do PIB). O país precisaria mais do que dobrar a sua arrecadação, retornando aos patamares de 1999, em proporção do PIB, diante das despesas causadas pelo cigarro.” Estudo apresentado no artigo “Uma análise ampla da tributação de cigarros no Brasil”. UMA ANÁLISE AMPLA DA TRIBUTAÇÃO DE CIGARROS NO BRASIL. Disponível em <https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/lavagem-de-dinheiro-e-crimes-fiscais/gald-cfif/oficio_no_078e_2018_2accr_para_rachid.pdf/view>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

24 “Um levantamento do Instituto Ipec Inteligência aponta que, em 2021, a ilegalidade respondeu por 48% de todos os cigarros consumidos no Brasil. Destes, 39% foram contrabandeados, principalmente do Paraguai, e 9% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como "devedoras contumazes" de impostos. Calcula-se que 53,1 bilhões de cigarros ilegais circularam nas cidades brasileiras no último ano”. In 48% DOS CIGARROS CONSUMIDOS NO BRASIL SÃO CONTRABANDEADOS, APONTA IPEC. Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/03/04/cigarros-consumidos-contrabando-brasil-ipec.htm>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

25 PF E MARINHA DO BRASIL APREENDEM CIGARROS CONTRABANDEADOS. Disponível em <https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2022/06/pf-e-marinha-do-brasil-apreendem-cigarros-contrabandeados>. MARINHA DO BRASIL APREENDE EMBARCAÇÃO SUSPEITA DE CONTRABANDO DE CIGARROS. Disponível em <https://www.marinha.mil.br/com2dn/marinha-do-brasil-apreende-embarcacao-suspeita-de-contrabando-de-cigarros>; PF PRENDE 4 PESSOAS POR CONTRABANDO EM BELÉM; BANDO TRANSPORTAVA MAIS DE 400 CAIXAS DE CIGARROS EM BARCO. Disponível em <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/12/06/pf-prende-4-pessoas-por-contrabando-em-belem-bando-transportava-mais-de-400-caixas-de-cigarros-estrangeiro.ghtml>. Acessos realizados em 19 de jun. de 2022.

26 Como, por exemplo, ter sua Carteira Nacional de Habilitação cassada, conforme previsão contida no art. 278-A do Código Penal introduzida pela Lei n° 13.804, de 10 de janeiro de 2019.

27 HÁ MAIS EX-FUMANTES DO QUE FUMANTES NO BRASIL. COMO MANTER ESSA TENDÊNCIA? Disponível em <https://femama.org.br/site/noticias-recentes/ha-mais-ex-fumantes-do-que-fumantes-no-brasil-como-manter-essa-tendencia/>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELEVEDOVE, Natasha Amaral. O combate ao contrabando de cigarros nas esferas administrativa e jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7623, 15 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98787. Acesso em: 16 set. 2024.

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