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Tutela jurídica da saúde e segurança do trabalhador:

estratégias para sua efetividade

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É de palmar sabença que a origem do Direito do Trabalho remonta à época da Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII. Tal marco histórico trouxe consigo uma significativa degradação do meio ambiente natural e laboral, redundando no incremento da ocorrência de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.

Neste contexto histórico, a finalidade inicial do Direito do Trabalho, notadamente tutelar, "era promover a dignidade dos seres humanos ou, mais especificamente, daqueles que trabalhavam nas indústrias" [01].

De acordo com Guilherme José Purvin de Figueiredo, o Direito do Trabalho nasceu com o objetivo de favorecer a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores, não sendo exagero afirmar que o "Direito do Trabalho surgiu com a finalidade precípua de promover a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores. Ele foi, em sua origem, um ramo do Direito sadio" [02].

De fato, as normas de Direito do Trabalho buscavam, inicialmente, o cumprimento de obrigações negativas (não praticar atos que pudessem colocar em risco a integridade física e mental do trabalhador), bem como de obrigações positivas (implementação das providências necessárias à proteção e preservação da saúde do trabalhador, consubstanciadas, especialmente, em medidas de medidas de prevenção de enfermidades).

Nesse diapasão, é necessário pontuar que, não obstante sua longíqua origem, a constante presença de diversos riscos no meio ambiente laboral fazem com que a tutela jurídica à saúde e segurança do trabalhador constitua tema bastante atual.

Com efeito, o que se vê hodiernamente é uma busca incansável da proteção ao cidadão-trabalhador, calcada na promoção da sua qualidade de vida, dentro e fora do local de trabalho. Tal busca ganha relevo se observarmos que o Brasil registrou, no ano de 2005, o maior número de acidentes de trabalho dos últimos dez anos [03].

A partir do advento da Constituição Federal de 1988, a tutela jurídica da saúde do trabalhador ganhou abordagem ainda não vista nos textos constitucionais anteriores [04], sobretudo em virtude da consagração da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, incisos III e IV).

A vigente proteção constitucional à saúde do trabalhador levou a doutrina especializada a concluir que "na Carta Magna de 1988 temos a consagração máxima dos direitos sociais, através da garantia de dignidade da pessoa humana e da proteção à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho" [05].

A Carta Maior consagra, em seu art. 6º, a saúde e o trabalho como direitos sociais, insertos no conceito de direitos fundamentais de segunda dimensão. Ademais, elenca como direito dos trabalhadores urbanos e rurais a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º, XXII), preceituando, ainda, que o direito à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (art. 196).

Ademais, o art. 170 da CRFB assevera que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo ser observado, entre outros, o princípio da defesa do meio ambiente.

Por seu turno, o art. 225 da Carta Magna dispõe que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Preconiza, ainda, que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (CF, art. 225, VI).

Ressalte-se, outrossim, o disposto no art. 200 da CF/88, segundo o qual o Sistema Único de Saúde (SUS) deverá executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador, colaborando na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Sebastião Geraldo de Oliveira [06] assevera que o meio ambiente do trabalho (CF, art. 200, inciso VIII) inclui-se no conceito de meio ambiente geral, "de modo que é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho".

Registre-se, ainda, que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 10, inciso II, alínea a) garante estabilidade provisória no emprego aos membros da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), importante instrumento de proteção do meio ambiente do trabalho. Confira-se:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

[...]

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato.

Constata-se, pois, a existência de robusto supedâneo constitucional para a edição de normas infraconstitucionais que visem a aumentar a proteção jurídica do trabalhador e, conseqüentemente, de sua saúde e segurança.

Nessa esteira, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em seu capítulo referente à segurança e medicina do trabalho (arts. 189 a 192), dispõe sobre o conceito de atividades insalubres ou perigosas, o pagamento do respectivo adicional, bem como o fornecimento de equipamentos de proteção individual – EPI’s.

Ademais, o legislador celetário delega ao Ministério do Trabalho e Emprego a expedição de disposições complementares às normas de medicina e segurança do trabalho, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho (CLT, art. 200).

Por seu turno, o Ministério do Trabalho e Emprego, no uso da competência normativa delegada pelo legislador consolidado, estabeleceu um conjunto de normas técnicas complementares, denominadas normas regulamentadoras (NR’s). Entre as principais normas que tratam da matéria em apreço, merecem destaque a NR-6, que se refere ao fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI’S); a NR–9, que dispõe sobre riscos ambientais; e a NR-15, que trata das atividades e operações insalubres.

É necessário registrar, ainda, que a proteção à saúde do trabalhador constitui preocupação constante também no plano internacional, sobretudo no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT. De acordo com Migliaccio Filho [07], a OIT adota como um de seus principais ditames "a elevação dos níveis de vida e a proteção adequada da vida e da saúde dos trabalhadores em todas as ocupações".

As diretrizes defendidas pela OIT implicam inevitavelmente na adoção, por parte dos países que a integram, de medidas administrativas e legislativas que importem na melhoria das condições do meio ambiente laboral, a fim de se garantir a saúde e segurança dos trabalhadores.

Nesse lastro, o Brasil ratificou algumas convenções da OIT que buscam alcançar tal desiderato. Entre as referidas convenções internacionais, podemos destacar a Convenção nº 155, ratificada pelo Brasil e promulgada através do Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de 1994. Tal convenção preceitua que todo país que a ratificar deverá formular e implementar uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores, destinada a prevenir acidentes e danos à saúde, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes no meio ambiente de trabalho.

Podemos destacar, ainda, a Convenção nº 119, ratificada pelo Brasil e promulgada através do Decreto nº 1.255, de 29 de setembro de 1994. Tal instrumento internacional estipula que a venda e a locação de máquinas, cujos elementos perigosos estiverem desprovidos de dispositivos de proteção apropriados, "deverão ser proibidas pela legislação nacional e/ou impedidas por outras medidas igualmente eficazes" (art. 2º).

Observa-se, portanto, a existência de um vasto arcabouço jurídico que assegura a adoção de medidas protetivas da saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros. Não obstante, as políticas públicas até agora adotadas não lograram êxito para a obtenção da efetiva concretização de tal proteção.

Neste sentido, confira-se a lição de Marcus Moura Ferreira [08]:

Como se observa, em termos de proteção legal ambiental estamos, certamente, entre os povos mais desenvolvidos. A realidade, não obstante isso, é outra, porque temos uma Constituição moderna, comprometida com os valores éticos e substantivos essenciais à realização das dimensões mais sensíveis do homem, e uma realidade cruel, que transita ao longe da superfície da ordem jurídica e das práticas que legitimam uma sociedade democrática e socialmente justa. O Estado brasileiro não se ocupa de criar uma dinâmica social nova e abrangente, de sorte a se poder afirmar que lhe cabe a decisiva responsabilidade pelo abismo que se formou entre os direitos positivados e a vida.

Destarte, pretende-se, no presente trabalho, trazer à baila estratégias adequadas para a busca da efetividade da tutela jurídica de proteção à saúde e segurança do trabalhador.


2. MEDIDAS CONSIDERADAS INADEQUADAS E INEFICAZES

Antes de apontarmos algumas medidas eficazes na proteção contra agentes agressivos à integridade física do obreiro, é necessário identificar o que, efetivamente, não constitui estratégia eficaz para concretização de tal proteção.

Entre as estratégias ditas "ineficazes" ou "inadequadas", duas merecem relevante destaque, quais sejam: a) a proibição do exercício de atividades insalubres ou perigosas; e b) a compensação financeira pelo exercício de tais atividades (monetarização dos riscos).

A primeira destas estratégias (proibição do trabalho) constituiria na hipótese ideal, mas nem sempre passível de implementação. Neste particular, leciona Sebastião Geraldo de Oliveira que a opção de proibir o trabalho insalubre ou perigoso beira o radicalismo, chegando a ser utópica" [09].

De fato, é necessário registrar que algumas atividades, embora nocivas à saúde e segurança do trabalhador, revelam-se imprescindíveis para a sociedade em geral.

É inconcebível, por exemplo, proibir o recolhimento do lixo urbano sob o fundamento que a atividade exercida seria insalubre. Tal agir criaria um verdadeiro caos nas cidades brasileiras, pois acarretaria, entre outros problemas, a proliferação de doenças decorrentes da acumulação do lixo orgânico.

Da mesma forma, não se pode imaginar que, sob o argumento de constituir atividade perigosa, proíba-se o exercício de operações em bombas de abastecimento de líquidos inflamáveis (álcool, gasolina, óleo diesel etc).

A paralisação de tais atividades tornaria impossível o tráfego de veículos automotores, prejudicando, por conseguinte, toda a população que utiliza esses veículos em seu cotidiano. Afetaria, ainda, o funcionamento de serviços públicos considerados essenciais, principalmente pela falta de abastecimento de combustível para o transporte coletivo, viaturas policiais e ambulâncias.

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Conclui-se, portanto, que a estratégia de simples proibição do exercício de atividades insalubres e perigosas não deve ser adotada, sob pena de se causar excessivo gravame ao interesse de toda a coletividade.

A segunda estratégia de proteção jurídica à saúde do trabalhador, tão ineficaz quanto à primeira, consistiria em aumentar a remuneração para compensar seu maior desgaste físico e sua exposição aos ambientes perigosos. É a chamada monetarização do risco.

Esta estratégia foi adotada pela legislação brasileira e está consagrada na CLT, que contemplou tal recompensa financeira através do pagamento dos adicionais de insalubridade ou periculosidade (CLT, arts. 192 e 193, § 1º).

Os defensores desta estratégia imaginavam que o pagamento dos referidos adicionais, por constituir em ônus financeiro ao empregador, compeliria o mesmo a investir em melhorias nas condições do meio ambiente laboral.

Entretanto, verificou-se que, para os empregadores, era extremamente vantajoso continuar com o pagamento do adicional pelo risco ao invés de investir na melhoria do meio ambiente laboral.

Constata-se, portanto, que, embora mais vantajosa para o patronato, tal alternativa revela-se menos inteligente e eficaz. Com efeito, o critério da monetarização do risco mostra-se inaceitável, uma vez que permite a convivência do trabalhador com o ambiente insalubre ou perigoso, ao invés de combater, na origem, as causas de agressão à sua saúde e segurança.

Assim é que, sob o fundamento de que a venda da saúde e segurança do trabalhador não se justifica por preço algum, tal perspectiva vem sendo vastamente criticada pela doutrina pátria, que não entende porque o Brasil "insiste em mantê-la, quando praticamente o mundo inteiro já mudou de estratégia" [10].

Sobre o tema, muito bem leciona Sebastião Geraldo de Oliveira [11]:

A solução retrógrada de compensar a agressão por adicionais (monetização do risco) vem sendo banida com energia pelos trabalhadores, sob a bandeira coerente de que "saúde não se vende". De fato, a crescente dignificação do trabalho repele a política de remunerar as agressões à saúde, acelerando o desgaste do trabalhador e, consequentemente, apressando a sua morte.

Seguindo essa tendência, o Governo Federal elaborou uma Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador - PNSST, desenvolvida de modo articulado e cooperativo pelos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência Social [12].

Tal política contempla uma série de diretrizes destinadas a garantir o exercício do trabalho em condições que contribuam para a melhoria da higidez e segurança do obreiro, entre as quais merece destaque a estratégia de "eliminação das políticas de monetarização dos riscos" (Capítulo V, item III).

Deste modo, é imperioso concluir que o critério da monetarização dos riscos traduz medida retrógrada e inadequada, que deve ser abandonada, uma vez que em nada garante a efetiva proteção da saúde e segurança do trabalhador.


3. MEDIDAS CONSIDERADAS ADEQUADAS OU EFICAZES

Delineadas as alternativas ditas ineficazes, impende identificar neste momento algumas medidas adequadas para a efetivação da tutela jurídica da saúde e segurança do trabalhador, entre as quais se destacam: a) a adoção de medidas preventivas; b) a utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI’S) como medida de caráter complementar às medidas coletivas de proteção; c) o incentivo e o fortalecimento da Inspeção do Trabalho; e d) a redução da jornada de trabalho.

Vejamos a seguir cada uma delas.

3.1. ADOÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS

Observa-se que, na busca de melhores soluções para incrementar o sistema de eliminação do risco à saúde e à integridade física do obreiro, a tendência moderna converge para a adoção de medidas preventivas.

De fato, constitui consenso doutrinário que todas as medidas adotadas no sentido de proteger a saúde e segurança do obreiro, sejam elas de cunho legislativo ou administrativo, devem, sempre que possível, atender ao princípio da prevenção.

Sobre o tema, importa colacionar a lição de Alice Monteiro de Barros [13]: "A prevenção é, sem dúvida, o princípio inspirador de todas as normas de tutela à saúde, inclusive no local de trabalho. As medidas de proteção constituem o guia da realização e gestão prática dessa prevenção".

A relevância do princípio da prevenção fica evidente quando se observa que grande parte dos acidentes de trabalho tem sua gênese antes da concepção dos processos de instalação ou operação de um determinado empreendimento. Tais acidentes estão relacionados, por exemplo, à comercialização de máquinas ou equipamentos novos que não possuem os dispositivos de segurança realmente necessários.

Conforme salienta René Mendes [14], "o projeto escolhido, as máquinas disponibilizadas e as demais escolhas prévias já influenciam a probabilidade de acidentes de trabalho".

Com efeito, observa-se que a adoção de medidas preventivas encetadas ainda na fase inicial do processo produtivo revela-se muito eficaz, transformando os acidentes mutiladores e incapacitantes em eventos cada vez mais raros.

A priorização de estratégias preventivas já foi desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e Emprego no passado, especificamente na proteção de máquinas como motosserras, cilindros de massa e injetoras de plástico (Portaria nº 4, de 28 de janeiro de 1997, da Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalhador), tendo logrado bastante êxito em seu desiderato.

Contudo, torna-se indispensável que a adoção de medidas preventivas faça parte de ações de maior abrangência, a fim de que se promova a eliminação dos riscos de acidentes em todos os ambientes de trabalho.

Nessa quadra, convém registrar que na já mencionada Política Nacional de Saúde do Trabalhador, elaborada pelo Governo Federal, contempla-se entre suas principais diretrizes a "precedência das ações de prevenção sobre as de reparação".

Constata-se, portanto, que a adoção de medidas de caráter preventivo constitui estratégia que encontra amplo respaldo na tendência moderna de concretização da tutela jurídica da saúde e segurança do trabalhador.

3.2. A UTILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA DOS EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI’S) COMO MEDIDA ADEQUADA PARA A PROTEÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR

Outra estratégia de proteção à higidez e segurança do obreiro é a utilização de equipamentos individuais – EPI’s, assim considerados os dispositivos ou produtos, utilizados de forma individual pelo trabalhador, destinados a protegê-lo de riscos que porventura ameacem sua saúde e segurança.

É indubitável a importância da utilização de tais equipamentos como medida concretizadora da proteção contra situações adversas insertas no meio ambiente laboral. Entretanto, constitui premissa completamente equivocada priorizar a simples utilização de EPI’S, em detrimento de medidas coletivas de proteção.

De fato, somente quando medidas de caráter geral não garantirem integral proteção à saúde e segurança do trabalhador é que, como derradeira solução, deve-se buscar o combate aos riscos através de tais equipamentos. Tal ordem de preferência justifica-se sobretudo porque os EPI’s são geralmente desconfortáveis para o obreiro, limitando muitas vezes a percepção de seus sentidos.

Sobre o tema, ensina Eduardo Gabriel Saad e outros [15]:

Em doutrina, é ponto pacífico o reconhecimento da precedência dos processos coletivos de neutralização dos agentes criadores de insalubridade sobre os processos individuais. (...) Tal linha de opinião é defendida sobretudo com o argumento de que muitos equipamentos de proteção individual são de uso penoso ou desagradável para o trabalhador.

No mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo [16] pontifica que "em primeiro lugar, e de forma prioritária, a empresa deverá adotar medidas coletivas de prevenção dos riscos ambientais e somente excepcionalmente e enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas, para atender a situações de emergência, fornecerá os EPI’s, cabendo-lhe adquirir os mais adequados ao risco que cada atividade exigir".

A despeito de todo esse entendimento, a realidade laboral do nosso país vem inobservando tal ordem de preferência, utilizando desde logo a última opção. De fato, no lugar de eliminar a fonte causadora dos riscos ou de privilegiar medidas coletivas de neutralização, os empregadores brasileiros buscam inicialmente fornecer o equipamento de proteção individual – EPI, uma alternativa mais barata e de fácil implementação, porém muito menos eficaz.

Desse modo, conforme bem salienta Oliveira [17], "em vez de segregar o agente nocivo, segrega-se o trabalhador que tem os sentidos limitados pela utilização incômoda dos equipamentos de proteção".

Tal inversão de valores decorre principalmente de divergência na exegese que se dá ao art. 191 da CLT. Tal dispositivo assim dispõe:

Art. 191 - A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: 

I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;

II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.

Parágrafo único - Caberá às Delegacias Regionais do Trabalho, comprovada a insalubridade, notificar as empresas, estipulando prazos para sua eliminação ou neutralização, na forma deste artigo.

Ocorre que muitos operadores do Direito, numa interpretação equivocada de tal dispositivo, acabam entendendo que a simples utilização do EPI (inciso II) teria o condão de eliminar a insalubridade, possibilitando adequada proteção à saúde do obreiro. Tal posicionamento, contudo, não merece prosperar.

De fato, é necessário realizar uma interpretação sistemática do mencionado artigo consolidado com os demais dispositivos legais que regem a matéria. A questão resta dirimida, inclusive, pela própria CLT, que em seu art. 166 estabelece:

Art. 166 - A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados. (Grifamos)

Torna-se indiscutível, portanto, a adoção de um viés subsidiário para a utilização dos equipamentos de proteção individual. É bem verdade que, em alguns casos, a utilização dos EPI’s constitui a única alternativa de proteção ao trabalhador. Entretanto, como já salientado anteriormente, a situação torna-se problemática quando, transformando a exceção em regra, utiliza-se o mecanismo subsidiário em primeiro lugar.

Deste modo, conclui-se que é imperioso buscar suprimir a previsão de fornecimento de EPI’s como medida suficiente para eliminação ou neutralização do risco à integridade física do trabalhador. Deve-se, isso sim, adotar tais equipamentos como medida de caráter complementar às demais medidas protetivas. Só deste modo estar-se-á prestigiando o entendimento mais abalizado sobre o assunto.

Para melhor consolidar esse entendimento, trazemos aqui duas sugestões.

A primeira sugestão tem caráter hermenêutico e implica na mudança de postura por parte daqueles que insistem em defender a eficiência do simples fornecimento dos EPI´s, buscando-se, por conseguinte, a consolidação da correta interpretação sobre o tema.

Esta correta interpretação já foi adotada, inclusive, pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho – TST, ao asseverar, em seu verbete sumular de nº 289, que "o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado".

A segunda sugestão, a ser implementada de lege ferenda, passa pela percepção de que a classificação dos equipamentos como medida complementar decorre necessariamente da edição de normas que garantam tal caráter subsidiário.

Seguindo essa linha de raciocínio, já encontramos alguns diplomas normativos, a exemplo da Norma Regulamentadora nº 04, aprovada pela Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego, in verbis:

4.12. Compete aos profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho:

a) aplicar os conhecimentos de engenharia de segurança e de medicina do trabalho ao ambiente de trabalho e a todos os seus componentes, inclusive máquinas e equipamentos, de modo a reduzir até eliminar os riscos ali existentes à saúde do trabalhador;

b) determinar, quando esgotados todos os meios conhecidos para a eliminação do risco e este persistir, mesmo reduzido, a utilização, pelo trabalhador, de Equipamentos de Proteção Individual - EPI, de acordo com o que determina a NR 6, desde que a concentração, a intensidade ou característica do agente assim o exija; (Grifamos)

Nesse lastro, é oportuno pugnar pela alteração do já mencionado art. 191 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, no qual se poderia estabelecer expressamente que os EPI’s constituirão mecanismo complementar às medidas coletivas de proteção.

A reformulação do referido dispositivo celetário, adequando-o ao hodierno entendimento sobre a matéria, dirimiria por completo qualquer equívoco de interpretação, garantindo, assim, uma eficaz proteção da saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros.

3.3. INCENTIVO À FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO

A relevância da tutela da integridade física do trabalhador pressupõe a intervenção do Estado na regulamentação das relações laborais, através da instituição de mecanismos de fiscalização do trabalho.

Nessa quadra, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 21, XXIV, dispõe que a União deverá organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

No âmbito do Poder Executivo Federal, incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) coordenar, orientar, controlar e supervisionar as atividades relacionadas com a segurança e saúde no trabalho, inclusive a fiscalização do cumprimento dos preceitos legais e regulamentares, em todo o território nacional.

Com efeito, calha registrar o comando normativo plasmado no art. 626 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, segundo o qual "incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho".

É necessário destacar, ainda, o disposto no art. 11 da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, in verbis:

Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:

I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;

(...)

V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;

(...)

Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização. (Grifamos)

A competência dos agentes de inspeção do trabalho encontra guarida também no âmbito da Organização Internacional do Trabalho - OIT.

Com efeito, a Convenção da OIT de nº 81, devidamente ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 95.461/1987, preceitua que ao sistema de inspeção do trabalho incumbirá assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão, especialmente no que se refere à sua segurança, higiene e bem-estar.

Ademais, a Convenção da OIT de nº 155, em seu art. 9º, estabelece que "o controle da aplicação das leis e dos regulamentos relativos à segurança, à higiene e ao meio ambiente de trabalho deverá estar assegurado por um sistema de inspeção das leis ou dos regulamentos".

Todo esse arcabouço normativo levou a doutrina especializada a enaltecer o papel da fiscalização do trabalho, conforme se infere da lição de José Alves de Paula [18], que assim asseverou: "Os agentes da inspeção do trabalho são vigias da justiça social. Eles são o braço do Estado para garantir o cumprimento das leis de proteção ao trabalhador e a construção da justiça social."

Nesse diapasão, contata-se que o cumprimento das normas que garantem a redução dos riscos inerentes ao trabalho depende do grau de eficácia e amplitude da fiscalização trabalhista, que deve ser constantemente incentivada e fortalecida.

Sobre o tema, destaque-se a lição de Sebastião Geraldo de Oliveira [19]:

"A prioridade da Inspeção do Trabalho, além de imperativo ético, é dever da Administração e inequivocadamente um ato de inteligência, pois incentiva a prevenção, eliminando, tanto quanto possível, as causas dos acidentes e doenças profissionais".

Entretanto, para se alcançar tal desiderato, é mister conceder aos agentes da Inspeção do Trabalho meios necessários para exigir o fiel cumprimento da legislação.

Tal iniciativa poderia se dar, por exemplo, através do incremento do quadro de pessoal, decorrente da abertura de novos concursos públicos para o cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho.

Neste particular, merece destaque o disposto no art. 10 da Convenção nº 81 da OIT, segundo o qual o número de inspetores de trabalho deve ser o suficiente para permitir o exercício eficaz das funções de serviço de inspeção e será fixado tendo-se em conta o número, a natureza, a importância e a situação dos estabelecimentos sujeitos ao controle da inspeção, assim como o número e a diversidade das categorias de trabalhadores ocupados nesses estabelecimentos.

Atualmente, o Ministério do Trabalho e Emprego conta com cerca de 3.000 (três mil) Auditores-Fiscais do Trabalho, um quadro de pessoal insuficiente para enfrentar todo o conjunto de situações impostas pelas atuais relações laborais.

Ademais, a complexidade das hodiernas relações laborais pressupõe sólida formação jurídica e técnica dos agentes fiscalizadores, que será facilmente alcançada com a realização de treinamentos periódicos para os Auditores-Fiscais do Trabalho em atividade.

Poder-se-ia pensar, ainda, em mudanças na aferição da produtividade dos Auditores-Fiscais, de modo a priorizar a fiscalização dos itens relativos à saúde e segurança do trabalho.

Por fim, poder-se-ia elevar o quantum das multas administrativas aplicadas pela inspeção do trabalho (CLT, art. 201), uma vez que tais multas, em muitos os casos, possuem valores irrisórios, fazendo com que o empregador prefira arcar com seu pagamento a adotar medidas efetivas de proteção da saúde e segurança do trabalhador.

Independentemente das medidas a serem adotadas, o fato é que a proteção da saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros passa, necessariamente, pelo fortalecimento dos instrumentos de inspeção do trabalho. Sem uma fiscalização forte, combativa e eficiente nunca chegaremos ao patamar protetivo mínimo tão desejado por todos.

3.4. DA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

Do rol de estratégias destinadas a proteger o obreiro de condições ambientais adversas, podemos destacar, ainda, a diminuição da duração da jornada de trabalho.

Importa registrar, por oportuno, que tal posicionamento encontra guarida há muito tempo. De fato, na Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891, o Papa Leão XIII já exaltava o necessário respeito à limitação das forças do trabalhador, sustentando que "não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso de fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo" [20].

Outrossim, o referido instrumento defendia, de forma expressa, a redução da jornada para os obreiros sujeitos a condições adversas, conforme podemos constatar pelo trecho a seguir transcrito:

"O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos, debaixo da terra, sendo mais pesado e nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta. Deve-se também atender às estações, porque não poucas vezes um trabalho que facilmente se suportaria numa estação, noutra é de fato insuportável ou somente se vence com dificuldades" [21].

Não obstante possuir tão antiga origem, a estratégia da redução da jornada exercida em condições insalubres e perigosas ainda é apontada pela doutrina moderna como o mecanismo mais efetivo na salvaguarda da saúde e segurança do trabalhador.

Com efeito, para as atividades consideradas insalubres, a implementação de tal alternativa traz consigo a convergência de dois efeitos benéficos para o trabalhador: menor tempo de exposição ao agente nocivo e maior período de descanso.

Neste sentido, destaque-se a lição de Sebastião Geraldo de Oliveira [22]:

"A redução da jornada é a saída ética para enfrentar a questão. Em vez de reparar com dinheiro a perda da saúde, deve-se compensar o desgaste com maior período de descanso, transformando o adicional monetário em repouso adicional. A menor exposição diária, combinada com um período de repouso mais dilatado, permite ao organismo humano recompor-se da agressão, mantendo-se a higidez. Essa alternativa harmoniza as disposições constitucionais de valorização do trabalho, colocando o trabalhador em prioridade com relação ao interesse econômico."

Ademais, para os trabalhos considerados perigosos, a redução da jornada acaba por diminuir a exposição do trabalhador aos riscos do ambiente em que labora, minorando, assim, a probabilidade de ocorrência de acidentes. É imperiosa, portanto, a inserção de tal estratégia protetiva nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo.

No Direito comparado, a redução da jornada de trabalho realizado sob condições insalubres ou perigosas vem sendo amplamente implementada como forma de proteção ao trabalhador. De fato, é possível constatar tal estratégia no ordenamento jurídico de vários países, inclusive da América do Sul, tais como Argentina, Colômbia e Paraguai [23].

É necessário, deste modo, difundir imediatamente esta estratégia no ordenamento jurídico pátrio. A redução da jornada para os trabalhos insalubres e perigosos, conjugada com um maior tempo de descanso e recuperação, representa medida de proteção que deve ser demasiadamente enaltecida, não podendo restar à margem do estuário normativo brasileiro.

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Sobre o autor
Marcos Antônio Ferreira Almeida

advogado da União, pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Marcos Antônio Ferreira. Tutela jurídica da saúde e segurança do trabalhador:: estratégias para sua efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1424, 26 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9890. Acesso em: 19 nov. 2024.

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