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A ideia de par (casal) parental no pós-relacionamento

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O par parental é constituído a partir do vínculo dos genitores em razão do filho, e não em razão deles próprios.

Em recente julgamento de caso versando sobre abandono afetivo, a Ministra do STJ (2022), Nancy Andrighi, disse que existe a figura do ex-marido e do ex-convivente, mas que, por outro lado, inexiste o ex-pai e o ex-filho, ou seja, uma vez pai e mãe, sempre pai e mãe, independentemente de qualquer circunstância, inclusive, o sucesso ou não do relacionamento deles.

Esta premissa, de que relacionamentos podem passar, mas que filhos são para sempre, pode parecer um tanto quanto simples no plano teórico, mas os colegas que atuam nas áreas do Direito das Famílias e da Infância e Juventude sabem que, na prática, é muito mais problemática, isto porque no mais das vezes as relações têm seu término motivado por sentimentos e experiências negativas, que deixam mágoas e rancores nos envolvidos.

Diante de um término malsucedido, seja de casamento, união estável, namoro, ou qualquer outra relação, contínua ou eventual, os envolvidos, normalmente, agem de modo a evitar as experiências que os remetam a ele, até porque, como dito, as experiências negativas[1] tomam lugar do afeto, e, por isso, lembrar do relacionamento é reviver sentimentos e lembranças desagradáveis (FIORELLI; MANGINI, 2016). Ocorre que, como dito, o relacionamento pode ser passageiro, mas os filhos oriundos dele não.

Partindo-se deste pressuposto, é importante solidificar a ainda pouco abordada, no Brasil, ideia de par parental.

Entende-se por par parental aqueles que, embora não tenham relacionamento afetivo entre si, continuam a nutrir vínculo, cujo núcleo central é o filho. Em outras palavras, a motivação do par parental para se relacionar não é o sentimento que têm um pelo outro, mas sim a garantia do bem-estar do filho (ALMEIDA, 2015).

Ainda sobre a questão conceitual, consigna-se que alguns se valem da expressão casal parental para se referir ao par parental (ALVES, 2014), o que aqui não se entende como a melhor opção, tendo em vista que o termo casal também serve para designar sujeitos que mantêm relacionamento afetivo ou sexual (PRIBERAM, 2022), e, como dito, o par parental é constituído a partir do vínculo dos genitores em razão do filho, e não em razão deles próprios.

A temática ora abordada é de tamanha relevância que transcende o campo moral, do ser um bom pai e uma boa mãe porque é o certo, o justo. Percebe-se que a formação do par parental, com o(a) ex é um dos deveres da parentalidade, impostos pela Constituição Federal, pois em seu art. 227 é previsto que a família garantirá, com absoluta prioridade, tratamento digno e a convivência familiar, ou seja, com ambos os genitores, à criança e ao adolescente. Quando se lê absoluta prioridade no texto constitucional se está a dizer que em nenhum momento qualquer fator pessoal ou subjetivo dos pais poderá se sobrepor ao bem-estar dos filhos, mesmo aqueles relacionados a sentimentos ou experiências negativas que motivaram o término do relacionamento:

A criança deve ser tratada com absoluta prioridade, diz o art. 227, caput. Tal disposição funciona como critério para a solução de conflitos que envolvam os direitos da criança que, à luz da Constituição, não é considerada objeto de direito (v.g. objeto da guarda a que os pais teriam direito, por ocasião da dissolução do casamento). Ex. Apesar de separados ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso (MEDINA, 2013, p. 765).

Além da determinação constitucional, extrai-se, também, do Código Civil o dever de se constituir o par parental, tendo em vista que no diploma se prevê que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos.

É necessário solidificar a ideia de par parental. Reconhece-se sua importância, tanto é que alguns até defendem que se trata de uma modalidade de família, e que, portanto, merece especial proteção (ALVES, 2014). Entretanto, ainda muito pouco se fala sobre.

Conforme dito no início desta reflexão, marido, companheiro, namorado, ficante, pode não ser para sempre, mas filho é; e, o término da relação pode ser o fim de uma história vivida, porém deve ser, também, o início de um par parental.


REFERÊNCIA:

ALMEIDA, Amélia Dias de. Avaliação do grau de concordância entre membros do par parental relativamente à comunicação entre pais e filhos. 2015. 23 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Coimbra - Portugal, Coimbra, 2015. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31775/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Amelia%20C.%20Dias%20de%20Almeida%20.pdf. Acesso em: 30 jun. 2022.

ALVES, Jones Figueirêdo. O casal parental. Migalhas, Ribeirão Preto, p. 194869, 6 fev. 2014. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/194869/o-casal-parental. Acesso em: 30 jun. 2022.

FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

MEDINA, José Miguel Garcia. Constituição Federal Comentada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PRIBERAM. Dicionário, 2022. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/par. Acesso em: 30 jun. 2022.

STJ. Pai é condenado a pagar R$ 30 mil de danos morais por abandono afetivo da filha. STJ Notícias, Brasília, 23 fev. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/21022022-Pai-e-condenado-a-pagar-R--30-mil-de-danos-morais-por-abandono-afetivo-da-filha.aspx. Acesso em: jun. 2022

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Sobre o autor
João Gabriel Fraga de Oliveira Faria

Advogado (OAB/SP n. 394.378). Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Constitucional Aplicado. Cursou especialização em Direito Público. É especialista em Direito Empresarial. Fez especialização em Direito e Processo Civil. É presidente da comissão de Direito de Família da 52º Subseção da OABSP. Foi membro da diretoria do núcleo regional (Lorena/SP) do IBDFAM. E-mail para contato: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, João Gabriel Fraga Oliveira. A ideia de par (casal) parental no pós-relacionamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6941, 3 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98937. Acesso em: 25 abr. 2024.

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