No meio jurídico-penal brasileiro sempre predominaram posturas, sobretudo doutrinárias, opostas à "repressão criminal", pejorativamente denominada "direito penal do terror", "tolerância zero" etc. A maioria dos "jus-penalistas" impôs suas razões anti-repressivas, qual um monastério de sábios, excluindo da comunidade jurídica, sob a coima de "reacionário" ou "não progressista", quem ousasse tomar por ponto de partida temas relevantes como as nefastas conseqüências sociais e individuais do crime, os riscos que a criminalidade suscita para o Estado Democrático de Direito.
Não há dúvidas de que muitas das idéias forjadas no âmbito desse "garantismo negativo", que busca frear a arbitrariedade estatal, estabelecendo garantias individuais impositivas de um non facere estatal, e que teve sua máxima importância nos "anos de chumbo", foram e são relevantíssimas, pois permitiram forjar um direito penal mais humano e conciliador.
Todavia, levados ao extremo e mercê da realidade atual pautada pela atuação de organizações criminosas poderosíssimas e mesmo ações criminosas individuais executadas com intensa atrocidade, seus postulados podem ocasionar desproteção de bens jurídicos de máxima hierarquia e impunidade socialmente sensível, fazendo emergir instintos de justiça privada no meio social, como dão conta as milícias privadas que principiam a tomar bairros e favelas no centro do país, ocupando um lugar que deveria ser do Estado.
É o que vem à tona desde que medidas indiretamente favoráveis ao incremento da criminalidade foram adotadas pelo legislador federal e pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, tais como a dispensa do exame criminológico antes previsto no art. 112 da Lei 7.210/84 e a declaração incidenter tantun de inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º da Lei 8.072, proferida no HC 82959. Tal decisão, levada a efeito por apertado score 06 a 05 e proferida no controle difuso de constitucionalidade, não tem eficácia erga omnes, daí porque não excluiu a vigência do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.
Todavia, com a publicação da Lei n.º 11.464, de 28 de março de 2007, passaram os §§ 1.º e 2.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90 a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2.º...omissis...
(...)
§1.º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
§2.º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
Trata-se, na hipótese, de fazer incidir o artigo 2.º, § 2.º, do Código Penal, e artigo 5.º, inciso XL, da Constituição Federal, ou seja, o princípio da novatio legis in mellius. Explica-se.
A dicção original do artigo 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90 assim dispunha:
Art. 2.º...omissis...
(...)
§1.º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
Em cotejo dos dispositivos, vê-se que o novel cânon faculta a progressão de regime aos condenados pela prática de crime hediondo, desde que implementados os requisitos objetivos e subjetivos para tanto, o que lhes era ceifado no antanho.
Conquanto a gravidade dos delitos em tela e o clamor social para increpação aos seus praticantes recomendasse a determinação original de regime integralmente fechado, a novatio legis in mellius espanca qualquer dúvida sobranceira, devendo ser aplicada, desde logo, pelo Juiz da Execução (artigo 66, inciso I, da LEP), dado que mais benéfica ao réu.
Destarte, não se diga, como se vem aventando, açodadamente, que a decisão proferida pelo Excelso Pretório no HC 82.959 tenha estabelecido uma legislação intermediária para o tema, que beneficiaria o autor de crime hediondo ou equiparado com a progressão de regime ao cabo do cumprimento de apenas 1/6 da pena previsto genericamente no art. 112 da Lei 7210/84. A fim de rebater um tal sofisma, pede-se vênia para delinear os esclarecimentos que seguem, cuja logicidade espanca qualquer argumento em contrário.
2. Do caráter incidental da decisão proferida na HC 82.959 do STF – decisão sem efeito vinculativa nem eficácia erga omnes.
O precedente colacionado da Suprema Corte tange meramente a um julgamento em que o controle de constitucionalidade deu-se pela via de exceção (incidental). Tal consigna uma "inconstitucionalidade" incidenter tantum, e, destarte, ostenta eficácia inter partes (efeito particular), ou seja, opera seus efeitos apenas em relação às partes litigantes, nada modificando em relação a terceiros, ou a estes beneficiando.
Nas palavras do deputado constituinte, MICHEL TEMER: "A via de exceção (ou de defesa) (...) não é declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, mas exigência imposta para a solução do caso concreto". (grifou-se) [01].
Por conseguinte, advém, como elemento particularizador desse controle de constitucionalidade, a ausência de efeito que vincule o julgamento das instâncias verticalmente inferiores do Poder Judiciário à decisão do STF, acerca da inconstitucionalidade de determinada matéria declarada incidenter tantum, permanecendo válido, aos demais órgãos de julgamento, o princípio do livre convencimento motivado.
Se a decisão fosse tomada no âmbito do controle concentrado, que fulmina a lei em tese, a solução seria outra, mas tal jamais ocorreu até a presente data, com relação à Lei dos Crimes Hediondos.
Por outra, em respeito ao Princípio da Tripartição dos Poderes, elucubrado no Iluminismo e, desde então, um dos pilares filosóficos das repúblicas democráticas, não é dado ao Poder Judiciário legislar em tese e, mesmo em casos como este em epígrafe, por carecer de efeito vinculante, o âmbito efetivo da declaração de inconstitucionalidade na via difusa, em especial, com relação a pessoas estranhas à demanda, fica a depender da intervenção do Senado Federal, a quem compete, precipuamente (artigo 52, inciso X), suspender a execução, no todo ou em parte, da lei assim declarada.
Neste sentido, JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao lapidar lição, com acerto pontificou:
A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art. 52, X (...).
Mas, no sistema brasileiro, qualquer que seja o tribunal que a proferiu, não faz coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, porque qualquer tribunal ou juiz, em princípio, poderá aplicá-la por entendê-la constitucional, enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender sua executoriedade,...(grifo nosso) [02]
Comporta ressaltar, também, que o citado Ente Estatal não chegou a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão terminativa do Pleno do STF e acredita-se que, agora, tampouco o fará, uma vez que a referida lei encontra-se revogada pela legislação superveniente.
Até mesmo Luiz Flávio Gomes, que se auto-intitula um "intérprete adepto do Estado Democrático e Humanitário de Direito", no caso em epígrafe, advoga a aplicação do requisito exclusivo do cumprimento de 1/6 da pena para fins de progressão nos crimes hediondos praticados até o advento da Lei 11.464/07, porém admite que a decisão do STF depende de uma súmula vinculante para ter eficácia erga omnes [03].
Com efeito, para conferir à decisão proferida no controle difuso um efeito similar ao do controle concentrado e, então respeitar-se efetivamente o sistema constitucional brasileiro, que vem sendo mutilado ao sabor de interesses momentâneos, impunha-se que viesse à tona a resolução do Senado ou a súmula vinculante; nenhum dos dois institutos sobreveio à casuística decisão do STF, proferida com apertado score, donde resultar que se tratava de decisão com efeitos concretos, sem efeitos erga omnes e, portanto, nem se cogita em questionar se possuía ou não efeitos ex nunc ou ex tunc. No tocante à obrigatoriedade de uma súmula vinculante do STF, vale transcrever escólio de Marcelo Lessa Bastos:
Ora, é trivial que as decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas em controle difuso de constitucionalidade não possuem eficácia vinculante e nem efeitos erga omnes, a não ser que seja adotada a providência do art. 52, X, da Constituição Federal [07], o que não foi feito em relação ao tema em debate. Ou que seja aquela decisão encampada por súmula vinculante, em conformidade com o disposto na Lei nº 11.417/06, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45 [08]. Cabe aqui uma pergunta: para que serviria a súmula vinculante se qualquer decisão tomada pelo Plenário do Supremo em controle difuso de constitucionalidade produzisse efeitos erga omnes? [04]
Invocar palavras sonantes com efeitos emocionais como "intérpretes adeptos do Estado Humanitário de Direito" nada mais é do que prática vetusta e astuciosa de que já lançavam mão, há 2500 anos, os antigos sofistas gregos. Em muito pouco tempo, o Direito Penal caminhou de um extremo a outro, desde penas cruéis aplicadas há menos de trezentos anos, em que o corpo do condenado era submetido a indizíveis suplícios, ostentados publicamente, do que nos dá conta Foucault em seu clássico "Vigiar e Punir", até a fase atual, em que o apenamento real de crimes gravíssimos é tão pífio, tão flagrantemente desproporcional ao mal causado, que tem exposto o próprio sistema estatal de justiça a uma condenação social de desconfiança e ineficiência, fazendo brotar instintos naturais de justiça privada, que são a gênese da derrocada do Estado Democrático.
Por isso, modernamente, entre juristas responsáveis e sensíveis aos anseios sociais [05], vem emergindo uma natural preocupação com a vítima e com a avaliação que a sociedade faz do próprio sistema público de justiça, traduzida na defesa de um garantismo positivo, capaz de engendrar a melhor proteção dos bens jurídicos, sem descurar os princípios humanitários da execução penal e os justos postulados do minimalismo, ou seja, validar e pôr em prática o princípio supraconstitucional da proporcionalidade que, ao tempo em que veda o excesso punitivo, também condena e evita a proteção deficiente dos bens jurídicos [06].
Apenas para uma aproximação maior da realidade, o prestigiado jornal Zero Hora, na edição dominical de 22/04/07, publica como manchete: "Quase 33 mil presos fugiram em sete anos", noticiando que,
Desde 2000, presídios gaúchos registraram 32.919 fugas – uma média de 12,4 por dia. O principal motivo do descontrole está no semi-aberto. Favorecidos por uma legislação branda, os alojamentos abrigam condições ideais para as fugas: superlotação de condenados, fiscalização falha e contenções físicas frágeis. De cada cem escapadas, 74 ocorreram no semi-aberto. Nos registros policiais se revela o reflexo das fugas: boa parte dos envolvidos em crimes deveria estar atrás das grades.
No corpo da reportagem, consta que uma avaliação do Ministério Público, em Porto Alegre, constatou que 40% dos fugitivos são presos em flagrante de outros delitos, o que significa que o índice de reincidência dos fugitivos é bem maior, pois apenas uma pequena fração de crimes é flagrada pela polícia.
A reportagem vem na esteira de uma das maiores preocupações das modernas sociedades ocidentais: o incremento da criminalidade no seio dos regimes democráticos, o que coloca em risco a própria essência do Estado Democrático de Direito. As modernas democracias, inspiradas na noção de Estado Social, dividiram riquezas, levaram maior igualdade de oportunidades à população, mediante a distribuição gratuita de educação, saúde, lazer, habitação, incrementaram a economia, mas não conseguiram, modo algum, a partir de uma política criminal excessivamente liberalizante, sustentada como pressuposto da democracia, conter o avanço da criminalidade, sobretudo a organizada e violenta, em cujo seio grassam, com ênfase, os crimes hediondos.
Além disso, a matéria veiculada na ZH de 22/04/06 reflete outra ameaça à sociedade a que nos estamos propondo evitar: a precipitada e prematura progressão de regime nos crimes hediondos, com a conseqüente facilitação de fuga a tais criminosos, exacerba ainda mais a insegurança social já insuportável para a maioria da população sem acesso aos recursos de segurança privada e pública específica, com que só os mais privilegiados podem contar.
Destarte, não bastassem os argumentos jurídicos insofismáveis, até por razões de ordem sociológica, beira ao escárnio para com grande massa populacional, argumentar que a declaração incidental de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n.º 82.959, criou o parâmetro temporal de 1/6 (um sexto) de cumprimento da pena para progressão de regime ou determinou sua aplicação.
O critério adotado de 1/6 pela maioria da jurisprudência pátria, foi um parâmetro provisório ante a lacuna estabelecida pela decisão do STF. Para muitos magistrados, optar por este critério sequer atendia às suas convicções pessoais; refletia, porém, a rendição ante a inevitável reforma de qualquer decisão em sentido contrário, atacável via simples habeas corpus direcionado à Suprema Corte [07].
No entanto, é forçoso convir que este parâmetro de 1/6 da pena, a par de tratar desigualmente os desiguais, impondo a crimes comuns e hediondos um mesmo requisito, quando a própria Constituição, refletindo a vontade soberana do povo, determinou tratamento mais rigoroso aos crimes hediondos e equiparados, por isso mesmo engendra uma proibitiva proteção deficiente de bens jurídicos de máximo escalonamento tais como a vida, a liberdade sexual, a saúde pública, valores sociais de elevada envergadura, tutelados pelas normas incriminadoras dos assim denominados crimes hediondos.
Assim que tal iníquo critério deve ser de pronto banido para que outro, mais justo, possa ter lugar. A aplicação imediata da Lei 11.464/07 que deu nova redação ao art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos, só encontra óbice nos casos de apenados já beneficiados com a progressão de regime pelo nefasto critério de 1/6, pois para tais aproveita outro instituto basilar do constitucionalismo moderno: o direito adquirido.
Com efeito, só têm direito adquirido à progressão com 1/6 aqueles condenados, que, quando da entrada em vigor da Lei 11/464 de 28/03/2007, já tinham em seu favor uma decisão judicial que lhes concedeu a progressão. Nesse caso, a regressão somente será possível mediante as hipóteses legais: falta grave ou advento de novas condenações que imponham o regime fechado. Mesmo assim, uma vez regredidos, terão de se submeter aos novos requisitos legais para segunda progressão.
De outra parte, admite-se com direito à progressão, os apenados cuja sentença penal condenatória, em controle difuso, já considerava inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Em tais casos, evidentemente, o apenado tinha direito à progressão de regime pelo único critério legal geral então vigente que era o de 1/6. Porém, se a sentença condenatória determinava o regime integralmente fechado, a decisão do STF relativa ao caso concreto veiculado no HC 82959, não tem o condão de reformar o decisum da instância inferior, porque sem eficácia erga omnes.
Por isso que, em lapidar lição, refere o incomparável HUNGRIA [08] que: "É já assentado o princípio de que a única fonte do direito penal é a lei (n.º 1), segue-se que uma lei penal somente por outra (lex posterior) é revogável. Pode ocorrer, entretanto, que uma lei penal, de antemão, no seu próprio texto, limite sua vigência a um prazo certo (lei penal temporária) ou à duração de excepcional acontecimento (lei penal excepcional)..."(grifou-se).
Outro tema que logo manifestar-se-á polêmico concerne à segunda progressão de regime em crimes hediondos, ou seja, do semi-aberto para o aberto. Em tais casos, o segundo período de 2/5, que deverá ser calculado sobre o restante da pena, praticamente coincidirá com o limite de 2/3, que outorga ao apenado o direito ao livramento condicional. Como efeito, o primeiro período de 2/5, ocorrerá com 40% da pena, o segundo, incidente sobre os restantes 60%, corresponderá a mais 24% da pena, totalizando 64% da pena, pouco menos que 2/3, que correspondem a 66,666% da pena. Esta diferença em uma pena de cinco anos, por exemplo, equivalerá a apenas 01 mês e 18 dias.
Salvo melhor juízo, este é um consectário da vontade do legislador que, ao que se vê, não pretende outorgar ao condenado por crime hediondo a possibilidade de cumprir sua pena em regime aberto, mas apenas no regime semi-aberto o qual deveria ser cumprido em colônia penal agrícola ou industrial. Sabe-se, no entanto, que, à falta de tais estabelecimentos, o regime semi-aberto, vem sendo cumprido, nos moldes do regime aberto, com possibilidade de trabalho externo.
Ou seja, para o Legislador, em se tratando de crime hediondo ou equiparado, é suficiente uma progressão de regime do fechado para o semi-aberto, não sendo compatível com tal espécie delitiva, o regime aberto, reservado apenas à criminalidade menos danosa.
De outra banda, é possível que quando do advento do direito à liberdade condicional, ao analisar requisitos subjetivos (cuja verificação não deveria dispensar o exame criminológico em vias de ser restabelecido pelo legislador federal) o juiz opte por outorgar, inicialmente, o regime aberto, a fim de melhor avaliar o impacto da liberdade na vida do apenado, mantendo sobre ele controle mais cerrado, para, ao depois de um período de prova, conceder-lhe a liberdade condicional.
Nos casos de presos reincidentes, exige a lei o cumprimento de 3/5 da pena para cada progressão. Ocorre que o legislador, ao impor o requisito objetivo de cumprimento de 3/5 da pena, referiu-se genericamente "ao reincidente", no que foi pouco específico, porquanto há vários tipos de reincidências, algumas delas pouco relevantes, por exemplo, a reincidência em crime culposo é bem pouco importante do ponto de vista penal, tanto que não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos a teor do art. 44, II, do CP, nem a aplicação do sursis, consoante dispõe, expressamente, o art. 77, I, do CP. Ademais, a condenação anterior à pena de multa exclusivamente não impede a proposta de transação penal, conforme art. 76, § 2º, I, da Lei 9.099/95.
Assim, não seria qualquer reincidência que deveria determinar o interstício diferenciado de 3/5, mas uma reincidência qualificada e, nesse caso, aplicando-se uma analogia in bonam partem com a hipótese do livramento condicional em crimes hediondos, a nosso ver, somente a reincidência específica em crime hediondo ou equiparado, determinará este parâmetro de 3/5, tal como, em se tratando de liberdade condicional, tem o condão de impedi-la absolutamente.
Frise-se que a reincidência específica de que aqui se cuida é em qualquer crime hediondo ou equiparado e não necessariamente em crime da mesma espécie, pois isto é que deflui muito claramente da redação do art. 83, V, do CP. Nesse sentido, aliás, já se posicionou a doutrina:
a) Lei n. 8.072/90: acrescentou o inciso V ao art. 83 do CP, o qual vedou o livramento condicional para os reincidentes em qualquer dos crimes previstos na Lei dos Crimes Hediondos. Assim, o "reincidente em crime específico em crimes dessa natureza" não terá direito algum ao benefício. Reincidente específico, aqui, não quer dizer em crimes previstos no mesmo tipo legal, mas em crimes previstos na mesma lei. Por exemplo: tortura e terrorismo, latrocínio e tráfico de drogas, homicídio e extorsão mediante seqüestro e assim por diante. Trata-se de um novo conceito, um pouco mais amplo. [09]
A partir de tal raciocínio, reincidências outras que não em crime doloso não impediriam a progressão com 2/5 da pena. Vale frisar que o critério sobredito não é analógico apenas com a hipótese do livramento condicional, mas também com o requisito de progressão com 1/6 para crimes comuns, que não prevê nenhum requisito temporal diferenciador entre criminosos primários e reincidentes. Assim, somente a reincidência específica em crime hediondo justificaria a exigência de cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão, até porque, nesse caso, o preso não teria mesmo direito ao livramento condicional e assim, se beneficiaria apenas de uma progressão para o regime semi-aberto. A segunda progressão ocorreria com 3/5 do restante da pena após a primeira progressão. Deste modo, a primeira progressão ocorreria ao cabo de 60% da pena e a segunda, incidente 3/5 sobre os 40% restantes, ocorreria ao cabo de 84% da pena (pois 3/5 de 40% é 24%), ou seja, os últimos 16% seriam cumpridos em regime aberto.
Por último, há que se frisar que todas as considerações acima não valem para o caso de crimes de tortura, pois que a seu respeito, a Lei 9455/97, em seu art. 1º, § 7º, já previa a possibilidade de progressão do regime, determinando apenas o início da pena em regime fechado. Como ao tempo da referida lei, o requisito temporal existente era o de cumprimento de 1/6 da pena, conforme art. 112 da Lei 7210/84, obviamente que, agora os novos parâmetros somente serão aplicáveis aos casos de tortura ocorridos a partir da vigência da nova redação do art. 2º da Lei 8.072/90.