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Princípio da consunção:

o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa

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01/08/2000 às 00:00
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6. Conclusões

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A insurgência do concurso de normas merece uma atenção de todo especial, visto que, como explanamos exaustivamente, de sua solução é que o exegeta e o aplicador da lei encontrarão os subsídios para fazer valer a melhor série de conseqüências penais, processuais e executórias, caso a caso.

Entrementes, como transparece inequívoco, não se prescinde, em primeira mão, da cognoscibilidade de o concurso ser real ou aparente(16), conseguintemente, de permitir-se a incidência de mais de uma norma jurídico-penal sobre um mesmo caso concreto, sob pena de, em pensar o intérprete tratar-se de concurso formal ou material de delitos, operar em reprovável e inadmitido bis in idem. Após, em se cogitando e afirmando pela subsistência de concurso aparente de normas, necessário será solucioná-lo, estabelecendo-se doravante o pressuposto básico dessa solução: o princípio correto ao caso sub specie.

Concluindo-se pelo princípio da consunção, restará, agora, fazer jus à sua modalidade adequada, havendo de termos em mente, sempre, que os delitos ensejadores do conflito de normas ofendam ou ao menos determinem-se a ser potencialmente lesivos a uma mesma objetividade jurídica, de titularidade de um mesmo sujeito passivo ou (biopsiquicamente falando) de uma mesma vítima. Ressalte-se que, do contrário, face a face estaremos nos defrontando com um real concurso de crimes.

No tocante ao crime progressivo e à progressão criminosa, interessante é notar-se que, muito obstante a unanimidade da doutrina aponte-os como modalidades, espécies ou "faces" pelo que se rege a consunção, não despiciendo é apregoar que, à guisa dos exemplos que são mostrados a latere, o que neles existe mesmo é, ao contrário que fora dito de plano no item 1 de nosso trabalho, uma pluralidade de infrações, sendo todas elas, com exceção de uma, absorvidas. Donde porque talvez fossem melhormente estruturados os elementos do conflito aparente de normas da seguinte forma: responsabilidade criminal por uma única infração penal (ao invés, simplesmente, de "unidade de infração", conceito restritíssimo diante da dinamicidade de fatores e possibilidades de aplicação da consunção) e pluralidade de normas identificando o mesmo fato como delituoso.

Não sendo dessa forma, isto é, permanecendo aquela sistemática da "unidade de fato", e então passaríamos a indagar por que, então, o crime progressivo e a progressão criminosa, que incontestavelmente apresentam no bojo de sua conceituação uma pluralidade de fatos, são estudados como que hipóteses de conflitos aparentes entre normas penais.

Em outro compasso, não poucos doutrinadores deixam de vislumbrar, no crime progressivo, um instituto tão amplo que acaba alicerçando o estudo do antefactum impunível. Corrigindo essa falha, e não se olvidando que tanto no crime progressivo quanto no antefactum o que o agente deseja, desde o início de seu volitismo delinqüencial, é a consumação do crime-fim, ou seja, levando-se em consideração o aspecto subjetivo — que é o que seguramente distingue, no tempo e no espaço, o crime progressivo da progressão criminosa —, o antefactum acha-se muito mais adequado às premissas e à teleologia do crime progressivo.

De outra parte, e corroborando com isso, sem embargo de discrepâncias que poderão ulteriormente surgir em contraposição à nossa tese, a progressão criminosa em sentido amplo mais se aproxima (para não dizer mesmo que se identifica), tão-somente, com a progressão criminosa em sentido estrito e o postfactum impunível, visto que neles, e apenas neles (e jamais no antefactum, como pudemos comprovar) é que o agente exerce uma atividade psíquica volitiva finalisticamente dirigida a um resultado e, após, durante o iter criminis dessa atividade, lança-se à propositura de outra, com fim diverso do primeiro.

Daí porque, com algum juízo de plausibilidade, aproveitamos para aclarar que a progressão criminosa mostra-se mais como uma "aventura delituosa" do agente do que um seu comportamento calculado, porquanto (quando muito) apenas a primeira infração é que é planejada, cabendo às sucessivas uma aprovação de seu cometimento quando já desencadeada a cadeia causal da primeira. No crime progressivo, em seu turno, o sujeito ativo revela-se mais acautelado do que e quando exatamente irá perpetrar todos os ilícitos-meios que o dirigirão indispensavelmente, no caso concreto, à sua ultima ratio, o ilícito-fim.

Paralelamente a toda essa "arrumação" dos elementos e modalidades do crime progressivo e da progressão criminosa em sentido amplo, que fora o intento precípuo desse trabalho, não poderíamos deixar de lado a distinção entre o postfactum impunível e a progressão criminosa em sentido estrito. Num e noutra o aspecto ôntico-subjetivo é idêntico, a pluralidade intencional, no percalço do iter criminis, no agente. Objetivamente, contudo, nada mais insofismável e cristalino do que, no postfactum, os delitos sucessivos são absorvidos, pois estes é que se revelam menos graves, ao passo que na progressão criminosa em sentido estrito o último deles, porque mais grave que seus antecessores, é que, validamente, faz-se subsistir na solução do conflito.

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NOTAS

  1. Os concursos material e formal, bem como o crime continuado (que nada mais representa que um concurso material de infrações penais que o Direito Penal, fictamente, regula como ilícito único, "pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes"), que são espécies de concorrência real de normas penais incriminadoras, estão definidos, respectivamente, nos arts. 69, 70 e 71, do Código Penal brasileiro.
  2. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 19ª ed., 1995, p. 99, § 1º.
  3. Eis, p. ex., a lição de José Frederico Marques (apud JESUS, op. cit., p. 99, § 4º), corroborada pelos demais autores penalistas, ao comparar o princípio da consunção (cuja observância dos fatos sobre eles a incidir o princípio deve sempre dar-se in concreto) com o da especialidade (cuja visão é perceptível in abstracto): "Na relação consuntiva não há o liame lógico que existe na da especialidade. A conclusão é alcançada não em decorrência da comparação entre as figuras típicas abstratas, mas sim pela configuração concreta do caso de que se trata."
  4. ASÚA apud JESUS, op. cit., p. 99, § 5º.
  5. Nesse caso estamos deixando de lado qualquer apreciação valorativa individual, porquanto um valor X (ex.: vida) que para o Direito é considerado mais importante que Y (ex.: liberdade), e portanto um crime que ofende aquele primeiro é que é merecedor da denominação de "crime mais grave", poderá não o ser para muitas pessoas da coletividade, ou até mesmo nem o ser para a própria coletividade.
    Isso importa dizer que, feliz ou infelizmente, o que se cuida quando da averiguação dos delitos mais graves é o critério puramente sancionatório, de natureza positivo-dogmática, não cabendo razões e discussões quanto à (maior) justiça ou injustiça em apenar-se mais severamente um determinado ilícito penal que outro, ainda que a carga axiológica da coletividade como um todo tenda a sentido diametralmente oposto.
    Em resumo, o que é digno, ou não, de maior tutela jurídica — e, por conseqüência, a infração penal que é mais ou menos merecedora de reprimenda penal — fica ao talante de nossos legisladores, e apenas a eles.
  6. Alguns poderão desejar refutar a tese de que a reclusão não implica severidade maior que a detenção porque (segundo afirmariam), na prática, não é bem isso o que ocorre. Sem embargo disso, o certo é que se o legislador previu à pena privativa de liberdade que ela seria executada em regime de reclusão ou de detenção (art. 33 do Código Penal), é porque quis distinguir esses dois institutos. Se não, para que finalidade os preceitos secundários das normas incriminadoras fazerem expressa menção ao instituto ora da reclusão, ora da detenção? Daí porque, muito embora de fato sejamos surpreendidos com práticas contrárias ao estabelecido em lei, a reclusão, ao prever o regime fechado, é, com toda a certeza, ao menos do ponto de vista da lei (que é, aqui, nosso parâmetro, e não um dever-ser metajurídico eivado de ilegalidade, perceba-se), mais severa.
  7. Essa constatação é apoiada por: GRISPIGNI apud NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 14ª ed., 1977, p. 290, § último.
  8. O "mesmo contexto", do crime progressivo, há de ser averiguado prudentemente, pelas condições e circunstâncias de tempo (principalmente), lugar e o modus operandi, tudo dentro de um mesmo e único iter criminis (o crime posterior funciona como que continuação do anterior, ou, este figura como se fase fosse do iter do delito mais grave).
  9. Por sinal, é exatamente esta a posição de Francisco de Assis Toledo (e o exemplo que ele oferece, aliás, é o mesmo), muito embora o autor tenha deixado de esposar seus argumentos (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1994, p. 54, § 1º).
  10. Nada impediria, outrossim, para a verificação de relação de progressão criminosa, que um dos delitos fosse culposo e o absorvente, doloso. Seria, por exemplo, a hipótese de quem houvesse imprudentemente atropelado com seu veículo automotor um pedestre, causando-lhe lesões corporais, e logo se determinasse a matá-lo, passando por sobre ele com aquele mesmo meio.
  11. Poderá o julgador, quando da aplicação da pena in concreto, levar em consideração a primeira finalidade ilícita como circunstância judicial agravante, constante do art. 59 do Código Penal, notadamente na apreciação da personalidade do agente, dos motivos, do comportamento da vítima e demais circunstâncias atinentes.
  12. JESUS, op. cit., p. 102, § último.
  13. Tudo aquilo que expusemos acerca da importância da identidade de objeto jurídico e de sujeito passivo, no antefactum impunível, é aplicável ao postfactum.
  14. A não ser que Z deva presumir que a coisa fora obtida por meio criminoso, "por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece", caso em que poderá responder por delito de receptação culposa (art. 180, § 1º, do Código Penal).
  15. Esta não é, entretanto, a corrente jurisprudencial dominante, para a qual (sem muito sentido, compreendemos) o estelionato é o crime consuntivo (Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça), ainda que se saiba que ele figura crime menos grave que o de falsidade de documento público (art. 297 do Código Penal), cuja pena privativa de liberdade varia de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão. Não nos associamos a esse posicionamento pelo ilogismo de se absorver, pelo estelionato, um crime de punibilidade mais intensa e, ainda, porque ambos os delitos são reciprocamente incompatíveis entre si para corresponderem aos anseios da correta aplicação do princípio da consunção, tendo-se em mira que não há entre eles identidade de objetividade jurídica, nem identidade de sujeitos passivos. Em nosso modo de ver, há entre os dois delitos verdadeiro concurso real de normas, segundo nos respalda doutrina da melhor estirpe: MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, vol. 3 (Parte Especial - arts. 235 a 361 do Código Penal), 12ª ed., 1998, p. 241, § último; JESUS, op. cit., vol. 4, p. 43, § 4º; NORONHA, op. cit., vol. 2, 11ª ed., 1976, p. 399, § 1º. Igualmente, a jurisprudência e a doutrina (Manzini, Maggiore, Impallomeni, entre tantos outros) constantes e pacíficas da Itália. Não concordando que haja concurso de delitos, mas ao mesmo tempo refutando a tese de absorção do falsum pelo estelionato, defendendo a consunção deste por aquele: HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, vol. VIII, 5ª ed., 1979, p. 226.
  16. Percebemos que, muito apesar de não se fazer distinção, na terminologia constante do concurso de normas, entre "concurso" e "conflito", é importante ressalvar que não há que se falar propriamente (e tecnicamente) em conflito quando no caso concreto não restam dúvidas quanto ao surgimento de concurso real de normas. Isso porque, veja-se, se há uma pluralidade de infrações e uma pluralidade de normas efetivamente incidentes sobre as mesmas, por que falar-se em "conflito"? Não haveria, isso sim, uma concorrência harmônica entre normas? A resposta a esta vexata quæstio, ao que se crê, é positiva, não se podendo, portanto, atribuir a um concurso real de normas a denominação de conflito. No concurso aparente de normas, nele sim, há conflito a ser transposto, porque elas são, em princípio, potencialmente incidentes, sendo que a hipótese de incidência do tipo penal de uma só delas é que é satisfeita com todas as elementares do suporte fático in specie, entre elas se travando, grosso modo, uma "competição", finda a qual restará a incidência de uma única e só norma penal incriminadora.

BIBLIOGRAFIA

  • BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, tomo I, 3ª ed., 1967.
  • FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 1980.
  • HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, vols. I e VIII, 5ª ed., 1979.
  • JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vols. 1 e 4, 19ª ed., 1995.
  • LUNA, Everardo da Cunha. Estrutura Jurídica do Crime e Outros Estudos. Recife: Imprensa da Universidade Federal de Pernambuco, 3ª ed., 1970.
  • MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.
  • __________. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, vol. 3 (Parte Especial - arts. 235 a 361 do Código Penal), 12ª ed., 1998.
  • NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vols. 1, 14ª ed., 1977, e 2, 11ª ed., 1976.
  • PIRES, Ariosvaldo de Campos. Conflito Aparente de Normas Penais. In: Revista dos Tribunais, n.º 80, vol. 673. São Paulo, novembro de 1991, pp. 291-303.
  • SILVA FRANCO, Alberto, STOCO, Rui, SILVA JÚNIOR, José, NINNO, Wilson, FELTRIN, Sebastião Oscar, BETANHO, Luiz Carlos, ROCHA GUASTINI, Vicente Celso da. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 1, tomo I: Parte Geral, 6ª ed., 1997.
  • TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1994.
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Sobre o autor
Guilherme da Rocha Ramos

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Guilherme Rocha. Princípio da consunção:: o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/996. Acesso em: 21 nov. 2024.

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