Considerações preliminares
Conforme se depreende da exposição de motivos, para subsidiar a elaboração do anteprojeto de lei de execução fiscal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional promoveu o levantamento de dados estatísticos acerca da dívida ativa da União. Desse levantamento os seguintes dados são relevantes para a análise do anteprojeto em questão:
a) o número de execuções fiscais ajuizadas corresponde a mais de 50% dos processos judiciais, em geral, em curso no âmbito do Poder Judiciário, sendo que no âmbito da Justiça Federal essa proporção é de 38,8%;
b) os dados de 2005 revelam que a taxa média de encerramento de controvérsias em relação às novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e apontam um crescimento de 15% de estoque de execuções em 1ª instância na Justiça Federal, havendo uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos de 1ª instância;
c) existem 2,5 milhões de execuções judiciais no âmbito da Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade;
d) no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, enquanto o processo administrativo tributário leva em média 4 anos, a execução judicial leva 12 anos para findar;
e) menos de 1% do estoque de dívida ativa da União de R$ 400 bilhões (R$600 bilhões se incluída a da Previdência Social) ingressam aos cofres públicos por via de execução fiscal, bem menos do que o percentual alcançado por medidas de parcelamento (REFIS, PAES e PAEX);
f) considerados os valores sob execução judicial e os que estão sob discussão administrativa a dívida ativa da União atinge a cifra de R$900 bilhões, ou seja, 1,5 vezes a estimativa de receita da União para o exercício de 2006.
Com base nesses sombrios elementos fáticos, a PGFN apresenta o anteprojeto de lei instituindo a execução fiscal administrativa nos âmbitos da União, dos Estados e do Distrito Federal, como instrumento de agilização da cobrança da dívida ativa.
Em que pesem os esforços dos autores, este anteprojeto representa um grande equívoco por não examinar as causas do estoque acumulado da dívida ativa, bem como da ‘morosidade’ do Judiciário. Além de padecer de vícios insanáveis do ponto de vista jurídico, em nada contribui para a pretendida agilização do processo de cobrança da dívida ativa. É como a Reforma da Previdência: enquanto continuarem ignorando as causas do déficit da Previdência (algumas delas bem visíveis), as reformas periódicas se imporão, pois os cálculos atuariais só levam em conta o binômio custo/benefício e não os costumeiros desvios de recursos ou a falência da máquina arrecadadora. O mesmo se diga em relação às Pecs sobre precatórios ‘impagáveis’.
Ora, se apenas 1% da dívida ativa está sendo efetivamente arrecadado pelo processo de execução fiscal e se há baixíssimo índice de impugnação da execução fiscal (embargos e exceção de pré-executividade), como sustentado na exposição de motivos, é porque não está havendo prévia seleção qualitativa das dívidas ativas a serem ajuizadas, nem está havendo a correta indicação do local onde se encontra o devedor e, tampouco, a indicação de seus bens passíveis de penhora.
Não se pode esperar eficiência se as execuções fiscais são ajuizadas em massa, sem o menor critério seletivo, misturando créditos tributários atingidos pelos efeitos da decadência, devedores presumivelmente insolventes ou não localizados, com créditos tributários de monta e de responsabilidade de empresas economicamente saudáveis. Não faz sentido concentrar os parcos recursos pessoais e materiais de que dispõe a Fazenda nas execuções contra devedores insolventes ou empresas inexistentes de fato.
Quem conhece a realidade dos Anexos Fiscais sabe muito bem que a paralisação dos processos executivos se deve, ou à falta de citação do devedor que se encontra em lugar incerto e não sabido, ou à ausência de indicação, pela exeqüente, dos bens penhoráveis causando aquilo que a PGFN chama de ‘taxa de congestionamento’ da ordem de 80% das execuções. O pior é que a maioria dessas execuções paralisadas é alcançada pela prescrição intercorrente, mas os respectivos autos continuam ocupando, inútil e desnecessariamente as prateleiras do Anexo Fiscal, por não ter quem tome a iniciativa de requerer a sua extinção e arquivamento. Resultado: devedores saldáveis do ponto de vista financeiro e de quantias consideráveis continuam se beneficiando, cujos processos ficam escondidos entre os milhares de processos fadados ao insucesso. Ora, isso é intolerável! Com tamanha desídia e falta de vontade política nenhum instrumento legal poderá propiciar a esperada eficiência! Por conta desse tumulto, decorrente da falta de planejamento, para dizer o mínimo, simples pedido de baixa da penhora por ter pago o débito, leva-se meses, às vezes, anos.
Logo, se há morosidade nas execuções fiscais, a culpa não é apenas do Judiciário. Por isso, parece óbvio que transferir a execução fiscal para o âmbito da Administração não irá resolver o problema.
Aliás, se a Administração Tributária leva 4 anos em média para ultimar o processo administrativo tributário, como afirmado na exposição de motivos (na verdade leva 56 meses em média), dos quais o contribuinte é responsável por apenas 75 dias (30 dias para impugnar, 30 dias para interpor recurso ordinário e 15 dias para eventual recurso especial), não se vê como possa a Administração agilizar a cobrança coativa da dívida ativa chamando para si tal atribuição.
Como se vê, o exame crítico dos dados apresentados pela PGFN está a recomendar outro tipo de providência legislativa, qual seja, o melhor aparelhamento material e pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional à altura de suas atribuições constitucionais e com recursos financeiros prioritários como prescreve o inciso XXII do art. 37 da CF. E acima de tudo é preciso alimentar muita vontade política de resolver o problema, ao invés de esperar que medidas legislativas supram o laborioso trabalho do servidor público e a eficiência do serviço público, que é um dos princípios constitucionais que rege a Administração Pública (art. 37 da CF).
Do exame do anteprojeto apresentado pela PGFN
Confundindo penhora administrativa, com execução fiscal administrativa e interesse público, com interesse privado do poder público, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional elaborou um anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, para tentar reduzir o tempo de tramitação dos processos judiciais e ultimar a rápida arrecadação da receita tributária. Reservou para o Judiciário apenas algumas tarefas de menor relevância. Representa mais uma manifestação da fúria fiscal ao lado de tantas outras: arrolamento fiscal; indisponibilidade universal de bens do devedor; exigência de certidão negativa de tributos para levantar valores depositados em juízo [01], bloqueio on-line de todas as contas bancárias [02], inscrição no Cadin, protesto da certidão de dívida ativa, proibição de obter talonários de notas fiscais; inabilitação do CNPJ como se criar obstáculos ao livre exercício da atividade econômica e denegrir a imagem das empresas em dificuldades financeiras momentâneas pudessem contribuir para o crescimento econômico e conseqüente aumento da receita tributária. Se for para liquidar as empresas em débito com o fisco, a nova lei de falências, que introduziu a recuperação judicial e extrajudicial de empresas em dificuldades econômicas, não teria razão de ser. É preciso mínimo de coerência na legislação como um todo. Não pode haver um instrumento normativo salvando as empresas em dificuldade financeira, enquanto que outro visa inviabilizar a continuidade da atividade produtiva motivada por débitos tributários, muitas vezes, discutíveis.
Abandona-se o meio regular de coerção, que assegura a observância dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (execução fiscal) substituindo-o por normas legais não conformadas com o Texto Maior dentro daquele princípio ‘o fim justifica o meio’.
Na verdade, esse cipoal de instrumentos normativos violentos vêm suprindo a falta de eficiência dos servidores públicos. Dia chegará em que o contribuinte nenhum direito terá. Tamanha é a fúria fiscal que é possível prever para o futuro não muito remoto um sistema jurídico-fiscal em que a Fazenda, em convênio com o Banco Central, programe seus computadores, para promover a compensação dos tributos que ela entender devidos com os saldos em contas correntes, inclusive, promovendo resgates antecipados das aplicações financeiras do contribuinte devedor. Assim, o empresário poderá ficar sem recursos para pagar o tributo retido na fonte, os fornecedores e os salários de seus empregados.
O anteprojeto sob análise é mais um instrumento de manifestação dessa fúria fiscal. São poupados os contribuintes de tributos municipais, já que os Municípios são useiros e vezeiros das tentativas de terceirização do serviço de cobrança da dívida ativa, exatamente, na contramão da diretriz traçada pelo art. 37, XXII da CF.
Ademais, a proposta legislativa mistura providências de natureza administrativa e providências de natureza judicial ao longo do processo de execução fiscal. Confere natureza administrativa ao processo de execução fiscal (art. 3º) remetendo ao Judiciário o controle dos atos praticados pelas Fazendas Públicas com manifesta violação do princípio do juiz natural (arts. 5º, XXXVII e LIII da CF), do devido processo legal (art. LIV da CF), confundido com mero ‘procedimento legal’ e com afastamento do princípio do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV). A penhora, avaliação, o arresto, a remoção dos bens apenhados, o seu registro, o reforço de penhora, a substituição do bem penhorado à critério da Fazenda e independentemente da observância da ordem legal e o leilão [03] são conduzidos pela administração, adentrando no campo reservado à jurisdição (arts. 10 e 19). Porém, se houver impugnação da avaliação cabe ao juiz decidir (§ 2º do art. 12). O arbitramento do percentual do faturamento para fins de penhora também é feito pelo juiz (art. 17). Por oportuno, é de se lembrar que não existe legalmente a figura da penhora de faturamento bruto, nos moldes pretendidos pela anteprojeto, que outra coisa não é senão uma intervenção branca na vida da empresa. O que existe é a penhora de estabelecimento empresarial ou de penhora de faturamento, seguida de nomeação pelo juiz de um depositário responsável pela sua administração (art. 677 e § 3º do art. 655-A do CPC), o que envolve necessariamente os pagamentos de encargos trabalhistas e tributários e de fornecedores. É bem diferente da penhora de um determinado percentual do faturamento bruto, figura abusiva e ilegal que pode implicar falência da empresa.
O anteprojeto contém, ainda, outros vícios. Cria, de forma indireta, a figura da responsabilidade tributária pessoal em relação à terceira pessoa que nada tem a ver com a situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária (§ 3º, do art. 6º); cria nova hipótese de interrupção da prescrição [04] ao arrepio do CTN (§ 5º, do art. 7º); e permite a Fazenda proceder ao leilão na forma eletrônica (§ 3º do art. 20) antes do julgamento de eventuais embargos apresentados pelo executado (art. 23).
Ao estabelecer um sistema híbrido de cobrança coativa da dívida ativa, o anteprojeto em questão cria um tumulto processual, intercalando providências de natureza administrativa e de natureza judicial ao longo do processo de execução.
Nem mesmo nos países em que adotam o contencioso administrativo, existente, entre nós, no tempo do Império, permite-se a promiscuidade de atos administrativos e judiciais no bojo da execução fiscal.
Os ilustres autores, ao procurar ancorar o anteprojeto no princípio da auto-executoriedade de que é dotada a Administração, parece confundir interesse público com o interesse privado do poder público. A Fazenda é parte na relação jurídica tributária. O juiz Estado substitui as partes dessa relação para a solução da controvérsia. Há uma tremenda confusão, também, entre exigibilidade em que a Administração se utiliza de meios coercitivos indiretos como imposição de multas, nos casos expressamente previstos em lei, com executoriedade em que a Administração, independentemente de previsão legal, emprega meios de coerção direta para atendimento de uma situação emergencial que coloca em risco a segurança, a saúde ou o interesse coletivo (erradicação de pomar contaminado pelo cancro cítrico, demolição ou interdição de prédio ameaçando ruir, dissolução de uma passeata que ponha em risco a segurança das pessoas ou dos bens, internamento de pessoa com doença contagiosa etc), na precisa lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [05]. Nessas hipóteses, o controle judicial ocorre a posteriori, se provocado pelo interessado.
Não é por outra razão que o ilustre Presidente da Comissão de Direito constitucional da OAB/SP, Prof. Antonio Carlos Rodrigues do Amaral em um artigo a nós encaminhado afirmou:
‘Não é razoável – do ponto de vista jurídico – que o próprio credor da obrigação, o fisco, representado pelos procuradores, fiscalize, lance o tributo, inscreva-o na dívida ativa, penhore o bem, decida sobre eventuais defesas (p.ex. execução de pré-executividade) e exproprie o devedor. O ordenamento magno não se afeiçoa à hipótese de o próprio erário constranger, executar e expropriar o cidadão, fora do âmbito do Poder Judiciário (cf. inc. XXXV do art. 5º da CF).
Se um particular pretendesse cobrar coativamente o seu devedor incorreria em crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do CP.
Parece fora de dúvida de que a cobrança do crédito tributário mediante expropriação de bens do devedor está submetido ao princípio da reserva de jurisdição, tanto quanto a inviolabilidade do domicílio da pessoa, ressalvada a hipótese de flagrante delito ou desastre.
Supor que a divisão das atividades próprias da execução fiscal entre os órgãos do Executivo e do Judiciário irá agilizar o desfecho das demandas é incorrer no equívoco elementar de quem não conhece a realidade. Como seria possível sustentar que a intervenção do Executivo poderia agilizar a execução fiscal, se os processos administrativos tributários no dizer da PGFN levam, em média, 4 anos para decisão final, dois quais, o contribuinte é responsável pela consumação de no máximo dois meses e meio, entre impugnação e recursos? Como um órgão administrativo, que timbra pela morosidade de seus atos, poderia agilizar a execução fiscal? Claro está que o acúmulo de executivos fiscais no Judiciário é mero pretexto para implementação de instrumentos normativos autoritários e arbitrários para arrecadar a todo custo o que fisco entende ser devido, anulando os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.
Seria preferível, mediante reforma constitucional, implantar o contencioso administrativo subtraindo da esfera do Judiciário a composição de lides de natureza tributária. A experiência tem demonstrado o bom desempenho dos tribunais administrativos ou dos Conselhos de Contribuintes. A imparcialidade e conseqüente confiabilidade das decisões proferidas por órgãos colegiados de segunda instância administrativa, compostos de profissionais especializados que lidam apenas com a matéria tributária, também, é pública e notória.
Exame do Projeto de lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon
Aparentemente os autores do anteprojeto ignoram o Projeto de Lei nº 10, de 2005 que institui a penhora administrativa e que se encontra em tramitação no Congresso Nacional.
Trata-se de projeto de lei apresentado pelo ilustre e combativo Senador Pedro Simon na linha daquele que havia sido apresentado pelo então Senador Lúcio Alcântara [06], e que contou com o endosso da Associação dos Magistrados Brasileiros.
Para melhor exame transcreve-se a integra desse projeto legislativo com a respectiva justificação.
‘PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 10, DE 2005
(Do Senador Pedro Simon)
Institui a penhora administrativa, por órgão jurídico da Fazenda Pública, e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica instituída a penhora administrativa executada pelas Procuradorias Fiscais ou da Fazenda Nacional da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Município e de suas autarquias.
Art. 2º Após a inscrição da Dívida Ativa da União, dos Estado, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, pela respectiva Procuradoria ou pelo órgão jurídico competente estes poderão optar por executar a Dívida Ativa nos moldes da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, ou segundo o disposto nesta lei.
Art. 3º Inscrito o crédito tributário ou não tributário, a respectiva Procuradoria ou órgão jurídico competente notificará o devedor, para pagá-lo, no prazo de cinco dias, amigavelmente, sob pena de proceder à penhora de seus bens, tantos quantos bastem para a garantia da dívida, na forma dos arts. 7º, IV, 8º, 9º 10 e 11 da Lei nº 6.830, de 1980, no que couber.
Parágrafo único. A penhora será realizada por servidor habilitado, na forma do regulamento.
Art. 4º Em caso de pagamento do crédito para com a Fazenda Pública, a penhora será desfeita, imediatamente, devendo essa tomar as providências cabíveis, no prazo impostergável de quarenta e oito horas, sob pena de responsabilidade de quem der causa à omissão.
Art. 5º Realizada a penhora, o devedor poderá oferecer embargos, na forma da Lei nº 6.830, de 1980, perante o juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, o qual requisitará, de ofício, o processo administrativo em que se tiver efetivado a ordem de inscrição e a respectiva penhora administrativa.
Parágrafo único. A Procuradoria ou o órgão jurídico competente deverá encaminhar ao juiz o referido processo, no prazo de quarenta e oito horas, sob as sanções da lei.
Art. 6º Aplicam-se, no que couber, as disposições do Código de Processo Civil e da Lei nº 6.830, de 1980.
Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º Revoga-se o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Justificação
Este projeto foi idealizado e apresentado pelo nosso ilustríssimo colega, o laborioso e eficiente ex-Senador Lúcio Alcântara, hoje grande Governador do Estado do Ceará. A proposição encontrou o amparo e o apoio da AMB, apesar de a proposição ter sido arquivada ela faz parte do pacote de projetos que a Associação dos magistrados Brasileiros consideram imprescindíveis à reformulação de nosso sistema processual. A proposta da AMB é um conjunto de diversas matérias que, sem exagero, pode ser encarado como a verdadeira reforma da Justiça e do Poder Judiciário. Muitas das propostas eu tive a honra de subscreve-las e aqui apresentá-las, neste sentido tomo a liberdade de endossar também este projeto de meu amigo e colega. Concordando em todo o grau com a proposição original, nada mais faço do que aqui reproduzir a justificação que acompanhou o PLS nº 608/99:
"O presente projeto de lei visa ao aperfeiçoamento da cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública – tanto da União, quanto dos Estados, do Distrito federal e dos Município, bem assim dos respectivos entes autárquicos, sem ferir os direitos fundamentais do cidadão, embora se criem instrumentos eficazes para coibir a evasão fiscal.
Não há dúvida de que o Estado necessita de instrumentos capazes de barrar a desenfreada sonegação e a mais absurda das injustiças praticadas contra o bom contribuinte, que paga em dia seus tributos; sem, entretanto, se esmigalhar o mais sagrado dos direitos fundamentais, consagrado através dos tempos, pelas civilizações modernas: a garantia e a preservação do juiz natural, estatuído em nossa Lei Maior (art. 5º, XXXV) como fundamento da democracia.
Para obviar esses males, a doutrina vem pensando em soluções as mais diversas, destacando-se a introdução do contencioso administrativo, com poder jurisdicional, tal qual existente em diversos países, conforme ensinamentos dos Mestres Carlos M. Giuliani Fonrouge e Susana Tamila Navarrine (in Procedimento Tributário, ed. De Palma, Buenos Aires, 1995) e do Professor Leon Frej da Szklarowsky, Subporcurador-Geral da Fazenda Nacional aposentado (cf. Execução Fiscal, ed. Ministério da fazenda, Escola de Administração Fazendária, Brasília, 1984).
O Professor Leon Frejda Szklarowsky, estudando os aspectos do Contencioso Fiscal e Admnistrativo no Brasil, enfrenta a questão fisco-contribuinte segundo o axioma garantia e agilidade: segurança para o administrado e presteza para o Estado-Fisco, na cobrança de sua dívida ativa, advogando a instituição da penhora administrativa (cf. "Reforma Tributária", in Arquios do Ministério da Justiça, ano 39, nº 168, março de 1986, pp. 84 a 93), segundo modelo não tradicional, que propõe, e mais consentâneo com a consciência jurídica brasileira.
E, mais recentemente, em seu trabalho " A justiça Fiscal e a Reforma da Constituição" (in "Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas", Revista dos Tribunais, vol. 10, ano 3, janeiro-março de 1995, pp. 207 a 210), fortalece a tese da penhora administrativa,sem, contudo, fissurar o princípio do juiz natural, nos seguintes termos:
"Penhora administrativa.
No âmbito processual tributário, há que se fazer também um remendo na lei, sem qualquer fissura no sistema, aproveitando a experiência alienígena e adaptando-a à realidade brasileira, sem romper os liames constitucionais e a tradição histórica do País, permitindo-se a realização da penhora administrativa.
A penhora administrativa não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalta, enfaticamente, o Ministro Carlos Velloso.
Na execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, a maior parte das execuções fiscais, não é embargada, ou seja, o pagamento dos débitos fiscais faz-se antes da penhora e da apresentação dos embargos, segundo estatísticas das Procuradorias Fiscais. Os embargos, por sua vez, segundo o direito vigente e a melhor doutrina, constituem ação, que, no magistério de Liebman, consubstanciada uma cão incidente do executado, vez que o procedimento executório, propriamente dito, não comporta defesa, já que fundado na idéia fundamenta de não haver matéria litigiosa a discutir e decidir.
O executado passa a ser o autor, e o exeqüente.
O réu, a fim de anular ou reduzir a execução ou suprimir ao título sua eficácia executiva, estando os embargos sujeitos aos requisitos da petição inicial.
O devedor exerce verdadeiro direito de ação. Destarte, pode a lei assentir que, antes do ingresso em juízo, a Fazenda Pública, através do órgão jurídico competente Procuradoria Fiscal, ou da Fazenda, promova a execução forçada até a penhora, alicerçada na certidão de dívida ativa, que goza da presunção de legitimidade e auto-executoriedade.
Contrariamente ao que ocorre no Direito Alemão e Espanhol, que conferem à administração fiscal a prerrogativa de promover a execução – forçada do crédito tributário, após o lançamento, propomos que aquele encargo caiba ao Procurador-Advogado do Estado ou da Fazenda Pública, após a inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, verificados os pressupostos de sua legitimidade e legalidade, sem quaisquer riscos, para o contribuinte e somente até a penhora. Esta, por ser ato puramente administrativo e não judicial, será executada por funcionário credenciado da Procuradoria, sob a supervisão do Procurador, no Juízo competente para propor a execução fiscal e interpor os embargos à execução. Em caso de embargos à execução, requisitará o juiz o processo administrativa respectivo, no qual se efetivou a ordem de inscrição como dívida ativa e de penhora.
A Lei de Execução Fiscal – Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 – já disciplina o processo após os embargos, devendo uma lei própria regular a atividade do procurador e o processo, desde a inscrição da divida ativa até a penhora administrativa, aplicando-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.
Não obstante, a Fazenda poderá optar por cobrar sua dívida, através da via execução, consubstanciada na Lei nº 6.830, prescindido da penhora administrativa.
Como se concluir, nem a Lei de Execução Fiscal estará afetada, nem se furta da Fazenda Pública a faculdade de efetivar a cobrança pela elegida.
Observe-se que ao devedor não fica suprimida a via judicial, expressamente consagrada no inc. XXIXV do art. 5º da Lei Maior, como corolário do principio constitucional expresso no art. 2º - harmonia e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Com efeito, não efetuando o devedor o pagamento após a inscrição – do crédito como dívida ativa e respectiva penhora administrativa, poderá, se, - o desejar, embargar a execução fiscal, de conformidade com o art. 16 da Lei – nº 6.830, ou ainda, valer-se das demais ações judiciais, inclusive de – mandado de segurança.
Assim, o direito brasileiro estará inovando, porque permitirá à Fazenda Pública executar seu próprio ato administrativo, efetuando a penhora administrativa, por autoridade jurídica competente – o Procurador Advogado do Poder Publico, após a determinação da inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, efetivando, previamente, o controle da legalidade, prevista na legislação, que abrigou essa atividade, exercitada, secularmente, pelo Procurador da fazenda, em caráter privativo.
Isso ocorrerá, naturalmente, sem desmoronar o princípio do juiz natural."
De fato afigura-se revolucionária e de bom senso a proposta de penhora administrativa, por órgão jurídico da Fazenda Pública, desagarrada da administração ativa, alicerçada em garantias legais e constitucionais. Daí, o presente projeto de lei, que regula a matéria nos arts. 1º a 7º. Essa penhora administrativa não se opõe aos cânones constitucionais, por que, na verdade, não suprime nem impede o ingresso do devedor perante o Poder Judiciário, valendo-se da garantia fundamental que lhe oferece o inciso XXXV do art. 5º da (Constituição Federal, com assento no princípio básico da separação dos Poderes inserto no art. 2º da Carta Nacional.)
A penhora, por não ser ato judicial, mas sim administrativo, independe de se realizar perante o juízo, mesmo porque não está defeso ao devedor valer-se das demais ações judiciais ou do mandado de segurança, como o faz, ordinariamente.
O projeto de lei, por fim pretende revogar o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (dispões sobre a organização da seguridade social e institui o plano de custeio).
Esse dispositivo, inovou, sem qualquer propósito, na cobrança tributária da União, de suas autarquias e fundações publicas, o exeqüente, isto é, o credor poderá indicar bens à penhora que se efetivará concomitantemente à citação do devedor, ficando desde logo indisponíveis, o que caracteriza verdadeiro retrocesso, na opinião da melhor doutrina, e inverte, totalmente, o sistema do Código de Processo Civil e da citada Lei de Execução Fiscal (nº 6.830/80), reforçada, aliás pela Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1992 (institui medida cautelar fiscal, cuja decretação acarreta a indisponibilidade dos bens do sujeito passivo do crédito tributário ou não-tributário, até o limite da satisfação da obrigação, cf. art. 4º )
Impõe-se, pois, a revogação do mencionado art. 53 da Lei nº 8.212, de 1991, por contrariar a lei nacional da execução fiscal desfigurando, total e inutilmente, o art. 8º da referida Lei nº 6.830, de 1980, que, adotando sensível evolução doutrinária e jurisprudencial ampliou para cinco dias, o prazo dado ao devedor para pagar a dívida ou garantir a execução, invertendo, desnecessariamente, a prerrogativa de o executado indicar bens à penhora.
Espera-se, portanto, dos ilustres Pares a acolhida e, se possível, o aperfeiçoamento para o presente projeto de lei.
Sala das Sessões, 16 de fevereiro de 2005.-Senador Pedro Simon’