Resumo: O presente artigo científico tem como tema os métodos de resolução de conflitos e acesso à justiça, tratando da autotutela, autocomposição, heterocomposição e a Resolução 125 do CNJ. Realizou-se ampla pesquisa bibliográfica, constituído principalmente de: livros, artigos científicos, sites da internet, monografias, valendo-se principalmente das contribuições de Busnello (2017), Lima (2021), Veber (2021), Finkelstein (2020), Sena (2007) e Portela (2017), procurando evidenciar a importância do tema e suas características. A conclusão é que há três métodos de resolução de conflitos: a) a autotutela; b) a autocomposição, que pode ser direta ou assistida, e c) heterocomposição. Cada método tem suas especificidades e devem ser usados nas situações em que possam apresentar os melhores resultados. Ainda, o CNJ, através da Resolução 125, que institui a política pública de tratamento de conflitos e de pacificação social, estabelece o dever aos magistrados de buscar a conciliação e mediação no processo, bem como estimular a disseminação dos métodos alternativos de resolução de conflitos, buscando dessa forma desafogar o Poder Judiciário.
Palavras-chave: Conflitos. Jurisdição. Autocomposição. Justiça.
1 Introdução
O presente trabalho tem como tema os métodos de resolução de conflitos e Resolução 125 do CNJ, tratando da autotutela, autocomposição, heterocomposição e o acesso à justiça.
A jurisdição estatal ainda é vista como a única forma confiável para a solução de conflitos em sociedade, pondo fim definitivamente à contenda, contudo, muito se tem feito para mudar essa visao.
O Estado, diante deste cenário, encontra-se sobrecarregado de processos e conflitos. Nesse sentido, o CNJ em relatório apresentado no ano de 2021, estabeleceu que em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, 10.675 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2020, ainda, registrou no mesmo período um total de 25,8 milhões de casos novos levados à apreciação do Poder Judiciário.
Posto isto, resta claro a necessidade de prestigiar outras formas de resolução de conflitos, deixando o Poder Judiciário as situações mais complexas e que diz respeito à direitos pessoais e patrimoniais indisponíveis.
O presente artigo foi elaborado valendo-se prioritariamente da pesquisa bibliográfica. Busca-se realizar análise panorâmica de tudo que foi escrito sobre os métodos alternativos de resolução de conflitos com o desígnio de colaborar para o aprofundamento e estabelecimento de bases teóricas para o tema.
A redação final da presente pesquisa é fundamentada nos principais conceitos e percepções dos seguintes doutrinadores: Busnello (2017), Lima (2021), Veber (2021), Finkelstein (2020), Sena (2007) e Portela (2017).
2 Métodos de Resolução de Conflitos
O Brasil possui mais de 790 (setecentos e noventa) mil normas vigentes, segundo apontam estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação - IBPT (AMARAL, OLENIKE, AMARAL, YAZBEK & STEINBRUCH, 2019), portanto, a existência de ampla normatividade como regulador da vida em sociedade não é suficiente para eliminar os conflitos que porventura possam surgir.
Ainda, em estudo realizado pelo Conselho de Justiça, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2020 com 75,4 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021)
Posto isto, é clara a existência de normatização exacerbada no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a grande quantidade de demandas ainda pendentes de julgamento, tornando necessário a utilização de meios alternativos de resolução de conflitos, deixando o poder judiciário para ser uma espécie de ultima ratio.
A eliminação de conflitos é antes tarefa social, seja pelas partes, ou terceiro imparcial. No primeiro caso temos o sacrifício parcial ou total do direito das partes mediante autocomposição ou autotutela. Na segunda hipótese temos a heterocomposição, a conciliação, mediação e arbitragem. (BUSNELLO, 2017)
Passaremos agora a análise das formas de resolução de Conflito, aos quais possuem características intrínsecas próprias, tendo as partes o papel de conhecê-las e adotar a que melhor se adequa a solução fática que se requer. Destacamos que não há meio melhor ou mais correto que o outro, mas sim, mais adequado para o tipo de conflito sob apreciação. (BUSNELLO, 2017)
2.1 Autotutela
Em um primeiro momento, na história, não existia um estado forte e organizado capaz de trazer para si a resolução definitiva de conflitos. Assim, nesse período a resolução de conflitos em sociedade ocorria pela lei do mais forte, denominado período da vingança privada.
Neste período não havia garantia de justiça, mas somente o mais forte e astuto prosperava, por imposição de suas decisões às partes mais fracas e tímidas. Outra marca deste período era a desproporção entre o ato originalmente realizado e a punição perpetrada pela outra parte.
A Autotutela não é uma forma civilizada, posto que as partes valem-se somente da força, sendo inclusive tipificada como crime em nosso ordenamento jurídico atual, conforme Art. 345 do Código Penal.
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Dessa forma, o código penal busca a repressão daquele que ao invés de valer-se do Poder Judiciário para buscar a sua pretensão, a faz por suas próprias mãos de forma arbitrária e desarrazoada.
Vale ressaltar que ainda há resquícios da autotutela em nosso ordenamento, segundo consolida Lima (2021), a qual passaremos a relacionar: a) Legítima defesa da Posse (Art. 1210, § 1º do Código Civil); b) Direito de retenção por benfeitoria necessária ou útil do possuidor de boa-fé (Art. 1219 do Código Civil); c) Direito de cortar ramos, galhos e raízes de árvores limítrofes que ultrapassem os limites do terreno (Art. 1283, do Código Civil); d) Penhor legal (Art. 1434, do Código Civil); e) Prisão em flagrante delito (Art. 301 do Código Penal); e f) Legítima Defesa - excludente de ilicitude (Art. 23, II do Código Penal).
2.2 Autocomposição
A Autocomposição é o método pelo qual as próprias partes chegam a um acordo sobre a controvérsia, seja com um deles ou ambos dispondo do próprio interesse para pôr fim ao litígio. O consenso pode ser obtido diretamente pelas partes, denominado de autocomposição direta, ou com a ajuda de terceiros, a autocomposição assistida.
Segundo Silva (2005), a forma alternativa de resolução de conflitos tem por característica a solução da controvérsia por ato das próprias partes, através de um acordo onde estejam dispostos a ceder parte ou totalmente o seu interesse no litígio, sem emprego de violência ou coação física.
Para que seja possível a autocomposição, a controvérsia deve dizer respeito a interesse material disponível, e pode ocorrer endo ou extraprocessual.
A autocomposição pode ser manifestada de três formas: a desistência, a transação e a submissão:
Nos casos de desistência ou renúncia, uma das partes dispõe de toda sua pretensão, pondo fim ao conflito. A submissão, por sua vez, ocorre no reconhecimento jurídico do pedido da parte adversa. Finalmente, na transação, as partes praticam mútuas concessões buscando alcançar o estado bom para todo mundo.
Como demonstrado alhures, a autocomposição direta ocorre quando as partes chegam por si sós à resolução do conflito, seja por concessões mútuas ou por mediante submissão, nos termos do Art. 840 do Código Civil.
Por outro lado, a autocomposição assistida há participação de terceiro que colabora para dissipação do conflito, podendo ocorrer o emprego da Mediação e da Conciliação.
A mediação e a conciliação diferem em dois aspectos:
Na conciliação, deve-se promover o diálogo e facilitar o acordo entre as partes, apresentando inclusive sugestões. Na mediação, há apenas a facilitação da autocomposição através do restabelecimento do diálogo.
O segundo aspecto diz respeito à existência ou não de vínculo anterior entre as partes, onde a mediação deve ser utilizada nos casos que o há, buscando restabelecer o diálogo e a conciliação deve ser utilizada nos casos de inexistência de vínculo entre as partes.
Há claro estímulo no ordenamento jurídico brasileiro às práticas autocompositivas, isso seja nas relações de trabalho, juizados especiais e no processo civil.
2.3 Heterocomposição
A heterocomposição é caracterizada pela imposição de uma decisão por um terceiro imparcial, seja este o estado-juiz ou árbitro. Diferentemente da autocomposição, nesta modalidade o terceiro imparcial chama para si a responsabilidade, proferindo decisão que deverá ser acatada e cumprida pelas partes litigantes.
A heterocomposição é a modalidade de solução de litígios derivada da atuação de um terceiro. Aquele fixa a regra solucionadora do conflito a ser cumprida pelo vencido, sob pena de eventual execução forçada. Subdivide-se em arbitragem e a jurisdição. (Lima, 2021)
2.3.1 Arbitragem
A arbitragem é um dos métodos mais antigos para solução de conflitos, onde os anciãos, chefes das tribos, sábios traziam para si a função de fazer justiça e resolver os conflitos que porventura surgiam na sociedade. (Veber, 2021)
A arbitragem, em solo nacional, é regida pela Lei nº 9.307 (1996), com forte inspiração na Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional. A doutrina é farta na apresentação de conceitos do meio alternativo de resolução de conflitos, dentre eles podemos destacar o de Portela (2016):
A arbitragem é o mecanismo de solução de litígios pelo qual as partes decidem submeter um conflito a um ou mais especialistas em certo tema, que não pertencem ao Poder Judiciário, mas cuja decisão deverá basear-se no Direito e tem caráter vinculante.
Em seu Art. 1º, a Lei brasileira de Arbitragem estabelece que a arbitragem no Brasil aplica-se somente a pessoas capazes e relativos à direitos patrimoniais disponíveis, resguardando à jurisdição estatal os direitos indisponíveis, mesmo que possua cunho patrimonial.
O Art. 2º da citada lei dispõe que a arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. Seguindo, o § 2º diz que poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Nesse sentido, Finkelstein (2020) assevera que em caso de silêncio, cabe aos árbitros decidirem qual a lei aplicável, preenchendo as lacunas contratuais, em esforço para salvar e garantir o desejo inicial das partes, qual seja, o de levar suas disputas à arbitragem.
Por conseguinte, o Art. 3º da Lei Brasileira de Arbitragem estipula que a submissão de qualquer disputa à arbitragem será através da convenção de arbitragem. Esta é subdividida em duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Na cláusula compromissória ainda não há um litígio, mas uma intenção em submeter possíveis lide ao juízo arbitral, afastando o poder judiciário. No segundo caso, do compromisso arbitral, já existe uma situação fática conflituosa, onde as partes celebram um acordo, submetendo a causa ao juízo arbitral, definindo quem será o árbitro, os procedimentos a serem adotados, os prazos e o direito ou equidade que será aplicado.
Dessa forma, escolhido o procedimento arbitral, o Poder Judiciário fica vedado apreciar, conforme preconiza o Art. 485, inciso VII do Código de Processo Civil, o mérito de eventual ação proposta, seja quando acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência.
Oportunamente, o Art. 18 da Lei 9.307 (1996) dispõe que O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Igualmente, a sentença não está sujeita à recurso para o Poder Judiciário, tão pouco à juízo arbitral, salvo ofensa à regra de compromisso arbitral, ordem pública, os bons costumes ou versar sobre direitos indisponíveis.
Em todo caso, a existência de convenção de arbitragem não pode ser reconhecida de ofício pelo Poder Judiciário, antes deve ser invocada pelo réu e, a sua inexistência implica diretamente na aceitação da jurisdição estatal e renúncia à arbitragem, nos termos do Art. 337, §§ 5 e 6 do Código de Processo Civil.
Caso as partes decidam afastar a cláusula compromissória, o deve fazer de forma expressa, assinado por ambas, não havendo que se falar em possível derrogação implícita, tácita ou substituição do ajustado.
2.3.2 Jurisdição
A jurisdição pode ser conceituada como o poder-dever do estado em resolver com definitividade os conflitos que são postos ao seu exame. Trata-se de manifestação do poder de império estatal, fundado diretamente na soberania estatal. (Sena, 2007)
A jurisdição possui as seguintes características: solução dada por terceiro imparcial, substitutividade, lide, inércia, coisa julgada material, atuação no caso concreto, ausência de controle externo e atividade criativa.
Ainda, a jurisdição é vista como poder, função e atividade: Poder porque decorre do poder estatal em resolver os conflitos de forma definitiva, é função por fazer cumprir a ordem jurídica em face de uma situação conflituosa, por fim é também atividade, por consistir em uma série de atos concatenados e ordenados com a finalidade de declarar o direito.
Por fim, o resultado da resolução do conflito pela via jurisdicional costuma-se materializar através de uma sentença, ato pelo qual põe fim a fase de conhecimento e execução.
3 Resolução 125 do CNJ
A Resolução no 125, publicada em 29 de novembro de 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça, estabelece uma política pública para tratamento adequado das demandas no Judiciário e cria um modelo de conciliação e mediação em juízo.
Nos termos do CNJ ( Resolução 125 , 2010), a motivação da Resolução é:
[...] considerando que cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação; a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios; ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais.
O citado normativo é composto por dezenove artigos, distribuídos em quatro capítulos e versam sobre a política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (capítulo I), as atribuições do CNJ (capítulo II), as atribuições dos Tribunais (capítulo III) e do Portal da conciliação (capítulo IV).
Com a aprovação da Resolução 125 do CNJ, os magistrados, além do dever de buscar a conciliação e mediação no processo, deverão estimular a disseminação dos métodos alternativos de resolução de conflitos extraprocessualmente, buscando dessa forma desafogar o Poder Judiciário.
Outrossim, a resolução sob comento não vem para enfraquecer a heterocomposição estatal, mas tem o objetivo de desafoga-lo, permitindo que o Processo seja célere, sem deixar de ser devido, adequado ou proporcional.
O CNJ, ao instituir uma política pública de tratamento de conflitos e de pacificação social, adota expressamente a ideia da justiça multiportas.
5 Considerações Finais
O presente artigo demonstrou que há três métodos de resolução de conflitos: a) a autotutela; b) a autocomposição, que pode ser direta ou assistida, e c) heterocomposição.
A autotutela é o método pelo qual as partes resolvem a demanda sem a intervenção de um terceiro, no qual uma das partes impõe sua decisão à outra parte, registra-se que ainda hoje há resquícios desse método, como na legítima defesa.
Por sua vez, na autocomposição as próprias partes entram em acordo e põe fim ao conflito, contudo, isso ocorre com auxílio de um terceiro. O auxílio pode ser de mero facilitador do diálogo ou até mesmo apresentando sugestões às partes.
Por fim, a heterocomposição é caracterizada pela presença de terceiro imparcial que põe fim a um conflito impondo sua decisão às partes.
6 Referências Bibliográficas
Lima, V. (2021). A autotutela, a autocomposição breve e heterocomposição: um histórico sobre os métodos de solução de conflitos. Revista Brasileira de Desenvolvimento , (v. 7 n. 11), 103689-103707. Recuperado de http://DOI:10.34117/bjdv7n11-136
AMARAL, G., OLENIKE, J., AMARAL, L., YAZBEK, C., & STEINBRUCH, F. (2019). QUANTIDADE DE NORMAS EDITADAS NO BRASIL: 31 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 . Curitiba: IBPT Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Retirado de https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/10/art20191025-11.pdf
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. (2021). Justiça em números 2021 (p. 102). Brasília: CNJ.
BUSNELLO, S. (2017). MEDIAÇÃO COMO FORMA AUTOCOMPOSITIVA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO BRASIL: Uma alternativa à Jurisdição Civil (Mestrado). Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI.
Silva, A. (2005). Acesso à Justiça e Arbitragem: Um caminho para a crise do Judiciário (1ª ed.). Barueri, SP: Manole.
VEBER, J. (2021). MERCOSUL e arbitragem comercial internacional e sua influência no mercado interno (Graduação). UNISOCIESC.
Finkelstein, C. (2020). ARBITRAGEM NO BRASIL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA. Revista Internacional Consinter De Direito, X (1º semestre de 2020), 427-444. doi: 10.19135/revista.consinter.00010.21
Portela, P. (2017). Direito internacional público e privado: incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário (9th ed., pp. 764-780). Salvador: JusPODIVM.
Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 (1996). Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Presidência da República.
Sena, A. (2007). FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E ACESSO À JUSTIÇA. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região (46ª ed., pp. 93-114). Belo Horizonte: Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região.
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