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Direito à razoável duração do processo administrativo

Direito à razoável duração do processo administrativo

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Este novo direito não se destina somente aos processos judiciais em trâmite no Poder Judiciário, porque também é expressamente aplicável aos processos administrativos.

1. Introdução

            Entre as alterações promovidas na Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, encontra-se a introdução do inciso LXXVIII, ao art. 5º, estabelecendo que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            Trata-se de um novo direito fundamental, já que inserido no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. O objetivo desta norma constitucional é tornar o Poder Judiciário mais eficaz, célere, no sentido de assegurar ao cidadão uma justiça mais ágil, resultando em uma maior efetividade na prestação jurisdicional, e, por conseqüência, atender aos anseios do jurisdicionado, que busca, no Judiciário, um meio efetivo de satisfazer seus direitos.

            Mas este novo direito não se destina somente aos processos judiciais em trâmite no Poder Judiciário, embora esteja inserido na emenda da denominada "Reforma do Judiciário", porque também é expressamente aplicável aos processos administrativos, que tramitam no âmbito da Administração Pública, a exemplo das demais garantias constitucionais processuais também aplicáveis, como é o caso do contraditório e da ampla defesa.

            Este novo direito fundamental tem como destinatário o legislador, para que crie normas que visem assegurar a razoável duração do processo, e também os aplicadores do direito, como os juízes e os próprios agentes públicos de modo geral, no sentido de dar maior eficácia à norma constitucional, conduzindo o processo da forma mais eficiente possível, e sem dilações indevidas.

            O presente trabalho tem por enfoque a aplicação deste novo direito fundamental na Administração Pública, especificamente no processo administrativo, pois observamos a existência de poucos estudos sobre o tema. A maioria dos juristas tem debruçado seus estudos em sua aplicação nos processos judiciais, provavelmente pelo fato da necessidade premente de criar mecanismos de tramitação rápida destes processos, o que tem sido feito, aliás, através de freqüentes alterações na legislação processual.

            Além do mais, ao contrário do processo civil, é recente o pleno desenvolvimento de estudos sobre a processualidade administrativa no Brasil, em virtude de ser novidadade a codificação do processo administrativo na ordem jurídica nacional. A nível federal, foi publicada a Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Frise-se, também, que a Constituição de 1988 estendeu ao processo administrativo todos os princípios processuais constitucionais, a exemplo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, abrindo, assim, um novo foco de discussão sobre os direitos do administrado em face dos atos do Poder Público.

            O objetivo precípuo deste artigo é procurar o significado do termo "duração razoável do processo", ou, a contrario sensu, verificar quando um processo não tem duração razoável, dentro dos parâmetros jurídicos estabelecidos pela própria lei e revelados pela jurisprudência dominante. Verifica-se uma séria dificuldade de determinar este conceito pelo intérprete, em razão de ele ser vago e indeterminado, o que indiscutivelmente enseja, no caso concreto, a necessidade de se empreender certa dose de subjetivismo para se alcançar a finalidade colimada. Também se discutirá quais são os possíveis efeitos do eventual descumprimento do direito à razoável duração do processo, sob o enfoque da Responsabilidade Civil do Estado.

            Conclusivamente, o que se espera da inserção deste novo direito fundamental é que ele não se traduza numa norma meramente programática, desprovida, portanto, de qualquer eficácia. Assim, caberá aos aplicadores do direito, juízes e administradores públicos, a função primordial de concretização deste direito fundamental, como tantos outros que se encontram contemplados em nosso ordenamento jurídico, seja em obediência aos textos internacionais, internalizados pelo Brasil, seja pela força normativa da Constituição da República.


2. Direito à razoável duração do processo – um direito preexistente à emenda constitucional nº 45/2004.

            Insta, inicialmente, salientar que o direito à razoável duração do processo tem aplicação imediata, em virtude do disposto no parágrafo 1º, do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Por se tratar de um direito fundamental, não é prudente admitir que sua eficácia fique condicionada às ações legislativas posteriores, que, muitas vezes, nem chegam a se concretizar. Aliás, essa é a preocupação de André Ramos Tavares (2005, p. 32), segundo o qual "resta saber se essa será mais uma daquelas normas meramente programáticas, desprovidas de eficácia prática e de sanção pelo seu não cumprimento imediato."

            Relevante informar que o direito à razoável duração do processo administrativo já se encontrava inserido no nosso ordenamento jurídico, pois já estava assegurado no art. 37 da Constituição Federal, quando estatui que a eficiência é um dos princípios da Administração Pública, bem como que tal direito também já se encontrava incluído na cláusula do devido processo legal, inserto no art. 5º, inciso LIV, ao asseverar que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;"

            Isto porque o Princípio da Eficiência traz ínsita a idéia de celeridade e simplicidade, sem procrastinações, sem delongas, sem descumprimento de prazos, e outros meios que possam impedir que o processo cumpra sua finalidade, consubstanciada na prática do ato decisório final. Em razão disso que o aludido princípio se fez constar da Lei nº 9.784, de 29.01.99 (que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal) que, em seu art. 2º, dispõe: "A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 60-61), em seus Comentários à Lei nº 9.784, de 1999, estabelece que a celeridade é o sentido dado à eficiência quando aplicado no processo administrativo, senão confira-se:

            No processo administrativo, o princípio da eficiência há de consistir na adoção de mecanismos mais céleres e mais convincentes para que a Administração possa alcançar efetivamente o fim perseguido através de todo o procedimento adotado. Exemplificamos com o aspecto relativo à produção de provas (arts. 29 a 47). É necessário dar cunho de celeridade e eficiência nessa fase, com a utilização de computadores, com a obtenção de documentos pelas modernas vias da informática e, por que não dizer, por gravações de depoimentos para minorar o gasto do tempo que ocorre nessas ocasiões.

            A eficiência é, pois, antônimo de morosidade, lentidão, desídia. A sociedade de há muito deseja rapidez na solução das questões e dos litígios, e para tanto cumpre administrar o processo administrativo com eficiência. (CARVALHO FILHO, 2005, P. 60-61, grifei)

            Não há dúvida da íntima conexão entre a eficiência e o direito fundamental à duração razoável do processo, sob o aspecto da celeridade processual, que se traduz na ausência de demora no trâmite dos processos administrativos, obstando que se neguem direitos, sob a forma de procrastinação na prática de atos processuais. Neste ponto, é emblemática a decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, anterior à Emenda Constitucional nº 45, a qual já dispunha sobre o fato da mora ou omissão administrativa importar em violação aos princípios da eficiência e da razoabilidade, abaixo exposta:

            "ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO MINISTRO DE ESTADO ANTE A AUSÊNCIA DE EDIÇÃO DA PORTARIA PREVISTA NO § 2º DO ART. 3º DA LEI 10.559/2002. PRAZO DE SESSENTA DIAS. PRECEDENTE DO STJ. CONCESSÃO DA ORDEM.

            (.....)

            Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficiente para o comprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia -, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da Justiça profira decisão final do processo administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte. 4. Ordem parcialmente concedida. (MS 9420/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25.08.2004, DJ 06.09.2004 p. 163) (grifou-se)

            Da mesma forma, o direito à razoável duração do processo se encontra inserido na cláusula do devido processo legal, isto é, está implícito no disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

            Consoante o entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco (2004), o devido processo legal alberga um conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, também, são indispensáveis ao correto exercício de jurisdição. Garantias estas não servem apenas aos interessados, como direitos públicos subjetivos, mas configuram a salvaguarda do próprio processo. Do mesmo modo, Nelson Nery Junior (2004, p. 60), de forma elucidativa, esclarece:

            (....)bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécie. (NERY JUNIOR, 2004, p. 60)

            Destarte, o devido processo legal abrange todos os direitos fundamentais atinentes ao processo, inclusive o direito à razoável duração do processo, como bem elucida o Ministro Celso de Mello:

            O exame da garantia constitucional do "due process of law" permite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas; (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis "ex post facto"; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamentos em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); e (l) direito à prova. (Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança 26358 MC/DF, relator Ministro Celso de Mello, publicado em 2/03/2007, grifei).

            Assim, o direito a um processo com duração razoável, ou seja, um processo justo, sem dilações indevidas, decorre diretamente da cláusula do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Carta Constitucional de 1988, como elucida José Rogério Cruz e Tucci (1998, p. 88), em texto, inclusive, anterior à emenda nº 45/2004, ao afirmar, peremptoriamente, que "o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF)".

            Diante dessas breves considerações sobre o princípio da eficiência e o princípio do devido processo legal, é indubitável concluir, portanto, que o direito à razoável duração do processo não consiste em um direito novo no ordenamento constitucional, mas vem reforçar a necessidade premente de se criarem mecanismos para garantir a celeridade no trâmite dos processos, sem, obviamente, restringir os demais direitos fundamentais incidentes no processo.


3. Processo administrativo. Instrumento de atuação do Poder Público

            Preliminarmente aos comentários sobre o conceito e extensão do "direito à razoável duração do processo administrativo", é pertinente tecer breves considerações a respeito do próprio processo administrativo, que é o lócus de incidência daquele direito fundamental, objeto de nosso estudo.

            Primeiramente, é preciso esclarecer que o ato administrativo, como manifestação da vontade da administração, no desempenho de suas funções de Poder Público, não nasce de modo espontâneo, como se surgisse do nada. Ao contrário, é fruto ou "produto de um processo ou procedimento através do qual a possibilidade ou exigência supostas na lei em abstrato passam para o plano de concreção[...].existe sempre um modus operandi para chegar a um ato administrativo final." (MELLO, 2004, p. 86).

            A preocupação com o processo administrativo é recente, na medida em que "predominou por longo período a preocupação com o termo final da decisão, o ato administrativo, sem que a atenção se voltasse para os momentos que precedem o resultado final." (MEDAUAR, 1993, p. 14). Por outro lado, na lição de Romeu Felipe Bacellar Filho (2003), por força da tradição do processo jurisdicional sempre se impediu a aceitação da ocorrência do fenômeno em outros campos de manifestação do Poder Estatal, o que não deixa de ser uma renitência injustificada.

            A existência da processualidade, também na esfera administrativa, teve como precursor no direito brasileiro o jurista Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, o qual defendeu o "fenômeno processo" como termo geral, presente no exercício de todas as funções estatais: administrativa, judicial ou legislativa. Já em 1971, lecionava que "o processo possui um conceito próprio que não escapa ao conhecimento do Direito Administrativo." (SOBRINHO, apud BACELLAR FILHO, 2003, p. 44).

            Na atualidade, a doutrina brasileira reconhece que o processo não é patrimônio exclusivo ou monopólio da função jurisdicional. Existe também em todas as funções estatais, na legislativa e administrativa, permitindo que se possa falar em um "Direito Processual Administrativo":

            Por outro lado, se a função é administrativa, a relação jurídica traduzirá processo administrativo, sendo, da mesma forma, inafastáveis as características do processo em geral – de um lado, as atividades seqüenciadas produzidas pelos figurantes da relação jurídica e, de outro, o objetivo final a que se destina.

            Como na via administrativa as autoridades não desempenham função jurisdicional, poderia supor-se (como supõem erroneamente alguns, já alertamos) não ser muito técnica a denominação processo legislativo. Contudo, tanto quanto o processo judicial, que visa a uma decisão, o processo administrativo tem igualmente objetivo certo, no caso a prática de ato administrativo final. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 812)

            Registre-se que a própria Constituição Federal adotou a expressão "processo administrativo", resultando no reconhecimento do processo nas atividades da Administração Pública, a exemplo do próprio dispositivo constitucional aqui estudado, constante do inciso LXXVII, do art. 5º, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", bem como o inciso LV, do mesmo artigo, que dispõe: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;".

            Com efeito, o processo representa o instrumento de atuação de todos os poderes estatais, o que resulta na formação de um núcleo constitucional comum de processualidade, consubstanciada na "unidade nos grandes princípios, no entendimento das garantias constitucionais do processo, na estrutura e na interação funcional dos institutos fundamentais....". (Dinamarco, 1992, p. 73-74). A diferenciação reside, dentre outros aspectos, na impossibilidade da coisa julgada administrativa, da instauração ex officio do processo administrativo, da imparcialidade do julgador no Judiciário, da inafastabilidade do Judiciário.


4. Direito Constitucional à razoável duração do processo administrativo

            Um dos objetivos da Reforma do Poder Judiciário foi reafirmar o direito constitucional à razoável duração do processo, uma vez que, como já exposto anteriormente, este direito já vinha implícito na Constituição Federal, em decorrência do Princípio do devido processo legal e do Princípio da eficiência. Portanto, tal direito não pode ser visto com um mero instrumento formal, mas um direito posto à disposição do cidadão, a exemplo das demais garantias processuais, com o objetivo de dar maior efetividade às decisões do Estado, oriundas de qualquer dos Poderes estatais.

            Salienta-se que o processo, em seu desenvolvimento, requer um tempo determinável para sua conclusão final, uma vez que há, no decorrer do procedimento, uma série de solenidades a serem cumpridas, prazos específicos para a prática de atos processuais e, principalmente, o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa, que são meramente reflexos da cláusula constitucional do due process of law. Desta forma, o processo é um instrumento dinâmico, já que não se resolve em um único ato, mas é orientado a desenvolver-se dentro de um espaço de tempo. Assim, os atos processuais"embora tenham uma determinada ocasião para serem realizados, normalmente não perfazem de modo instantâneo, mas, sim, desenrolam-se em várias etapas ou fases"(TUCCI, 1997, p. 25). Neste aspecto, impõe transcrever a opinião de Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró:

            O processo, em seu desenvolvimento, requer um tempo para que seja transcorrido todo o iter necessário até o provimento final. Assim como a vida, o processo tem diferentes momentos, que podem ser descritos como nascimento, desenvolvimento e extinção do processo. Não se pode imaginar um processo no qual o provimento fosse imediato.

            Trata-se de um instituto essencialmente dinâmico, não exaurindo o seu ciclo vital em um único momento. Ao contrário, destina-se a desenvolver-se no tempo, possuindo duração própria. Em outras palavras, é característica de todo de todo processo durar, não ser instantâneo ou momentâneo, prolongar-se. O processo implica um desenvolvimento sucessivo de atos no tempo. Daí porque o tempo está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. (LOPES JR; BADARÓ, 2006, p. 5-6).

            Por outro lado, embora o processo não tenha a vocação de dar uma resposta imediata ao administrado nas suas pretensões perante o Poder Público, não se pode admitir que seja dada a qualquer tempo. É necessário compatibilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa com as expectativas razoáveis da efetividade processual. Assim, é importante fixar um necessário equilíbrio entre a celeridade do processo administrativo e a observância dos direitos processuais do administrado. Na lição de André Luiz Nicollit (2006, p. 8), aplicável plenamente ao processo administrativo, "uma decisão justa não pode ter o açodamento e irreflexão incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva da efetividade da jurisdição" Deste modo, é imprescindível encontrar o razoável, o equilíbrio, a fim de que o processo seja um instrumento de justiça. Sob esta perspectiva é que será estudado o direito à razoável duração do processo no âmbito administrativo.

            É relevante salientar que o direito individual objeto de análise está diretamente relacionado com outros direitos expressos na Constituição, especificamente com o direito de petição, previsto no art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a", segundo o qual é assegurado "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder", e a alínea "b" do mesmo inciso, ao dispor o direito de "obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;". Com efeito, a própria mora da administração em dar uma resposta ao administrado em tempo razoável, configura a própria negação aos direitos explicitados na Constituição Federal, tendo em vista que o direito de petição "não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar-se de se pronunciar sobre a petição, quer para acolhê-la, quer para desacolhê-la, com a devida motivação." (SILVA, 2006, p. 130)

            Cumpre ressaltar que há uma íntima ligação entre o direito assegurado no art. 5º, inciso LXXVIII, com a proteção aos direitos humanos, já que inserida em Convenções que tratam sobre este tema, e, especificamente, entre nós, o Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos nas Américas, de 1969, que constitui um dos sustentáculos de proteção aos direitos humanos nas Américas. Tal pacto, adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos, também traz dispositivos relacionados ao tema. Assim, dispõe o art. 8º:

            Art. 8º. Toda a pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

            Relevante informar que o Estado brasileiro internalizou a Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH, cuja promulgação se deu por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, que foi publicado no Diário Oficial de 9 de novembro de 1992.

            Neste passo, cumpre informar que as políticas de afirmação e defesa dos direitos humanos guardam estreita vinculação com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal. Isto porque os direitos humanos espelham os valores próprios da dignidade humana. Do princípio da dignidade humana decorrem os típicos direitos fundamentais, como a proteção à vida, à integridade física e moral de cada ser humano e a segurança.

            Na realidade, todos os direitos fundamentais, inclusive o direito ao processo em tempo razoável, se insere dentro do princípio da dignidade da pessoa humana, pois reconhece o ser humano como merecedor de consideração e respeito por parte do Estado e da sociedade, visando lhe proporcionar condições essenciais para uma vida digna e saudável. Sobre a amplitude de tal princípio, manifesta-se Ingo Wolfgang Sarlet :

            (....)constata-se, de outra parte, que os direitos e garantias fundamentais podem – em princípio e ainda que de modo e intensidade variáveis – ser reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da pessoa humana, já que todos remontam a idéia de proteção e desenvolvimento das pessoas, de todas as pessoas, com bem destaca Jorge Miranda. Neste sentido, Vieira de Andrade, sustentando que o princípio da dignidade da pessoa humana radica a base de todos os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, admite, todavia, que o grau de vinculação dos diversos direitos àquele princípio poderá ser diferenciado, de tal sorte que existem direitos que constituem explicitamente em primeiro grau da idéia de dignidade e outros que destes são decorrentes. Assim, mesmo que se deva – nesta linha de entendimento – admitir que o princípio da dignidade da pessoa humana atua como elemento fundante e informador dos direitos e garantias fundamentais também da Constituição de 1988 – o que, de resto, condiz com a sua função como princípio fundamental – também é certo que haverá de se reconhecer um espectro amplo e diversificado no que diz com a intensidade desta vinculação(...). (SARLET, 2006, p. 60)

            Sob essa perspectiva, é correto afirmar que a mora do poder público na emissão de uma decisão administrativa de interesse do cidadão, em virtude de um processo devidamente instaurado, consubstancia-se em um atentado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por submeter o administrado a protelações injustificáveis, acarretando situações de incerteza, angústia e aflição, acabando, também, por atingir outros valores relevantes do homem.

            Como exemplo, é comum, no âmbito da Administração Pública, a instauração de processos disciplinares contra servidores que não chega ao seu termo final em prazo razoável, por desídia na condução dos processos, não obstante os prazos fixados em lei, ou mesmo pela inépcia dos seus responsáveis em sua condução, incorrendo o procedimento em nulidades insanáveis, fazendo com que haja a necessidade de instauração de novo processo disciplinar com a mesma finalidade. Isto cria no servidor (acusado ou indiciado) uma situação de incerteza, insegurança em relação a sua situação funcional, e submete o servidor a uma exposição desnecessária, violando, assim, a sua dignidade como cidadão.


5. Extensão do conceito "razoável" duração do processo administrativo.

            A questão que se coloca é saber qual a extensão do conceito "razoabilidade", ou seja, o que pode ser considerado "duração razoável do processo administrativo". Sobre o conceito assevera André Ramos Tavares:

            (...) apesar de utilizar conceitos indeterminados, a demandar uma concreção posterior [...]. Isso inculca a idéia de celeridade, que não está referida diretamente, mas que não se pode seriamente deixar de admitir como fundamento da Reforma, neste ponto. A razoabilidade referida representa uma quebra desta preocupação exclusiva com rapidez, pois o processo deverá durar o mínimo, mas também o tempo necessário para que não haja violação da qualidade da prestação jurisdicional. (TAVARES, 2005, p. 31)

            José Afonso da Silva, por sua vez, faz uma crítica aos que equiparam celeridade a razoabilidade, ao afirmar que "processo célere seria aquele que tramitasse com a maior velocidade possível; mais do que isso, só um processo celérrimo." E conclui:

            Processo com razoável duração já não significa, necessariamente, um processo veloz, mas um processo que deve andar com certa rapidez, de modo que as partes tenham uma prestação jurisdicional em tempo hábil. Poder-se-ia dizer, portanto, que bastava o dispositivo garantir uma razoável duração do processo para que o acesso à Justiça não se traduzisse no tormento dos jurisdicionados em decorrência da morosidade da prestação jurisdicional, que não apenas é irrazoável, como profundamente irracional. (SILVA, 2006, p. 176).

            Diante dos conceitos acima assinalados, deflui-se que deve haver um equilíbrio, através do qual se assegurem os direitos fundamentais do cidadão no processo, mas que não haja dilações indevidas no decorrer do procedimento, propiciando, dessa forma, uma decisão administrativa adequada e tempestiva. Outrossim, a celeridade está diretamente vinculada ao conceito de "razoabilidade", todavia, não apenas no sentido restrito de rapidez, mas no conceito abrangente de eficiência, consubstanciada na condução do procedimento de forma diligente, e sem atrasos injustificados.

            Por outro lado, cumpre indagar quem está mais habilitado para definir a razoabilidade da duração do processo. Ou ainda, quem é mais confiável para decidir sobre isto, o legislador ou o juiz? Tal questionamento, formulado por André Luiz Nicollit (2006), é perfeitamente aplicável ao nosso estudo.

            Toda lei que disciplina determinado procedimento estabelece prazos para a prática de atos processuais. Oportuno citar a Lei nº 9.784, de 1999, por ser lei geral do processo administrativo federal, e aplicável, subsidiariamente, aos demais procedimentos específicos no âmbito da União. Nesta lei há vários dispositivos que fixam prazos para a prática de atos processuais, a exemplo do art. 24, segundo o qual "inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de 5 (cinco) dias, salvo motivo de força maior".

            Obviamente, a prática de atos processuais nos prazos estabelecidos resultará, sempre, em uma duração razoável do processo, pois o legislador fixa de antemão o prazo próprio de cada procedimento. E, neste ponto, não há qualquer crítica, pois é sempre desejável e necessária a estipulação de prazos, na medida em que são parâmetros pelos quais o agente público deve atuar, e seu descumprimento, muitas vezes, implica em violação da própria razoabilidade.

            Assim sendo, a fixação de prazos visa a assegurar a agilidade do procedimento, a sua celeridade, e isso é inerente todo o processo, seja administrativo ou judicial, pois este significa "marcha para frente", evitando-se, por conseguinte, delongas e procrastinações, a fim de que a tutela administrativa ou jurisdicional seja realmente oportuna e efetiva. Este é o escólio de Hélio Tornaghi:

            Melhor maneira de acelerar o processo sem atropelá-lo, conciliando a rapidez com justiça, consiste na fixação do tempo para a prática de cada ato. A marcação de prazos não é apenas o resultado da conveniência, é o efeito da necessidade de harmonizar a justiça e a economia, a segurança e a rapidez. Quer a lei que o processo seja ordenado, mas sem retardamento e sem gastos excessivos, de modo a obter-se uma sentença justa com o máximo de garantia e o mínimo de esforço. Permitir que os atos processuais se pratiquem sem prazo marcado será correr o risco de eternizar os litígios. (TORNAGHI, apud TUCCI, 1997, p. 30).

            Porém, nem todo descumprimento de prazos significa violação ao direito à razoável duração do processo, não obstante os prazos serem indicativos importantes para a aferição de eventual violação do preceito constitucional. Neste passo, a doutrina tem diferenciado entre atrasos leves decorrentes de descumprimento dos prazos processuais e graves descumprimentos dos prazos que configurariam efetiva dilação indevida atentatória contra o direito fundamental (NICOLLIT, 2006). No entanto, como bem acentua José Rogério Cruz e Tucci (1997, p. 68) "torna-se impossível fixar a priori uma regra específica, determinante das violações ao direito à tutela jurisdicional (ou administrativa) dentro de um prazo razoável."

            No mesmo diapasão, há que se atentar para o fato de que não é em todas as fases do processo administrativo que o legislador terá condições de fixar um prazo definido. Isto se verifica de forma mais perceptível na fase de instrução, cuja duração dependerá, muitas vezes, da complexidade e relevância da causa. Como exemplo, cita-se o art. 31, da Lei nº 9.784, de 1999, que admite a possibilidade de abertura de consulta pública, quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral. Portanto, é indubitável que processos que necessitem de tal conduta administrativa terão desenvolvimento seguramente mais lento, em relação aos que tenham uma instrução singela.

            Conclui-se, deste modo, a impossibilidade de se estabelecer uma duração razoável do processo em caráter objetivo, mediante lei geral e abstrata, em virtude das peculiaridades de cada caso concreto, embora os prazos legais sejam instrumentos de aferição da razoabilidade do tempo do processo. O conceito de razoabilidade seria um conceito aberto a ser analisado dentro das características de cada caso concreto, de modo que não caberia ao legislador definir, aprioristicamente, a razoável duração do processo em termos absolutos e gerais para todos casos.

            Impende notar que o conceito de razoabilidade não pode ser avaliado de forma arbitrária, a critério do juízo comum da autoridade administrativa ou do juiz. Segundo André Luiz Nicolitt (2006, p. 75), "a jurisprudência do TEDH, que fixa critérios objetivos para aferição da razoabilidade do tempo de duração do processo tem servido de paradigma para inúmeros tribunais constitucionais". Nestes termos, tais critérios do Tribunal Europeu de Direitos Humanos se aplicam em sua inteireza ao processo administrativo, dentro da realidade brasileira, com as devidas adaptações, e são fruto de sua larga experiência no tema, razão pela qual será útil utilizá-los como parâmetro de interpretação da existência ou não da razoável duração do processo.

            Com efeito, são três os principais critérios adotados pelo TEDH, e que devem ser levados em consideração, em conjunto, para apreciação do tempo razoável de duração de um determinado processo, segundo José Rogério Lauria e Tucci (1997, p. 68), sempre diante das circunstâncias de cada caso concreto, a saber: a) complexidade da causa; b) comportamento das partes e de seus procuradores; c) atuação do órgão jurisdicional. Adaptando-se ao processo administrativo, poder-se-ia considerar o item "b" como o comportamento dos administrados ou interessados no processo; e o item "c" como atuação do agente público na condução do processo.

            Primeiramente, quanto à complexidade da causa, pode-se sistematizá-la em três tipos: a complexidade dos fatos; a complexidade do direito e; a complexidade do processo. A complexidade dos fatos dá-se pela natureza da questão posta no processo, além das questões atinentes ao campo probatório. Há complexidade de direito quando existe dificuldade na interpretação das normas jurídicas incidentes sobre a questão. Neste ponto, assevera André Luiz Nicollit (2006, p. 79) que "dificilmente justificaria o atraso na prestação jurisdicional (ou administrativa), geralmente esta será fruto da complexidade fática e com maior freqüência ainda complexidade processual." Sobre este último aspecto, há complexidade processual pelo fato de existir um maior número de incidentes e demandas no procedimento, a exemplo da interposição de muitos recursos, dificuldades na localização de testemunhas, intervenção de interessados no processo etc.

            O comportamento dos administrados se consubstancia na forma de agir no decorrer do procedimento. Embora seja necessário assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa ao administrado, é possível, por parte deste, a adoção de comportamentos abusivos, como o uso procrastinatório dos recursos, o pedido, por parte dos interessados, de provas meramente desnecessárias, impertinentes ou ilícitas, e sua efetiva produção.

            A atuação do agente público é um fator preponderante para se aferir a existência ou não de violação do direito à duração razoável do processo administrativo. Isto se deve em razão de incidir, neste processo, o princípio da oficialidade, por meio do qual é a faculdade concedida à Administração de instaurar o processo administrativo, independente de provocação do interessado, e a obrigatoriedade de impulsionar o processo, praticando todos os atos tendentes a finalização do processo, como a instrução e o julgamento. Conforme Odete Medauar decorre do princípio da oficialidade:

            a) Atuação da Administração no processo tem caráter abrangente, não se limitando aos aspectos suscitados pelos sujeitos;

            b) A obtenção de provas e de dados para esclarecimento de fatos e situações deve também ser efetuada de ofício, além do pedido dos sujeitos;

            c) A inércia dos sujeitos (particulares, servidores e órgãos públicos interessados) não acarreta paralisação do processo salvo caso de providências pedidas pelo particular e que dependam de documentos que deve juntar; em tais casos a Administração deverá conceder prazo para a juntada, encerrando o processo se tal não ocorrer.(MEDAUAR, 1997, p. 197-198).

            Na Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo federal, tal princípio está retratado no art. 2º, inciso XII, o qual prevê "impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;" e no art. 29, segundo o qual "as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias."

            Os atrasos imputados à Administração Pública, através de seus agentes, podem ser classificados em duas categorias: dilações organizativas e dilações funcionais (NICOLLIT, 2006). As primeiras decorrem de fatores estruturais, da sobrecarga de trabalho ou mesmo conjunturais, como a existência de greves. As segundas estão ligadas à deficiente condução do processo por parte do agente público. Destarte, seja no âmbito organizacional ou no funcional, ".....há que ter uma forte justificativa para não taxar indevida a dilação e, por conseguinte, afastar a responsabilidade e os efeitos da violação do direito à duração razoável do processo." (NICOLLIT, 2006, p. 84).

            Sobre a atuação do agente público (dilação funcional), é muito comum a inépcia na condução do processo, consubstanciada na prática de nulidades pelo agente público, em razão da desobediência à forma e aos procedimentos previstos em lei, além da violação de direitos constitucionalmente protegidos, como a ampla defesa. Tais condutas ensejam a nulidade do processo, a ser decretada pela própria autoridade administrativa, ou mesmo pelo Poder judiciário, ensejando a instauração de novo procedimento, com observância das formalidades legais. A decretação de nulidade de um processo é tão prejudicial quanto à sua demora injustificada, pois o resultado é o mesmo, ou seja, a mora na tutela administrativa.

            Diante destas considerações, a fixação de critérios para aferição da razoabilidade da duração do processo é de extrema importância, a fim de se evitarem juízos arbitrários, cujos interlocutores não têm, muitas vezes, o conhecimento necessário para avaliar todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto.


6. Medidas que visam assegurar celeridade do processo administrativo.

            Diante destas considerações, para que o dispositivo constitucional em estudo não permaneça somente nas boas intenções, é imprescindível que se criem medidas, com vistas a promover um processo justo, sem dilações indevidas, sem prejuízo dos cidadãos que se socorrem aos Poderes Públicos em busca de seus direitos.

            A criação de leis que combatam a morosidade dos processos, sejam judiciais ou administrativos, é bem vinda, mas não o suficiente, pois é necessária a mudança de mentalidade dos próprios servidores públicos, que se encontram inseridos, muitas vezes, em uma burocracia administrativa, divorciada da sociedade a que servem.

            Por outro lado, é fundamental a profissionalização do servidor, de modo a assegurar uma melhor qualidade nos serviços públicos prestados ao administrado. O preparo técnico para o desempenho de cargo, emprego ou função pública é condição sine qua non para a eficiência dos serviços públicos. Assim, é essencial a oferta de cursos de capacitação a servidores em sua área específica de atuação; a realização de concursos públicos periódicos, selecionando profissionais com capacidade técnica e, ao mesmo tempo, que se estabeleçam critérios rigorosos para a investidura em cargos em comissão, de modo que não sejam inseridas no serviço público pessoas sem a necessária qualificação, fruto de indicações políticas. Nesta linha de raciocínio, aduz Romeu Felipe Bacellar Filho:

            A Administração Pública legitima-se quando age em conformidade com o interesse público. Neste contexto, a profissionalização da função pública constitui instrumento de legitimação da Administração Pública Brasileira perante o povo: (i) primeiro, para garantir a observância do princípio da igualdade na escolha de seus agentes, a partir de critérios que possibilitem a aferição daqueles mais preparados para o exercício da profissão, e não num status atribuído em razão de um direito de nascença ou pela proximidade pessoal com os governantes; (ii) segundo, para dar cumprimento ao princípio da eficiência, de uma Administração capacitada a responder aos anseios coletivos mediante a prestação de serviços adequados. (BACELLAR FILHO, 2003, p. 10)

            Por fim, é imprescindível a responsabilização administrativa do agente público desidioso, conduta esta que se traduz em desempenho funcional ineficiente. No entanto, para a concretização de tal mister, torna-se necessária a mudança de mentalidade das autoridades administrativas, que têm agido, muitas vezes, com complacência em relação às condutas dilatórias e procrastinatórias de seus subordinados, violando direitos subjetivos de caráter constitucional. Nos termos do art. 143, da Lei nº 8.112, de 1990, a autoridade que tiver conhecimento de irregularidades é obrigada a promover-lhe a apuração imediata.


7. Conclusão

            Tendo em vista tudo o que foi exposto no presente estudo, torna-se possível apresentar algumas ilações. Inicialmente, o direito à razoável duração do processo, estudado com enfoque no processo administrativo, é de fato um direito fundamental, dotado de aplicabilidade imediata, motivo pelo qual é dever de todos os operadores do direito lhe dar a devida eficácia. Este direito fundamental, aliás, já se encontrava inserido em nosso ordenamento jurídico, em particular na própria Constituição Federal, em decorrência do Princípio da eficiência, previsto no art. 37, e também como corolário do devido processo legal, nos termos do art. 5º, inciso LIV. Não se pode olvidar, também, que o Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, vigente em território brasileiro a partir de 1992, também trazia em seu bojo o aludido direito, em seu art. 8º.

            A razoabilidade da duração do processo deverá ser aferida casuisticamente, uma vez que ao legislador não é possível fixar, de antemão, um prazo razoável e plenamente fechado, em razão de diversas circunstâncias que podem ocorrer no desenvolvimento do processo administrativo, a exemplo da complexidade da instrução probatória. No entanto, nada impede, sendo até recomendável, que o legislador fixe prazos para a prática de atos administrativos ou processuais como parâmetros para a atuação administrativa, para não deixar ao arbítrio do agente público o juízo de valoração do prazo adequado. A propósito, os critérios de aferição afetos ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, fruto de sua larga experiência sobre o tema, como instrumentos para se avaliar a existência da razoável duração do processo, são aplicáveis ao processo administrativo brasileiro, com as devidas adaptações.

            Por outro lado, o direito fundamental à duração razoável do processo é fruto do equilíbrio entre a celeridade da prática dos atos inerentes ao procedimento, e da preservação dos demais direitos fundamentais assegurados ao cidadão no processo, como é o caso do contraditório, da ampla defesa e da publicidade, meros desdobramentos do devido processo legal, o que assegura a efetividade do processo, pois resulta em uma decisão final tempestiva e adequada.

            Desta forma, a aplicação da garantia à razoável duração do processo a todas as causas, administrativas e judiciais, é medida que humaniza o processo, em respeito ao cidadão, em obediência ao Princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º, inc. III, da CF). A recusa do Estado em dar aplicabilidade ao novo direito fundamental o sujeitará a reparar os danos sofridos pelo administrado, em razão do injustificado e não razoável retardamento do processo administrativo.

            Em última análise, resta demonstrado que o que se persegue, primordialmente, numa sociedade de direito, é a obediência aos princípios constitucionais inseridos na nossa Carta Magna, sempre em consonância com os mais elevados valores morais, ínsitos a todo e qualquer cidadão, configurados no respeito à dignidade humana, à observância de prazos – tanto quanto possível -, trazendo, como conseqüência natural, a própria evolução do direito pátrio.

            Em assim se agindo, não apenas torna-se possível a aferição e concretização da razoável duração do processo, mas também têm-se por atendidos os postulados básicos da nossa sociedade, tão carente de apoio, descrente das leis, e ausente de esperança e crença, em especial no que pertine aos Poderes estatais.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Márcio Luís Dutra de. Direito à razoável duração do processo administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10056. Acesso em: 28 mar. 2024.