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Algumas linhas introdutórias ao estudo do Direito Processual

Algumas linhas introdutórias ao estudo do Direito Processual

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Sumário: 1. Introdução. 2. Os direitos material e processual. 3. Imposição de formas sim; culto ao formalismo, não. 4. O direito processual como um sistema de enunciados instrumentais. 5. Direito processual ou direito judiciário? 6. Ramos do direito processual. 7. O direito material processual. 8. O direito processual e a dicotomia entre direito público e direito privado. 8.1. A aceitação pedagógica da dicotomia entre direito público e direito privado, e o enquadramento do direito processual como ramo do direito público. 9. Conclusões. 10. Referências bibliográficas.


1. Introdução

O direito processual pode se aparentar tedioso àqueles que dele apreendem as primeiras lições: um direito que à primeira vista apresenta-se afastado do mundo da vida, rico em conceitos extremamente teóricos, muitos deles tendo como uma de suas principais características a controvérsia que parece não ter fim; uma linguagem demasiadamente técnica e científica a repudiar os desavisados.

Mas a importância desse ramo da ciência jurídica exige a superação desses temerários juízos de valor. Sequer haveria sentido de se trabalhar o direito material se inexistente fosse o direito processual – uma ciência do espírito, técnica e complexa, indispensável a assegurar legitimação ao poder jurisdicional. Aliás, atividade jurisdicional sem freios e contrapesos, alheia às regras e princípios que caracterizam o direito processual, é meramente manifestação de poder absolutista.

E o seu estudo realmente exige intimidade com muitos conceitos doutrinários a ele intimamente ligados, já que indispensáveis a adequada compreensão do todo. Alguns deles, talvez as idéias mais basilares, serão abordados nesse ensaio, cuja pretensão única se volta a facilitar – e quem sabe entusiasmar – o estudo por parte dos neófitos, ainda pouco familiarizados com a disciplina, bem assim a rememorar algumas lições aos já habituados a lidar com o processo. Munido desse espírito, nesse espaço os seguintes temas serão abordados: (a) os direitos material e processual; (b) as formas e o formalismo; (c) a idéia de preceitos instrumentais; (d) as nomenclaturas "direito processual" e "direito judiciário"; (e) os ramos do direito processual; (f) o denominado "direito material processual"; (g) e a dicotomia entre direito público e privado.

É o que se propõe!


1. Os direitos material e processual

Os homens, embora naturalmente gregários, necessitam de leis [01] que ditem sua convivência mútua e que os conduzam à prática de condutas compatíveis à manutenção da ordem e paz social. Não fosse assim, a vida em coletividade seria praticamente impossível, porquanto os próprios sentimentos particulares dos indivíduos os lançariam uns contra os outros, sempre que buscassem satisfazer os seus mais variados interesses. Num ambiente tal, a força seria o predicado mais valoroso, e a violência uma constante a impedir o desenvolvimento humano em suas mais distintas facetas.

Daí, observa JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA que uma sociedade, para existir e continuar existindo, depende da adoção de uma ordem, seja ela qual for. [02] E a concretização de tal ordem apenas se dará com a imposição dessas diretrizes legais que regulamentem a vida dos homens, regrando suas relações intersubjetivas e os relacionamentos deles com os diversos bens da vida presentes no mundo. A esse corpo de diretrizes, endereçadas a disciplinar essas relações, dá-se o rótulo de direito material ou substancial. [03]

Em outras palavras, o direito material é representado por um conjunto de preceitos, concebidos segundo a consciência dominante (em tese), e voltados a reger a convivência dos homens, impondo-lhes determinados comportamentos considerados imprescindíveis à manutenção da fisiologia do organismo social. Dirige-se diretamente à sociedade, e ao próprio Estado, e é sentido e experimentado mais diretamente pelos indivíduos no seu dia-a-dia, simplesmente por estarem vivos e se relacionarem entre si. [04]

No mais das vezes, os preceitos de direito material são cumpridos de maneira voluntária. Os contratos firmados são respeitados, as divergências de interesses solucionadas amigavelmente, as pretensões satisfeitas, tudo em conformidade com os enunciados legais previamente positivados, garantindo-se, assim, uma convivência pacífica e a constante busca dos ideais justificadores da própria vida coletiva. Entretanto, não são raros os momentos em que essa ordem é comprometida, e os indivíduos, por não observarem, adequadamente, as medidas de valor impostas às suas condutas, abrem margem ao surgimento de conflitos intersubjetivos de interesses no seio social. Deflagra-se, pois, uma situação patológica a exigir, para que seja contida e contornada, a atuação pacificadora do Estado (jurisdição). [05]

Então, é de se indagar: de que valeriam os preceitos de direito materiais, há pouco mencionados, se os prejudicados não tivessem meios de, efetivamente, garantirem o seu cumprimento? É precisa a resposta de REZENDE FILHO, quando esclarece que, não sendo possível confiar a defesa dos direitos diretamente aos indivíduos (autotutela), cabe ao Estado a missão pacificadora sempre que ameaçados ou violados os direitos individuais ou coletivos, evitando-se não só o rompimento do regime de paz assegurado pela ordem jurídica como também o ingresso numa anarquia intolerável, em que apenas imperaria a força bruta, a lei magna dos povos primitivos. Daí impõe-se a tarefa suprema do Estado de proteger os indivíduos lesados, valendo-se de uma genuína balança, e agindo, quando necessário, por meio da força de sua espada. E, certamente, o Estado não pode consentir que essa espada – símbolo do vigor e da soberania estatal – seja por outrem utilizada. [06]

Quando, pois, a vontade concreta da lei deveria efetuar-se mediante o voluntário adimplemento da obrigação, mas esse falha, substituir-se-lhe-á a realização mediante a prestação jurisdicional instrumentalizada pelo processo. De tal sorte, é quase intuitiva a necessidade de um outro conjunto de preceitos normativos, o qual se destina a dirigir a atividade jurisdicional e a possibilitar uma tutela pautada na efetividade de resultados, construída mediante a atuação participativa dos juízes e das partes, tudo em conformidade com um modelo adequado aos pilares constitucionais que sustentam o Estado Democrático de Direito (devido processo legal). A esse conjunto especial de enunciados legais dá-se o nome de direito processual.

Assim, e aprofundando-se um pouco mais no conceito, o direito processual representa o conjunto de preceitos jurídicos orientados a regulamentar os institutos fundamentais jurisdição, ação, processo e defesa, estabelecendo e conduzindo, ainda, a estrutura e funcionamento do Judiciário e de seus órgãos (juízes e tribunais), a participação dos auxiliares (escrivães, escreventes, oficiais de justiça) e eventuais colaboradores (intérpretes, peritos, assistentes técnicos), bem assim, regendo as instituições essenciais à Justiça (advogados e Ministério Público). [07] Nas palavras de MOACYR AMARAL SANTOS, define-se como direito processual aquele sistema de enunciados legais que regulam o processo, disciplinando as atividades dos sujeitos interessados, do órgão jurisdicional e seus auxiliares. E, como todas essas atividades dizem respeito ao exercício da função jurisdicional, também se pode dizer simplesmente – e isso numa definição macro –, que o direito processual constitui o sistema de princípios e regras regulamentador da atividade jurisdicional. [08]

De forma mais pormenorizada, JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA esclarece que, quanto ao conteúdo, o direito processual compõe-se, basicamente, dos seguintes tipos de preceitos legais: (a) Preceitos de organização: estabelecem a estrutura organizacional do Judiciário. Esses enunciados normativos de organização dispõem sobre a constituição dos órgãos judiciários, sua composição, as ligações entre eles, o recrutamento e a posição de seus agentes e auxiliares. (b) Preceitos de competência: são os que operam a divisão do trabalho entre os diversos órgãos judiciários, segundo alguns critérios por eles mesmos estabelecidos. Não deixam de ser enunciados de organização, porquanto regulam o processo de divisão de trabalho entre os diversos órgãos judiciários e a coordenação entre eles, tendo em vista a realização de um fim comum. (c) Preceitos de processo propriamente ditas: compreendem os preceitos disciplinadores das situações jurídicas dos sujeitos do processo, a saber, seus poderes, deveres, ônus e faculdades. Também dizem respeito aos preceitos procedimentais em sentido estrito, essas que disciplinam o exercício desses poderes, deveres, ônus e faculdades, quanto à seqüência dos atos, sua forma, tempo e lugar de seu exercício. [09]

Em preciosa síntese, CARNELUTTI aponta que a distinção entre os direitos material e processual situa-se nas finalidades a que servem os enunciados que integram cada um dos campos: os preceitos materiais compõem imediatamente um conflito de interesses, impondo uma obrigação e atribuindo direitos (subjetivos); já os preceitos processuais ou instrumentais, o compõem mediatamente, atribuindo um poder (de compor) e impondo correlativamente uma sujeição. Assim, o que verdadeiramente difere o direito material do processual é que o primeiro tem por finalidade moldar a conduta dos homens em sociedade, regrando suas relações intersubjetivas e aquelas que estabelecem com os bens da vida; já o último, centra-se, apenas, na atividade jurisdicional e, por isso, os preceitos que o integram não solucionam diretamente o conflito de interesses, servindo-se apenas de instrumento para compô-lo, construindo um mecanismo para essa composição. [10]


3. Imposição de formas, sim; culto ao formalismo, não

Forma "é a expressão externa do ato jurídico e revela-se no modo de sua realização, no lugar em que deve ser realizado e nos limites de tempo para realizar-se." [11]

Na esteira das lições de DINAMARCO, o direito processual é eminentemente formal porque define e impõe formas a serem observadas nos atos de exercício da jurisdição. A exigência de respeito às formas no processo é uma garantia de segurança às partes, [12] um compromisso com o próprio Estado Democrático de Direito, e destina-se a dar efetividade aos poderes e faculdades inerentes ao devido processo legal. [13]

CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA diferencia forma em sentido estrito de forma em sentido amplo. A primeira seria o invólucro do ato processual, a maneira pela qual esse mesmo ato deve se exteriorizar, englobando o conjunto de signos pelos quais a vontade se manifesta e também os requisitos a serem observados na sua celebração. Já a derradeira, como o próprio nome indica, é mais abrangente, e compreende a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, a coordenação de suas atividades, a ordenação do procedimento e a organização do processo, com vistas a que sejam atingidas suas finalidades primordiais. A forma em sentido amplo aponta, pois, as fronteiras para o começo e o fim do processo, circunscreve o material a ser formado, estabelece dentro de quais limites devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento. [14]

Entre os leigos – assevera CHIOVENDA –, as formas judiciais são censuradas sob a alegação de que ensejam longas e inúteis querelas; às vezes, a inobservância de uma delas pode acarretar a perda de um direito, de maneira que se ambicionam sistemas processuais simples e destituídos de formalidades. [15] Entretanto, a experiência demonstra que as formas são imprescindíveis, pois a sua ausência carreia a desordem, a confusão e a incerteza. [16]

Advirta-se, todavia, que forma não corresponde, necessariamente, à idéia de formalismo, entendido esse último como o apego rígido, apaixonado e irracional a primeira, olvidando-se que a forma possui um escopo que justifica a sua própria existência e, portanto, não representa um fim em si mesma. [17] No atual desenvolvimento da ciência processual, em que a concepção de instrumentalidade do processo é, a cada dia, mais evidente, não há logicidade em se situar a forma num pedestal, fora do alcance e desvinculada dos próprios resultados pretendidos com a sua realização, elevando-se, ao extremo da insensatez, a obediência inflexível aos aspectos exteriores, em detrimento da celeridade e efetividade jurisdicional. [18]

Daí a precisa lição de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, quando aborda o tema "Acesso à Justiça". Diz o jurista que, hoje, luta-se para alcançar a deformalização dos procedimentos judiciais tendentes à solução de controvérsias. E isso – acrescenta o mestre – não significa uma batalha em busca da total e extrema extinção das formas processuais, porquanto o processo judicial é formal por natureza, e assim deve ser, sob pena de se perderem todas as garantias pelas quais as formas processuais são responsáveis. Ao contrário, pretende-se, sim, combater o formalismo, a extrema deturpação das formas – é esse exagero formalista que deve ser abandonado. [19]

Deveras, a forma é método e possui sua razão de ser no objetivo que pretende atingir, de modo que, mesmo não se concretizando algum ato, ou concretizado com transgressão às exigências formais, se o objetivo desse ato for realizado, sem prejuízo às partes, nada haverá de ser anulado; [20] não há nulidade sem prejuízo (CPC, art. 244, §§1º e 2º). [21]

Assim, só há de se falar em invalidade de atos quando as exigências formais do processo reclamarem cumprimento rígido, sempre que tal postura se mostrar imprescindível para o alcance do resultado pretendido, garantindo às partes ausência de prejuízos. Aliás, é esse o teor do art. 244 do CPC, ao dispor: "Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade." [22]


4. O direito processual como um sistema

[23] de enunciados instrumentais

Não há nenhuma depreciação ao direito processual quando se o considera como um conjunto de enunciados instrumentais. Igualmente, não se avilta o processo judicial ao se dizer que ele é instrumento da função jurisdicional, vinculando-o a formação e realização do direito material e, principalmente, jungindo-o ao bem-estar da sociedade.

Deveras, jurisdição e processo são duas realidades ligadas entre si e voltadas a um único objetivo: a prestação adequada e efetiva da tutela jurisdicional. De tal sorte, referir-se ao processo como instrumento não significa rebaixá-lo a uma condição de inferioridade, pois sem ele, e por conseqüência, sem as garantias do devido processo legal, o próprio Estado Democrático de Direito estaria comprometido, a tutela jurisdicional seria apenas uma manifestação arbitrária de poder, e a justiça nada mais do que um valor relegado e esquecido. Assim, é o processo judicial o meio, o conduto, o instrumento legitimador da atividade jurisdicional.

Com efeito, ao se entender os enunciados processuais como instrumentais, o raciocínio conduz a inevitável conclusão de que não só o processo deve ser visto como instrumento, mas, também o são os próprios institutos da ação processual, da defesa e da jurisdição. Ora, é a jurisdição inequivocamente instrumental, uma vez que o Estado-juiz subsume-se numa atividade que, ordinariamente, deveria ter sido resolvida de maneira amistosa e voluntária pelos litigantes. [24] A ação processual também é instrumental já que é verdadeiro mecanismo de ignição da máquina judiciária, um instrumento para se acionar o exercício jurisdicional. Já a defesa é um instrumento de legitimação do poder jurisdicional, na medida em que esse poder apenas é aceitável numa sociedade democrática se as partes tiverem a possibilidade de participar da elaboração da decisão judicial.

Importa, realmente, é ter em conta que os preceitos processuais regram o exercício jurisdicional como um todo, possibilitando uma atividade em conformidade com os moldes constitucionais (devido processo legal), permitindo a participação das partes na construção da decisão judicial, regrando os poderes do juiz de maneira a evitar abusos de poder, exigindo a participação do advogado como profissional indispensável à consecução da justiça, regendo a atuação do Ministério Público e estabelecendo a organização judiciária, competências e procedimentos a serem respeitados pelo juiz, pelas partes, auxiliares da justiça e eventuais colaboradores. Por tudo isso, o direito processual possui importante caráter instrumental, garantindo o respeito ao ordenamento jurídico e a manutenção do bem-estar social.


5. Direito processual ou direito judiciário?

Outrora, parte da doutrina preferia se valer da denominação direito judiciário a se utilizar da nomenclatura direito processual. JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, [25] JOÃO MONTEIRO [26] e EURICO FIGUEIREDO BRASIL [27] são apenas alguns juristas nacionais que seguiram esse critério em seus trabalhos.

Conquanto seja questão referente à terminologia, sem cunho prático algum, é de se esclarecer que, atualmente, e com expressiva dose de razão, elegeu-se, por influência alemã, de direito processual o conjunto de princípios e regras instrumentais voltadas a reger o exercício da jurisdição e o funcionamento do processo.

Realmente essa nomenclatura é a ideal, e isso por não colocar em demasiado relevo a figura do juiz, eclipsando as posições das partes e demais pessoas que intervêm no processo, evitando-se, de igual modo, a compreensão equivocada de que entrariam no campo do direito processual institutos alheios ao exercício jurisdicional, que se compreendam na órbita de funções outras (administrativas e legislativas), excepcionalmente atribuídas ao Judiciário. [28]


6. Ramos do direito processual

É a jurisdição, expressão do poder estatal, una, como é igualmente uno o direito processual, como sistema de princípios e regras voltado à regulamentação do exercício jurisdicional. [29] Apenas por exigências pragmáticas, relacionadas à própria natureza da pretensão jurisdicional e dos preceitos que irão efetivamente atuar, é que se afirma serem os principais ramos do direito processual os direitos processual civil e processual penal. [30]

Nas palavras de MOACYR AMARAL SANTOS, o direito processual penal, regido pelo Código de Processo Penal e algumas outras leis, regulamenta a atuação da jurisdição penal, praticada em face de lides penais, caracterizadas por pretensões punitivas ou medidas preventivas de ordem penal. Já o direito processual civil rege a jurisdição civil, exercida em face de lides e pretensões de natureza não-penais, envolvendo situações de direito privado (civil, empresarial) e de direito público (constitucional, tributário, administrativo), e é regulamentado pelo Código de Processo Civil e diversas leis esparsas. [31]

Ainda é possível identificar sub-espécies do direito processual, como o direito processual do trabalho, o direito processual eleitoral, o direito processual penal militar, que correspondem à atuação das jurisdições especiais do trabalho, eleitoral e penal militar. [32]

Todas essas subespécies de direitos processuais encontram no direito processual civil ou no direito processual penal, preceitos de aplicação subsidiária, sendo, assim, consideradas comuns em relação as outras, [33] justamente por regerem o exercício jurisdicional de maneira coadjuvante, sempre contribuindo ou suprindo lacunas, melhorando a prestação jurisdicional, sem, contudo, contrariar os enunciados normativos especiais.

Por fim, atente-se que a natureza processual de uma lei não se deduz do lugar em que ela se encontra inserida, mas, sim, em razão de seu objeto. E isso porque, só em parte, os preceitos processuais se situam no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. Sejam por razões de ordem prática ou histórica, tal postura em nada influencia na natureza dos preceitos normativos. [34]


7. O direito material processual

CHIOVENDA adverte sobre a existência de direitos processuais substanciais e formais. [35] E realmente é equivocada a idéia de que as leis processuais se referem, sempre e exclusivamente, a aspectos inerentes ao processo judicial.

Leciona DINAMARCO que, não obstante as características peculiares que distinguem os preceitos processuais e materiais, alguns institutos são responsáveis por situações que se configuram fora do processo e atingem diretamente a vida das pessoas em sociedade, seja nas suas relações com outros indivíduos, seja, ainda, nos relacionamentos com os bens que lhes são úteis ou desejados, sendo que, só num segundo momento, serão eles objeto das técnicas do processo. Exemplos dessas situações são os institutos da ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial. [36]

Conquanto apenas no processo tais institutos apareçam de modo explícito, de algum modo eles dizem também respeito à vida dos sujeitos, de suas relações intersubjetivas e daquelas que estabelecem com os bens. [37] São verdadeiros pontos de interseção entre os planos normativos substancial e processual. [38]


8. O direito processual e a dicotomia entre direito público e direito privado

Sabidamente a divisão entre direito público e direito privado remonta do direito romano. Contudo, critérios diversos foram e são utilizados com o intento de explicar adequadamente essa cisão, e isso, na verdade, sem muito êxito, na medida em que todos eles estão sujeitos a críticas. [39]

De qualquer sorte, não há como obstar que o direito é um todo uno e indivisível, um sistema composto de preceitos jurídicos entrelaçados, direta e indiretamente, entre si, cuja unidade é garantida por enunciados legais superiores devidamente encadeados na Constituição Federal (um verdadeiro sistema). Todo esse conjunto normativo é direcionado, mediata ou imediatamente, à regência da sociedade, contribuindo, de alguma forma, para o seu desenvolvimento, servindo àqueles que a ela integram.

E, diante dessa especial perspectiva, o direito, não importando o ramo de conhecimento ao qual se refira, sempre deterá natureza pública, já que endereçado ao povo, e ao próprio Estado, e tendo por alvo o maior dos ideais coletivos que é o bem-estar social.

Esse raciocínio, direcionado a quebrar a dicotomia entre direito público e privado, amealhando todos os ramos do direito num só e único compartimento, por si só se mostra suficientemente capaz de demonstrar a natureza pública, não só do direito processual, mas do direito globalmente considerado. E essa quebra nasce justamente da adoção de um outro critério, ou de um novo olhar, talvez mais adequado aos moldes do Estado Democrático de Direito, de maneira a evidenciar que as divergências relacionadas a essa divisão do direito em dois grandes ramos (público e privado), ou mesmo voltadas à própria negação dessa divisão, são apenas frutos de desacordos relacionados a critérios adotados – é um problema de critérios. [40]

8.1. A aceitação pedagógica da dicotomia entre direito público e direito privado, e o enquadramento do direito processual como ramo do direito público

Em se estando atento às observações feitas no tópico anterior, é certamente aceitável, especialmente para fins pedagógicos, a aplicação de critérios outros, esses capazes de sustentar a cisão entre direito público e privado.

Partindo-se do pressuposto de que o enunciado legal (o texto legal), numa acepção ampla, objetiva-se, direta ou indiretamente, a regular as relações intersubjetivas ocorrentes entre aqueles que integram a sociedade, um dos critérios mais utilizados pela doutrina é aquele que foca a tal diferenciação entre direito público e privado nos sujeitos destinatários do comando normativo.

Fala-se, então, em preceitos de direito privado quando os sujeitos envolvidos na relação jurídica forem particulares, sem que haja qualquer envolvimento com o Poder Público. Já os preceitos de direito público seriam aquelas outras que regem as relações que envolvem, de alguma maneira, a participação do próprio Estado.

Também por esse raciocínio, e admitindo-se a dicotomia, emerge-se a conclusão de que os preceitos processuais integram o ramo de direito público, especialmente pelo seu escopo magno de gerir a atividade jurisdicional – afinal, estar-se-á falando de uma atividade pública. São preceitos que disciplinam as relações travadas entre o Estado-juiz e as pessoas – muitas vezes, com a participação do próprio Estado como parte da relação jurídica processual –, sempre que a máquina judiciária é estimulada a atuar. É a jurisdição uma das funções do Estado, emanação do seu poder soberano, e o regramento das formas e institutos necessários a atingir o seu resultado (tutela jurisdicional) não poderia situar-se em outro campo.

De mais a mais, e ainda aceitando-se a divisão pedagógica do direito em ramos diversos, o caráter público do direito processual civil é, com certa tranqüilidade, assimilado quando os olhares se voltam ao seu próprio objetivo magno, a saber, a pacificação social. Os ideais coletivos e o próprio bem-estar social apenas podem ser garantidos quando a violência é tida como um mal a ser evitado e combatido, de modo que os conflitos de interesses sejam solucionados de maneira não-violenta e justa. Assim, o conjunto de enunciados legais (processuais) que regulam o exercício jurisdicional tem evidente cunho público, viabilizando a manutenção dos valores que movem os interesses coletivos e possibilitando a mantença da ordem social. Aliás, as próprias preocupações que atormentam o processualista da atualidade, encontram-se, todas elas, jungidas a ideais coletivos – e, portanto, públicos: (a) busca de uma tutela jurisdicional de resultados; (b) facilitação ao acesso à justiça; (c) celeridade sem prejuízo da segurança; (d) criação de procedimentos diferenciados a facilitar, em situações específicas, a concessão da tutela jurisdicional; (e) o tratamento isonômico das partes envolvidas na relação processual, conferindo, a alguns grupos de indivíduos considerados vulneráveis, determinadas benesses processuais (consumidores e trabalhadores, por exemplo).


9. Conclusões

De tudo que aqui foi dito, algumas conclusões podem ser devidamente traçadas:

1. Os homens necessitam de leis que ditem sua convivência mútua, e os conduzam à prática de condutas compatíveis à manutenção da ordem e paz social. A essas leis, destinadas a imposição de diretrizes que regulamentem suas relações intersubjetivas e os relacionamentos deles com os diversos bens da vida presentes no mundo, dá-se o rótulo de direito material ou substancial.

2. Quando a vontade concreta da lei deveria cumprir-se mediante o voluntário adimplemento da obrigação, mas assim não se sucede, substituir-se-lhe-á a realização mediante a prestação jurisdicional instrumentalizada pelo processo. Daí a necessidade de um outro conjunto de preceitos normativos, o qual se destina a dirigir a atividade jurisdicional e a possibilitar uma tutela pautada na efetividade de resultados, construída mediante a atuação participativa dos juízes e das partes, tudo em conformidade com um modelo adequado aos pilares constitucionais que sustentam o Estado Democrático de Direito (devido processo legal). A esse conjunto especial de enunciados legais, dá-se o nome de direito processual.

3. O direito processual atua: (a) criando e indicando os órgãos responsáveis pela resolução das variadas naturezas de conflitos intersubjetivos (jurisdição contenciosa) e pela satisfação de pretensões (jurisdição voluntária) (organização judiciária e competência); (b) definindo procedimentos a serem adotados pelas partes (e terceiros), e seguidos pelo juiz, para se atingir uma tutela jurisdicional efetiva e justa; (c) estabelecendo contornos para a instauração da atividade jurisdicional e para a atuação, no processo, das partes, do juiz, de terceiros, dos auxiliares da justiça e de eventuais colaboradores.

4. É o direito processual é eminentemente formal porque define e impõe formas a serem observadas nos atos de exercício da jurisdição, as quais representam garantia de segurança às partes, [41] um compromisso com o próprio Estado Democrático de Direito. Nesse rumo, a forma é "a expressão externa do ato jurídico e revela-se no modo de sua realização, no lugar em que deve ser realizado e nos limites de tempo para realizar-se." [42]

5. Mas forma não corresponde à idéia de formalismo. Advogar o formalismo é prender-se exageradamente à forma, conferindo-lhe uma finalidade superior aos próprios resultados para os quais foi ela desenhada. Luta-se, hoje, justamente para alcançar a deformalização dos procedimentos judiciais, de modo a se combater o formalismo, a extrema deturpação das formas. [43]

6. É o direito processual representado por um conjunto de enunciados normativos instrumentais. Isso apenas significa que esses enunciados regram o exercício jurisdicional como um todo, possibilitando uma atividade em conformidade com os moldes constitucionais (devido processo legal), permitindo a participação das partes na construção da decisão judicial, regrando os poderes do juiz de maneira a evitar abusos de poder, exigindo a participação do advogado como profissional indispensável à consecução da justiça, regendo a atuação do Ministério Público e estabelecendo a organização judiciária, competências e procedimentos a serem respeitados pelo juiz, pelas partes, auxiliares da justiça e eventuais colaboradores – por tudo isso, o direito processual possui importante caráter instrumental, garantindo o respeito ao ordenamento jurídico e a manutenção do bem-estar social.

7. Atualmente elegeu-se, por influência alemã, de direito processual o conjunto de princípios e regras instrumentais voltadas a reger o exercício da jurisdição e o funcionamento do processo. Tal nomenclatura é utilizada em substituição de outra já ultrapassada – direito judiciário.

8. Embora seja o direito processual uno, por exigências pragmáticas é comum afirmar-se que seus principais ramos são os direitos processual civil e processual penal.

9. O direito processual penal, regido pelo Código de Processo Penal e algumas outras leis, regulamenta a atuação da jurisdição penal, praticada em face de lides penais, caracterizadas por pretensões punitivas ou medidas preventivas de ordem penal. Já o direito processual civil rege a jurisdição civil, exercida em face de lides e pretensões de natureza não-penais, envolvendo situações de direito privado (civil, empresarial) e de direito público (constitucional, tributário, administrativo), e é regulamentado pelo Código de Processo Civil e diversas leis esparsas. [44]

10. Ainda é possível identificar sub-espécies do direito processual, como o direito processual do trabalho, o direito processual eleitoral, o direito processual penal militar, que correspondem à atuação das jurisdições especiais do trabalho, eleitoral e penal militar. [45] Essas subespécies de direitos processuais encontram no direito processual civil ou no direito processual penal, preceitos de aplicação subsidiária, sendo, assim, consideradas comuns em relação as outras, [46] justamente por regerem o exercício jurisdicional de maneira coadjuvante, sempre contribuindo ou suprindo lacunas, melhorando a prestação jurisdicional, sem, contudo, contrariar os enunciados normativos especiais.

11. A natureza processual de uma lei não se deduz do lugar em que ela se encontra inserida; o que realmente importa é a análise de seu objeto. Isso significa que nem todos os preceitos processuais encontram-se inseridos nos Códigos de Processo.

12. Não obstante as características peculiares que distinguem os preceitos processuais e materiais, alguns institutos são responsáveis por situações que se configuram fora do processo e atingem diretamente a vida das pessoas em sociedade, seja nas suas relações com outros indivíduos, seja, ainda, nos relacionamentos com os bens que lhes são úteis ou desejados, sendo que, só num segundo momento, serão eles objeto das técnicas do processo – são os denominados direitos materiais processuais. [47] Exemplos dessas situações são os institutos da ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial.

13. O direito, não importando o ramo de conhecimento ao qual se refira, sempre deterá natureza pública, já que endereçado ao povo, e ao próprio Estado, e tendo por alvo o maior dos ideais coletivos que é o bem-estar social. De todo modo, é certamente aceitável, especialmente para fins pedagógicos, o uso de critérios capazes de abalizar a cisão do direito entre público e privado. E admitindo-se a dicotomia, é de se concluir que os preceitos processuais integram o ramo de direito público, especialmente pelo seu escopo magno de gerir a atividade jurisdicional – afinal, estar-se-á falando de uma atividade pública. São preceitos que disciplinam as relações travadas entre o Estado-juiz e as pessoas – muitas vezes, com a participação do próprio Estado como parte da relação jurídica processual –, sempre que a máquina judiciária é estimulada a atuar. É a jurisdição uma das funções do Estado, emanação do seu poder soberano, e o regramento das formas e institutos necessários a atingir o seu resultado (tutela jurisdicional) não poderia situar-se em outro campo.


10. Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria geral do processo. 7ª. ed. São Paulo : Editora Atlas, 2003.

ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. Rio de Janeiro : Livraria Editora Freitas Bastos, 1940.

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996 (trad. da 2. ed. alemã, 1983).

CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Vol. I. São Paulo : Classic Book Editora e Distribuidora de livros ltda., 2000.

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SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 1º. 23ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2004.


Notas

01 Não se deve confundir a lei com a norma jurídica. A primeira é representada por um conjunto de enunciados ou preceitos normativos; é o texto legal, um programa a ser utilizado pelo intérprete. Já a norma jurídica é fruto da interpretação. É sentido que se apreende de um texto; brota e é conseqüência da interpretação do texto normativo. Fala-se, assim, que o ordenamento jurídico, quando concebido como uma somatória de enunciados ou preceitos, seria apenas um ordenamento em potência, um conjunto de probabilidades de interpretação ou um conjunto de normas potenciais; já o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, seria um conjunto de interpretações ou de normas jurídicas. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo : Malheiros Editores, 2002. 72). Nesse prisma, a norma jurídica preexiste parcialmente, em estado potencial, no invólucro do enunciado (Ibid., 75), e será produzida ou fabricada pelo intérprete, mediante um trabalho interpretativo que abarca não só os enunciados, mas também os próprios fatos e os valores envolvidos, cujo fim maior é a sua aplicação ao caso concreto sob exame, seja ele de que natureza for.

02 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7ª. ed. São Paulo : Editora Atlas, 2003. p. 31.

03 Tome-se, a título de exemplo, os seguintes enunciados de direito material, colhidos do Código Civil: nas compras e venda de imóveis, e salvo cláusula em contrário, as despesas de escritura e registro ficam a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição (art. 490); o transportador não pode recusar passageiros, salvo em casos específicos devidamente previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem (art. 739); o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (art. 1.128).

04 Leciona MARINONI que, outrora, quando vigia o modelo do Estado legislativo, a lei, genérica e abstrata, dirigia-se a uma sociedade de "homens livres e iguais", todos com idênticas necessidades. A liberdade era o valor magno e para garanti-la o Estado liberal resolveu tratar a todos de forma igual perante a lei. Ainda nessa época, a lei era fruto da vontade do Parlamento, cujos integrantes representavam a burguesia – não havia, pois, confronto ideológico. Hoje, superada essa fase, as casas legislativas cederam lugar às divergências, de maneira que diferentes idéias sobre o papel do Direito e do Estado passaram a se confrontar. (MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado constitucional. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/. Acessado em: 05/10/2005). Daí porque se utilizou a expressão "em tese", entre parênteses, no parágrafo anterior: com o intuito de evidenciar que, nem sempre, as leis são elaboradas conforme a vontade dominante, mas, sim, segundo vontades políticas de grupos de interesses, estes que se impõem, influenciando o Parlamento mediante atos de pressão (lobismo).

05 É de se lembrar que o Estado, no exercício de sua soberania, vetou a autotutela, convencido de que a violência é um mal extremamente prejudicial aos ideais que justificam a própria vida em coletividade. Contudo, ao agir assim, positivando essa proibição, tipificando o seu descumprimento, inclusive, como crime (CP, art. 345), se viu compelido a assumir um penoso dever: o de solucionar os diversos conflitos de interesses, diuturnamente, surgidos na sociedade, sempre que provocado para tanto, e isso mediante uma operação não-violenta e justa. Sequer é facultado ao Estado furtar-se à prestação jurisdicional, mesmo que escorado na cômoda afirmação da inexistência de lei regulando a situação concreta posta em exame. A tutela sempre haverá de ser prestada, beneficiando ou não aquele que a postulou, segundo critérios justos e fundamentados, construídos pelo juiz, com a participação conjunta das partes.

06 RESENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. Vol. 1º. 4ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1954. p. 16.

07 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. Parte geral. São Paulo : Editora Atlas, 2005. p. 9.

08 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 1º. 23ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2004. p. 13.

09 ROCHA, Op.cit., p. 40.

10 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Vol. I. São Paulo : Classic Book Editora e Distribuidora de livros ltda., 2000. p. 110.

11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. I., São Paulo : Malheiros Editores, 2005. p. 56.

12 Ibid., p. 56.

13 As formas garantem uma estrutura ao processo alinhada ao modelo do devido processo legal e condizente com o próprio Estado Democrático de Direito. Daí afirmar-se que as formas caracterizam-se como verdadeiras garantias às partes de que o exercício jurisdicional irá pautar-se em alguns valores caros à sociedade, como: (a) a segurança, (b) a justiça, (c) a efetividade, (d) a igualdade, (e) o contraditório, (f) a ausência de arbitrariedade, dentre outros.

14 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 5-7.

15 Assevere-se, já aqui, que os preceitos processuais nem sempre geram influência exclusivamente restrita ao plano do processo. Há aquelas, denominadas enunciados materiais processuais, que formam verdadeiras pontes entre os direitos material e processual, e que, por isso mesmo, atingem diretamente a vida das pessoas, não se limitando apenas a lançar efeitos sobre o processo judicial.

16 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. 3.º. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas : Bookseller Editora e Distribuidora, 1998. p. 6.

17 DINAMARCO, Op.cit., p. 56.

18 É preceito processual aquele que impõe ser o procedimento sumário o adotado nas causas cujo valor não exceder a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo (CPC, art. 275, I). Detém a mesma natureza, a regra que estabelece o prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita e dirigida ao juiz da causa, para oferecer contestação (CPC, art. 297). Também de idêntico caráter, o importante princípio da motivação das decisões judiciais, obrigando o juiz a delinear os caminhos lógicos percorridos em seu pensamento, para proferir a decisão, possibilitando o controle da atividade jurisdicional pelas partes. Todos esses enunciados estabelecem formas, modelos a serem seguidos para se chegar, de um modo justo, à tutela jurisdicional efetiva.

19 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. 1. 10ª. ed. Rio de Janeiro : Lúmen Juris, 2004. p. 38.

20 O copo foi projetado para facilitar a ingestão de líquidos. Se estou com sede, a forma mais prática e civilizada da saciá-la, é beber, prazerosamente, e por intermédio de um copo, uma boa porção de água fresca. Todavia, se a sede é tamanha que opto por abrir a geladeira e, de imediato, consumir a água diretamente do gargalo de uma garrafa, ninguém poderá negar que o meu objetivo foi, igualmente, cumprido, mesmo que contrariamente às regras mais comezinhas de etiqueta. Não terei prejuízos! – a não ser os incômodos olhares de desaprovação daqueles que presenciaram a cena marcante.

21 DINAMARCO, Op.cit., p. 56-57.

22 Mesmo que a ação de consignação em pagamento não se preste a revisar cláusulas contratuais, a jurisprudência já entendeu ser possível, diante das peculiaridades do caso concreto, e em razão do tempo decorrido, o deferimento dessa pretensão, quebrando-se a rigidez das formas em prol da efetividade. Se houve defesa e esta não se limitou apenas a refutar a possibilidade de revisão de cláusulas em sede de ação consignatória, tendo o réu impugnado o alegado direito a revisão, de maneira ampla e técnica, realmente não haveria sentido, em função do que prega princípio da instrumentalidade das formas (CPC, arts. 154 e 244), em se obstaculizar o exame da pretensão revisional. Outro exemplo, constantemente apontado na doutrina, diz respeito a impropriedade de se anular o processo por vício de citação, isso se o demandado compareceu e se defendeu.

23 Veja-se a idéia sobre sistemas apresentada por CANARIS: "Entendemos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar em uma orem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação." (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996 (trad. da 2. ed. alemã, 1983).

24 PAULA, Adriano Perácio de. Direito processual do consumidor. Do processo civil nas relações de consumo. Belo Horizonte : Del Rey, 2002. p. 22.

25 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. Rio de Janeiro : Livraria Editora Freitas Bastos, 1940.

26 MONTEIRO, João. Teoria do processo civil. 6ª. ed. Rio de Janeiro : Editor Borsoi, 1956.

27 BRASIL, Eurico Figueiredo. Direito judiciário civil. Rio de Janeiro : Editora Spencer S.A., 1972.

28 SANTOS, Op.cit., p. 14.

29 ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2005. p. 50.

30 Ibid., p. 50. Essa unidade do direito processual é constatável no próprio texto constitucional, quando, ao discriminar a competência legislativa da União e dos Estados (concorrente), refere-se a ele de forma unitária, abrangendo, pois, tanto o direito processual civil, como o processual penal (CF, arts. 22, I, e 24, XI). (Ibid., p. 50). Em última medida, isso significa que os principais conceitos e princípios atinentes ao direito processual, são comuns a ambos os ramos (jurisdição, ação, contestação, processo, coisa julgada, recurso, preclusão, competência, princípios do contraditório, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, etc.) (Ibid., p. 50).

31 SANTOS, Op.cit., p. 14.

32 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66. É importante a advertência de José Albuquerque Rocha, ao apontar o equívoco da idéia de que a divisão do direito processual já se encontraria encerrada. Em verdade, nada impede que outros ramos sejam criados, e isso efetivamente irá ocorrer, na medida em que novas necessidades processuais forem surgindo. (ROCHA, Op.cit., p. 40). Apenas para exemplificar, é certo defender a existência de um direito processual das relações de consumo, aplicável, tão-só, àquelas situações que se enquadram na moldura estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, cujos preceitos, visando equilibrar a relação jurídica processual, fornecem ao hipossuficiente (consumidor) algumas benesses processuais (a inversão do ônus da prova, por exemplo). De mais a mais, fala-se, hoje, na edificação de uma lei processual coletiva, endereçada a reger a atividade jurisdicional voltada a solução de conflitos coletivos (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos).

33 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66.

34 CHIOVENDA, Op.cit., p. 97.

35 CHIOVENDA, Op.cit., p. 98.

36 DINAMARCO, Op.cit., p. 62.

37 Ibid., p. 62.

38 Os preceitos normativos que impõem prazos, meios de prova e sua valoração, criam procedimentos e recursos, dizem respeito apenas ao processo. Operam exclusivamente pelo lado interno do processo e nele exaurem sua atividade, não lançando efeitos diretos para o lado externo ou sobre a vida das pessoas – são preceitos processuais puras ou processuais formais. Já os preceitos que estabelecem as fontes de prova, determinam a organização judiciária, regem a coisa julgada, regulam situações externas ao processo, não vinculadas apenas a sua dinâmica, mas à própria vida das pessoas – esses são preceitos processuais substanciais ou processuais materiais. (Ibid., p. 63).

39 MORTARA, em seus comentários ao Código de Processo Civil Italiano, assinala que, historicamente, a divisão entre direito público e direito privado, não passou de uma fórmula doutrinária pouco exata, e acrescenta que se mantém tal classificação apenas pela comodidade de indagação e em deferência às velhas tradições.

40 Constate-se outro forte argumento a ser utilizado para combater a dicotomia entre os direitos público e privado: cada vez mais se vê uma maior influência do direito constitucional nos demais ramos do direito, tanto que vários autores vêm afirmando que, hodiernamente, estar-se-á vivenciando uma verdadeira constitucionalização do próprio direito civil. É o que se constata, por exemplo, na marcante influência dos direitos fundamentais sobre as relações firmadas entre particulares, tradicionalmente consideradas típicas relações de direito privado. E essa autoridade conferida aos enunciados constitucionais, esse poder de influir sobre os demais ramos jurídicos, confere uma nova feição ao direito, colorindo-o, todo ele, com forte tonalidade "publicizada". Daí afirmar-se que o modelo hermenêutico atual, que necessariamente obriga uma conformação das leis infraconstitucionais à Constituição Federal, também corrobora para a tese de que, hoje, não mais faz sentido defender-se uma cisão entre os direitos público e privado.

41 DINAMARCO, Op.cit., p. 56.

42 Ibid., p. 56.

43 CÂMARA, Op.cit., p. 38.

44 SANTOS, Op.cit., p. 14.

45 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66.

46 FILHO, Op.cit., p. 66.

47 DINAMARCO, Op.cit., p. 62.


Autor

  • Lúcio Delfino

    Lúcio Delfino

    advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

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DELFINO, Lúcio. Algumas linhas introdutórias ao estudo do Direito Processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1492, 2 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10207. Acesso em: 23 abr. 2024.