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O direito fundamental do feto anencefálico.

Uma análise do processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54

O direito fundamental do feto anencefálico. Uma análise do processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54

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A ADPF 54 busca desautorizar a punição criminal por aborto de feto anencefálico, visto que este não tem perspectiva de vida extra-uterina e não estaria protegido pela legislação penal.

Em honra à memória de José Alfredo de Oliveira Baracho,
que foi um dos mais importantes constitucionalistas brasileiros e uma referência nacional na docência jurídica. (*)


"Nos Estados democráticos, as autoridades públicas e os cidadãos estão submetidos ao direito, que deve ter uma origem legítima, não apenas uma legalidade objetiva";

"A jurisdição constitucional da liberdade é o instrumento para resguardar o cumprimento e a superioridade de certos direitos fundamentais inderrogáveis"

(José Alfredo de Oliveira Baracho, Processo Constitucional, Ed. Forense, pp. 85 e 114)

Sumário: I. Introdução; II. A Petição Inicial da ADPF 54; III. A Decisão do Ministro Marco Aurélio; IV. A Manifestação da CNBB; V. O Parecer do Procurador-Geral da República; VI. O Parecer de José Néri da Silveira; VII. A Decisão Cautelar do Pleno do STF; VIII. A ADPF na Jurisdição Constitucional Brasileira; IX. Os Direitos Fundamentais nos Paradigmas Constitucionais Adequados; X. Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira; XI. A Insuficiência da Proteção Criminal ao Feto. XII. Prognoses do Julgamento de Mérito da ADPF 54; XIII. Conclusão.

Resumo: Pretende-se surpreender o processo e o julgamento da ADPF 54, em trâmite no STF, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, que tem como objeto a descriminalização do aborto de feto anencefálico, a partir da análise da petição inicial, das decisões do STF e de outras manifestações processuais, tendo como fio-condutor o significado dos direitos fundamentais no contexto do paradigma constitucional democrático.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais – Feto Anencefálico – Mulher Gestante – Direito à Vida – Direito à Dignidade – Direito à Liberdade - Jurisdição Constitucional – Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – Supremo Tribunal Federal.


I. INTRODUÇÃO

1. O presente texto analisa o processo e o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54) em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio.

2. A mencionada ADPF 54 tem como objetivo, em síntese, desautorizar a punição criminal em sede de aborto de feto anencefálico, porquanto haveria tão-somente a antecipação terapêutica do parto, visto que o feto portador de anencefalia não tem qualquer perspectiva de vida extra-uterina e sendo inviável a sua sobrevida, não estaria esse feto protegido pela legislação penal.

3. Por essa razão, sobre as gestantes e sobre os profissionais de saúde não poderiam incidir as prescrições normativas do Código Penal (CP) relacionadas ao aborto (Arts. 124, 126 e 128), ampliando-se, por conseqüência e na prática, as hipóteses excludentes de ilicitude e de punibilidade contidas no Art. 128, I e II, CP, nos casos de aborto necessário (se não houver outro meio de salvar a vida da gestante) ou aborto moral (se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal).

4. Neste espaço, cuidaremos das principais teses deduzidas na petição inicial da referida ação, as objeções jurídicas levantadas em desfavor da aludida pretensão e os argumentos utilizados pelos juízes do STF, bem como perspectivar as hipóteses de desfecho desse processo.

5. Isso será feito a partir da compreensão dos direitos fundamentais na atual quadra do Estado Democrático de Direito inaugurado em 05.10.1998, com a promulgação da vigente Constituição da República. Para esse fim, visitaremos os significados de direitos fundamentais e os situaremos dentro dos paradigmas constitucionais adequados.

6. O tema é problemático porque não tem uma resposta imediata, válida e aceitável, posto de um lado, em princípio, há o legítimo interesse da mulher de gestar um feto viável ou de ser mãe de uma criança saudável; e do outro, há a defesa do gênero humano em si, independentemente de sua viabilidade, seja na fase intra-uterina, seja fora do útero materno ou em qualquer situação. E há, ainda, a perspectiva do feto anencefálico, ser desprovido de razão, ciência e absolutamente alheio a todo esse embate.

7. O Aborto, junto com a Eutanásia, Suicídio, Homossexualidade, Racismo, Clonagem, Células-Tronco dentre outras difíceis questões, são temas delicados e que provocam, não raras vezes, paixões desenfreadas que não permitem uma discussão racional e civilizada. Em uma sociedade aberta e democrática, todos os interessados devem ter a oportunidade de ouvir e conhecer as várias opiniões sobre as questões mais importantes, em todas as perspectivas. A pluralidade é a tolerância, aceitação e convivência dos divergentes. Ser contrário não é ser inimigo. Na democracia, deve prevalecer o convencimento livre e racional, com o devido respeito às opiniões dissidentes e contrárias às da maioria vencedora.

8. A par disso, buscaremos a melhor resposta possível ante esse caso que toca fundo em questões religiosas, morais, psicológicas, fisiológicas, emocionais e jurídicas, através de um prisma racional e à luz de uma adequada interpretação constitucional, procurando enxergar os principais ângulos do tema.

9. Nada obstante esses aspectos religiosos empolgados na controvérsia sob estudo, é preciso deixar o credo religioso alheio à presente análise, a despeito da sua importância e relevância sociais. [01] Isso porque só é viável discutir à luz das concepções religiosas com quem compartilha dessas mesmas concepções e professa o mesmo credo religioso. Se as partes envolvidas não aceitam as premissas dogmáticas, toda discussão perde sentido. [02]

10. Assim, não discutiremos os dogmas e verdades religiosas por respeito àqueles que não compartilham dessas concepções de fé, seja porque professam outro credo religioso, seja porque não professam credo algum. [03]

11. Ao nosso sentir, a fé e a crença espiritual são individuais e servem para pautar a própria conduta do indivíduo que as possui. As normas religiosas só têm valor para a comunidade dos fiéis que participam do mesmo culto. [04] Em hipótese alguma, em uma sociedade democrática, a coletividade deve pautar as condutas e comportamentos de seus membros a partir de imposições normativas religiosas, sobretudo em respeito àqueles que não compartilham das mesmas crenças.

12. Em uma sociedade contemporânea, as normas que regulam as condutas e os comportamentos das pessoas são criadas a partir de legítimos representantes eleitos democraticamente e segundo critérios estabelecidos a partir do livre convencimento racional com a persuasão do diálogo sincero, em vez do obscurantismo, do medo ou da força. A fé religiosa ilumina as escolhas da pessoa. A sã razão deve ser o eixo que alicerça a convivência pacífica de todos os indivíduos no seio de uma coletividade aberta e plural.

13. Todavia, esta análise será dogmática. Terá como ponto-de-partida inquestionável e indiscutível a supremacia normativa dos direitos fundamentais e a defesa radical dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da vida e da liberdade. Será esse o fio-condutor para o caminho em busca de uma verdade constitucional racionalmente aceitável e convincente.


II. A PETIÇÃO INICIAL DA ADPF 54 [05]

14. Em 17.06.2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, por intermédio de seu ilustre advogado professor Luís Roberto Barroso, ajuizou a referida ADPF 54 "indicando como preceitos constitucionais fundamentais vulnerados o art. 1º, IV (dignidade da pessoa humana), o art. 5º, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade) e os arts. 6º, caput, e 196 (direito à saúde) e como ato do Poder Público causador da lesão o conjunto normativo representado pelos arts. 124, 126, caput, 128, I e II, do Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848, de 07.12.1940)". A Argüição foi distribuída ao Ministro Marco Aurélio para relatoria do feito.

15. A aludida petição inicial da CNTS contém o seguinte requerimento principal: "que essa Egrégia Corte, procedendo a uma interpretação conforme a Constituição dos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/40), declare inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez do feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado".

16. Alternativamente, e por eventualidade, na hipótese de descabimento da ADPF, "pediu a CNTS o seu recebimento como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), uma vez que se pretende uma interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal, sem redução do texto, hipótese, portanto, que incidiria a jurisprudência consagrada do STF relativamente à inadmissibilidade desse tipo de ação em relação a direito pré-constitucional".

17. A CNTS, mencionando a existência do fumus boni júris ("fumaça do bom direito") e de periculum in mora ("perigo na demora"), também requereu que fosse concedida liminarmente medida cautelar "para suspender o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais que pretendem aplicar ou tenham aplicado os indigitados dispositivos do Código Penal, nos casos de antecipação terapêutica dos fetos anencefálicos. E que se reconheça, como conseqüência, o direito constitucional da gestante de se submeter ao referido procedimento, e do profissional da saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia descrita na presente ação."

18. Os principais argumentos de mérito articulados pela CNTS podem ser assim resumidos:

18.1. A antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico não é aborto.

18.2. O feto anencefálico não tem sobrevida extra-uterina, porquanto não é nem um nascituro.

18.3. Diagnosticada a anencefalia não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável.

18.4. A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico.

18.5. Em linguagem vulgar, a anencefalia é "a ausência de cérebro", anomalia que importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central: consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade.

18.6. A patologia, nada obstante, permite algumas funções inferiores que controlam a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal.

18.7. Embora hajam relatos esparsos sobre fetos anencefálicos que sobreviveram alguns dias fora do útero materno, o prognóstico nessas hipóteses é de sobrevida de no máximo algumas horas após o parto.

18.8. Não há qualquer possibilidade de tratamento ou reversão do quadro, o que torna a morte inevitável e certa.

18.9. Aproximadamente 65% dos fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino.

18.10. Se nada pode ser feito pelo feto anencefálico, por outro lado, em favor da gestante, para reduzir os riscos à sua saúde e os danos emocionais causados por esse sofrimento, pode ser feita a antecipação terapêutica do parto.

18.11. O aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto.

18.12. O legislador penal na década de 40 não tinha a tecnologia necessária para diagnosticar essas anomalias fetais, daí, provavelmente, porque não estavam como hipóteses excludentes da ilicitude e punibilidade no crime de aborto.

18.13. O anacronismo da legislação penal não pode impedir o resguardo dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, privilegiando-se um positivismo exarcebado em detrimento de uma interpretação evolutiva e dos fins visados pela norma.

18.14. A proteção legal ao feto, mediante a criminalização do aborto, é no sentido de resguardar a possibilidade de o feto viável nascer com vida. Sem a viabilidade extra-uterina, não há que se falar em crime de aborto.

18.15. Impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia, frustração, importa violação da sua dignidade humana.

18.16. É tortura impor à mulher situação de intenso sofrimento físico e mental, causado intencionalmente e que pode ser evitado, mediante a convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo que nunca poderá se tornar um ser vivo.

18.17. Fere a autonomia da vontade da mulher a sua proibição de antecipar terapeuticamente o parto de feto anencefálico, haja vista a inexistência de norma legal proibitiva.

18.18. Importa em indevida e injustificável restrição ao direito de saúde da mulher impedir a antecipação terapêutica do parto, visto que a saúde é o completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.

19. Os argumentos usados preliminarmente no sentido do cabimento da ADPF como ação constitucional adequada para provocar a jurisdição constitucional do STF serão apreciados em outro tópico deste trabalho.


III. A DECISÃO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO [06]

20. Em 01.07.2004, o relator do feito, Ministro Marco Aurélio, proferiu decisão monocrática e liminar favorável ao pleito da Argüente – CNTS. Eis o dispositivo final da mencionada decisão: "Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto".

21. O Relator, após analisar a situação posta pela Argüente, sobretudo diante do histórico processual de casos particulares que dificilmente receberiam o crivo do STF, haja vista o modelo recursal brasileiro que enseja a demora na prestação jurisdicional definitiva, recordou o sucedido no Habeas Corpus n. 84.025-6/RJ (Relator Ministro Joaquim Barbosa) [07], que foi julgado prejudicado, tendo em vista o nascimento de feto anencefálico, com sua subseqüente morte.

22. O HC 84.025 (STF) teve como objeto o acórdão do Superior Tribunal de Justiça – STJ proferido nos autos do Habeas Corpus n. 32.159 (Relatora Ministra Laurita Vaz) [08], que por sua vez teve como objeto acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos auto da Apelação Criminal n. 200305005208 (Relatora Desembargadora Giselda Leitão Teixeira) [09], que, nessa linha, teve como objeto decisão da Justiça Criminal de Teresópolis no processo n. 2003.061.007746-1 (Juiz Paulo Rodolfo M. Gomes). Entre a descoberta da anencefalia e a prestação jurisdicional definitiva do STF ocorreu o nascimento da criança, pois o houve o percurso de quatro instâncias julgadoras.

23. Ante o apontado retrospecto processual, o Ministro Marco Aurélio, relator do feito, entendeu presentes os requisitos indispensáveis para a concessão da liminar pleiteada: o fumus boni juris (fumaça do bom direito ou densa plausibilidade jurídica da pretensão deduzida) e o periculum in mora (perigo na demora que inviabilizaria a definitiva prestação jurisdicional).

24. Essa mencionada decisão solitária do Relator necessitava da chancela dos demais Ministros do STF que apreciariam a sua permanência no sistema jurídico brasileiro.


IV. A MANIFESTAÇÃO DA CNBB [10]

25. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, à época representada por este subscritor, requereu seu ingresso no feito na qualidade de "amicus curiae" e apresentou brevíssimo memorial requerendo a revogação da medida da cautelar deferida liminarmente.

26. Segundo a CNBB, a matéria em discussão é da mais alta relevância, haja vista discutir-se o direito fundamental do feto anencefálico de nascer. É a humanidade do feto que está em discussão.

27. Entende a CNBB que não poderia o Relator, em decisão monocrática, liminar e precária, legislar positivamente inaugurando uma nova hipótese de exclusão de ilicitude do aborto.

28. Para a CNBB, o feto anencefálico, conquanto seja inviável sua vida extra-uterina, é ser vivo e merecedor de proteção jurídica. E entre o reconhecido mal-estar da gestante e a idoneidade do feto, a CNBB opta pela defesa deste.

29. A CNBB reconhece a gravidade da discussão acerca da legitimidade do poder humano em decidir sobre a vida humana de outrem. Para a CNBB o feto anencefálico é um ser humano. Possuidor do legítimo direito de viver no útero de sua mãe até o esgotamento natural de suas possibilidades.

30. Em vista dessa situação, a CNBB submeteu aos juízes do STF as seguintes indagações:

30.1. O feto anencefálico é ser humano ou é uma "coisa"?

30.2. Dizem que é um "ser não-vivo". O que é esse ser não-vivo?

30.3. É ser dotado de uma essencial dignidade e merecedor de uma especial proteção ou é um sub-humano, uma coisa em forma humana?

30.4. O feto anencefálico é uma patologia ou é a anencefalia que é uma patologia?

30.5. O doente se confunde com a doença? O anômalo com a anomalia?

30.6. Acabaremos com as doenças dizimando os doentes?

30.7. A humanidade de um ser está apenas em sua racionalidade? Somente os seres racionais são humanos?

30.8. A proteção ao nascituro, desde a concepção, é letra morta do nosso Código Civil?

30.9. Só o nascituro com viabilidade extra-uterina é merecedor de proteção jurídica?

30.10. Somente seres humanos viáveis são destinatários de proteção?

30.11. A dignidade da vida do feto anencefálico é inferior ao bem–estar da mulher gestante?

30.12. Uma gravidez pode ser comparada a uma tortura ou a um tratamento degradante porque o feto não atende às expectativas dos pais?

30.13. Fica a dignidade de uma gestante aviltada por carregar em seu ventre um feto anencefálico?

30.14. O abortamento ou o eufemismo "antecipação terapêutica do parto" se justificam por uma razão de bem-estar da gestante ou da família?

30.15. A vida requer adjetivos e outros qualificativos ou ela se basta enquanto si?

30.16. O que vale mais que a vida humana? O bem estar?

30.17. A vida só deve ser protegida se útil?

30.18. Quem são os úteis para viver?

30.19. O feto anencefálico é um outro, um ser humano vivo, ou não passa de um pedaço de carne que deve ser extirpado do corpo da gestante?

30.20. A mão humana deve intervir para salvar ou para matar?

30.21. Os avanços da medicina e da ciência devem atropelar as concepções éticas de uma sociedade?

30.22. O sacrifício da vida do feto anencefálico restaura a dignidade da gestante?

30.23. O feto anencefálico não tem o direito de morrer naturalmente?

31. Segundo a CNBB "o ser humano, independentemente de sua forma ou estágio, é pessoa humana, sujeito e nunca uma coisa ou um ser qualquer. A pessoa humana, seja em que estágio for ou estiver, não pode ser coisificada ou desqualificada em hipótese alguma".

32. Para a CNBB "Todo ser humano, e o feto anencefálico é ser humano, independentemente da situação em que se encontre, é merecedor de uma especial atenção e dotado de uma essencial dignidade. E eles – fetos anencefálicos e todos que não tenham viabilidade ou que não sejam mais úteis - mais do que nunca, por não poderem se defender e sem terem nada, sequer a consciência de sua dignidade, são os que devem ser especialmente protegidos".

33. Aduz a CNBB que "o sofrimento da gestante e da família a todos sensibiliza e não podemos ser indiferentes a essa dor e angústia. Mas esse sofrimento não justifica nem autoriza o sacrifício da vida do filho que se carrega no ventre. Não é uma simples escolha, um simples ato de vontade, não se trata apenas do próprio corpo, mas se cuida de uma outra vida, de vida autônoma, de vida que vale por si, pelo simples fato de existir. Ou o feto anencefálico não existe?".

34. Continua a CNBB: "Não será a antecipação da morte que livrará a mãe ou o feto de seus sofrimentos. O sacrifício da vida fetal, nada obstante a inviabilidade extra-uterina, não se justifica em face dos interesses maternos ou familiares. O sacrifício de uma vida, e o feto anencefálico é ser humano vivo, insistimos, porque essa vida é inviável socialmente não pode ser aceito no atual estágio e grau de desenvolvimento de nossa cultura".

35. Argumenta a CNBB: "Vislumbrar o feto anencefálico como uma "coisa" sub-humana, patologia, ou qualificações similares nos lembra a retórica nazi-fascista ou daqueles que desprezam a pessoa humana. Destila-se contra o feto anencefálico o ódio venenoso que mata qualquer sentimento de civilização que temos. Nós não podemos nos juntar às culturas que matavam àqueles que não atendiam as suas expectativas, sejam quais forem: físicas, estéticas, éticas, religiosas, sexuais, econômicas, raciais etc".

36. Arremata a CNBB: "Em um Estado que se diz e que se quer Democrático e de Direito, os mais frágeis são os primeiros a serem protegidos e não mortos ou terem antecipada terapeuticamente a sua morte".

37. Por isso, alfim, a Conferência dos Prelados católicos lançou o seguinte brado e requerimento: "nestes termos, pedimos e esperamos uma profunda reflexão ética sobre o tema. Que a luz da sã razão ilumine as suas consciências e que pensem, não apenas no direito de decidir da gestante, mas nos direitos que não tiveram os fetos anencefálicos".

38. A despeito de ser uma entidade de natureza religiosa, a CNBB procurou enfrentar a questão à luz do direito e da ética. Em sua petição, não se invocou enunciados bíblicos nem as normas canônicas [11] como estratégia argumentativa de convencimento, mas tão-somente como justificativa de seu interesse na ação.

39. Induvidosamente, a atuação da CNBB foi impulsionada pelas concepções religiosas de seus membros – Bispos católicos -, que estão enunciadas nas Sagradas Escrituras, na Sagrada Tradição e no Sagrado Magistério da Igreja. É sobre esse tripé que está assentado o cristianismo professado pela Igreja Católica. [12]

40. Para a Igreja, a sacralidade da vida tem início na concepção. O útero materno é um templo merecedor de reverência. A vida humana é transcendente, dom divino, por isso sagrada.

41. Nada obstante esses aspectos religiosos, a decisão será jurídica e competirá ao STF. E as decisões legislativas e governamentais competirão ao Congresso Nacional e à Presidência da República, pois vivemos em um Estado laico, onde religião e política devem ocupar espaços distintos.

42. Todavia, a laicidade da política não significa o alheamento da religião. No debate político, as vozes religiosas não podem ser caladas. O pensamento religioso deve ser livremente manifestado. O Estado deve ser laico, mas, em regra, a imensa maioria das pessoas tem suas crenças e convicções religiosas. [13]


V. O PARECER DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA [14]

43. A Procuradoria-Geral da República, à época chefiada pelo PGR Cláudio Fonteles, ofereceu parecer ministerial e requereu o indeferimento do pleito da CNTS.

44. Inicialmente, o PGR, estribado nas lições de Rui Medeiros (A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999), enfrentou o tema do cabimento da interpretação conforme à Constituição e defendeu a tese de que na controvérsia sob exame inviável aplicar essa modalidade de decisão constitucional, pois a interpretação conforme não pode trair a letra da lei nem autoriza o Judiciário a agir como legislador positivo, sobretudo em sede de direito penal, albergado pela regra da estrita legalidade.

45. Esse tema da interpretação conforme será visitado no tópico relativo ao modelo brasileiro de jurisdição constitucional.

46. No mérito, o PGR também se opôs à pretensão da Argüente – CNTS.

47. Segundo o PGR, as situações extintivas de punibilidade apresentam sentido inequívoco e preciso, que a lei penal apresenta, e legaliza o aborto a) para que a mãe não morra (aborto terapêutico) e b) se a mãe, vítima de estupro, consente no aborto (aborto sentimental). A situação de anencefalia não se coaduna nessas hipóteses.

48. Aduz o PGR que o feto anencefálico não causa a morte da mãe. Se causasse, estar-se-ia diante do aborto terapêutico.

49. Quanto ao aborto sentimental, o PGR, forte no magistério de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal), defendeu que se trata de hipótese excepcional que não comporta interpretação analógica que autorize sua prática.

50. Sustenta o PGR que a vingar a tese da Argüente, sacrificado está o direito à vida, em vista do enunciado contido no caput do art. 5º da Constituição da República que garante a inviolabilidade do direito à vida, que está posto como marco primeiro dos direitos fundamentais.

51. Defende o PGR que se há normal processo de gestação vida intra-uterina existe e "nos caos de anencefalia há o normal desenvolvimento físico do feto: formam-se seus olhos; nariz; ouvidos; boca; mãos, enfim o que lhe permite sentir, e também braços; pernas; pés; pulmões; veias; sangue que corre, o coração".

52. Recorda o PGR o disposto no art. 2º do Código Civil que põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, e o art. 4.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que enuncia que "Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei, no geral, a partir do momento da concepção". Colaciona também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 1º, reconhece o direito intrínseco à vida que tem todo ser humano concebido. E invoca o Preâmbulo desta Convenção: "a criança por falta da maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidado especiais, aí incluída a proteção legal, tanto antes, como depois, do nascimento."

53. Conclui o PGR que, "portanto, os diplomas legais, tanto do direito interno, quanto internacional, estabelecem que vida há desde a concepção".

54. O PGR maneja o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda que define o "nascituro como o ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato certo. E diz: o feto anencefálico, por certo nascerá. Pode viver segundos, minutos, horas, dias, e até meses. Isto é inquestionável".

55. Indaga o PGR: a compreensão jurídica do direito à vida legitima a morte, dado o curto espaço de tempo da existência humana? Responde: "Por certo que não!"

56. Alega o PGR em seu Parecer que "se o tratamento normativo do tema, como vimos, marcadamente protege a vida, desde a concepção, por certo é inferência lógica, inafastável, que o direito à vida não se pode medir pelo tempo, seja ele qual for, de uma sobrevida visível".

57. O PGR estabelece, em construção estritamente jurídica, "que o direito à vida é a temporal, vale dizer, não se avalia pelo tempo de duração da existência humana".

58. Indaga o PGR: "E se assim o é, e o é afetivamente, dada a clareza dos textos normativos importa prosseguir, e indagar, então: a dor temporal da gestante é causa bastante a obscurecer, e então relativizar, a compreensão jurídica do direito à vida, como venho de assentar?". Responde: "Estou em que não!".

59. Após uma digressão acerca da dor das gestantes, em cotejo com o princípio da proporcionalidade, o PGR defende que "por certo o sofrer uma dor, mesmo que intensa, não ultrapassa o por cobro a uma vida, que existe, intra-uterina, e que, seja sempre reiterado, goza de toda a proteção normativa, tanto sob a ótica do direito interno, quanto internacional".

60. Na linha do professado pela CNBB, o PGR brada: "O feto no estado intra-uterino é ser humano, não é coisa!".

61. Argumenta o PGR, com esteio no inciso I do art. 3º da Constituição da República, o objetivo de se construir uma sociedade livre, justa e solidária e, nessa trilha, que o pleito da Argüente "impede que possa acontecer a doação de órgãos do bebê anencefálico a tantos outros bebês que, se têm normal formação do cérebro, todavia têm grave deficiência nos olhos, nos pulmões, nos rins, no coração, órgãos estes plenamente saudáveis no bebê anencéfalo, cuja morte prematura frustrará a vida de outros bebês, assim também condenados a morrer, ou a não ver".

62. Segundo o PGR, o pleito da Argüente "vai na contra-mão da construção da sociedade solidária a que tantos de nós, brasileiras e brasileiros, aspiramos, e o ser solidário é modo eficaz de instituir a cultura da vida".

63. Opina o PGR, pugnando pelo descabimento da técnica da interpretação conforme a Constituição e defendendo a primazia jurídica do direito à vida, pelo indeferimento do pleito da CNTS.


VI. O PARECER DE JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA [15]

64. A União dos Juristas Católicos – UJC, por seu Presidente o advogado Paulo Silveira Martins Leão Jr., formulou consulta ao Ministro aposentado do STF José Néri da Silveira sobre o tema em questão vazada nos seguintes termos:

"Pedimos um parecer de V. Exa. sobre a matéria, sendo que o Memorial em anexo já coloca diversos pontos de questionamento, quanto ao cabimento e ao mérito da ADPF. Aos mesmos cabe aduzir, a meu ver, a invasão de competência constitucional (i) do legislador constituinte originário, no que se refere às cláusulas pétreas protetoras da vida humana, que não podem ser modificadas nem mesmo pelo constituinte derivado (vide art. 60, § 4º., IV) em especial os art. 1º., III, art. 3º., IV e art. 5º., caput, todos da Constituição Federal, devendo ser ressaltado a propósito que para redação dos direitos fundamentais relativos à vida humana certamente contribuiu abaixo assinado subscrito por mais de dois milhões de cidadãos, contrários ao aborto, apresentado aos constituintes; (ii) do Congresso Nacional, quanto a sua competência para legislar sobre matéria penal, certo que há décadas se debate o aborto eugênico no país, o qual vem sendo seguidamente rejeitado pelo Legislativo, que inclusive no momento aprecia projetos de lei sobre a matéria (vide art. 22, I c./c. art. 59, III, CRFB); (iii) do Superior Tribunal de Justiça, de julgar em última instância causas relativas a lei federal (vide art. 105, III, "a" e "c").

Deve ser enfatizado a propósito que a ADPF n° 54 foi ajuizada logo após o Superior Tribunal de Justiça, por sua Quinta Turma, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, à unanimidade de votos, haver concedido a ordem no HABEAS CORPUS 32159, cassando autorização para aborto de feto anencéfalo (acórdão proferido em 17/02/2004 e transitado em julgado em 28/04/2004). Também no HC 32 757, Relator o Ministro Félix Fischer, fora concedida liminar para impedir o abortamento de outro feto anencéfalo. Havia decisões de 1º e 2º grau nos Estados da Federação a favor e contra autorização de aborto de feto anencéfalo, mas sempre sujeita a matéria a exame da prova, inclusive quanto ao alegado risco à saúde da gestante. Porém, somente após haver sido firmada a jurisprudência pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido contrário à autorização para aborto de feto anencéfalo, e pouco depois disso, é que foi ajuizada a referida ADPF nº 54.

Entendo que o pedido da ADPF nº 54 colide também com os princípios do contraditório, do devido processo legal e da ampla defesa, eis que autoriza a eliminação de uma vida humana sem qualquer análise do Judiciário e baseada tão somente em laudo médico, sabido por todos a quantas falhas e manipulações estão sujeitos tais laudos, de que são exemplos os escândalos envolvendo as verbas públicas do INSS. O "parecer" médico que acompanhou a inicial da ADPF nº 54 não está assinado, tende a induzir a erro o julgador, vez que apresenta como complicações prováveis da gravidez de feto anencéfalo, complicações mais ou menos comuns em qualquer gravidez e que não colocam em risco a vida ou a saúde da gestante, e àquele parece se contrapõem diversos outros pareceres médicos, de que são exemplos os que acompanham o Memorial anexo."

65. Ao fim de seu parecer, o ilustre jurista deu as subseqüentes respostas:

"1. A argüição de descumprimento de preceito fundamental aforada (ADPF n° 54) não reúne condições para ser conhecida, quer no concernente ao pedido principal, quer quanto ao pedido alternativo, nos termos da fundamentação desenvolvida nos itens 1 a 7.

2. Desde a concepção, há vida humana; o feto é ser humano vivo e revestido também da dignidade humana, com a proteção do sistema jurídico, constitucional e legal. Na condição de conceptus sed non natus, adquire personalidade jurídica, na ordem civil, no momento do nascimento com vida, pouco importando que a ciência lhe preveja vida extra-uterina breve. Em nosso ordenamento jurídico, não se concebe distinção também entre seres humanos em desenvolvimento na fase intra-uterina, ainda que se comprovem anomalias ou malformações do feto; todos enquanto se desenvolvem no útero materno são protegidos, em sua vida e dignidade humana, pela Constituição e leis (itens 9 a 12).

3. O aborto, crime contra a vida previsto no Código Penal (arts. 124 a 126), ocorre com a interrupção voluntária da gravidez e morte do feto, em decorrência desse ato (item 13).

4. O feto anencefálico é ser humano vivo e em desenvolvimento no útero materno, embora a anomalia que o acomete, tendo a sua vida e a dignidade humana a proteção da ordem constitucional e legal. A natureza de ser humano, desde a concepção e até a morte, não se altera pela malformação encefálica, que atinge parte das funções encefálicas (as de nível superior ou cortical), subsistindo, porém, as funções do sistema nervoso dos níveis medular e encefálico inferior, na nomenclatura do professor Arthur Guyton, com a presença de tronco encefálico e "porções variáveis do diencéfalo", possuindo organismo vivo, dotado de órgãos e sistemas vitais, conforme a ciência o revela (itens 14 a 17), não cabendo ver, nele, destarte, um morto no ventre materno ou sequer um ser com morte cerebral, na existência extra-uterina (item 17).

5. Constitui crime de aborto, capitulável nos arts. 124 a 126 do Código Penal, conforme a hipótese, a interrupção voluntária da gravidez, com a conseqüente morte do feto anencefálico; o crime não se descaracteriza, na espécie, pela circunstância de haver expectativa de reduzida existência extra-uterina, não sendo sequer possível, desde logo, prever o momento provável do óbito, máxime, em face de tratamentos intensivos utilizáveis (itens 18 a 20).

6. Não se aplica ao aborto voluntário de feto anencefálico o disposto no art. 128, I, do Código Penal, não resultando dessa gestação especial risco à vida ou mesmo à saúde da gestante, conforme a doutrina e pronunciamentos técnicos examinados (itens 21 e 22).

7. O direito à vida, como o primeiro dos direitos fundamentais (CF, art. 5º., caput), é garantido, pela Constituição e ordenamento legal, ao ser humano, desde a concepção até a morte. É ele, assim, assegurado, também ao nascituro, desde a concepção, sem distinção de qualquer natureza ou condições de maior ou menor vitalidade desse ser vivo, na fase intra-uterina, bem assim na vida extra-uterina, quer exista ou não probabilidade de duração breve (itens 11 a 13).

8. Numa ponderação hierárquica dos direitos e valores concernentes à vida e à dignidade humana garantidas também ao nascituro anencefálico, vivo e em desenvolvimento no ventre materno, em face de invocados direitos fundamentais da gestante, quanto à dignidade de pessoa humana, liberdade e autonomia de vontade, no sentido de interromper a gravidez, do que resultaria a morte do feto, - não é possível deixar de fazer prevalecer o direito à vida do nascituro, visto que a vida e a saúde da gestante não correm perigo de grave dano, nem sua dignidade de pessoa humana é ferida pelo fato dessa maternidade, valor constitucionalmente exaltado. A gestante - em mantendo o feto anencefálico em seu ventre, até o nascimento, com vida, do filho por ela gerado, com a grandeza da humanidade e revestido da dignidade de ser humano, - não terá sua dignidade pessoal diminuída, na linha da magna compreensão desse valor na ordem constitucional, nem sua liberdade ameaçada ou comprometida, mas, ao contrário, - revestida do valor constitucional e humano que se confere à maternidade, - cumpre vê-la merecedora de mais respeito e admiração por seus concidadãos, o que significa ter sua dignidade pessoal elevada, porque, acima de tudo, soube amar até o fim e é somente pelo amor que o ser humano pode realizar sua perfeição e felicidade.

Não cabe dar prevalência ao que se pretende na inicial, que instrui a Consulta, porque isso importaria em destruir a vida do ser vivo e em desenvolvimento no útero materno, ou seja, fulminar, irreversivelmente, o direito fundamental à vida do feto anencefálico, antecipando-lhe a morte, eliminando uma vida que, mesmo se houver de ser breve, embora indeterminado o momento do óbito, nem com isso deixará de ser vida humana protegida pela Constituição e as leis, com a nobreza do ser humano (itens 23 a 25)".

66. Em seu parecer, José Néri da Silveira aborda, de início, a questão do cabimento da ADPF e da técnica de interpretação conforme a Constituição, e conclui pela inviabilidade da ação e da aludida técnica interpretativa.

67. No mérito, o Parecerista visita textos de bio-direito e a doutrina tradicional brasileira e estrangeira, surpreendendo a técnica da ponderação dos bens e valores, para concluir desfavoravelmente ao pleito da CNTS.


VII. A DECISÃO CAUTELAR DO PLENO DO STF [16]

68. Em sessões de julgamento ocorridas em 02.08.2004, 20.10.2004 e 27.04.2005, o Plenário do STF apreciou questões de ordem relativas ao cabimento da ADPF 54 e sobre a medida cautelar monocrática e liminarmente deferida pelo Relator Ministro Marco Aurélio e decidiu por sua revogação no que tange à permissão do aborto, mas manteve em relação à suspensão dos processos em curso, até a decisão final do STF. O Tribunal, resolvendo questão de ordem, conheceu do cabimento da ADPF e admitiu o ingresso de várias entidades como "amici curiae" ("amigos da Corte").

69. O acórdão desses julgamentos, publicado em 31.08.2007, está vazado nos seguintes termos:

ADPF – ADEQUAÇÃO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – FETO ANENCÉFALO – POLÍTICA JUDICIÁRIA – MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – PROCESSOS EM CURSO – SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal.

ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – AFASTAMENTO – MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia.

70. Na sessão de julgamento do dia 20.10.2004 o Tribunal iniciou a apreciação do cabimento ou não da ADPF. Houve pedido de vista do Ministro Carlos Britto acerca desse tema: cabimento da ADPF.

71. O Ministro Eros Grau, na mesma assentada, suscitou questão de ordem para que o Tribunal deliberasse acerca da manutenção da liminar concedida ou por sua revogação, ao entendimento de que se havia dúvida em relação ao principal, em sede processual (o cabimento da ADPF), não poderia subsistir o acessório, em sede processual (a liminar concedida monocraticamente).

72. Assim, nada obstante o pedido de vista do Ministro Carlos Britto quanto ao cabimento da ADPF, o Tribunal apreciou a conveniência da manutenção ou revogação da liminar.

73. O Relator manteve o seu entendimento esposado na mencionada liminar concedida favorável ao pleito da CNTS. Foi acompanhado pelos Ministros Carlos Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Votaram em sentido contrário os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Nelson Jobim e Carlos Velloso. A liminar foi revogada.

74. O Ministro Carlos Britto acompanhou o voto do Relator sob o fundamento de que o feto anencefálico não será pessoa viável e não tem vida em sentido pleno, sendo o útero materno uma espécie de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), que mantém a sua vida "artificialmente". Não haveria porque obrigar a gestante a continuar com uma gravidez que não resultará em vida.

75. A divergência foi inaugurada pelo Ministro Eros Grau no sentido de que uma vez existente a dúvida acerca do cabimento da própria ADPF não deveria subsistir a liminar concedida monocraticamente pelo Relator.

76. Entendeu o Ministro Eros que o feto anencefálico é pessoa humana e não uma coisa e que não havia risco de morte para as mães-gestantes de fetos com essa patologia. Segundo o Ministro Eros Grau estava-se diante de um perigo invertido, ou seja, na dúvida não poderia a decisão liminar ser contrária à vida do feto anencefálico. Quem corria riscos eram os fetos nessas situações, em vez das gestantes. Cuidava-se, segundo esse Ministro, de uma liminar da vida, mas contra a vida.

77. O Ministro Cezar Peluso acompanhou a divergência inaugurada pelo Ministro Eros Grau sob o argumento de que o feto anencefálico é ser humano, pessoa física, titular de direitos e não coisa ou objeto de livre disposição das pessoas. Também entendeu que a circunstância da brevidade da vida extra-uterina ou a sua iminente morte pós-parto não retira a proteção penal da vida intra-uterina do feto anencefálico. Segundo o Ministro Peluso o sofrimento em si não é algo que degrade a dignidade humana, faz parte da experiência humana. Assim como o remorso que se pretende evitar proibindo-se o aborto.

78. O Ministro Gilmar Mendes votou desfavoravelmente à manutenção da liminar porquanto entendeu que a matéria era delicada e tratava de valores sensíveis, e que se estaria ensejando a uma "mutação constitucional" mediante a atuação da jurisprudência do STF. Por essa razão entendia que não poderia ser via medida cautelar.

79. O Ministro Carlos Velloso acompanhou a divergência e também entendeu que incabível a cautelar, sobretudo porque não havia risco de morte para as gestantes, mas sim para os fetos anencefálicos. E no sopesamento entre o direito da gestante e o direito do feto, optou pelo direito à vida do feto anencefálico.

80. Na sessão de julgamento ocorrida em 27.04.2005 o Tribunal retomou a apreciação do cabimento ou descabimento da ADPF. O STF, por maioria, julgou admissível a ação. Votaram pela admissibilidade os Ministros Marco Aurélio (Relator), Nelson Jobim (à época Presidente) Sepúlveda Pertence (à época Decano), Celso de Mello, Gilmar Mendes, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Votaram pela inadmissão da ADPF os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau.

81. O STF ainda não apreciou definitivamente o mérito da presente controvérsia. Portanto, a questão permanece aberta. Ou seja, o STF ainda não decidiu se a antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico é conduta lícita ou ilícita. Até o presente, em face da revogação da liminar, permanecem válidas as disposições do Código Penal e estão sujeitos às cominações legais as gestantes e/ou profissionais de saúde que realizarem esse tipo de procedimento cirúrgico.


VIII. A ADPF NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA [17]

82. Enuncia o § 1º do art. 102 da Constituição da República: "A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei". A referida lei é a Lei n. 9.882, de 03.12.1999, que disciplina o processo e julgamento da ADPF.

83. Prescreve a Lei n. 9.882/99, no caput do art. 1º, que a ADPF será proposta perante o STF e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. No parágrafo único, inciso I, do referido art. 1º está enunciado que também caberá a ADPF quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. E dispõe o § 1º do art. 4º que não será admitida ADPF quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

84. Nos termos do art. 2º da Lei n. 9.882/99 podem propor a ADPF os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, CF), facultando-se ao interessado sem legitimação ativa solicitar ao PGR que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento de seu ingresso em juízo.

85. À luz dessas prescrições normativas propomos uma primeira noção conceitual de ADPF: ação constitucional, subsidiária da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, provocadora da jurisdição concentrada do STF, em face de relevantes normas ou atos do Poder Público federal, estadual, distrital ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição, sujeitos à apreciação judicial, em defesa da supremacia normativa dos preceitos constitucionais fundamentais.

86. O sistema judicial brasileiro de defesa da supremacia normativa da Constituição apresenta dois modelos de controle da constitucionalidade das normas: o controle difuso e o controle concentrado.

87. No controle difuso, inspirado na experiência judicial norte-americana, todo e qualquer magistrado ou tribunal em toda e qualquer demanda pode verificar se as normas ou os atos ou condutas ou omissões estão em conformidade com os mandamentos constitucionais. O controle da constitucionalidade é difuso porque espalhado entre todos os magistrados e tribunais. [18]

88. No controle concentrado, inspirado na experiência judicial austríaca, a competência para analisar se uma norma está em conformidade com os mandamentos constitucionais é exclusiva de um órgão jurisdicional. Esse órgão jurisdicional concentra o poder de dizer se uma norma é constitucional ou inconstitucional. [19]

89. O sistema brasileiro alberga, em aparente paradoxo, esses dois modelos de controle de constitucionalidade.

90. Nos casos concretos, onde há partes interessadas, sujeitos processuais determinados ou determináveis e, principalmente, se o pedido da ação não se confunde com a causa de pedir da demanda, o controle é difuso. Ou seja, o sistema brasileiro de jurisdição constitucional é difuso na hipótese dos casos concretos nos quais o pedido da ação não se confunde com a causa de pedir.

91. Singelo exemplo: LUÍS foi aprovado, em primeiro lugar na ordem de classificação, em um concurso público para preenchimento de um cargo vago. O administrador, todavia, convoca e nomeia CARLOS, que nem participou do certame, para tomar posse, em detrimento de LUÍS. Este ajuíza uma ação perante o Judiciário pedindo para ser convocado e nomeado, tendo como causa de pedir a inconstitucionalidade do ato administrativo que desrespeitou o mandamento constitucional da exigência de concurso público (Art. 37, II). O pedido é para ser convocado e nomeado. A causa de pedir é inconstitucionalidade do ato administrativo que convocou e nomeou CARLOS, em face do disposto no texto constitucional e em detrimento de LUÍS, aprovado no concurso público.

92. Se o controle das situações concretas é difuso, o controle das situações normativas abstratas ou em tese é concentrado. Compete ao STF verificar a imediata e direta compatibilidade das normas gerais e abstratas com a Constituição Federal. Se a aferição der em relação às Constituições Estaduais a competência será dos respectivos Tribunais de Justiça estaduais. A defesa direta da Constituição Federal é do STF. A defesa direta da Constituição Estadual é do respectivo Tribunal de Justiça. No controle abstrato a jurisdição constitucional pertence concentradamente ao STF (Constituição Federal) ou aos Tribunais de Justiça dos Estados (Constituições Estaduais). O julgamento discutirá se, em tese e abstratamente, a lei fere a Constituição. A situação não é concreta porquanto não se discute "o direito" de partes ou sujeitos determinados ou determináveis, mas se a norma jurídica está conforme a Constituição. [20]

93. Singelo exemplo: A União edita uma Lei penal tornando imputáveis criminalmente os menores de 18 anos. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB ajuíza uma ação perante o STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade dessa lei em face do dispositivo constitucional que diz que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis (art. 228, CF). Tenha-se que nessa situação o pedido equivale à causa de pedir. A causa de pedir é a inconstitucionalidade da lei e o pedido é que seja declarada essa inconstitucionalidade.

94. Portanto, um critério inicial para verificar se a hipótese é de controle difuso ou de controle concentrado encontra-se na identificação do pedido e da causa de pedir, em princípio. Se o pedido e a causa de pedir se identificarem, o controle é concentrado. Se não houver essa identidade, a hipótese é de controle difuso. O mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e outras ações coletivas suscitam algumas dificuldades. Neste espaço não tocaremos nelas.

95. Nessa linha, o sistema brasileiro de controle concentrado da jurisdição constitucional do STF reconhece cinco ações que provocam direta e imediatamente a jurisdição concentrada do STF:

95.1. A ação direta de inconstitucionalidade genérica - ADI (arts. 102, I, "a" e 103);

95.2. A ação declaratória de constitucionalidade – ADC (arts. 102, I, "a" e 103);

95.3. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADI omissão (art. 103, § 2º);

95.4. A ação direta de inconstitucionalidade interventiva – ADI interventiva (art. 36, III); e

95.5. A argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF (art. 102, § 1º).

96. Cada uma delas tem um objeto específico e um procedimento próprio.

97. A ADI genérica tem como objeto as leis ou atos normativos federais ou estaduais, genéricos e abstratos, editados posteriormente à Constituição da República, e que colidam direta e imediatamente com os dispositivos constitucionais supostamente violados.

98. A ADC tem como objeto as leis ou atos normativos federais, genéricos e abstratos, que diretamente repousam seu fundamento imediato de validade na Constituição e que estejam sendo objeto de controvérsias judiciais que causam insegurança jurídica no sistema.

99. A ADI por omissão tem como objeto a omissão inconstitucional de leis ou atos normativos federais ou estaduais, genéricos e abstratos, que inviabiliza a plena concretização da Constituição.

100. A ADI interventiva, de legitimação exclusiva do PGR, tem como objeto a defesa dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII) e a execução forçada de lei federal.

101. O objeto da ADPF é a norma ou ato do Poder Público federal, estadual, distrital ou municipal, não necessariamente genérico ou abstrato, que viole preceito constitucional fundamental, ainda que editado antes da Constituição de 1988.

102. A possibilidade de submissão de normas municipais e de normas anteriores à Constituição de 1988 à jurisdição concentrada do STF é uma das principais características da ADPF, posto que nem a ADI nem a ADC têm esse condão, como destacou o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, um dos principais mentores da Lei da ADPF e um de seus principais corifeus. [21]

103. Segundo Gilmar Ferreira Mendes [22] as mudanças ocorridas no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro a partir de 1988 alteraram radicalmente a relação que havia entre os controles concentrado e difuso, com o fortalecimento do controle concentrado perante o STF em detrimento do controle difuso.

104. Para Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves [23] o instituto da ADPF é apanágio da justiça contemporânea, que é a justiça das massas, dos processos coletivos, das ações com repercussão relevante e geral e que necessitam de respostas imediatas e definitivas.

105. Com efeito, a ADPF 54 se encarta plenamente nessa nova perspectiva da jurisdição constitucional brasileira. Nas sessões de julgamento nas quais o STF entendeu admissível essa ADPF para analisar a presente questão jurídico-constitucional (a exclusão da ilicitude do aborto - ou parto antecipado - de feto anencefálico) esse aspecto inovador da ADPF e a necessidade de uma resposta definitiva ficaram evidenciados nas manifestações dos Ministros da Corte.

106. Para uma solução dessa dúvida constitucional, dentre os institutos processuais existentes, a ADPF era o mais indicado. Isso porque incabíveis as demais ações diretas (ADI ou ADC) perante o STF, visto que o conjunto normativo impugnado era anterior à Constituição de 1988. Também os demais instrumentos processuais não produziriam os efeitos jurídicos desejados. Assim, acertadamente, o STF julgou cabível a ADPF para enfrentar um tema tão problemático e merecedor de profunda análise e amplo debate pela comunidade dos interessados: a sociedade civil como um todo.

107. Por essa razão, o STF determinou que além da CNTS (Argüente), do PGR e do AGU, partícipes oficiais da "controvérsia constitucional", fosse também aberta à participação de outras instituições e entidades interessadas no desfecho dessa ação, na linha do preconizado por Peter Häberle [24] de uma interpretação aberta e plural do texto constitucional.

108. Isso porque todos somos interessados, todos devemos ouvir e falar. A civilização democrática se comunica antes de decidir as normas que devem pautar as condutas e os comportamentos de seus membros e instituições.


IX. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NOS PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS ADEQUADOS [25]

109. A noção de paradigma científico foi forjada por Thomas Kuhn [26] como mecanismo de compreensão das transformações científicas e seus fenômenos, visto que os paradigmas são conceituados como as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.

110. Para Jürgen Habermas [27] um "paradigma de Direito delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos constitucionais e princípios devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto as funções a eles normativamente atribuídas".

111. Nessa senda aberta, tive a oportunidade de externar a seguinte noção de paradigma constitucional de Estado: "o modo de ver e perspectivar a Constituição e o Direito de cada Estado e Sociedade segundo os valores e verdades aceitos de cada época, procurando, na medida do possível, enxergar através dos prismas contemporâneos, sem esquecer-se de que nos situamos em um espaço físico-cultural-histórico distinto ao olharmos o passado, vermos o presente – muitas vezes ainda turvo – e procurarmos vislumbrar o futuro" [28].

112. Escorado no magistério de Menelick de Carvalho Netto [29], divisam-se os seguintes paradigmas: o pré-moderno e o da modernidade. Os da modernidade se subdividem nesses outros paradigmas: liberal, social e democrático. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy [30] leciona em favor do pós-modernismo jurídico, uma resposta cética à crença na modernidade e em seu discurso de racionalidade iluminista.

113. A pré-modernidade, ensina Menelick de Carvalho Netto, se apresentava como o paradigma da indiferenciação normativa entre o direito, a moral, a tradição e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam.

114. Nesse referido paradigma, a depender do seu local de nascimento ou da origem familiar, em uma sociedade cristalizada e dividida em "castas", o ser humano não é vista como indivíduo dotado de direitos e deveres recíprocos (pessoa), mas como um membro de uma coletividade sem valor em si, mas tão-somente válido enquanto útil para essa coletividade (coisa).

115. Na pré-modernidade, a idéia de direitos fundamentais como um núcleo de proteção do ser humano, enquanto indivíduo (pessoa), é inexistente. Em algumas sociedades, a depender das crenças religiosas o ser humano gozava de respeito e dignidade por ser semelhante à divindade e por ser a sua vida pertencente à divindade. Daí que os atentados contra o ser humano poderiam ser considerados como violações aos mandamentos divinos. As principais garantias das pessoas encontravam-se em normas de natureza religiosa. A autoridade divina e os seus sacerdotes se sobrepunham às autoridades políticas.

116. À luz do paradigma da pré-modernidade, a questão do aborto, assim como quase todas as demais questões, era tratada como assunto divino ou da coletividade. A vontade particular do indivíduo era irrelevante. Se as prescrições religiosas da coletividade condenassem o aborto e/ou o abandono de recém-nascidos que não fossem sadios e úteis para a coletividade, o aborto e o abandono eram combatidos. Mas se acaso houvesse um sentimento de utilidade coletivo, o aborto não era proibido nem tido como pecaminoso, e os recém-nascidos com deformidades ou que não fossem sadios eram abandonados ou sacrificados, porquanto inúteis para aquele grupo coletivo.

117. Na sociedade pré-moderna, o ser humano tinha de cumprir o seu destino de ser útil à coletividade. E o seu destino estava traçado no momento de seu nascimento, a depender do local ou do núcleo familiar. "Ao nascer sabia-se como se ia viver e como se iria morrer". O homem, e sobretudo a mulher, não eram pessoas, mas coisas, objetos à disposição de outros homens ou à disposição da divindade. Essa coisificação do homem explicava a aceitação da escravidão humana como algo normal naquela sociedade pré-moderna. O homem não era senhor de si mesmo, ainda que fosse senhor de outrem.

118. A história da humanidade organizada em núcleos coletivos deu-se no contexto da pré-modernidade social. Após um longo caminho, o paradigma da pré-modernidade foi superado pelo da modernidade. Modernidade compreendida como diferenciação racional entre a religião, a política, a moral e o direito. E também como apresentação do ser humano como indivíduo, ser indiviso dotado de razão e de direitos e deveres (pessoa). A data simbólica do nascimento do indivíduo como pessoa é o 14.07.1789: Revolução Francesa.

119. A Revolução Francesa foi um marco na história da sociedade ocidental. O ideal iluminista da racionalidade de todo o gênero humano como pessoa indivisa, senhor de sua própria vida, sem os grilhões da Igreja (religião), da Sociedade (moral) e do Estado (direito) e como agente livre e senhor de sua própria vida era uma novidade retumbante. Em uma sociedade arcaica, cristalizada, delimitada por castas sociais, o lema da "liberdade, igualdade e fraternidade" como novo tripé sobre o qual se assentarão as novas estruturas sociais foi avassalador, revolucionário. A promessa de que todos nascem livres e iguais em direitos e oportunidades conquistou muitos adeptos e empolgava setores economicamente abastados, elites intelectualizadas e as massas populares, no campo e nas cidades. Também despertava a reação dos setores "prejudicados" por essa novidade revolucionária.

120. Se o homem pré-moderno cumpria o seu destino, traçado no momento de seu nascimento, o homem moderno faz o seu destino, independentemente de seu nascimento, do local de nascimento ou de sua ascendência familiar. Como símbolos desses dois modelos de homem são Alexandre Magno e Napoleão Bonaparte. Aquele como homem da pré-modernidade, e este como homem da modernidade.

121. Alexandre Magno cumpriu o seu destino de grandiosidade e glória, iniciado com as conquistas de seu avô e consolidadas com o domínio estabelecido por seu pai. A ele cabia seguir a trilha aberta e assenhorear-se de toda a Grécia e de todo o Mundo conhecido. Ser grande era o seu destino. Ele o cumpriu.

122. Napoleão Bonaparte fez o seu destino, a despeito do nascimento humilde em uma província sem importância alguma para a França. Por sua capacidade de adaptação e sobrevivência, e dotado de grande argúcia política e militar, ascendeu ao posto máximo da política francesa e se apresentava como o principal agente revolucionário daquele período histórico. Ser grande não era o seu destino, mas ele fez outro para si. Marcou a história também, assim como Alexandre Magno.

123. A primeira fase da modernidade ocidental foi a do paradigma liberal. A liberdade era a pedra angular sobre a qual se assentava a nova percepção da sociedade e do Estado. Em nome da liberdade e da autonomia do indivíduo, ser dotado de razão e vontade, senhor de sua vida e destino, a função do Estado e do Direito era reduzir ao máximo a intrusão na vida particular. O indivíduo era livre para autonomamente fazer as suas escolhas, para estabelecer os seus pactos contratuais. O Estado deveria se abster ao máximo de intrometer-se nas relações sociais individuais. O indivíduo é cidadão na medida em que vota e é votado e adquire direito ou obrigações contratuais.

124. À luz desse paradigma, a questão do aborto diz respeito à autonomia do indivíduo, à livre disposição de seu corpo e ao respeito à sua vontade. Nessa perspectiva liberal, a mulher teria todo o direito de abortar, pois ela é senhora absoluta de seu corpo. Ademais, o feto ainda não seria um ser plenamente racional, enquanto que a mulher, ser dotada de razão, vontade e sentimento, deveria ter respeitada a sua escolha de abortar ou não, uma vez que cabe a ela fazer o que melhor lhe aprouver com o seu corpo.

125. O paradigma liberal restou superado pelo paradigma social. Em nome da liberdade do indivíduo, de sua autonomia da vontade e da consciência racional de cada um e de uma igualdade formal, o liberalismo provocou a prevalência dos mais fortes em relação aos mais fracos. No plano formal, tanto os mais abastados quanto os menos afortunados tinham igual liberdade, mas na prática, esse sistema engendrou uma sociedade socialmente injusta, porquanto imperava gritantes desigualdades.

126. O paradigma liberal cede espaço para o paradigma social. Em nome da igualdade material, as liberdades formais sofrem restrição e o Estado, até então absenteísta (um "guarda-de-polícia" ou gendarme), que só deveria intervir para garantir o cumprimento dos contratos e manter a paz pública e a boa ordem social, é obrigado a intrometer-se na vida social e particular das pessoas.

127. No quadro do paradigma social o Estado, por meio de um Direito intervencionista, avoca tarefas que eram próprias dos indivíduos e da própria sociedade. O Estado se envolve nas relações de trabalho, nas relações econômicas, passa a intervir na propriedade, aumenta o quadro de serviços públicos como saúde, educação, cultura, intervém, inclusive, nas relações familiares. No paradigma social a liberdade do indivíduo e a autonomia de sua vontade sofrem redução em nome do interesse estatal, confundido como o interesse da própria sociedade ou público.

128. No paradigma social, a questão do aborto deixa de ser um tema privativo do indivíduo e se torna de interesse do Estado. O indivíduo, assim como a propriedade e os bens, deve ter uma função social, deve ser útil ao Estado. Nessa linha, a depender da sociedade, não cabia a mulher livremente dispor de seu corpo ou do feto que albergava em seu ventre, pois tanto ela – a mulher – quanto o feto poderiam ser úteis para o Estado. Obviamente que se descobrissem a "inutilidade" do feto, o Estado poderia autorizar a prática do aborto. O interesse do Estado – e não o da mulher ou o do feto – deve prevalecer. O Estado era tudo, o indivíduo era reduzido a nada, ou simples instrumento de vontade e grandeza estatal. O indivíduo, em vez de cidadão, é cliente dos serviços e favores estatais.

129. Essa perspectiva de gigantismo do Estado e achatamento do indivíduo teve como modelos exemplares o nazifascismo e o social-comunismo, e como símbolos retumbantes o holocausto judeu promovido durante a Segunda Grande Guerra e os "Gulags" soviéticos. As explosões das duas bombas nucleares nas cidades japonesas também servem como símbolos do desprezo às vidas inocentes.

130. A superação do paradigma social pelo paradigma democrático ensejou um novo modelo de atuação do Estado, da Sociedade e da Pessoa. O espaço público é território livre para a participação do indivíduo como cidadão consciente de seus direitos e deveres, co-responsável por si e pela comunidade. O Estado e o seu direito são instrumentos racionais que permitem a livre participação dos interessados nas formulações e execuções das políticas públicas, com o respeito à diversidade e à pluralidade.

131. No quadro democrático o indivíduo é cidadão com mútuas responsabilidades e recíprocos direitos. Reconhece-se que o Estado, sozinho, não é suficiente para tornar viável a boa convivência de todos os seus membros, e que a Sociedade deve ser co-responsável nas tarefas mais importantes. No trinômio revolucionário francês, o paradigma democrático é o da fraternidade, síntese e superação dos outros dois paradigmas, sem, contudo, aniquilá-los. No paradigma democrático, todos os indivíduos são seres dotados de dignidade e merecedores de respeito e consideração.

132. No paradigma democrático a questão do aborto se torna mais complexa. Pois de um lado estão os legítimos interesses da mulher em ter respeitada a sua livre autonomia sobre o seu corpo, e de outro lado há o legítimo interesse de parcela da sociedade em proteger todos os seus membros, sejam nascidos ou que estejam por nascer, independentemente da sua utilidade ou viabilidade.

133. Parcela dos Estados democráticos, com a população livre e participativa, tem adotado uma postura "conciliatória" permitindo as práticas abortivas até um determinado período de gravidez (até a 14ª semana de gestação). Em regra até a formação das conexões cerebrais ou desenvolvimento do cérebro. Entendem que ausente o cérebro, o feto é desprovido de sentimentos e emoções, e ainda não possui o principal diferencial da espécie humana: a racionalidade.

134. À luz desse quadro, uma vez descoberta uma doença que implique na morte imediata do feto após o parto, a tendência é tornar lícita e socialmente aceitável a prática abortiva, pois não seria justo com a mulher submetê-la a uma gravidez que não resultaria em vida.

135. Sucede, todavia, que a depender da idéia de vida a partir da concepção independentemente de sua viabilidade, os legítimos interesses da gestante podem ceder aos legítimos interesses daqueles que defendem a sacralidade da vida (entendida como transcendente e indisponível), e que o feto, por ser vivo e humano, não é coisa pertencente à mulher, porquanto todas as pessoas só pertencem a si mesmas, de modo que em favor dos interesses do feto, sejam as gestantes constrangidas a não abortarem e permitirem o curso natural da gravidez, como responsabilidade e conseqüência de seu ato de engravidar.

136. A gravidez resulta de um ato vontade da mulher, salvante nos casos de estupro. Na sociedade moderna e democrática, os indivíduos devem conhecer os riscos de sua conduta e arcar com as conseqüências de seus atos. O ato sexual livremente consentido é um ato de risco que pode resultar em uma gravidez. O feto, por ser humano, não pode ser objeto da livre vontade da gestante.

137. Assim como os filhos não pertencem aos pais, as mulheres aos homens, os empregados aos patrões, o feto não pertence à mãe, pois não é coisa, não pode ser apropriado. Só coisas são apropriáveis. O ser humano nunca deve ser coisificado, nem apropriado, nem pertencer a ninguém. O ser humano nunca deve ser objeto, mas sempre sujeito.

138. Por essa razão, o risco de uma gravidez deve ser assumido pela gestante no momento em que resolve livre e consentidamente manter relações sexuais ou que deseja engravidar. Isso é um risco.

139. Nada obstante, a despeito de a sociedade civilizada ser um espaço de riscos, ainda há os perigos, como nas selvas e na barbárie. A mulher pode ser vítima de um estupro ou pode ser constrangida a casar ou mesmo a engravidar. Nessa situação não há como obrigar a mulher a assumir a responsabilidade de um ato que não resultou de sua livre vontade, de sua atividade de risco. Assim como se a gravidez ensejar perigo de morte para a gestante, ela também pode abortar para salvar a própria vida.

140. Percebe-se, portanto, que em uma sociedade democrática, aberta, livre e pluralista, o tema do aborto – e em particular do feto anencefálico - é problemático, não encontra uma resposta fácil e imediata e diz respeito não somente à mulher gestante, mas a todos os membros interessados da sociedade, motivados não apenas por crenças religiosas, mas pela fé e esperança na própria humanidade.


X. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA [31]

141. A Constituição brasileira promulgada em 05.10.1998 enquadra-se no paradigma democrático e tem a dignidade como pedra angular sobre a qual deve ser construída o novo modelo de sociedade, alicerçada no respeito e na consideração por todos os seu membros, independentemente do sexo, idade, orientação sexual, origem, cor e integridade física ou nível de saúde.

142. Na esteira do magistério de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy [32], o novo modelo constitucional supera o paradigma da modernidade e pode ser visto como pós-moderno, porquanto há o reconhecimento de que a razão (direito) sozinha não foi capaz de dar as repostas às dúvidas angustiantes do homem, nem o direito por si só, foi capaz de tornar a convivência humana pacífica e de tornar a sociedade mais civilizada.

143. Nada obstante o rótulo de pós-modernismo aplicado por Arnaldo Godoy, entendo que sua perspectiva é muito mais próxima do paradigma democrático do que este do paradigma liberal. Assim, entendo que o denominado pós-modernismo pode ser visto como modernidade democrática. Assumo os riscos de uma pequena divergência com o genial e ilustrado jurista. O que para ele é pós-modernidade, entendo como modernidade democrática.

144. O catálogo de direitos fundamentais no constitucionalismo brasileiro é vasto. Sinaliza para uma nova perspectiva de Estado, Sociedade e Indivíduo, com mútuas interações. [33]

145. Em face dos enunciados constitucionais, tradicionalmente apresentam-se cinco direitos fundamentais inaugurais: a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, todos capitulados no art. 5º da Constituição.

146. A partir da própria Constituição, podemos classificar os direitos fundamentais nas seguintes categorias: direitos individuais, direitos coletivos, direitos liberais, direitos sociais e direitos democráticos.

147. Os direitos individuais são aqueles que a pessoa pode exercer autonomamente, independentemente do concurso de outras pessoas, é um direito seu (singelo exemplo: liberdade de crença ou descrença).

148. Os direitos coletivos são aqueles que somente podem ser exercidos por pelo menos mais de uma pessoa, por um grupo coletivo, é indispensável o concurso de outra pessoa (singelo exemplo: liberdade associativa).

149. Os direitos liberais são aqueles que reduzem ou excluem a intervenção do Poder Público na vida das pessoas, é um direito de negação à intrusão do Estado na vida dos indivíduos (singelo exemplo: intimidade).

150. Direitos sociais são aqueles que dependem da atuação do Poder Público ou que exigem prestações positivas do Estado para a efetivação e exercício desses direitos (singelo exemplo: educação pública).

151. Por fim, direitos democráticos são aqueles que dizem respeito à atuação participativa do indivíduo (cidadão) na vida da comunidade, permitindo-lhe a defesa de seus próprios interesses privativos ou os interesses públicos ou coletivos, bem como usufruir do patrimônio comum de todos (singelo exemplo: meio ambiente).

152. Pois bem, ao longo do texto constitucional enxergamos os vários tipos de direitos fundamentais consagrados positivamente. Vejam que as dicotomias estão entre os direitos liberais versus os direitos sociais (menor ou maior ingerência do Estado na vida dos indivíduos), e entre os direitos individuais versus os direitos coletivos (exercício singular ou necessidade de grupo para exercer ou usufruir o direito).

153. Assim, podemos vislumbrar as seguintes categorias de direitos fundamentais: direitos individuais liberais (exemplo: liberdade de crença); direitos individuais sociais (exemplo: aposentadoria); direitos coletivos liberais (exemplo: liberdade de culto); direitos coletivos sociais (exemplo: direito de greve); direitos democráticos liberais (exemplo: votar); direitos democráticos coletivos (exemplo: meio ambiente saudável).

154. Em que pese todo esse cardápio de direitos fundamentais, entendemos que há somente dois tipos de direitos fundamentais: os substancialmente ou materialmente fundamentais e os de tratamento ou formalmente fundamentais. Os direitos fundamentais substanciais são a vida e a liberdade. Os direitos fundamentais de tratamento são a dignidade e a igualdade.

155. Vida e liberdade são substâncias. Dignidade e igualdade são tratamentos. As pessoas são vivas e livres. As pessoas são tratadas com dignidade e igualdade. Ao meu sentir, todos os direitos fundamentais podem ser enquadrados nessas quatro categorias.

156. Nesse cenário, a questão do aborto do feto anencefálico merece uma discussão à altura das dificuldades que representa.

157. Antes, contudo, convém estabelecer uma noção conceitual do que sejam os direitos fundamentais. Fundamental é o importante, é o indispensável. Nessa linha, entendo que os direitos fundamentais são aqueles que regulam a vida e a liberdade das pessoas e viabilizam, com igualdade de condições, de acordo com as necessidade de cada um e dentro do materialmente possível, a todos uma dignidade na mútua convivência, com respeito e considerações recíprocos.

158. Se olharmos com atenção o texto constitucional brasileiro, perceberemos uma opção preferencial pela dignidade daqueles que sozinhos não se bastam. O rol de proteção social estabelecido na Constituição é sinal de que a sociedade brasileira fez a escolha pela civilização da diversidade e da proteção daqueles que não seriam suficientes por si sós (os hipossuficientes). [34]

159. O Capítulo II do Título II que cuida dos direitos sociais e o contido no Título VIII, que versa sobre a ordem social, além de outros dispositivos constitucionais, são reveladores dessa escolha política da sociedade brasileira.

160. À maneira de exemplo consagrador dessa opção preferencial pelos mais fracos, transcrevo o art. 203 da Constituição:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

161. Esse aludido enunciado constitucional é o símbolo mais eloqüente da escolha ética feita pela Sociedade e Estado: a opção pela dignidade de todos, especialmente dos mais necessitados.

162. Outro exemplo do reconhecimento dessa opção ética foi manifestado em uma decisão modelar do STF da lavra Ministro Celso de Mello, nos autos do Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário n. 271.286 [35]:

"E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.

O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. – negritamos. Precedentes do STF."

163. No tocante à Família, a Constituição tem enunciados específicos, e naquilo que é objeto desse tema dispõe:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

................

§ 7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

164. O direito à saúde também mereceu destaque especial da Constituição (arts. 196 a 200), porquanto intimamente relacionados ao direito à vida e a uma vida com dignidade e saúde. Também recebeu especial destaque constitucional a proteção à maternidade e à gestante, bem como à infância.

165. Assim posto, nada obstante o legítimo interesse da mulher em gestar um feto saudável e viável, se se considerar que esse feto possui vida, independentemente de sua viabilidade ou utilidade, porquanto seja ele o elo mais fraco nessa cadeia sócio-biológica, deve ser protegido e garantido o seu direito fundamental de nascer e morrer naturalmente, como todas as demais criaturas humanas.

166. Todavia, se se partir da premissa de que o feto anencefálico encontra-se no mesmo estágio daquele que é considerado morto, por falência de suas atividades cerebrais, não há porque obrigar a mulher a continuar gestando um ser morto, porquanto não se terá um nascituro, mas sim um natimorto.


XI. A INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO CRIMINAL AO FETO [36]

167. Desafortunadamente há, em nosso País, uma crença irracional no poder das leis e do Direito. Parte-se do equivocado pressuposto que a simples enunciação de uma expectativa comportamental ou de uma promessa estatal em uma "folha de papel" seja bastante e suficiente para tornar realidade concreta no seio da sociedade.

168. Um dos campos mais férteis de promessas jurídicas divorciadas da realidade social encontra-se na seara penal. Acreditam alguns – ou por ignorância ou por má-fé – que a tipificação de determinadas condutas como crimes ou o aumento das penas daquelas que já são crimes ensejará uma mudança nos padrões comportamentais das pessoas. Esquecem – ou por ignorância ou por má-fé – que a causa da criminalidade ou o não cometimento de crimes não está nas leis em si, mas na formação ética dos indivíduos ou na certeza de que serão exemplarmente punidos.

169. Há condutas que nada obstante tipificadas criminalmente na legislação não passam de letra morta: o adultério, por exemplo. Dificilmente o cônjuge deixa de cometer o adultério por medo do Código Penal. Se não comete é por outras razões: amor, respeito, consideração ou medo da reação do cônjuge, mas nunca por receio de sofrer uma reprimenda penal.

170. Ou seja, o crime de forte conteúdo psíquico-moral, como é o caso do aborto, não é cometido por força da legislação penal punitiva, mas pelas convicções particulares das mulheres envolvidas. E, em regra, a mulher que comete o aborto, a despeito da proibição legal, o faz por entender que era "melhor" ou "única" opção que tinha.

171. Assim, em homenagem a uma adequada política sócio-criminal, é preciso mudar o eixo da questão do aborto. Normalmente é feita a seguinte pergunta: você é a favor do aborto? A resposta de todos deve ser negativa. Ninguém pode ser a favor do aborto. Nem mesmo os seus defensores são favoráveis.

172. As perguntas corretas devem ser essas:

A mulher que comete o aborto deve ser presa?

A possibilidade da prisão reduz a quantidade de abortamentos?

Quais mulheres deixam de praticar o aborto devido à possibilidade de serem presas?

A possibilidade de prisão induz a que tipo de aborto clandestino?

Quais as vítimas preferenciais dos abortos clandestinos?

173. Essas são as perguntas que merecem respostas antes de medidas políticas ou judiciais. As minhas respostas seriam: NÃO ou AS MAIS POBRES.

174. Entendo, à luz do texto constitucional e de uma concepção ética de humanidade, que ninguém pode ser favorável ao aborto. Todavia não acredito na força do direito penal para resolver essa questão. Creio em políticas educacionais, em políticas de saúde pública, em uma nova sociedade. É preciso combater as causas que levam ao abortamento. É indispensável descobrir em que sociedade vivemos – e queremos - na qual uma mulher se sente constrangida ao abortamento.

175. Portanto, em vez de criminalizarmos determinadas condutas ou aumentarmos as penas, como panacéia para as chagas sociais, combatamos as causas que levam à prática dessas condutas.

176. No caso do aborto, é gritante o desamparo emocional das gestantes. E o próprio desamparo de seus fetos. É dever de uma sociedade que se diz aberta, plural, tolerante e solidária, a todos amparar.

177. Uma nova pedagogia social deve ser usada como modelo de formação de todos os indivíduos que fazem parte de nossa sociedade. Uma pedagogia que ensine a prática do amor, do respeito, da consideração, da tolerância, do afeto, da generosidade, do perdão, da paz e da justiça, e que tenha no coração humano o verdadeiro templo onde habita o seu Deus, cultuado no bem feito ao outro ser humano, sua imagem e semelhança, construindo verdadeiras catedrais de bondade e de compaixão. [37]

178. Assim, antes de lancetarmos os tumores sociais que infectam nossa comunidade, descubramos como não desenvolvê-los. Antes de atacarmos os criminosos, façamos de tudo para que não pratiquem crime algum. Somente assim, penso, seremos dignos de sermos membros de uma sociedade civilizada, em vez de bárbaros selvagens.

179. Nessa toada, é desprovida de efetividade jurídico-social a criminalização do aborto, inclusive do feto anencefálico, e não deve ser objeto de delegacia de polícia, mas de hospitais públicos, com a participação de profissionais de saúde física e emocional em redor da mulher que se encontra nessa situação repleta de angústia e sofrimento, seja a rica seja a pobre, branca ou negra, crente ou atéia. Em vez de policiais, médicos. Em vez de carcereiros, enfermeiros. Em vez de grades, janelas com outras oportunidades. Em vez de ódio punitivo, compreensão afetiva. Em vez da morte, vida.


XII. PROGNOSES DO JULGAMENTO DE MÉRITO DA ADPF 54

180. Cuida-se de um terreno pantanoso a tentativa de procurar antecipar o desfecho de qualquer julgamento, sobretudo quando o tema envolvido toca fundo em questões sensíveis de toda a sociedade e dos magistrados em particular.

181. Por óbvio não se tem qualquer elemento racional e confiável acerca de qual será o resultado do referido julgamento de mérito da ADPF 54, nem como votarão os juízes do STF. Nada obstante, a partir do que já foi externado por esses julgadores, podemos, com todos os riscos dessa atividade, procurar sinais que apontam as direções que podem tomar cada um dos Ministros da Corte.

182. A atual composição do STF é formada pelos seguintes Ministros: Ellen Gracie (Presidente), Celso de Mello (Decano), Marco Aurélio, Gilmar Mendes (Vice-Presidente), Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, sendo que estes três últimos não participaram das primeiras sessões de julgamento desse tema.

183. Pelas manifestações externadas naquelas sessões e/ou manifestadas em outras oportunidades de julgamento, penso que votaram favoráveis à antecipação terapêutica do parto do anencefálico os seguintes Ministros: Marco Aurélio (relator), Celso de Mello, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.

184. Também a partir de manifestações anteriores, votarão contrários ao aborto de feto anencefálico: Eros Grau, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.

185. Em aberto os outros três votos. Há sinais de que Menezes Direito possa votar contrário ao aborto do feto anencefálico. Quanto a Ricardo Lewandowski há a possibilidade de ele votar favorável à antecipação terapêutica do parto. Cármen Lúcia, a partir de sua obra doutrinária [38], emite sinais dúbios, com uma leve tendência contrária ao aborto, visto que para ela o embrião já um ser dotado de dignidade humana e merecedor de respeito e proteção.

186. Registro que pode haver uma reviravolta, de sorte que nenhum desses prognósticos se concretize. Cada juiz é senhor absoluto de sua consciência. A conferir.

187. Em minha percepção, penso que aqueles que votarem favoravelmente à antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico o façam por dois argumentos: a) a prevalência do interesse da mulher e de sua saúde em vista de uma gravidez que resultará em morte imediata; ou seja, não vale a pena o sacrifício da gestante; b) dispensar ao feto anencefálico o mesmo tratamento dispensado àquele que tem sua morte cerebral decretada, a despeito do funcionamento de outros órgãos vitais.

188. Quanto aos que votarem contrários ao aborto do feto anencefálico devem se estribar nos subseqüentes argumentos: a) o mal-estar da gestante não autoriza o sacrifício da vida do feto anencefálico, a despeito de sua grave patologia que o matará assim que nascer; e b) não pode o Judiciário inovar o sistema penal brasileiro criando uma nova hipótese de excludente de ilicitude penal, pois isso é tarefa dos Poderes Políticos (Congresso Nacional e Presidência da República) e com ampla participação dos setores interessados na formulação dessas políticas legislativas.


XIII. CONCLUSÃO

189. O julgamento da ADPF 54 será – e já tem sido – um dos mais emblemáticos julgamentos da história do STF como tribunal de direitos fundamentais e como Corte Constitucional, tanto pelo aspecto delicado e problemático da questão de mérito, quanto pela aceitação do instituto da ADPF como instrumento processual viabilizador dessa manifestação do STF.

190. O resultado acerca do julgamento dependerá das premissas que os Ministros do STF utilizarão para justificar suas convicções jurídicas, em respeito às suas próprias consciências morais e éticas.

191. Quem entender que o feto anencefálico é ser natimorto ou que o sofrimento da gestante é superior ao dever de manter a gravidez, deve votar favoravelmente à antecipação do parto.

192. Quem entender que a despeito do sofrimento da mãe o feto anencefálico é portador de dignidade humana e merecedor de proteção, ainda que seja apenas para garantir o nascimento e conseqüente morte natural ou que compete ao Legislativo inovar o ordenamento jurídico positivamente, deve votar contrariamente ao aborto.

193. Seja qual for o resultado, ninguém sairá ganhando, pois só há angústia e sofrimento nesses casos. É um vale de lágrimas, um calvário para todos os envolvidos.

194. Por fim, recordo as sempre úteis palavras contidas na Boa Nova anunciada a toda a humanidade e para a qual todos somos convidados a participar, crentes ou não crentes: "Eu quero a misericórdia e não sacrifícios".


Notas

01 Em sentido contrário: DAWKINS, Richard. Deus, um delírio (The God desilusion). Tradução de Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; DENNETT, Daniel. Quebrando o encanto – a religião como fenômeno natural (Breaking the spell). Tradução de Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006.

02 Uma perspectiva tolerante: KAMEL, Ali. Sobre o Islã – a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

03 Uma perspectiva histórica: BROWKER, John. Deus – uma breve história (God – A brief history). Tradução de Kanji Editoração. São Paulo: Globo, 2002.

04 Uma perspectiva catequética: RATZINGER, Joseph – Papa Bento XVI. Jesus de Nazaré (Jesus von Nazareth). Tradução de José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Planeta, 2007.

05 O inteiro teor da referida petição inicial pode ser encontrado na página virtual do STF (www.stf.gov.br/peticaoinicial). Indique ADPF 54.

06 A decisão do Relator está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

07 O inteiro teor do acórdão do HC 84.025 está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

08 O inteiro teor do acórdão do STJ está disponível em sua página virtual (www.stj.gov.br).

09 O inteiro teor do acórdão do TJERJ está disponível em sua página virtual (www.tj.rj.gov.br).

10 O brevíssimo Memorial da CNBB está disponível na página virtual do Jus Navigandi (www.jus.com.br)

11 Código de Direito Canônico (1983). Santa Sé. Cidade do Vaticano. (www.vatican.va)

12 WOJTYLA, Karol – Papa João Paulo II. Encíclica Evangelium Vitae (Evangelho da Vida): www.vatican.va

13 Para uma compreensão da visão e atuação da Igreja: Compêndio da doutrina social da Igreja. Pontifício Conselho Justiça e Paz. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005; Catecismo da Igreja Católica. Santa Sé. Cidade do Vaticano (www.vatican.va).

14 O Parecer do PGR está disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

15 O Parecer de José Néri da Silveira está disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

16 O inteiro teor do acórdão está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

17 Sugere-se a leitura da monografia "O regime jurídico-constitucional da ADPF", da lavra da juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

18 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: SAFE, 1999.

19 CAPPELLETTI, Mauro, obra citada.

20 BERNARDES, Juliano Taveira. Controle abstrato de constitucionalidade – elementos materiais e princípios processuais. São Paulo: Saraiva, 2004.

21 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – Comentários à Lei n. 9.882, de 03.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2007.

22 Obra citada.

23 Monografia citada.

24 Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1997.

25 OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: SAFE, 2003; GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O pós-modernismo jurídico. Porto Alegre: SAFE, 2005.

26 A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Viana Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1997.

27 Direito e Democracia – entre a faticidade e a validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

28 ALVES JR., Luís Carlos Martins. O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

29 A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Jurisdição e Hermenêutica Constitucional. Coordenação Marcelo Cattoni. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

30 Obra citada.

31 Além dos Títulos I e II (arts. 1º a 17, CF), tem-se o Título VIII (arts. 193 a 232, CF) e vários outros dispositivos constitucionais que versam sobre direitos fundamentais.

32 Obra citada.

33 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2006.

34 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006.

35 O inteiro teor dessa decisão está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

36 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: RT, 1999. Beccaria, por óbvio, não tratou do feto anencefálico, mas suas clássicas lições permanecem válidas em relação a uma adequada política penal.

37 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

38 Direito à Vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2006.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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Informações sobre o texto

Palestra proferida no evento "Sexta Jurídica", organizado pela Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado do Piauí, em Teresina, 27/09/2007.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O direito fundamental do feto anencefálico. Uma análise do processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1555, 4 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10488. Acesso em: 4 maio 2024.