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Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância

Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância

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É indispensável participação de advogado inscrito na OAB, constituído pelo acusado ou nomeado pela Administração Pública, o qual poderá ser servidor ou defensor público.

Sumário: 1. Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça. 2. Designação de defensor dativo para o acusado revel no processo administrativo disciplinar ou na sindicância. 3. Requisitos para o exercício da função de defensor dativo. 4. Obrigatoriedade de desempenho da função de defensor dativo pelo servidor nomeado. 5. Desvio de função e desempenho do ofício de defensor dativo. Inocorrência. 6. Incompatibilidade para o exercício da função de defensor dativo. Impedimento para o exercício da advocacia contra a Fazenda Pública que remunera o servidor. Não-incidência. 7. Pressupostos subjetivos exigidos do defensor dativo indicado.


1. Introdução

Com o advento da Súmula nº 343, do egrégio Superior Tribunal de Justiça, a qual preceitua que "é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar", consolidou-se o entendimento de que é indispensável a participação de advogado inscrito na OAB, constituído como procurador pelo acusado, ou nomeado como defensor dativo designado pela Administração Pública, o qual poderá ser servidor inscrito na OAB, ou defensor público.

Em virtude do verbete sumular, o procurador constituído, o defensor dativo ou o defensor público devem participar de toda a atividade de instrução do processo administrativo disciplinar e da sindicância punitiva, desde o início da fase de coleta de provas, e não mais somente depois da indiciação (não mais para meramente apresentar defesa escrita, depois de exauridos os atos instrutórios, como era previsto na redação do art. 161, § 1º, da Lei federal n. 8.112/1990), prezando-se, assim, pela estrita observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, consagrados constitucionalmente, inclusive no âmbito do processo administrativo, no que concerne à exigência de defesa técnica.

Com efeito, é mister que os órgãos administrativos e corregedorias procedam em estrita observância da novel jurisprudência sumulada do colendo Superior Tribunal de Justiça, visando a afastar posterior alegação de nulidade processual pelos servidores acusados, com fundamento em vício procedimental à luz do enunciado sumular em testilha, o que poderia, inclusive, inviabilizar a pretensão punitiva da Administração Pública pelo transcurso de prazo prescricional, na hipótese de anulação dos feitos sancionadores por via judicial e reabertura tardia de novel processo apenador.


2. Problemas práticos decorrentes da aplicação da Súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça

Em virtude da edição da súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça, surgiu uma série de questões práticas que merecem apreciação pelos órgãos administrativos:

a) quem pode ser designado defensor dativo do acusado revel no processo administrativo disciplinar ou na sindicância?

b) leigo ou mero bacharel em direito pode atuar como defensor dativo do acusado?

c) o servidor público com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, nomeado como defensor dativo do acusado, pode recusar-se a desempenhar a função especial?

d) Em caso de recusa do encargo, quais as conseqüências jurídicas decorrentes para o servidor nomeado como defensor dativo?

e) constitui desvio de função a indicação de servidor para desempenhar o ofício especial, se o cargo efetivo em que investido o funcionário nomeado como defensor dativo não compreende atribuições de natureza jurídica?

f) quais servidores estão impedidos de exercer a função de defensor dativo, ainda que possuam inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil?

g) o servidor indicado como defensor dativo exerce advocacia contra a Administração Pública que o remunera?

h) quais são os requisitos subjetivos do servidor nomeado como defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar ou sindicância?


3. A exigência de defesa técnica no processo administrativo disciplinar

De início, afigura-se irreparável a conclusão de que é obrigatória a atuação de advogado, regularmente inscrito na OAB, como procurador constituído do servidor acusado, ou como defensor dativo nomeado pela Administração Pública, além de ser possível a atuação substitutiva de defensor público na atividade defensória, nos termos da Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, o processo administrativo disciplinar, por força da visão principiológica constitucional e do garantismo que lhe é pertinente, agora com respaldo em entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores pátrios, passou a reclamar a observância da intervenção da defesa técnica como pressuposto do contraditório e da ampla defesa, da mesma forma que o processo penal.

Sobre a essencialidade da defesa técnica no processo administrativo disciplinar, calha trazer a doutrina do professor Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho:

A Administração Pública no exercício de seu poder disciplinar, não tem direito de, legitimamente, impor sanções punitivas aos agentes públicos, sem propiciar-lhes, primeiramente, a possibilidade de audiência sobre a imputação que lhes é feita (nemo inauditus damnari debet) e, segundo, o ensejo de participação crítica e ativa no procedimento probatório. A defesa técnica, notadamente a partir da Constituição Federal de 1988 e o núcleo processual comum que implementou, torna-se obrigatório componente da ampla defesa com os meios e recursos inerentes (art. 5º, LV, CF). Só aquele que efetivamente conhece o processo em sua complexidade (prescrição, juiz natural, devido processo legal, contraditório e ampla defesa) – o advogado – haverá de desempenhar um trabalho que homenageie os direitos fundamentais. [01]

Em igual diapasão, ensina o Procurador Regional da República e reconhecido professor de direito processual penal, Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira:

A característica do interrogatório como meio de defesa impunha ao Estado o dever de nomeação de um defensor para a prática do aludido ato. Pois bem. A partir da Lei nº 10.792/03, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, não há mais margem a dúvidas. Nos termos do novo art. 185 do CPP, o interrogatório do acusado será feito na presença de seu defensor, constituído ou nomeado (dativo ou ad hoc). A nulidade, pela não-observância do referido dispositivo, então, será absoluta, e não mais relativa, como nos parecia. Pensávamos tratar-se de nulidade relativa em razão de não haver - antes da Lei nº 10.792/03 – a possibilidade de intervenção da defesa no curso do interrogatório. Agora, como, além de garantida essa participação, condicionada unicamente ao exame da pertinência e relevância das perguntas (art. 188, CPP), é também assegurado o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor (art. 185, § 2º, CPP), parece irrecusável a nulidade absoluta do processo, por violação ao princípio da ampla defesa – participação da defesa técnica – explicitado nos dispositivos anteriormente mencionados. Assim, embora não se imponha ao réu o compromisso com a verdade durante o interrogatório, com o que se poderia alegar que o prejuízo decorrente da ausência de defensor técnico exigiria demonstração do prejuízo, a depender da valoração concreta do depoimento na sentença, o fato é que, estando garantidas a possibilidade de participação – perguntas – e a audiência prévia entre acusado e defensor, a violação à amplitude da defesa parece-nos evidente, salvo de qualquer especulação pragmática. [02]

Infere-se que não poderá ser nomeado, na condição de defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva, nem leigo, nem ainda mero bacharel em direito, mas somente advogado, pessoa regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, caput, Lei federal n. 8.906/1994).

De fato, a questão da indispensabilidade do advogado em todas as etapas do processo administrativo disciplinar se constituiu como postulado de validade dos feitos sancionadores desenvolvidos pela Administração Pública, questão em torno da qual abordamos em livro de nossa autoria, em vias de publicação pela editora Fortium (CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008, cerca de 1200 páginas, inédito), em que enfatizamos a questão com minúcia a importância do advogado.

3.1 Importância do advogado no processo administrativo disciplinar

A Constituição Federal de 1988 estatui que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei" (art. 133).

A figura do advogado, como profissional do direito que proporcionará seu talento e conhecimento à administração da justiça na seara disciplinar, empenhando-se por representar o acusado de forma técnica, com os instrumentos previstos no ordenamento jurídico, é decisiva para o bom e correto exercício do poder punitivo da Administração Pública, haja vista que sua presença confere prestígio aos atos processuais e concorre para o respeito às garantias do servidor processado pelos órgãos administrativos processantes e julgadores.

A presença do advogado em audiências, em outros atos de coleta de prova, como diligências e inspeções, na inquirição do denunciante, no oferecimento de defesa escrita, chamando a atenção para os consectários do devido processo legal, criticando interpretações de fatos e provas pelo órgão instrutor ou julgador, apresentando sua visão jurídica do quadro fático, tudo termina por enobrecer a atividade processual e aprimorar os procedimentos disciplinares realizados pela Administração Pública, sempre em defesa da figura do funcionário acusado.

Paulo Luiz Netto Lobo confirma:

Em face do litígio, a administração da justiça pressupõe a paridade de armas, mediante a representação e defesa dos interesses das partes por profissionais com idênticas habilitação e capacidade técnica. O acesso igualitário à justiça e a assistência jurídica adequada são direitos invioláveis do cidadão (Constituição, artigo 5º, XXXV e LXXIV). [03]

Rui Barbosa traz a lume notável lição sobre a distinta figura do advogado: "O primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra, defendeu o seu semelhante contra a injustiça, a violência e a fraude." [04] Eduardo Couture também colaciona escrito antigo sobre os advogados: "Confiados na força de sua gloriosa palavra, defendem a esperança, a vida e a descendência dos que sofrem." [05]

Fere a beleza e o conceito áulico da advocacia, enquanto profissão de defesa inalienável do cidadão contra a tirania e a injustiça, quadro como o descrito no filme "Uma mulher contra Hitler", que narra a história real de Sophie Scholl, uma jovem universitária protestante de 20 anos, presa política julgada de forma arbitrária e injusta por uma Corte judicial submissa ao regime nazista, presidida por juiz parcial e que condenou sumariamente a acusada à morte. Na película cinematográfica, dada a palavra ao advogado constituído para representar a ré, o causídico, covarde e negligente, nem uma só razão oral ofereceu perante o Tribunal, entregando sua cliente à desdita e à execução capital.

Rui Barbosa molda outro retrato da advocacia:

Profissão, que, entrelaçada pelas relações mais íntimas ao sacerdócio da justiça, impõe ao advogado a missão da luta pelo direito contra o poder, em amparo dos indefesos, dos proscritos, das vítimas da opressão, tanto mais recomendáveis à proteção da lei, quanto mais formidável for o arbítrio, que os esmague, quanto mais sensível for o vazio, que a ignorância, a covardia de uns, o desalento de outros, a letargia geral abrirem de redor dos perseguidos. [06]

Não é possível se tolerar o tratamento aviltante ministrado aos advogados, fruto, na verdade, do verdadeiro desapreço e intolerância pelo exercício do direito de defesa, referido por Kafka, o qual destaca o menosprezo pelo tribunal tcheco aos causídicos ao destinar-lhes, na Corte, como sala própria, cômodo cheio de fuligem e mal iluminado, com grande buraco ao chão, situado no segundo sótão, tudo com um propósito: "Mas também esse tratamento dado aos advogados tem sua justificativa. O que se quer é excluir o mais possível a defesa, tudo deve recair sobre o próprio acusado." [07]

O desapreço ao advogado é o desrespeito à justiça, à própria garantia constitucional e legal de defesa técnica (art. 3º, IV, L. 9.784/99).

Paulo Luiz Netto Lobo comenta:

Os atos e manifestações do advogado, no exercício profissional, não podem ficar vulneráveis e sujeitos permanentemente ao crivo da tipificação penal comum. O advogado é o mediador técnico dos conflitos humanos e, às vezes, depara-se com abusos de autoridades, prepotências, exacerbações de ânimos. O que, em situações leigas, possa considerar-se uma afronta, no ambiente do litígio ou do ardor da defesa devem ser tolerados os excessos, que transbordem dos limites admitidos pelo Código de Ética e Disciplina e pelo Estatuto, serão punidos disciplinarmente pela OAB. (sic) [08]

Ana Lucia Sabadell lembra que a advocacia é atividade de interesse público e que "o advogado desenvolve uma importante função no processo de aplicação do direito." [09]

3.2 Exclusividade do advogado para atuar na defesa do acusado no processo administrativo disciplinar

Somente poderá atuar, como procurador constituído pelo processado, advogado regularmente inscrito no Conselho Seccional próprio da OAB, vedando-se a leigos exercer função indispensável para a boa administração da justiça (art. 133, Constituição Federal de 1988; art. 2º, caput, Lei Federal 8.906/94), porquanto, "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social" (art. 2º, § 1º, L. 8.906/94) e "contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público" (art. 2º, § 2º, L. 8.906/94). O exercício da atividade de advocacia e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, caput, L. 8.906/94).

Firmou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região que "ao administrado é facultada a defesa pessoal em processo administrativo disciplinar. Optando por defesa técnica, é obrigatória a constituição de um advogado devidamente inscrito na OAB (Lei n. 9.784/99, art. 3º, IV)." [10] Saliente-se, todavia, que o entendimento pela possibilidade de autodefesa restou superado pelo advento da Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

Em decisão monocrática, julgou o relator de recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Conjugadamente, diviso a presença da plausibilidade jurídica da alegação reproduzida na presente apelação, conferindo relevância na fundamentação desfiada pelo recorrente.Deveras, o processo administrativo disciplinar tem o propósito de elucidar, apurar e, confirmando-se as imputações, apenar os agentes públicos que protagonizaram os desvios de conduta identificados. Para exercício da atividade repressora e punitiva, a Administração Pública deve zelar pela observância dos princípios constitucionais informadores da tarefa, notadamente aqueles que garantem ao servidor público a ampla defesa e o contraditório, promessas elevadas ao patamar constitucional (art. 5º, LV). Esta positiva maximização do direito à ampla defesa e ao contraditório, consagrado no plano constitucional, aconselha que no âmbito da sua concretização o servidor público disponha de defesa técnica, vale dizer, assistência de profissional habilitado a tanto, até porque, o advogado recebeu status de figura indispensável à administração da justiça (art. 133), entendendo-se esta sob o ponto de vista axiológico, de aspiração da sociedade. Justiça, com tal matiz, é bom que se diga, faz-se também no âmbito da Administração Pública, mesmo que a sua função institucional predominante seja de realização de atos concretos com objetivo de alcance do interesse público primário, ou seja, aquele da coletividade.[...] In casu, revela-se que, no curso do processo administrativo, até o pedido de reconsideração da pena aplicada pelo Superintendente Regional do Departamento da Polícia Federal, o apelante não recebeu assessoramento de advogado para a elaboração da sua defesa. Molda-se, assim, espectro a mangrar de nulidade o processo administrativo disciplinar, ao menos sob pronto exame.Em vista do exposto, defiro a antecipação da pretensão recursal, para determinar a sustação dos efeitos do apenamento administrativo, principalmente os obstativos da progressão funcional, bem como da redução vencimental correspondente.Intime-se a União. [11]

Silvio Ximenes de Azevedo corrobora que somente poderá atuar como procurador do acusado, no processo administrativo disciplinar, advogado regularmente inscrito no Conselho Seccional da OAB [12], opinião compartilhada por Egberto Maia Luz, o qual consigna que a defesa "deve ser ampla, sagrada e deferida a quem tem competência jurídica para o seu adequado exercício." [13]

Ora, a defesa técnica é essencial para a representação dos interesses do servidor público no processo administrativo disciplinar, haja vista que o advogado, profissional do direito, tem melhores condições de desempenhar a atividade defensória de modo eficaz e amplo, abrangendo não somente a natural discussão do mérito e da inocência do acusado, mas ainda aspectos formais quanto ao rito executado, ao respeito a prazos legais para a coleta de provas, à argüição de impedimentos e suspeição de autoridades processantes e julgadoras ou de órgãos de opinamento jurídico, à contradita de testemunhas, à invocação de prazos prescricionais extintivos do direito de punir a infração disciplinar, teses em torno da individualização da pena, da proporcionalidade, de desrespeito a garantias formais de defesa ampla empenhadas ao acusado, vícios nos atos de instauração, de instrução, de comunicação e julgamento processual, como a incompetência dos agentes públicos, dentre múltiplas possibilidades de ações e reações processuais que somente o jurista tem qualificação para visualizar e opor perante a Administração Pública.

Seria um risco tremendo que o servidor público assumiria, caso fosse possível (a autodefesa ficou prejudicada pela Súmula n. 343/STJ), ao simplesmente achar que o processo administrativo disciplinar "não vai dar em nada", relegando sua defesa a meramente elaborar sucinta peça escrita em torno apenas do mérito do processo, muitas vezes sem sequer tomar o cuidado de zelar por uma participação efetiva e controle ativo e passivo quando da coleta das provas que fundamentarão o ato decisório final.

O funcionário não elaboraria um memorial de defesa, não conferiria os termos do relatório final da comissão processante, nem apresentaria petição criticando a peça, se pertinente, não procuraria ofertar suas razões perante o órgão de consultoria ou assessoramento jurídico incumbido de apreciar o feito e de se pronunciar sobre o julgamento respectivo.

Enfim, o acusado incorreria na inércia, deixando sua sorte entregue ao léu, somente despertando depois de ver a publicação do seu ato de demissão ou de cassação de sua aposentadoria, ou de imposição de outras penalidades, quando então elaborará recursos administrativos, pedidos de revisão, de reconsideração, agora sim por meio de advogado, porém amiúde de forma tardia, porque a Administração Pública possivelmente resistirá em reapreciar todo o conteúdo de centenas ou milhares de folhas dos autos de um processo disciplinar já decidido e encerrado: poderá não haver sequer elementos para se abrir um feito revisional.

De outra banda, a via judicial pode restar prejudicada por uma decisão judicial de tendência mais conservadora e retrógrada (hoje felizmente sendo superada nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais), que evite incursionar no exame dos motivos da punição disciplinar, na chamada discricionariedade administrativa, ou ainda devido à escolha de via processual inadequada à produção de novas provas (mandado de segurança), dificuldade de que as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias subam em sede de recursos constitucionais extraordinários para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, consumando-se uma injustiça em caráter peremptório, nas esferas administrativa e judicial, tudo porque o servidor julgou que não deveria confiar sua defesa, desde o início do feito administrativo, a advogado.

Inaceitável que terceiro, leigo, ainda que nomeado defensor dativo pela Administração Pública para o indiciado revel (mesmo assim deve ser advogado, não apenas bacharel em direito), assuma o exercício de atos de advocacia e represente os interesses do servidor no processo administrativo disciplinar.

O pai, irmão, esposa, amigo ou parente do acusado, leigo não inscrito regularmente na Ordem dos Advogados do Brasil, não pode funcionar como procurador constituído, nem defensor dativo, ainda que apenas ad hoc, para defender o funcionário processado, não somente pelo impedimento legal para exercer atribuições profissionais advocatícias, mas pelos inconvenientes práticos de o desforço defensório ser insatisfatoriamente manejado, sem o conhecimento técnico-jurídico essencial para a correta administração da justiça na instância administrativa.

Basta lembrar que existem julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido da anulação do processo administrativo disciplinar em caso de insuficiência da defesa, razão bastante para rechaçar a nomeação de leigo ou até mero bacharel em direito como defensor dativo.

Aliás, só o advogado tem o direito de retirar os autos da repartição pública nos prazos legais, ter vista na repartição e obter cópias das peças que entender, segundo o confirma o Superior Tribunal de Justiça. [14]

Calha referir que o Supremo Tribunal Federal empenhou ao advogado do acusado em processo administrativo disciplinar, sob pena de cerceamento à defesa, o direito de ter vista dos autos na repartição ou de retirá-los pelo prazo legal. [15] Daí que fundamental a presença do advogado no processo administrativo disciplinar.

Odete Medauar segue a mesma linha jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

"No processo disciplinar exige-se defesa técnica. Por isso, o indiciado deve constituir advogado para assisti-lo no processo; se não o fizer, a Administração é obrigada a indicar advogado dativo, sob pena de anulação do processo." [16]

Em face da súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça, portanto, exige-se defesa técnica no processo administrativo disciplinar, do quanto segue que os órgãos administrativos, por intermédio das comissões processantes nomeadas e das autoridades instauradoras e julgadoras dos feitos disciplinares, devem observar os seguintes procedimentos:

1) nomear defensor dativo eventual, servidor público com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, já no ato de instauração de processo administrativo disciplinar ou de sindicância em cujo final se pretenda impor punição ao acusado (dispensa-se a exigência no caso do procedimento sindicante investigativo, previsto no art. 145, III, da Lei nº 8.112/1990, que não finda com a aplicação de pena ao sindicado);

2) na hipótese de o servidor acusado em sindicância punitiva ou processo administrativo disciplinar, após sua citação inicial (notificação) para tomar conhecimento da abertura do feito sancionador e dele participar ativa e passivamente, no exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa em todas as etapas processuais, inclusive durante a coleta de provas, deixar de nomear advogado regularmente inscrito na OAB para patrocinar os interesses do funcionário processado, deve ser nomeado defensor dativo para intervir em todos os atos processuais e, notadamente, na fase de instrução, intimando-o, observado o prazo de 3 (três) dias úteis de antecedência, para comparecer às audiências de oitiva de testemunhas, para elaborar quesitos da prova pericial, dentre outros atos instrutórios porventura realizados;

3) mesmo que o acusado possua procurador constituído regularmente, deverá ser nomeado defensor dativo ad hoc para ato processual de coleta de provas a que o advogado e/ou o servidor processado não compareça(m), desde que tenha sido formalizada intimação regular prévia, com o prazo legal de antecedência de 3 (três) dias úteis, e, ainda assim, tenha se verificado ausência sem justa causa;

4) nomear também defensor dativo ad hoc para prosseguimento do ato processual já iniciado, na hipótese de retirada do procurador nomeado pelo acusado ou ambos, ainda na pendência do mesmo ato de coleta de provas;

5) em face, portanto, do advento da Súmula 343 do STJ, restou afastado o exclusivo exercício da defesa pelo próprio acusado, o qual, ainda que mantenha a prerrogativa de exercer o desforço defensório em todas as fases do processo administrativo disciplinar e da sindicância punitiva, deverá ter nomeado para si defensor dativo inscrito na OAB ou defensor público, inclusive durante toda a etapa de instrução processual, e não mais somente depois do término da coleta de provas, após elaborada indiciação, apenas excepcionada a hipótese de o agente público processado ser também advogado sem impedimento para atuação profissional, hipótese em que poderá atuar em causa própria, nos termos da Lei federal n. 8.906/1994.

O respeito às presentes recomendações visa a prevenir a decretação, em sede de controle interno administrativo, ou jurisdicional posterior, da nulidade dos feitos apenadores e das respectivas punições aplicadas, inclusive com a possível repercussão financeira desfavorável ao erário, por exemplo, nos casos de reintegração de servidor demitido com fulcro em processo administrativo disciplinar eivado de nulidade procedimental, por afronta ao teor da Súmula nº 343, do Superior Tribunal de Justiça.

Por isso, mister que as autoridades administrativas competentes orientem seus subordinados e as comissões especiais ou permanentes (estas se previstas em lei), de sindicância ou processo administrativo disciplinar, para observarem rigorosamente as formalidades ora recomendadas, sob pena de grave comprometimento do interesse público e possível anulação pelo controle administrativo ou judicial dos feitos.

3.3. Inviabilidade de a defesa ser exercida pelo próprio acusado

Não mais existe a prerrogativa de o próprio acusado efetivar sua defesa pessoalmente, se não for advogado, a despeito do capitulado no art. 3º, IV, Lei Federal 9.784/99, o qual, quando muito, poderá ser aplicado, quiçá, nos feitos não acusatórios, mas não incide no processo administrativo disciplinar ou na sindicância, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

De fato, apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter inicialmente sublinhado em contrário ("O princípio da ampla defesa aplica-se ao processo administrativo, mas isso não significa que o acusado deve, necessariamente, ser defendido por advogado. Ele mesmo pode elaborar sua defesa, desde que assim queira" [17]), a Corte terminou consolidando sua jurisprudência nos termos da Súmula n. 343: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

Ainda que fosse legalmente possível, o que não mais se tolera, os inconvenientes se multiplicariam na hipótese de autodefesa, haja vista que a defesa técnica pode ser decisiva para obstar o exercício da pretensão punitiva da Administração Pública quanto a questões formais, pertinentes a cerceamento de defesa, violações ao devido processo legal, aos pressupostos para demonstrar a incorreta tipificação legal da conduta, o reconhecimento dos casos de prescrição, de excludentes de ilicitude. Ademais, a participação defensória nos atos de instrução pode ficar prejudicada por motivos de comprometimento emocional do acusado, capazes de interferir na capacidade de reinquirir testemunhas e denunciante, de propor contraprovas, dentre outras razões intuitivas, as quais recomendam a confiança do mister a profissional inscrito na OAB, sobretudo os especializados na matéria disciplinar e penal.

3.4 Defensor dativo

A Lei n. 8.112/1990 enuncia que será considerado revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal (art. 164, caput). A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa (art. 164, § 1º).

Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior, ou de nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (art. 164, § 2º, Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 9.527, de 10.12.1997), necessariamente advogado com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o acusado deverá contar, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, durante a instrução do processo administrativo disciplinar, com a presença de advogado constituído ou defensor dativo [18] [19], ainda que deixe de comparecer ao ato processual depois de regularmente intimado, o que enfatiza a imperatividade de coletar todas as provas, em caso de revelia ou ausência de comparecimento do processado, por meio da designação de defensor ad hoc para o ato processual, e não somente, como costumeiro nos colegiados constituídos pela Administração Pública, para o servidor revel, depois de citado acerca do teor da indiciação, sem procurador eleito nos autos.

Acentua José Cretella Júnior:

Processo administrativo sem defesa do indiciado é nulo de pleno direito por vício de forma, porque o princípio da ampla defesa foi postergado. Por isso, a lei faculta ao funcionário defender-se, em tempo hábil, das imputações que lhe forem feitas, mas não o obriga a fazê-lo pessoalmente, tanto que, ocorrida ou pressentindo a revelia do indiciado, a autoridade administrativa, que ordenou a instauração do inquérito, determina que a defesa seja produzida ex officio, por funcionário público do quadro, designado como defensor ad hoc. [20]

3.5 Designação de defensor dativo em caso de prática de atos processuais depois da apresentação de defesa escrita pelo acusado

Conquanto a Lei n. 8.112/1990 somente preveja a designação de defensor dativo para o indiciado revel (art. 164, § 2º), nada mais afinado com a garantia de contraditório e ampla defesa que, se houver a posterior coleta de informações e provas após esse momento processual, a autoridade julgadora nomeie novamente defensor para o servidor, sob pena de possível alegação de cerceamento de atividade defensória e de falta de contraditório, como fatores determinantes da nulidade do processo administrativo disciplinar e da eventual pena imposta.

Léo da Silva Alves ensina que, se depois de apresentada defesa pelo indiciado, novos elementos probatórios são produzidos ou juntados aos autos, mas o servidor deixa de acompanhar esses atos processuais, deve ser designado defensor dativo para o acusado. [21]


4. Quem pode ser nomeado defensor dativo do servidor acusado revel?

No que concerne à nomeação de servidor, como defensor dativo do indiciado revel no processo administrativo disciplinar, conforme previsto no art. 164, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, por força dos efeitos da Súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça, merece, contudo, ponderação o fato de que se deve proceder a uma interpretação da norma legal em testilha em conformidade com a Constituição Federal de 1988, no que respeita à exigência de defesa técnica como corolário da garantia constitucional de ampla defesa e contraditório no processo administrativo disciplinar.

O efeito decorrente disso é que a nomeação de defensor dativo para o indiciado revel deverá recair em servidor que ostente a qualidade de advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, não em meros bacharéis em direito, ou menos ainda em leigos em direito, ainda que sejam funcionários de nível hierárquico igual ou superior ao acusado incurso em revelia, ou até com maior grau de escolaridade.

Mas não se endossa o entendimento de que os servidores da Administração Pública direta ou indireta das entidades federadas estariam incursos em impedimento de atuação como defensores dativos em processo administrativo disciplinar, data maxima venia.

A Lei n. 8.112/1990 capitula:

Art.164........

§ 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do indiciado.

O antigo Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei federal n. 1.711/1952), precedente à Lei n. 8.112/1990, rezava:

Art. 223. Será designado ex-officio, sempre que possível, funcionário da mesma classe e categoria para defender o indiciado revel.

O vetusto Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais (Decreto-lei n. 1.713/1939), anterior à Lei federal n. 1.711/1952, ditava:

Art. 255. No caso de revelia, será designado "ex-officio", pela autoridade, um funcionário para acompanhar o processo e se incumbir da defesa.

Nota-se, pois, que a nomeação de servidor público, para atuar como defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar, é tradicional no nosso direito, não havendo qualquer tipo de embaraço para a intervenção do funcionário como patrono designado dos desforços defensórios em proveito do indiciado incurso em revelia.

A ratio essendi da providência legal em comento radica no imperativo de efetiva intervenção da defesa no processo administrativo disciplinar, pressuposto inarredável para a validade do feito punitivo na Administração Pública.

Seria imprestável, para fins de motivar a imposição de penalidade ao servidor, processo administrativo sancionador no qual não houvesse atuação defensória em favor do acusado revel.

A interpretação atualmente escorreita do disposto no art. 164, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990, em consonância com a Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça, e com a Constituição Federal, reside no preceito de que a nomeação de defensor dativo para o indiciado revel, nos autos de processo administrativo disciplinar, deve recair em servidor com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, além de suceder desde o início do feito e ao longo de toda a fase de instrução processual, e não somente após a indiciação, como decorreria da interpretação gramatical do texto legal em alusão, salvo se, até o momento da indiciação, o funcionário processado contar com advogado como seu procurador constituído, que posteriormente abdica da atuação profissional, ou se o servidor acusado for advogado atuante em causa próprio até aquele momento.

4.1 Servidores incompatibilizados para o exercício da função de defensor dativo

Sobre os impedimentos e incompatibilidades para o exercício da advocacia, a matéria é disciplinada pelo Estatuto da OAB (Lei federal n. 8.906/1994):

Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.

Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:

I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;

II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.

Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos.

Em virtude das regras legais citadas, estão incompatibilizados e, portanto, absolutamente proibidos de exercer a advocacia, não podendo sequer serem defensores dativos designados em processo administrativo disciplinar ou sindicância, os seguintes agentes públicos distritais: I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais; Conselheiros do Tribunal de Contas; membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas; os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; os presidentes das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, Secretários de Estado, Procurador-Geral do Estado, do Distrito Federal ou Advogado-Geral da União (fora o exercício institucional); policiais civis e bombeiros e policiais militares em atividade; os ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais, como auditores e fiscais tributários e congêneres.


5. Há obrigatoriedade do desempenho da função de defensor dativo pelo servidor nomeado?

A atuação como defensor dativo do indiciado revel é múnus funcional que incide sobre os servidores e que há décadas tem sido aplicado no direito administrativo brasileiro, sem qualquer censura

à sua observância como pressuposto procedimental necessário à validade do processo disciplinar da Administração Pública.

Na verdade, o servidor público amiúde é chamado para desempenhar atribuições extraordinárias eventuais, episódicas, paralelamente ao estrito cumprimento das funções inerentes a seu cargo, como participar de conselhos administrativos, de grupos de estudo ou de trabalho, comissões de licitação, de inventário de bens patrimoniais e de consumo administrativos, de tomada de contas especial, até como membro de comissões de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, sem que nisso resida qualquer ilegalidade ou desvio de função, mas estrito cumprimento do dever legal, no sentido de que o agente administrativo deve se desincumbir das tarefas que lhe são legitimamente determinadas por seus superiores hierárquicos.

Ora, o fundamento legal de o servidor público ser obrigado a atuar como membro de comissão de processo administrativo disciplinar ou de sindicância é o preceituado expressamente no direito positivo distrital, nos termos da redação original da Lei federal n. 8.112/1990, c.c. Lei distrital n. 197/1991 (art. 5º):

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

.................................................................................................................

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de 3 (três) servidores estáveis designados pela autoridade competente, que indicará, dentre eles, o Presidente.

§ 1° A comissão terá como Secretário servidor designado pelo seu Presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.

§ 2° Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

Ora, se o Estatuto dos Servidores Públicos do Distrito Federal capitula que, na hipótese da ocorrência de irregularidades administrativas, será obrigatória a instauração imediata de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, processados por comissão composta de servidores designados pela autoridade administrativa superior competente, implicaria incontornável lesão aos princípios da legalidade, moralidade e interesse público e eficiência, se acaso o Estado não pudesse punir, quiçá demitir servidores corruptos ou transgressores, tão-somente porque os agentes públicos indicados, aos quais incumbiria atuar como integrantes de colegiado processante ou inquisitorial, simplesmente se recusassem a participar dos trabalhos apuratórios ou processuais respectivos, sob o argumento de que aquele ofício não se incluiria em suas atribuições funcionais específicas.

Segundo a hermenêutica do direito, as normas jurídicas devem ser interpretadas de forma que produzam seus efeitos esperados, que sejam eficazes.

Na hipótese, significa dizer que, ao prever que o processo disciplinar e a sindicância seriam processados por servidores indicados, a Lei n. 8.112/1990 obrigou os servidores nomeados pelo hierarca administrativo superior a exercerem o papel eventual de membros de comissão sindicante ou processante, sob pena de a norma legal tornar-se letra morta e a impunidade e o descalabro dos transgressores se perpetuarem na esfera administrativa, se porventura se entendesse que os funcionários indicados pudessem, sem justa causa, declinar do múnus funcional em referência.

Ensina a hermenêutica jurídica: "Quando a lei faculta, ou prescreve um fim, presumem-se autorizados os meios necessários para o conseguir, contanto que sejam justos e honestos". [22] Se a finalidade da lei é que as infrações disciplinares sejam apuradas – e dentro de prazos sujeitos

à prescrição do direito de punir – por servidores indicados, impende interpretar a Lei n. 8.112/1990 no sentido de que é obrigatório o desempenho do ofício especial apuratório e processante pelos servidores indicados como membros da comissão, sob pena de se fazer sucumbir o poder punitivo administrativo, pela mera desídia ou ilegítima recusa dos funcionários obrigados a agir em nome do interesse público. Calham as notas de Carlos Maximiliano: "Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés do que os reduza à inutilidade." [23]

Por igual raciocínio e pelos mesmos motivos, quando a Lei n. 8.112/1990 estipulou (art. 164, § 2º) que a autoridade administrativa superior competente deveria, para defender o indiciado revel, designar um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do indiciado, a regra legal em testilha não pode ser interpretada como disposição inócua, mas sim com o efeito inerente de obrigar o servidor, quando designado pelo seu superior hierárquico, a funcionar como defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

Há, portanto, obrigatoriedade, "ex vi legis", de o servidor público, quando nomeado pela autoridade administrativa competente, de exercer o múnus funcional de defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

É mister consignar que, ao tomar posse em cargo público de provimento efetivo, o servidor manifesta sua aquiescência com o estatuto que veicula as normas instituidoras de um regime jurídico funcional, daí a denominação de regime estatutário.

Vale dizer, o servidor público adere a um conjunto de regras legais, que disciplinam sua atuação e criam direitos e obrigações para o agente administrativo.

No regime estatutário, não há margem para manifestação de vontade do servidor público quanto à escolha das normas que disciplinarão seus direitos e obrigações. Não existe liberdade contratual ou convencional, como no regime celetista dos empregados particulares.

A única esfera da apreciação do nomeado para tomar posse em cargo público de provimento efetivo é quanto à aceitação, ou não, do cargo. Uma vez manifestada sua volição quanto à assunção do vínculo jurídico de natureza institucional com a Administração Pública, as normas disciplinadoras dos deveres do agente público decorrem, automaticamente, "ipso facto et ipso iure", do regime jurídico legal previamente em vigor, conforme disponha o estatuto geral dos servidores públicos.

Nesse sentido, é pertinente a cátedra de José dos Santos Carvalho Filho:

A posse é o ato da investidura pelo qual ficam atribuídos ao servidor as prerrogativas, os direitos e os deveres do cargo. É o ato de posse que completa a investidura, espelhando uma verdadeira conditio iuris para o exercício da função pública. É o momento em que o servidor assume o compromisso do fiel cumprimento dos deveres e atribuições [...] Com a posse, completa-se também a relação estatutária da qual fazem parte o Estado, de um lado, e o servidor, de outro. [...] Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Nesse tipo de relação jurídica mão-contratual, a conjugação de vontades que conduz à execução da função pública leva em conta outros fatores tipicamente de direito público, como o provimento do cargo, a nomeação, a posse e outros do gênero. [...] A conclusão, pois, é a de que o regime estatutário, como tem em vista regular a relação jurídica estatutária, não pode incluir normas que denunciem a existência de negócio contratual. Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. [24]

Idêntica é a lição de José Cretella Júnior:

Mediante a posse, que é o importante ato simbólico, formal e solene, que fixa o escolhido em suas funções, tornando-o funcionário, concretiza-se a aceitação, completa-se a nomeação a nomeação, perfaz-se o vínculo que liga a pessoa jurídica do Estado à pessoa física do funcionário, dando como conseqüência imediata o aparecimento, para ambas as partes, de direitos e obrigações prescritos nas leis e regulamentos vigentes. Pela posse, que é seguida usualmente do compromisso "de bem servir" e, em alguns casos, do juramento, está o funcionário apto para entrar no exercício efetivo do cargo (...). O funcionário público obrigar-se-á, por compromisso formal no ato de posse, ao desempenho de seus deveres legais. [25]

Assinale-se que, dentre os deveres decorrentes do regime estatutário regrado pela Lei n. 8.112/1990, disciplinadora da atuação dos servidores públicos distritais, encontra-se a previsão do múnus funcional estabelecido pelo art. 164, § 2º, do Estatuto: todo servidor, quando designado pela autoridade administrativa competente, deverá, obrigatoriamente, funcionar como defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

Daí que é obrigatório que o servidor, quando designado, exerça a função de defensor dativo, sob pena de deixar de observar norma legal, de descumprir ordem superior da autoridade que o designou, de terminar por manter conduta incompatível com a moralidade administrativa (a qual requer a punição dos infratores e que tem como pressuposto fundamental que os funcionários nomeados como membros de comissões disciplinares ou defensores dativos cumpram o mister funcional), de opor resistência injustificada ao andamento de processo administrativo disciplinar, incidindo em descumprimento de deveres e proibições funcionais (art. 116, III, IV, IX; art. 117, IV, todos da Lei n. 8.112/1990), sujeitando-se às punições funcionais aplicáveis, desde advertência ou suspensão de até 90 dias.


6. Caracteriza desvio de função a nomeação de servidor inscrito na OAB como defensor dativo do acusado revel?

De outra banda, não procede considerar, concessa venia, que o desempenho de múnus funcional, expressamente previsto no Estatuto dos Servidores Públicos (art. 164, § 2º, Lei n. 8.112/1990), qual seja o exercício da função de defensor dativo em processo administrativo disciplinar, possa ser considerado, paradoxalmente, desvio de função.

Se o regime legal dos servidores públicos estipula o desempenho da função de defensor dativo por qualquer integrante do funcionalismo, quando designado pela autoridade administrativa competente, consignando a disposição no bojo do regime disciplinar de direitos e deveres dos agentes públicos, não há que se falar que o funcionário designado para o mister estaria desempenhando labor impróprio, não previsto em lei, em desacordo com suas atribuições.

Trata-se de exercício de múnus funcional, expressamente estatuído para os servidores públicos distritais como dever legal, modo por que é incorreto assertar que ocorreria um ilegal desvio de função, haja vista que o previsto em lei não pode configurar uma ilegalidade, sob pena de uma "contradictio in terminis".

Por essa causa que não se pode julgar que ocorreria, supostamente, desvio de função no ato de designação de servidor para funcionar como defensor dativo em processo administrativo disciplinar, na medida em que, além das atribuições funcionais específicas do cargo em que investido, o agente público ainda se sujeita a regras gerais de atuação, a deveres de caráter geral, vinculantes de todo o funcionalismo, como a de cumprir o encargo de atuar como defensor dativo em processo administrativo disciplinar, quando designado pela autoridade competente, sem que se verifique pretenso desvio de função, mas mero cumprimento de múnus funcional legalmente instituído de forma expressa.

O desempenho de múnus funcional não implica desvio de função. Não é porque um médico foi nomeado para atuar como membro de comissão de sindicância, ou que um engenheiro foi designado como integrante de conselho de processo administrativo disciplinar, que terá sucedido desvio de função.

O cumprimento do dever funcional de colaborar com a Administração Pública para o descobrimento da verdade e para a apuração ou punição das irregularidades no serviço público, na qualidade de componente de colegiado sindicante ou processante, ou ainda como defensor dativo em processo administrativo disciplinar (para assegurar a validade formal do feito apenador), não implica qualquer desvio funcional dos agentes públicos, mas atendimento a dever legal (arts. 149, caput e §§ 1º e 2º, e 164, § 2º, Lei n. 8.112/1990).


7. Exerce advocacia contra a Administração Pública o servidor nomeado defensor dativo do acusado revel?

Não se pode reconhecer, contudo, que os agentes públicos que se sujeitam a impedimento, isto é parcial limitação de exercício da advocacia contra a própria Fazenda Pública que os remunera (art. 30, I, Estatuto da OAB), não possam funcionar como defensores dativos, nomeados em processo administrativo disciplinar desenvolvido pela Administração Pública do Distrito Federal.

A norma legal em questão, compreensivelmente, estabeleceu vedação legítima de que o servidor público, integrante da Administração Pública de certa entidade federada ou de pessoa jurídica pública ou privada da administração descentralizada, viesse a exercer a advocacia contra os interesses da Fazenda Pública que o remunera e emprega.

O direito positivo brasileiro não admite, de fato, que o agente público passe a atuar contra seu próprio empregador ou entidade a cuja estrutura administrativa se vincula.

O que não se antolha acertado, no entanto, é julgar que o fato de o servidor, nomeado por uma autoridade administrativa da Administração Pública a que se vincula para atuar como defensor dativo eventual em processo administrativo disciplinar ou sindicância, estaria supostamente agindo no sentido oposto aos interesses estatais.

Ao contrário, é do mais inequívoco interesse público que o processo administrativo disciplinar e a sindicância sejam processados de forma válida e eficaz pela Administração Pública, em face de a exigência constitucional de ampla defesa e contraditório reclamar a atuação de defesa técnica nos feitos punitivos administrativos.

Sem a atuação de defensor dativo em favor do servidor acusado revel, os processos sancionadores administrativos seriam nulos de pleno direito, não podendo atingir o fim esperado do efetivo exercício do poder disciplinar da Administração Pública.

Ao invés de colidir com os interesses estatais, a eficiente atuação de defensor dativo, como pressuposto formal de validade dos processos punitivos, é medida indispensável para o interesse público, o qual reclama a obediência da formalidade "sine qua non" para o desempenho pelo Estado do seu direito de punir os servidores infratores.

Por conseguinte, não se aplica, na hipótese, a idéia de que o servidor público estaria atuando contra, mas sim, como sucede, em favor dos interesses estatais. Como o próprio Estado, se considerasse a intervenção do defensor dativo uma atividade supostamente desconforme com os fins públicos e administrativos, tomaria a iniciativa de nomear um funcionário seu para atuar contra a Administração?

A ação originária de uma autoridade administrativa dever nomear, por força da previsão legal expressa no Estatuto dos Servidores Públicos, um funcionário de nível hierárquico igual ou superior ao acusado, como defensor dativo no processo administrativo disciplinar, não poderia jamais constituir uma atuação, contraditoriamente, em desfavor do próprio Estado.

Se a atuação do defensor dativo representasse medida agressiva do interesse público, como poderia a própria Lei n. 8.112/1990 (art. 164, § 2º), paradoxalmente, prevê-la como medida obrigatória a cargo da autoridade administrativa competente? Se não houvesse interesse público, como o próprio Estatuto dos Servidores albergaria a intervenção em comento como mister para a salvaguarda da validade formal do feito sancionador e do posterior exercício eventual do jus puniendi estatal?

Calha, demais, rememorar que a Administração Pública se sujeita ao princípio da legalidade, por cujo efeito o administrador público está obrigado a cumprir e fazer cumprir, em sua atuação, as disposições legais, como é o quanto regra o art. 164, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, a qual prevê que deve ser nomeado, como defensor dativo, um servidor da própria Administração Pública, agora com o requisito adicional de que seja inscrito na OAB e não esteja sujeito a incompatibilidade, por força da Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça.

Se o dispositivo legal está em vigor, não tendo sua constitucionalidade ou revogação em momento qualquer questionada, ao que consta, deve ser cumprido e aplicado pela Administração Pública, por força da presunção de constitucionalidade que lhe é imanente.

Outro pressuposto equivocado, data maxima venia, seria a assertiva de que haveria um antagonismo, necessariamente, entre a atuação do defensor dativo e os interesses do Estado quanto à desejada punição do servidor acusado.

O processo administrativo disciplinar não é destinado, obrigatoriamente, à punição do acusado, mas sim à realização de justiça, tanto que se prevê a hipótese de absolvição do servidor indiciado (a autoridade poderá isentar o servidor de responsabilidade: art. 168, par. único, fine, da redação original da Lei n. 8.112/1990), além de que a comissão acusadora e instrutora deve atuar com isenção, independência e imparcialidade (art. 150, caput, da Lei n. 8.112/1990).

Ora, se a própria lei prevê que o conselho instrutor e acusador deverá agir com imparcialidade e que a autoridade julgadora poderá isentar o servidor de responsabilidade, é evidente que o processo administrativo disciplinar e a sindicância têm por escopo fazer justiça no caso concreto apreciado, e não punir, de qualquer sorte, o acusado.

Desse modo, sob a ótica de um sistema acusatório, em que a autoridade julgadora não exerce função de acusar (confiada pela lei a um conselho isento e imparcial trino de servidores estáveis, insuspeitos e desimpedidos), não é certo julgar que a Administração Pública tenha outro desiderato senão de fazer justiça e aplicar corretamente a lei in concreto.

Sendo assim, se o propósito administrativo é de que se faça justiça, e não que se puna arbitrariamente o acusado, a intervenção de defensor dativo, inscrito na OAB, ainda que servidor da própria Administração Pública, concorre para o bom curso dos trabalhos processuais e para o exercício do legítimo exercício do poder disciplinar administrativo.

Destarte, o defensor dativo não advoga contra os interesses da Administração Pública, antes em favor dela, pois auxilia no sagrado encargo de fazer justiça e de boa aplicação da lei administrativa no caso concreto, além de influenciar no convencimento da autoridade julgadora sob as luzes do direito e da eqüidade, o que afasta, por completo, a subsunção do afazer do servidor nomeado como defensor dativo da hipótese do art. 30, I, da Lei federal n. 8.906/1994. Não reside, pois, impedimento parcial de atuação, na hipótese, diversamente do que alegado pelo nobre parecerista, data venia.

Se alguma autoridade administrativa, seja a que instaura ou julga o processo administrativo disciplinar ou a sindicância, revela ou manifesta à comissão processante, ou ao defensor dativo designado, uma pessoal vontade de punir o servidor de todo modo, à revelia das provas dos autos ou da boa aplicação do direito na espécie, trata-se de desvio de finalidade ou de abuso de poder, com agressão aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade da Administração Pública, conduta que macula o exercício da função administrativa e deve ser denunciada às autoridades superiores e Corregedorias, por se cuidar da mais odiosa ilegalidade, porquanto a lei é expressa em exigir imparcialidade e isenção nos feitos sancionadores estatais.

Um eventual desvio de conduta da autoridade instauradora ou julgadora, isoladamente, não justifica a conclusão de que o defensor dativo seria supostamente um estorvo para a vontade de punir estatal, pois o processo administrativo colima realizar justiça na esfera disciplinar.

Daí que o defensor dativo não postula contra a Fazenda Pública que o remunera, ao contrário, age por designação de uma autoridade da própria Administração Pública, em vista de um interesse público e administrativo de que o processo administrativo disciplinar e a sindicância sejam conduzidos sob a ótica dos princípios constitucionais e da legalidade, com a atuação de defesa técnica.


8. Independência de atuação do servidor nomeado como defensor dativo

Outro prisma analítico que igualmente merece ser mais bem elucidado consiste na idéia errônea de que o defensor dativo não disporia de imparcialidade e independência para se desincumbir da defesa, pois, supostamente, atuaria de forma contrária ao premeditado e inevitável interesse estatal de punir o acusado.

Novamente se verifica o erro da premissa inicial quanto aos fins do processo administrativo disciplinar e da sindicância, os quais se voltam para a realização da justiça e para a boa aplicação do direito na Administração Pública, e não para saciar a sede de sacrifícios ou de punições injustas de autoridades hierárquicas superiores.

Se o servidor não atua contra os interesses públicos, mas, diversamente, age em proveito do Estado, assegurando, com sua intervenção como defensor dativo, a validade formal do processo punitivo, em face da efetiva concessão de defesa ampla e contraditório no feito, não há que se falar que o funcionário defensor designado teria que lutar contra forças incoercíveis de hierarcas superiores, sequiosos da suposta inflição de castigo ao acusado, contra as quais perderia sua plenitude de atuação defensória como patrono do acusado.

Por esse motivo, não há razão para a desenhada e pretensa falta de capacidade de servidor público atuar como defensor dativo em feito sancionador, porquanto estaria, supostamente, obrigado a desafiar superiores hierárquicos, sedentos por punir o acusado.

Um bom defensor dativo não consubstancia ameaça à pretensão punitiva estatal, mas sim auxilia na melhor desenvoltura dos trabalhos processuais e na melhor aplicação do direito quando da apreciação da responsabilidade do acusado e do julgamento, apontando questões de mérito e formais relevantes, as quais deverão ser ponderadas pela Administração Pública.

Abandonou-se, no processo penal e no administrativo disciplinar, o relato Beccariano de que a punição deve ser infligida de todo modo, ainda que seja necessário arrancar a confissão do acusado por meio de torturas, nem ainda se toleram os métodos processsuais medievais das ordálias ou juízos de Deus, quando o acusado era submetido a suplícios horríveis para, se conseguisse resistir, provar sua inocência, como o ferro em brasa, sobre o qual o pretenso culpado tinha que passar com os pés descalços, sendo inocentado se não suportasse queimadura, o que era improvável e somente sucedia em caso de milagre. [26]

O objetivo dos processos sancionadores estatais não é mais martirizar o acusado, mas fazer justiça, ainda que a correta aplicação da lei envolva a imposição de penalidade disciplinar.

Por essa razão, o defensor dativo desfruta, sim, da mesma independência legal de atuação que os próprios membros das comissões de processo administrativo disciplinar ou de sindicância.


9. Requisitos subjetivos do defensor dativo

Já no que concerne aos pressupostos subjetivos do defensor dativo, é mister que disponha dos mesmos atributos dos integrantes de comissões de processo administrativo disciplinar, necessários para sua atuação com independência e imparcialidade: seja servidor estável, e não mero ocupante de cargo comissionado, de nível hierárquico igual ou superior ao acusado, além de não estar sujeito a causas de impedimento e suspeição previstas em lei.

O ordenamento jurídico se preocupou em regular as hipóteses de suspeição e impedimento no processo administrativo disciplinar. Dar-se-á a suspeição dos membros de colegiados processantes ou sindicantes ou do defensor dativo: se forem inimigos ou amigos íntimos do acusado, ou dos respectivos cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau (art. 20, Lei Geral de Processo Administrativo da União: Lei federal 9.784/99 e Lei distrital n. 2.834/2001).

O impedimento ocorrerá se os servidores que formam o conselho disciplinar ou o defensor dativo: a) tiverem interesse no assunto que deflagrou o feito apenador; b) estiverem litigando judicial ou administrativamente com o processado; c) tiverem sido os autores da denúncia da irregularidade (representantes), ou tiverem elaborado perícia na fase de sindicância ou processual sobre a matéria dos autos, além de terem sido ouvidos como testemunhas no feito sindicante ou no processo disciplinar realizado por anterior comissão; d) forem parentes consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro do servidor acusado (art. 149, § 2º, L. 8.112/90, c.c. arts. 18 a 20 e 69, da Lei federal 9.784/99 e Lei distrital n. 2.834/2001).

Os servidores que, em sindicância investigativa prévia, concluíram pelo cometimento de infração disciplinar pelo servidor investigado não podem ser novamente designados para atuar no processo administrativo disciplinar, nem como defensores dativos, porquanto já formaram convencimento pela culpabilidade do acusado, de forma que não mais atendem os pressupostos de isenção e imparcialidade (art. 150, caput, Lei 8.112/90), entendimento jurisprudencial dos Tribunais Regionais Federais da 1ª Região (AG 2005.01.00.064319-5/DF, 2ª Turma, julgamento em 17/05/2006) e da 4ª Região (REO 12072, Processo: 200004010650490/PR, 4ª Turma, decisão de 17/10/2000).

Pela mesma razão, os integrantes do conselho processante (inclusive se o defensor dativo ocupou essa condição) que elaboraram, previamente, indiciação e relatório pela punição do processado não podem ser renomeados para coleta de provas adicionais, no caso de a autoridade julgadora converter o julgamento em diligência, com a necessária designação de novo trio instrutor, haja vista que a tendência seria de antecipada manutenção da opinião já declinada conclusivamente acerca da responsabilidade do indiciado pelos componentes do colegiado anteriormente indicado, os quais, ao subscreverem essas peças acusatórias, formaram peremptoriamente seu convencimento sobre a culpabilidade do servidor.

Não poderiam, depois disso, agir com absoluta independência e liberdade para, com a reabertura da fase instrutória, reapreciar os novos elementos probatórios colhidos à luz dos já existentes e redigir nova peça de indiciação e relatório ou atuarem como defensores dativos pela eventual absolvição, porque, para isso, teriam que contrariar dezenas ou até centenas de laudas que subscreverem e motivaram, com rigor, contra o acusado, sem falar na hipótese comum de, nessa hora, já haver um natural desgaste entre o colegiado instrutor e o funcionário, decorrente dos atritos advindos de destemperos e até agressões verbais nas razões defensórias escritas apresentadas contra a peça indiciatória lavrada, o que pode levar a comissão a considerar a punição do indiciado uma "questão de honra" e um objetivo que guiará os motivos e fundamentos expressos nas peças oficiais submetidas à autoridade julgadora, o que decerto prejudica o ideal de sobriedade e isenção administrativas.


10. Conclusões

Em face das considerações desenvolvidas, impõem-se as seguintes conclusões:

a) somente pode ser designado, como defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar ou sindicância, servidor de nível hierárquico igual ou superior ao acusado ou de nível de escolaridade compatível ou maior, também inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil como advogado, vedando-se a nomeação na pessoa de leigos ou de meros bacharéis em direito;

b) o desempenho da função de defensor dativo constitui múnus funcional, de caráter obrigatório para o servidor nomeado, cuja recusa poderá implicar punição administrativa de advertência ou de suspensão de até 90 dias, sem caracterizar desvio de função;

c) não podem ser designadas como defensores dativos as pessoas incompatibilizadas para o exercício da advocacia, conforme previsto na Lei federal n. 8.906/1994, mas não se verifica o exercício de advocacia contra a Administração Pública pelo servidor designado para defender o acusado revel;

d) são exigidos do defensor dativo, que pode e deve atuar com independência e plena imparcialidade, os mesmos pressupostos subjetivos de isenção e desembaraço dos integrantes de comissões sindicantes e processantes, dentre os quais estabilidade no serviço público, ausência de suspeição e impedimento.


REFERÊNCIAS

ALVES, Léo da Silva. Processo disciplinar passo a passo. 2ª ed. rev. e atual., Brasília: Brasília Jurídica,2004.

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SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 2a. ed. rev. atual e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


Notas

  1. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Reflexões a propósito do regime disciplinar do servidor público. Revista Interesse Público. Belo Horizonte: Ano IX, 2007, nº 46, p. 24.
  2. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 319.
  3. LOBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2ª. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 30.
  4. BARBOSA, Rui. Escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar, 1966, p. 499.
  5. COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do advogado. 3ª ed., Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987, p. 15-16.
  6. Op. cit., p. 964.
  7. KAFKA, Franz. O processo. Trad. Modesto Carone. 6ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 128.
  8. LOBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2ª. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 52.
  9. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 2ª. ed. rev. atual e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 195-196
  10. AMS, Processo: 2004.72.00.018230-8/SC, decisão: 14.09.2005, 4ª Turma, DJU de 23.11.2005, p. 1000, relator o Desembargador federal amaury chaves de athayde, por unanimidade.
  11. AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA, Processo: 2006.71.00.039730-7/RS, data da Decisão: 11/09/2007, 3ª Turma, DJ de 18/09/2007, relator o desembargador federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON.
  12. AZEVEDO, Sylvio Ximenes de. Direito administrativo disciplinar: em perguntas e respostas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1988, p. 41.
  13. LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo disciplinar: teoria e prática. 4ª. ed. rev. atual. e ampl., Bauru: Edipro, 2002, p. 35-100.
  14. MS 6356/DF; DJ de 17.12.1999, p. 312, relator o Min. josé delgado, 1ª Seção.
  15. MS 22921/SP, relator o Min. carlos velloso, julgamento de 05.06.2002, Tribunal Pleno, DJ de 28.06.2002, p. 89, Ement. vol. 2075-03, p. 535.
  16. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, 11. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 309.
  17. ROMS 9076/SP; DJ de 21.02.2000, p. 189, relator o Min. fernando gonçalves, 6ª Turma.
  18. MS 7239/DF (2000/0117623-4), relatora a Ministra laurita vaz, 3ª Seção, julgamento de 24.11.2004, DJ de 13.12.2004, p. 212.
  19. MS 9201/DF, relatora a Ministra laurita vaz, 3ª Seção, julgamento de 08.09.2004, DJ de 18.10.2004, p. 186.
  20. JÚNIOR, José Cretella. Direito Administrativo: perguntas e respostas. 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 197.
  21. ALVES, Léo da Silva. Processo disciplinar passo a passo. 2ª ed. rev. e atual., Brasília: Brasília Jurídica,2004, p. 205.
  22. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 262.
  23. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 249.
  24. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev. ampl. Atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 518-519, 535.
  25. CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 407.
  26. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 275.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1769, 5 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11222. Acesso em: 18 abr. 2024.