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Súmula vinculante: teoria e prática

Súmula vinculante: teoria e prática

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1. Histórico

Em artigo recente ("A Súmula Vinculante nº. 5 e as reações que provocou", Jus Navigandi nº. 1.807, em 12/6/2008), abordei alguns aspectos desse instituto introduzido em nosso ordenamento jurídico maior, a Constituição Federal, pela dita Reforma do Judiciário, Emenda Constitucional nº. 45/2004.

Tratava-se, até onde se tem notícia, de antigo reclamo de muitos jurisconsultos de escol que, havia décadas, defendiam a existência de alguma ferramenta processual que se prestasse a tentar solucionar, ou minorar, pelo menos, certos problemas que prejudicam nosso Judiciário - inclusive, diminuindo sua credibilidade e confiança -, principalmente pela notória morosidade tantas vezes criticada.

Fundamentalmente, entendiam esses defensores que, com a possibilidade de limitar ou impedir quantos recursos nossa legislação adjetiva criou ao longo do tempo (são tantos os tipos de embargos e agravos, em todas as fases processuais, que quando uma decisão é finalmente cumprida dá-se graças e se festeja), viveríamos novos tempos, quiçá mais felizes.

Depois de muita discussão, parecia preponderante o entendimento segundo o qual as já existentes Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e demais jurisprudência das Cortes brasileiras não bastavam. Debalde tudo, questões de mesma natureza continuavam a ser analisada e decidida para, dali a pouco, serem novamente trazidas a juízo e serem mais uma vez analisadas, a exigirem novos julgamentos, ainda que com final previsível (umas poucas vezes, ocorria a "surpresa" de advir uma decisão diferente, ou contrária, em caso análogo, constituindo, assim, mudança, evolução e superação superveniente do antigo entendimento consolidado).

Isto é, o Direito abstrato e sua aplicação a um caso concreto, como já tantas vezes decidido, em matéria conhecida e com jurisprudência reiterada, harmônica e uníssona, precisava ser inúmeras vezes discutido, e cada nova postulação judicial podia chegar até às Instâncias Superiores, em processos semelhantes, que demoravam tempo e demandavam tramitação específica, individualizada, contribuindo para o congestionamento da justiça e sendo motivo de demora na manifestação judicial.

Como sabido, a decisão judicial faz coisa julgada inter partes. Indispensável, pois, repetir todas as vezes ainda que o mesmo decisum em causas iguais ou semelhantes, aquelas com causa petendi de mesma natureza e fundada no mesmo Direito, com prognóstico final previsível, mas que se prestava a procrastinar sua execução ou cumprimento.

Em outro artigo meu, "A Sobrecarga do Poder Judiciário" (Jus Navigandi, nº. 51, de outubro de 2001), eu já comentara:

"Quando uma decisão vai sendo reiterada inúmeras vezes, de maneira uniforme, mansa, pacífica, harmônica, dá origem à jurisprudência daquele tribunal que tantas vezes assim decidira. Se, em tese, qualquer decisão judicial produz efeito "inter partes", as que firmam jurisprudência podem virar Súmula e, praticamente, passam a ter efeito "erga omnes", na medida em que podem e são utilizadas de forma mais ampla ao julgar petições e recursos.

(....)

As decisões dos tribunais superiores devem ser conhecidas e levadas em conta pelos juízes das instâncias inferiores, o que não os desmerece. Ao contrário, louvável é a atitude do juiz que declara, em seus pronunciamentos nos autos submetidos a seu julgamento, entender diferente, mas curvar-se à uma decisão majoritária, predominante, de uma Corte Superior ou a Constitucional. Mesmo porque, com alto grau de probabilidade, a relutância em adotá-las vai resultar inútil: quando a questão estiver em sede de Recurso Especial e / ou Recurso Extraordinário, estes serão improvidos, alfim, prevalecendo aquele entendimento jurisprudencial que o juiz singular desconsiderara e deixara de acatar.

(....)

Sabe-se também que não existe, em nosso ordenamento jurídico, a Súmula Vinculante, e talvez, isso não fosse "a" solução. Afinal, o Direito e a Justiça precisam ser dinâmicos, evoluírem, avançarem com os tempos e acompanharem as mudanças sociais".

Por outro lado, a controvérsia em torno da interpretação de uma norma pode gerar insegurança jurídica, como lembrou o Prof. Luiz Flávio Gomes ("v", Jus Navigandi nº. 1.296, de janeiro de 2007).

No Brasil, as súmulas surgiram no início dos anos 60 do século XX, principalmente graças ao importante papel então desempenhado pelo Ministro Vitor Nunes Leal, do STF, como fez questão de registrar o Ministro Sepúlveda Pertence, na Sessão do Pleno daquela Corte, em 2003, ao ter início a discussão que levou à aprovação de mais de 100 novas súmulas, após vários anos sem nada sumular.

As primeiras 370 súmulas "da Jurisprudência Predominante" no Supremo Tribunal Federal haviam sido aprovadas na Sessão Plenária de 13 de dezembro de 1963. Depois daquele primeiro conjunto, ao longo do tempo, outro tanto de súmulas também veio à lume, somando hoje cerca de 740 as súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Via-se, portanto, que a adoção de súmulas era algo comedido, maturado, decorrente de uma reflexão demorada, o que fazia e faz com que sejam acatadas e, mais importante, duradouras. Mesmo porque uma Corte de Justiça é sempre tão mais respeitada quanto mais pareça coerente e repetitiva sua Jurisprudência, mormente para dar a seus jurisdicionados a segurança jurídica com que esperem e devam contar.


2. Direito Comum e Direito Positivo

A jurisprudência dos países que adotam a Common Law é constituída dos casos julgados, por não prevalecer neles o Direito Positivo. Apesar de termos como fundamento de nosso ordenamento jurídico o Direito Positivo, a adoção de súmulas tem, visivelmente, uma conotação similar à do Direito Comum, ou sofre sua influência

Franco Montoro ("Introdução à ciência do direito", Editora Revista dos Tribunais, São Paulo) doutrinava que:

"A jurisprudência firma-se e se impõe de forma semelhante ao costume: pela sua repetição longa, diuturna, uniforme e constante, e pela opinio juris et necessitatis.

(....)

No tocante à jurisprudência propriamente dita, isto é, aos julgados uniformes dos tribunais, é incontestável que, de fato, eles atuam como norma aplicável aos demais casos, enquanto não houver nova lei ou modificação da jurisprudência"

(.....)

O reconhecimento da validade e importância normativa da jurisprudência pode ser demonstrada pela criação da "Súmula da Jurisprudência Predominante", do Supremo Tribunal Federal"

(....)

A "Súmula" tem relevantes efeitos processuais no acolhimento de determinados recursos, especificados no Regimento Interno no Supremo Tribunal Federal. Sua finalidade é, não só, proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho do advogado e do tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes".

Tércio Sampaio Ferraz Jr. ("Introdução ao estudo do direito", Editora Atlas, São Paulo), também faz referência à correlação entre costume e jurisprudência::

"O sistema romanístico, assim, em oposição ao anglo-saxônico, se caracteriza, em primeiro lugar, pela não vinculação dos juízes inferiores aos tribunais superiores em termos de decisões; segundo, cada juiz não se vincula às decisões dos demais juízes de mesma hierarquia, podendo decidir casos semelhantes de modo diferente; terceiro, o juiz e o tribunal não se vinculam sequer às próprias decisões, podendo mudar de orientação mesmo diante de casos semelhantes; em suma, vige o princípio (regra estrutural do sistema) da independência da magistratura judicial: o juiz deve julgar segundo a lei e conforme sua consciência.

(......)

Apesar disso, é inegável o papel da jurisprudência romanística na constituição do direito. Se é verdade que o respeito à lei e a proibição da decisão contra legem constituem regras estruturais fortes do sistema, não se pode desconhecer, de um lado, a formação de interpretações uniforme se constantes que, se não inovam a lei, dão-lhe um sentido geral de orientação; é a chamada jurisprudência pacífica dos tribunais que não obriga, mas de fato acaba por prevalecer. (.......). Este costume (.....) resulta de um uso jurisprudencial, isto é, decisões judiciais que se repetem e se mantêm para casos semelhantes; em segundo lugar, sua convicção da necessidade não se relaciona diretamente aos endereçados das normas, mas aos juízes que emanam as decisões.

Mais recentemente, porém, tem-se assistido ao aparecimento de fenômenos novos, como é o caso da uniformização da jurisprudência por força da própria lei processual e das súmulas dos tribunais superiores. (......) possibilidade de uma uniformização da jurisprudência com base em procedimentos legais, o que, dentro do sistema romanístico, pode conferir-lhe uma força especial de orientação interpretativa. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal que também não vinculam os tribunais inferiores e representam assentos de jurisprudência que têm também uma força de fato na interpretação do direito, foram uma criação regimental com o objetivo prático de dispensar, nos arrazoados, a referência a outros julgados no mesmo sentido, permitindo ao ministro-relator do processo arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso quando contrariarem a orientação predominante no tribunal. Em ambos os casos, porém, não chegamos a ter precedentes no sentido do sistema anglo-saxônico" (o livro é de 1993, isto é, muito anterior à adoção, em nosso texto constitucional das súmulas vinculantes).

Sérgio Bermudes ("Introdução ao processo civil", Editora Forense, Rio de Janeiro) era um de nossos conhecidos doutrinadores que, a meu sentir, gostariam de ver súmulas vinculantes no Brasil:

"Ao contrário do que ocorre em alguns países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, no Brasil a jurisprudência não tem força obrigatória, isto é, a interpretação dada a uma lei por um tribunal, mesmo o Supremo Tribunal Federal, não se impõe a outros tribunais ou juízes, que podem acompanhar o que já se decidiu, ou adotar entendimento diferente. A jurisprudência, neste país, orienta e persuade, mas não vincula porque, ao aplicar a lei, o juiz não queda submisso à interpretação que lhe hajam dado os tribunais. Tem liberdade de decidir como lhe parecer adequado".

E o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, atual Presidente do STF, quando ainda não integrava a Corte Constitucional brasileira, teve um artigo seu divulgado por Jus Navigandi, em julho de 2000 ("O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas", Jus Navigandi nº. 43), em que disse:

"- I - O efeito vinculante não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. A Emenda Constitucional nº 7, de 1977, previa que "a partir da data da publicação da ementa do acórdão no Diário Oficial da União, a interpretação nele fixada terá força vinculante, implicando sua não-observância negativa de vigência do texto interpretado." O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao disciplinar a representação interpretativa, no seu art. 187, estabelecia que "a partir da publicação do acórdão, por suas conclusões e ementa, no Diário de Justiça da União, a interpretação nele fixada terá força vinculante para todos os efeitos." Mais recentemente, com a Emenda Constitucional nº 3/93, o próprio texto constitucional estabeleceu que as decisões proferidas em Ação declaratória de constitucionalidade seriam dotadas de efeito vinculante (art. 102, § 2º da CF/88).

"- II - No estudo dos elementos do efeito vinculante, emerge a discussão acerca dos limites objetivos e subjetivos deste instituto. A melhor doutrina defende que o efeito vinculante transcende a parte dispositiva da decisão. Assim, os princípios extraídos da parte dispositiva quanto e dos fundamentos determinantes da decisão vinculam todos os tribunais e autoridades administrativas nos casos futuros".


3. Nossas Súmulas Vinculantes

A Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, inseriu um novo artigo na Constituição Federal com este teor:

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso",

Sua regulamentação veio com a Lei nº. 11.417/2006, "disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal" e que entrou em vigor somente três meses após sua publicação no Diário Oficial da União de 20 de dezembro de 2006.

Dentre seus artigos, citada Regulamentação estabelece:

"Art. 2º  O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

§ 1º  O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

§ 2º  O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante.

§ 3º  A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.

(....)

Art. 3º  São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;

VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

§ 1º  O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

§ 2º  No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 4º  A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Art. 5º  Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

Art. 6º  A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.

Art. 7º  Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

§ 1º  Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

§ 2º  Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

Art. 8º  O art. 56 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

"Art. 56.. ...........................

........................................

§ 3º  Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso."

Art. 9º  A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B:

"Art. 64-A.  Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso."

"Art. 64-B.  Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal."

Art. 10.  O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal".


4. As Súmulas Vinculantes e as primeiras reações

Idealmente, para seus defensores, partindo do pressuposto de ser a súmula o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante de determinado tribunal, aquelas adotadas como vinculantes, como apontado anteriormente, seriam as a serem seguidas rigorosamente, conforme estabelecido no texto constitucional e na lei que regulamentou sua aprovação.

Ou seja, somente seriam "vinculantes" as súmulas aprovadas observando as disposições constitucionais e legais seguintes:

a)após reiteradas decisões;

b)sobre matéria constitucional;

c)aprovada por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal;

d)tendo por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

Essa a "teoria", quando posta em prática, quase sempre se mostra diferente.

Não se deve olvidar que o efeito vinculante dessas súmulas não se restringe somente aos demais órgãos do Poder Judiciário, mas também se aplica em relação à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

As três primeira Súmulas Vinculantes foram discutidas e aprovadas em 30 de maio de 2007, e todo o teor dessas discussões foi publicado no Diário Oficial da União de 13 de agosto de 2007, p. 18 a 23, sendo interessante conhecer os debates havidos naquela sessão de aprovação.

Constata-se, por exemplo, que apenas uma delas foi aprovadas unanimemente. Em duas das três, o Ministro Marco Aurélio divergiu.

As súmulas (as antigas, sem efeito vinculante) vinham desempenhado importante papel na aplicação da Justiça em nosso país, pois, desde 1963. A filosofia do Direito Romano por nós adotada, recebeu forte influências do Direito Francês, do Direito Alemão e do de outros países onde vigora o chamado direito anglo-saxônico. Isso não é de hoje, e quem acompanha os julgamentos do STF pela TV Justiça há de notar o que se traz de Direito estrangeiro e de Direito Comparado na fundamentação de cada Voto.

Contudo, não deve ter causado surpresa que surgissem manifestações contrárias à adoção das Súmulas Vinculantes, muitas dessas manifestações anteriormente, mesmo, à inclusão delas no nosso texto constitucional

Algumas podem ser meros estudos acadêmicos, ou destinadas a suscitar discussão ou provocar polêmica; outras, expressando ou repisando posições de quem sempre fora contrário à uniformização da jurisprudência. Não falta quem as considere não passarem de instrumento a serviço do arbítrio do poder executivo, se destinarem ou terem como inevitável conseqüência um grande prejuízo, com o envelhecimento e congelamento do Judiciário e a limitação do poder de juízes e tribunais decidirem conforme suas convicções.

Como eu escrevi no artigo de 12/6/2008 citado de início,

"Outros doutrinadores e magistrados entendem que é uma "ceifa" à liberdade de o juiz julgar conforme sua consciência, seu saber jurídico; que esclerosa a Justiça e manieta os juizes das instâncias inferiores; limita a ação da base da magistratura e vai contra a independência do magistrado, além de promover o engessamento da jurisprudência; viola a independência jurídica do juiz; robotiza as decisões dos nossos magistrados de 1º Grau; (....)".

Sustentam esse opositores mais ferrenhos às Súmulas Vinculantes que, uma vez sumulada, a matéria dispensa a presença do magistrado para decidir a causa, restabelecendo, quem sabe, a Lei das XII Tábuas (Leges duodecim tabularium ou Lex decemviralis) do antiquíssimo Direito Romano, que Jayme de Altavila ("Origem dos direitos e dos povos", Ícone editora, São Paulo) afirma ter sido o código "mais sucinto, mais autoritário e mais sincero" que já existiu.

Caso esteja de acordo com o disposto em Súmula Vinculante, o juízo a que a causa foi distribuída não tem alternativa à simples aplicação do conteúdo sumulado, sob pena de ver sua decisão impugnada por via de reclamação constitucional, feita diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

Tudo fazia crer que a adoção de Súmulas Vinculantes teria relevante papel apenas para evitar que matérias já reiteradamente decididas voltassem a dar origem a recursos a todas as instâncias judiciais.

Se as 740 súmulas do STF levaram 40 anos para serem aprovadas, a prática que estamos observando é que a atual composição da Supremo vem se valendo do permissivo constitucional para tentar "cortar o mal pela raiz", sumulando de forma vinculante a maioria de suas decisões. Em menos de dois meses, do final de abril até o começa de junho, foram aprovadas mais sete ou oito (quando este artigo estiver publicado, possivelmente, outras terão sido aprovadas).

O Conselho Federal da OAB já resolveu questionar uma delas, a de nº. 5 (coincidentemente, o tema de meu artigo anterior). Ministros há que parecem estar se sentindo desconfortáveis com o arroubo verificado em propor nova Súmula Vinculante a cada processo ou grupo de processos julgado. Na assentada de 18 de junho último, a Ministra Cármen Lúcia valeu-se de um regozijo incontido de minutos antes, ao votar, do Ministro Carlos Britto ("essa decisão é inédita"), para repetir atitude antes assumida por outros pares, e indagar se estaria mesmo sendo observada a exigência constitucional de "reiteradas decisões", ou se isso poderia ser entendido ao se julgar de uma só vez cinco, dez ou mil processos da pauta temática.

Uma dessas novas Súmulas Vinculantes, a de nº. 7, foi por transformação de uma das antigas, não vinculantes, de nº. 648 da própria Corte. Mesmo quanto a essa transformação, deve-se consignar a reiterada posição que vem adotando o Ministro Marco Aurélio, vencido todas as vezes no ponto, ao questionar, como regra, que "deva ser observado, na proposta de súmula vinculante, um procedimento mínimo, abrindo-se um processo administrativo para apreciação do verbete quanto à matéria e ouvindo-se a Comissão de Jurisprudência da Corte", como se pode ler no Informativo do STF nº. 510.

O Supremo Tribunal Federal, se não moderar esse ímpeto vinculante, pode desmerecer, involuntariamente, aquele instituto, ou torná-lo menos respeitado, enfraquecendo e desvalorizando as boas intenções e os anseios dos que propugnaram por seu advento. O Poder Executivo, ao abusar das Medidas Provisórias, claramente (e o próprio Egrégio STF já o declarou em entusiástico Voto do Ministro Celso de Mello), banalizou uma medida que fora imaginada para ser usada "em caso de relevância e urgência" (CF/88, art. 62).

Seria o caso de se indagar: por que não dar efeito vinculante a todas as 740 súmulas do STF? O desgaste e a crítica tenderiam a ser menores, porquanto se tem um consenso de que elas resultaram da amadurecida e demorada reflexão, em numerosos casos julgados, como se depreende da leitura do texto constitucional que as introduziu em nossa legislação. Da forma como está sendo feito, parece que são casuísticas e açodadas, tal como me pareciam ser as primeiras criticas às Súmulas Vinculantes.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Súmula vinculante: teoria e prática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1819, 24 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11425. Acesso em: 19 abr. 2024.