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Participação do Ministério Público em investigações preliminares ao processo penal

Participação do Ministério Público em investigações preliminares ao processo penal

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O presente trabalho visa analisar a possibilidade ou não da participação do Promotor de Justiça nas investigações criminais que antecedem ao processo penal.

Resumo:

O presente trabalho visa traçar linhas substanciais que possibilitem averiguar a possibilidade de o membro do Ministério Público proceder com investigações preliminares à ação penal, baseando-se, para tanto, nas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria. Após feita a devida verificação, buscar-se-á a análise de outros meios probatórios que não o inquérito policial.

Palavras-Chave: Ministério Público. Diligências Criminais. Posição Doutrinária e Jurisprudencial

INTRODUÇÃO

O Inquérito Policial é um procedimento administrativo que, em sua definição clássica, é presidido pela autoridade policial competente (Delegado de Polícia), visando fornecer ao titular da Ação Penal (Ministério Público ou particular), informações de provas de existência, bem como indícios suficientes de autoria de uma infração penal.

Todavia, a doutrina e jurisprudência moderna vêm debatendo sobre a possibilidade de membros do Ministério Público conduzirem e produzirem diligências criminais.

Nos tempos atuais, o estudo de referido tema aborda assuntos complexos, não se limitando apenas a um debate linear sobre as opiniões doutrinárias e jurisprudenciais. Não mais se aborda o sentido estrito de inquérito policial, mas também todo e qualquer procedimento que sirva como fornecedor de informações substanciais para a instauração de uma ação penal, seja ela pública ou privada.

Para a devida análise, será verificado o conceito trazido de Ministério Público pela Constituição Federal, suas funções e atribuições. Assim, partindo da análise obtida pela Carta Magna, pode-se chegar às primeiras conclusões sobre a possibilidade de respectivo órgão instaurar e presidir investigações prévias à ação penal.

Após, será verificado o conceito de Ministério Público trazido pela Constituição Federal, suas funções e atribuições. Assim, partindo da análise obtida pela Carta Magna, pode-se chegar às primeiras conclusões sobre a possibilidade de respectivo órgão instaurar e presidir investigações prévias à ação penal.

Para fundamentar as informações obtidas torna-se de extrema relevância a abordagem jurisprudencial e doutrinária acerca do tema a ser debatido, buscando posicionamentos favoráveis e desfavoráveis ao mesmo, tanto no campo doutrinário quanto nas decisões dos Tribunais, principalmente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Deve entender, todavia, que a Constituição Federal acabou por permitir uma interpretação mais ampla acerca da matéria, ao prever que cabe ao Ministério Público a instauração exclusiva de inquérito civil. Será tema de relevância abordagem no presente estudo se esta peça investigatória do Ministério Público serve para fundamentar uma ação de cunho penal.

Sendo assim, o presente trabalho visa analisar a possibilidade ou não da participação do Promotor de Justiça nas investigações criminais que antecedem ao processo penal. Para isso, buscar-se-á a análise, tanto da posição doutrinária, quanto jurisprudencial acerca da matéria a ser abordada, bem como os campos de abrangência que partem do tema mencionado. Portanto, baseando nos dados acima coletados, buscar-se-á definir se há ou não pensamento dominante sobre o assunto.


1. INQUÉRITO POLICIAL: CONCEITOS PRELIMINARES

O jus puniendi (direito de punir) surge para o Estado a partir da prática de uma infração penal; todavia, o mesmo só será concretizado a partir da instauração de um processo. Entretanto, para a que a ação penal possua o devido embasamento, torna-se necessário um conjunto de elementos probatórios que indiquem indícios suficientes de autoria de uma infração, bem como provas da materialidade do mesmo.

É a partir desta necessidade probatória para se propor uma ação que surge uma das principais peças investigatórias: o Inquérito Policial.

Trata-se de procedimento administrativo, presidido por uma autoridade competente, podendo ser acompanhado pelo Ministério Público, que visa a captação de provas da existência de uma infração penal, bem como indícios da autoria, que servirão como base para o titular da ação penal (Ministério Público ou particular) oferecer a Denúncia ou a Queixa-Crime.

Como o próprio nome diz, o Inquérito Policial é inquisitorial, não possuindo o suspeito o direito ao contraditório, pois não há de se falar ainda em acusado. Trata-se de peça administrativa não obrigatória, pois há outros meios hábeis de se levar ao titular da ação penal elementos suficientes para que a mesma seja proposta.

O ilustre processualista Júlio Fabbrini Mirabete assim define a função do inquérito policial:

"Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do auto de prisão em flagrante, bem como outros)". (MIRABETE, 2000, p. 77)

Nas palavras do ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 2007, p. 62): "Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a pratica de uma infração penal e sua autoria".

1.1.– Instauração do inquérito policial

A forma de instauração do inquérito policial dependerá do tipo de Ação Penal a ser movida.

Nos casos de Ação Penal Pública Incondicionada, o inquérito policial poderá ser iniciado:

a)De ofício (a autoridade policial toma conhecimento da infração por meios próprios);

b)Mediante Requisição da autoridade Judicial ou do Ministério Público;

c)Requerimento da vítima ou do representante legal;

d)Prisão em flagrante;

e)Noticia formulada por qualquer um do povo

Já nos casos de Ação Penal Pública Condicionada e Ação Penal Privada, não se admite a instauração de inquérito policial de ofício ou por noticio formulada por qualquer um do povo (os demais casos são os mesmos previstos na Ação Penal Pública Incondicionada).

1.2.– Prazo para a conclusão do inquérito policial

A regra para a conclusão do inquérito policial está prevista no art. 10 do Código de Processo Penal:

Art. 10: O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

O disposto no referido artigo dispõe do prazo para conclusão do inquérito policial na justiça comum. Em alguns procedimentos, o prazo será diferente:

a)Justiça Federal: o art. 66 da lei 5010/66 dispõe que o prazo para conclusão do inquérito policial será de 15 (quinze) dias, prorrogáveis pelo mesmo período, se o indiciado estiver preso. Caso esteja solto, o prazo será o do Código de Processo Penal;

b)Lei de Drogas (lei 11343/06): Se o indiciado estiver preso, o prazo para conclusão do inquérito policial será de 30 (trinta) dias, prorrogáveis pelo mesmo período. Já se o indiciado estiver solto, o prazo será de 90 (noventa) dias, prorrogáveis pelo mesmo número de dias.

1.3.- Conclusão do Inquérito Policial

De acordo com o art. 10, § 1.º do Código de Processo Penal, o delegado fará minucioso relatório do que tiver sido apurado, remetendo os autos para a autoridade judicial competente.

A autoridade policial não poderá requerer o arquivamento do inquérito policial, cabendo a mesma ser feita pelo membro do Ministério Público. O arquivamento se dará pelas seguintes razões:

a)Atipicidade do fato;

b)Descriminante evidente (causas de exclusão da ilicitude);

c)Dirimentes comprovadas (causas de exclusão da culpabilidade);

d)Extinção da punibilidade

e)Ausência de Justa Causa (sem indícios de autoria ou sem prova da materialidade);

O inquérito só poderá ser desarquivado sob a luz de novas provas (produzem alteração no panorama probatório do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito policial). Deve ser esta prova substancialmente inovadora, e não apenas formalmente nova.

No caso do juiz não concordar com o arquivamento do inquérito, aplica-se o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal: remetem-se os autos ao procurador-geral para que este arquive; proponha pessoalmente a Ação Penal ou designe outro Ministério Público para oferecê-la.

No caso da Justiça Federal, em caso de o juiz não concordar com o pedido de arquivamento, remete-se o inquérito para a Câmara de Revisão, que emitirá um parecer, sendo encaminhada em seguinte ao Procurador Geral da República (o parecer da Câmara não vincula o Procurador).

1.4.– O inquérito policial com o advento da lei 11690/08.

Com o advento da Lei n.º 11690/08, o art. 155 do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redação:

Art. 155: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

§ Único: Somente quando ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil (NR).

Sendo assim, a decisão judicial não poderá basear-se apenas nos elementos contidos no inquérito policial, ressalvadas as três situações expressar no referido dispositivo (provas cautelares, não repetíveis e antecipadas).

Provas cautelares são aquelas em que existe um risco de desaparecimento em razão do transcurso do tempo, possuindo contraditório diferido. O juiz submete o contraditório na fase judicial. Pode-se citar como exemplo de prova cautelar: escuta telefônica e exame de corpo de delito.

Provas não repetíveis (irrepetíveis) são aquelas que não podem ser novamente produzidas no curso do processo, não admitindo sequer o contraditório diferido..

Por fim, as provas antecipadas são aquelas produzidas com observância do contraditório real, perante autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno, inclusive antes do início do processo, em razão de urgência e relevância.

O inquérito policial, portanto, possui relevante valor probatório, sendo de suma importância para fundamentar uma ação penal e uma sentença. O juiz só não pode julgar, em regra, exclusivamente baseado em um inquérito, mas nada o impede de utiliza-lo para auxiliar na formação de sua convicção.


2. O MINISTÉRIO PÚBLICO – PREVISÃO CONSTITUCIONAL

A definição do que venha a ser o Ministério Público, bem como suas funções, estão dispostos no art. 127 da Constituição Federal:

Art. 127: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Trata-se de órgão de natureza administrativa, cujas funções institucionais encontram-se previstas na Constituição Federal, não estando vinculado a nenhum dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). De acordo com José Emmanuel Burle Filho:

"Ante o exposto, pode-se concluir que o Ministério Público faz parte do Poder Estatal que, como se viu, é UNO, sem contudo, integrar ou ligar-se a qualquer um dos três Poderes Públicos, dada a posição adotada pela Constituição de 1988, que o alçou de vez e em última instância, com função independente...". (Apud MIRABETE, 2000 p. 329)

No tocante ao âmbito penal, cabe ao Ministério Público a titularidade privativa da ação penal pública. Pode-se chegar a esta conclusão por meio da nova redação do art. 257 do Código de Processo Penal, com o advento da Lê 11719/08:

Art. 257: Ao Ministério Público cabe:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e

II – fiscalizar a execução da lei (NR)

Desta nova redação do art. 257 do Código Penal, pode-se verificar que o Ministério Público também possui a função de atuar como fiscal da lei. Como bem dispõe o processualista Rogério Sanches:

"Ao lado da função de parte no processo penal, como titular da ação penal pública, o Ministério Público, por vezes, atua como custos legis, ou seja, como fiscal da correta aplicação da lei. Essa incumbência vem expressa no inc.II, do art. 257, do CPP. Isso ocorre na ação penal exclusivamente privada, na qual, embora não sendo parte, é obrigatória a atuação do parquet". (SANCHES, 2008, p.113)

Portanto, como bem disposto na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a função do Ministério Público é a de se promover a ação penal pública, bem como a de fiscalizar a lei nos casos de ações penais privadas.

Todavia, não é dos dias de hoje que se discute a possibilidade ou não do Ministério Público possuir mais uma função: a de instaurar procedimentos preliminares para buscar indícios de infração penal hábeis para servir de base para uma futura ação penal.

O que se discutirá deste ponto em diante do trabalho é sobre a possibilidade de os ilustres Parquet investigarem por conta infrações penais (tarefas estas, como visto, concedidas pela Constituição Federal às autoridades da Polícia Judiciária).


3. A PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS PRÉ-PROCESSUAIS

Como regra, a Constituição Federal estipulou, em seu art. 144, a competência para a apuração e investigação de infrações penais: no âmbito federal, a polícia federal (§1.º) e no âmbito estadual, a polícia civil (§4.º), foram as incumbidas de exercerem a função de polícia judiciária.

Portanto, a estes órgãos a Carta Magna conferiu poderes investigatórios, para a devida apuração da prova da existência da materialidade do crime, bem como indícios suficientes de autoria; ambos de suma importância para fundamentar uma denúncia ou queixa.

Já ao Ministério Público, além da titularidade exclusiva da ação penal pública e a tarefa de fiscalizar a lei nas ações de cunho privadas, o art. 129, o inciso VII da Constituição Federal traz a seguinte função no caso de atuação pré-processual:

Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público:

...

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

Portanto, cabe aos ilustres Parquet o controle da atividade policial. O ilustre doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete assim dispõe sobre este controle:

"Por estas deverá ser regulada a fiscalização da polícia judiciária, não em todas as suas atividades, pois não se permite pelos dispositivos citados poderes gerais de tutela nem ascendência hierárquica ou disciplinar do Ministério Público sobre as polícias civil ou militar, mas para se prever mecanismos de controle in genere no sentido de assegurar a colheita de elementos seguros, de forma lícita, para a instauração do devido processo legal. Esse controle externo deve se orientar no sentido de se verificar se estão sendo corretamente apurados os fatos materiais e empregados os métodos legais para a sua completa elucidação". (MIRABETE, 2000, p. 75)

Entretanto, seria tarefa do Ministério Público apenas a de fiscalizar a atuação das atividades policiais? Ou teria ela autonomia para proceder por conta própria a investigações criminais, procedendo desde já com as investigações criminais e, subsequentemente, promovendo a ação penal pública?

É longe de ser pacífica, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, a abordagem sobre a possibilidade ou não de membros do Parquet participarem ativamente das investigações criminais, produzindo provas e conduzindo o andamento do Inquérito.

A doutrina e a jurisprudência nacional encontram-se divididas entre aqueles que são favoráveis a instauração do inquérito por parte do MP e aqueles que entendem não ser esta função de competência do respectivo órgão.

3.1. - Corrente favorável à instauração de inquéritos por parte do Ministério Público

Há forte corrente dentro do Ministério Público que afirma ser a atividade investigativa correlata da própria classe, baseando-se que a própria Constituição Federal não faz qualquer vedação à investigação criminal por parte de Promotores. Ao contrário, a Carta Magna até menciona que aos membros do Parquet são garantidas as realizações de certas diligências investigatórias.

Sendo assim, partindo de uma interpretação não restritiva ao art. 144 da Constituição Federal, caberia então aos membros do Ministério Público além de promover a fiscalização da atividade policial, a própria instauração de inquéritos para verificar indícios de existência de uma infração penal.

3.1.1.– Doutrina Correspondente

No campo doutrinário atual, são várias as vozes que se mostram favoráveis à possibilidade de investigação por parte de membro do Ministério Público. Dentre estes, podemos citar o ilustre processualista Júlio Fabbrini Mirabete que assim se pronunciou sobre referido tema:

"Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4.º, do CPP). Não ficou estabelecida na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais. É, aliás, de sua atribuição, "acompanhar atos investigatórios junto a organismos policiais ou administrativos, quando assim considerarem conveniente à apuração de infrações penais, ou se designados pelo Procurador-Geral" e "assumir a direção de inquéritos policiais, quando designados pelo Procurador-Geral" onde não haja Delegado de Polícia de Carreira (art. 15, incs. III e V, da Lei Complementar n.º 40, de 14-12-1981 LONMP). Pode, inclusive, intervir no inquérito policial em face da demora em sua conclusão e pedidos reiterados de dilação de prazos, pois o Parquet goza de poderes investigatórios e de auxílio à autoridade policial" (MIRABETE, 2000, p. 75).

Sendo assim, para Mirabete, compete ao Ministério Público a possibilidade de proceder à investigações e diligências, inclusive de maneira suplementar, em decorrência do excesso de prazo pelo Delegado para a conclusão do inquérito policial.

Compactua dos mesmos ensinamentos de Mirabete o ilustre doutrinador Carlos Frederico Coelho Nogueira, que assim dispõe sobre o tema:

"A polêmica existente, aliás, não tem, em nossa opinião, razão de ser, porque se é dado a órgãos ou entidades não ligados à persecução penal, como as CPIs, as repartições fiscais, as comissões processantes dos órgãos públicos em geral, o Congresso Nacional, o STF, etc., apurar fatos que podem configurar infrações penais, não tem o mesmo sentido pretender coarctar a atuação do exclusivo titular da ação penal pública (art. 129, I, da CF) ou manietá-lo a ponto de inibir sua atuação investigatória" (Apud NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2007, p. 72)

Há, ainda, opiniões radicais sobre esta possibilidade, imputando certos posicionamentos que não são inerentes à atividade da polícia judiciária. Dentre estes, podemos citar Rafael Monteiro Costa, especialista em direito processual penal pela ULBRA de Canoras, Rio Grande do Sul:

"Sendo o MP o titular da ação penal pública, é lógico que deveria ter o total controle da investigação preliminar que está a seu serviço, eis que a sua principal finalidade é a busca de elementos para que o órgão de acusação possa exercer, ou não, a propositura da ação penal. Deixar a cargo da Polícia Judiaria a condução do IP, bem como lhe atribuir exclusividade na investigação preliminar, confere demasiado poder a um órgão administrativo, com conhecidos históricos de abusos na condução dos inquéritos, sem levar em conta, a pecha de instituição corrupta" (COSTA, 2006, p.1).

Deve-se salientar, todavia, não ser esta última a voz majoritária sobre o tema: a maioria esmagadora dos que apóiam a participação do Ministério Público durante as investigações e diligências pré-processuais reconhecem a suma importância que a polícia judiciária detém para a solução dos casos. São os órgãos policiais que possuem as melhores condições para a apuração de atos infracionais, mesmo que, para tanto, sejam presididos, em seus atos, pelos membros do ilustre Parquet.

3.1.2.– Jurisprudência Relacionada

No tocante ao posicionamento favorável a instauração de inquérito por parte do Ministério Público, pode-se encontrar algumas jurisprudências relacionadas ao tema.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já vem mostrando o seu posicionamento favorável a instauração de inquérito por parte do MP. Em um julgado recente, assim se manifestou sobre o tema:

"Enquanto o membro do Ministério Público estiver diligenciando no estrito âmbito das suas atribuições, que inclui a instauração do procedimento investigatório para a reunião de elementos suficientes ao desenvolvimento da atividade persecutória que lhe é cabível, é impossível cogitar-se de constrangimento ilegal, porque ao reverso, tolhe-lhe o exercício da atividade que a lei acomete e de cuja implementação não pode se omitir. Se excesso ocorrer no desempenho de tal função, o Parquet ficará exposto à responsabilização administrativa" (TJSP – HC 436557-3/7, Bananal, 4.ª C, rel. Bittencourt Rodrigues – 04.11.2003, v.u., JUBI 93/04).

Já o Superior Tribunal de Justiça, em seus julgados, também já se mostrou favorável à referido assunto. Em decisão datada de 2001, assim se pronunciou, duas vezes, sobre o assunto:

1. "Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de peça acusatória. (...) A acusação do órgão ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação" (STJ – RHC 8106/DF – Ministro Relator Gilson Dipp – 03.04.2001 – 5.ª Turma).

2. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FATOS TÍPICOS. HABEAS-CORPUS. INQUÉRITO INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA.

- Constando da denúncia a adequada descrição de fatos que, em tese, consubstanciam crimes, não procede a alegação de inépcia, já que observados os requisitos próprios, inscritos no art. 41, do Código de Processo Penal.

- O habeas-corpus, instrumento processual de assento constitucional destinado a assegurar o direito de locomoção, não se presta para a realização de longa incursão sobre fatos em exame no curso de ação penal, nem para a obtenção de absolvição sumária.

- O Ministério Público, como órgão de defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis (CF, art. 127), tem competência para instaurar inquérito policial para investigar a prática de atos abusivos, susceptíveis de causar lesão a tais interesses coletivos.

- A instauração de tal procedimento não provoca qualquer constrangimento ilegal ao direito de locomoção, revelando-se, por isso, impróprio o uso do habeas-corpus para coibir eventuais irregularidades a ele atribuídos.

- Recurso ordinário desprovido. (STJ – REsp 192837/RJ – Ministro Relatora Vicente Leal – 18.10.2001 - 6.ª Turma)

Sendo assim, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento da possibilidade do ilustre membro do MP poder conduzir investigações, bem como requisitar diligencias para a apuração de indícios de autoria e prova da existência de um crime.

3.2.Corrente desfavorável à instauração de inquéritos por parte do Ministério Público

Apesar de haver grande corrente doutrinária e jurisprudencial mostrando-se favorável a admissibilidade da instauração de investigações pelo Parquet, ainda se encontra forte barreira a esta teoria, tanto no âmbito doutrinário quando na jurisprudência.

A principal fonte de argumentos para esta segunda corrente está no fato de que o art. 144 da Constituição Federal não prevê a participação do Ministério Público nas investigações preliminares à ação penal, tarefa esta incumbida à polícia judiciária (polícia federal e civil). Ao Parquet já é garantida a condição de supervisor da atividade policial, sendo que uma investigação conduzida apenas por este quebraria a harmonia e a garantia da investigação de uma infração penal.

3.2.1 – Doutrina Correspondente

Dentre a corrente que se mostra contra à participação do MP na investigação, encontramos o posicionamento do grande penalista e processualista Guilherme de Souza Nucci, que em sua obra "Código de Processo Penal Comentado" assim se manifestou:

"Embora seja tema polêmico, comportando várias visões a respeito, cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando á apuração de infrações penais e de sua autoria. A Constituição Federal foi clara ao estabelecer as funções da polícia – federal e civil – para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder Judiciário – daí o nome polícia judiciária – na atribuição de apurar a ocorrência e a autoria de crime e contravenções penais (art. 144). (...) Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal" (NUCCI, 2007, p. 68/69).

Adotando a mesma linha de raciocínio de Nucci, encontramos Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, que assim se dispõe em seus raciocínios:

"Assoma a magnitude o poder do órgão ministerial, como agente público co-responsável pela apuração de infrações penais, exercendo, por um lado, função de acompanhamento e coordenação da atividade-fim da polícia judiciária e, por outro, atribuindo-lhe poderes de investigação e de requisição de dados que sequer àquela são permitidos. É pois, repetimos, o artífice da investigação criminal. Delineado, portanto, seu poder de invadir a seara de intimidade do investigado, obtendo dados a seu respeito. No entanto, tal poder não prescinde de comprovação de que essa invasão seja necessária à apuração do delito, nem tampouco do controle judicial, eis que se trata de medida restritiva de direitos fundamentais" (Apud NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2007, p. 69/70).

Além do ilustre processualista acima mencionado, outros grandes doutrinadores posicionam-se contra a possibilidade investigatória pelos membros do Parquet. Dentre estes, pode-se citar os ensinamentos de Juarez Tavares, membro do Ministério Público Federal e professor da Universidade do Rio de Janeiro, que assim dispôs sobre o tema:

"É inconcebível que se atribua a um órgão do Estado, qualquer que seja, inclusive ao Poder Judiciário, poderes sem limites. A democracia vale, precisamente, porque os poderes do Estado são limitados, harmônicos entre si, controlados mutuamente e submetidos ou devendo submeter-se à participação de todos, como exercício indispensável da cidadania" (Apud NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, p.70).

Outro doutrinador que opina da mesma opinião é Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que em seu texto "Procedimento administrativo criminal realizado pelo Ministério Público" assim se posicionou:

"Procuradores da República e Promotores de Justiça necessitam dos serviços das autoridades policiais, para levar avante o pretenso procedimento preparatório, que venham a iniciar. Polícia judiciária, havida por inconfiável, os secundando, não obstante fiscalizada e corrigida, de maneira externa, pelo Ministério Público. Mais, ainda, a dúvida de quem faria o controle interno, do mencionado procedimento administrativo ministerial, operacionalizado pela polícia judiciária, a mando e comando dos Procuradores da República e Promotores de Justiça. (...). Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à justiça" (Apud NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, p.70).

3.2.2 – Jurisprudência Relacionada

Apesar de boa parte da jurisprudência nacional já se posicionar a favor da capacidade investigativa pré-processual do Ministério Público, ainda impera em boa parte dos Tribunais que tal ato feriria o disposto no art. 144 da Constituição Federal.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo antes tendia a inviabilizar a presidência do Parquet durante as investigações que antecediam ao processo, como pode ser analisado no seguinte julgado:

"Nada a objetar quando o representante do Ministério Público acompanha o desenrolar das investigações policiais e isto porque ‘é o Ministério Público o titular da ação pública, e ninguém melhor que ele para acompanhar aquelas diligências policiais’. Mas entre acompanhar diligências policiais e assumir, praticamente, a direção do inquérito policial a distância é grande. O inquérito é instrumento da denúncia, fato por demais sabido, cediço e constantemente proclamado. Mas, sua direção, é necessário que se insista, é da polícia judiciária. (...) Em decorrência, não cabe ao representante do Ministério Público, sem que haja a oficialização da prova, colher pareceres ou obter informes destinados a instruir o inquérito policial. Se o inquérito não se anula por esta circunstância, perde, contudo, sua validade como instrumento apto a instruir a propositura da ação penal. (...) não se pode deixar, repita-se, de levar em conta que todas as provas nele produzidas só podem sê-lo através da polícia judiciária ou, excepcionalmente, do magistrado. Não se discute caber ao Ministério Público a faculdade e o poder de requisitar diligência diretamente aos órgãos da polícia judiciária. Mas essas atribuições não podem e não se sobrepõem e nem hão de contrariar as normas processuais vigentes e bem assim os preceitos constitucionais que garantem o contraditório". (TJSP – HC 99018-3 –rel. Weiss de Andrade – 25.02.1991 - 2.ª C)

Apesar de ser um julgado antigo, tendendo o Tribunal de Justiça de São Paulo a adotar um novo posicionamento (como pode ser comprovado no tópico anterior), outras cortes nacionais ainda adotam este parâmetro.

Torna-se, portanto, de suma importância verificar a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, como bem dispõe Saulo Ramos, ao analisar a Lei Complementar 75/93:

"Como se vê, a lei complementar obedeceu a Constituição e deixou para o Ministério Público apenas a competência para instaurar inquérito civil, mas, quanto ao policial, é expressa na exigência de requisição à polícia, mesmo porque, acacianamente, se o inquérito é policial, somente pode ser feito pela polícia. Mas tem, o Ministério Público, a competência de apresentar provas? Como apresentá-las sem colhê-las? E pode-se confiar na polícia em todas as partes deste País, quando se sabe que em muitos lugares o crime organizado se infiltrou descaradamente nas polícias desorganizadas? Herdamos, pois, do constituinte de 1988, mais essa alucinante angústia. A Constituição consagra, como direito individual e fundamental, o devido processo legal (art. 5.º, LIV). E no devido processo legal não está o inquérito criminal exclusivamente conduzido pelo Ministério Público. O abacaxi sobrou para o Supremo, que, por certo, encontrará uma interpretação inteligente dentro da melhor disciplina jurídica e da realidade brasileira. Não será o fim do mundo a prevalência da ordem constitucional e do devido processo legal no deslinde dessa questão." (Apud NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2007, p. 70).

A nossa Corte Máxima, o Supremo Tribunal Federal, pronunciou-se a favor da segunda corrente, como pode ser analisado nos seguintes julgados abaixo mencionados:

1. "A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, CF). de outro modo, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com o a regra do art. 129, VII, CF, segundo o qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo da atividade policial" (STF – RE 205473/AL – Ministro Relator Carlos Veloso – 15.12.1998 - 2.ª Turma, v.u)

2. "EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes. 2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE. A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido." (STF – RHC 81326-7/DF – Ministro Relator Nelson Jobim – 06.05.2003 – 2.ª Turma).

3. EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS. AVALIAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA NECESSIDADE E UTILIDADE DE TAIS MEDIDAS DE CARÁTER INSTRUTÓRIO. CONTROLE JURISDICIONAL DA LICITUDE DE TAIS DILIGÊNCIAS. A QUESTÃO DO INDICIAMENTO. NECESSIDADE DE QUE EXISTAM, PARA A EFETIVAÇÃO DESSE ATO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE DO FATO DELITUOSO. INOCORRÊNCIA, NO CASO, SEGUNDO O PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE TAIS ELEMENTOS INDICIÁRIOS. PEDIDO DE INDICIAMENTO INDEFERIDO. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM DOUTRINÁRIA.

JURISPRUDÊNCIA.

- As diligências probatórias requeridas, ao Poder Judiciário, pelo Ministério Público, no contexto de um inquérito policial, objetivam permitir, ao "Parquet", que este, com apoio nos resultados delas emergentes, venha a formar, eventualmente, a "opinio delicti", pois é o Ministério Público o destinatário, por excelência, dos elementos de informação produzidos no contexto da investigação penal.
Não cabe, em regra, ao Poder Judiciário, substituindo-se, indevidamente, ao membro do Ministério Público, formular juízo em torno da necessidade, ou não, da adoção de medidas probatórias reputadas indispensáveis, pelo "dominus litis", à formação de sua convicção a propósito da ocorrência de determinada infração penal, ressalvada, no entanto, a possibilidade de controle jurisdicional sobre a licitude de tais diligências de caráter instrutório.

- O indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso.

Se é inquestionável que o ato de indiciamento não pressupõe a necessária existência de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso, não é menos exato que esse ato formal, de competência exclusiva da autoridade policial, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal. (STF – Inq. 2041/MG – Ministro Relator Celso de Mello – 06.10.2003).

Portanto, nossa Corte Máxima demonstra-se desfavorável a participação dos membros do Ministério Público durante as fases investigativas pré-processuais, o que, por hora, deve acabar vinculando as demais decisões acerca deste tema.


4. LEI COMPLEMENTAR 75/93 E LEI 8.625/93

Tratam-se, respectivamente, do Estatuto do Ministério Público da União e da Lei Orgânica do Ministério Público, servindo de base para a definição de competência e funções, tanto do Ministério Público Federal quanto Estadual. Em seus artigos 7.º e 8.º, a Lei Complementar 75/93 dispõe sobre as seguintes atribuições do ilustre Parquet:

Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:

I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;

II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;

III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;

IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;

V - realizar inspeções e diligências investigatórias;

VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

IX - requisitar o auxílio de força policial.

§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.

§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa.

§ 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.

§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada.

Para algumas vozes doutrinarias, referidos artigos comprovam que o Ministério Público possui a capacidade de realizar investigações criminais preliminares à Ação Penal. Para esta corrente, o sistema de investigação preliminar via polícia judiciária é insatisfatório, podendo-se levar a investigação a um caminho sem interesse para a acusação. Nesta linha de pensamento encontramos os ilustres doutrinadores Aury Lopes Júnior e Paulo Rangel.

Todavia, esta corrente não é a que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Para referida Corte, a Lei Complementar 75/93 e a Lei 8625/93 acabaram por adotar a mesma regra do disposto no art. 129, inciso VIII da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público:

...

VIII – requisitar diligencias investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Para comprovar este argumento, o ilustre Tribunal cita o disposto no art. 26, inciso IV da Lei 8625/93:

No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

...

IV – requisitar diligencias investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los.

Sendo assim, para o Supremo Tribunal Federal, não podem se valer os favoráveis a participação do Ministério Público nas investigações pré-processuais do disposto na Lei Complementar 75/93 e na Lei 8625/93.


5. RESOLUÇÃO N.º 13/2006 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 45/04, estabeleceu-se no art. 130-A da Constituição Federal o Conselho Nacional do Ministério Público, cujos atributos o ilustre doutrinador Alexandre de Moraes assim mencionou:

"A EC n.º 45/04 estabeleceu, no art. 130-A, o Conselho Nacional do Ministério Público, cujo funcionamento deverá observar todas as garantias e funções institucionais e dos membros do Parquet, impedindo a ingerência dos demais poderes do Estado em seu funcionamento, pois a Carta Magna caracterizou a Instituição como órgão autônomo e independente, e destinou-a ao exercício de importante missão de verdadeiro fiscal da perpetuidade da federação, da Separação de Poderes, da legalidade e moralidade pública, do regime democrático e dos direitos e garantias individuais". (MORAES, 2006. p. 591)

Dentre as principais funções do CNMP, está a expedição de atos regulamentares, que zelarão pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, como bem dispõe o art. 130-A, § 2.º, inciso I da Constituição Federal:

Art. 130-A: O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

...

§2.º: Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe:

I – zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências.

Sendo assim, no âmbito de suas atribuições, na data de 02 de outubro do ano de 2006 foi publicada a Resolução de n.º 13 do Conselho Nacional do Ministério Público, regulamentando o disposto no art. 8.º da Lei Complementar 75/93, bem como o art. 26 da Lei 8625/93.

Referida Resolução veio para disciplinar, no âmbito de atuação do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal. Em seu art. 1.º, o respectivo dispositivo trouxe a seguinte redação:

Art. 1º - O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.

Sendo assim, referido dispositivo conferiu os devidos poderes para que o Ministério Público instaure a devida investigação para a apuração de infrações penais.

5.1 – Inconstitucionalidade da Resolução n.º 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acabou ajuizando junto ao Supremo Tribunal Federal, no final do ano de 2006, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3836, contestando a constitucionalidade da Resolução de n.º 13 do ano de 2006 do Conselho Nacional do Ministério Público., que confere aos Parquet poderes para conduzirem investigações criminais (denominadas de "procedimento investigatório criminal").

Para a OAB nacional, a condução de investigações pré-processuais deve ficar a cargo da polícia judiciária (tanto a civil quanto a federal), como bem dispõe o art. 144 da Constituição Federal.

Outro argumento citado pelo respectivo órgão é o de que a matéria estipulada na resolução (processo penal) é de competência exclusiva da União, como bem dispõe o art. 22, inciso I da Constituição Federal. De acordo com a respectiva ADin:

"A legislação processual penal, como forma de garantir o cidadão de eventuais abusos praticados pelos órgãos estatais, deve passar necessariamente pelo crivo do processo legislativo, sem a abertura de qualquer espécie de exceção".

Por fim, argumenta o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que a função de polícia judiciária não esta prevista no rol das funções do Ministério Público, estipulados no art. 129 e respectivos incisos da Constituição Federal.

Sendo assim, não caberia ao Conselho Nacional do Ministério Público dispor sobre tal matéria, devendo o Ministério Público estar excluído de qualquer função de polícia judiciária, ao menos que modifiquem o texto constitucional, e não por mera Resolução do CNMP.

Em sede de liminar, a ação, assinada pelo próprio presidente da OAB a época, Gilberto Bussato, requereu a sustação imediata dos efeitos da respectiva resolução, solicitando no mérito que devido dispositivo seja declarado inconstitucional.

No presente momento deste trabalho, referida ação encontra-se aguardando o cumprimento de despacho do Procurador Geral, não tendo a matéria sido apreciada em seu mérito.


6. PROJETO DE LEI 4209/2001

Tramitou até pouco tempo atrás no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4209/2001, que visava a alteração do procedimento de Inquérito Policial previsto no Código de Processo Penal. Sendo assim, de acordo com referido dispositivo, o art. 4.º do Código de Processo Penal passaria a ter a seguinte redação:

Art.4ºSendo a infração penal de ação pública, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência, de ofício, a requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo ou mediante requisição do Ministério Público, procederá, na função essencial de Polícia Judiciária, ao correspondente registro e à investigação por meio de:

I-termo circunstanciado, quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo;

II-inquérito policial, em relação às demais infrações.

§1º Quando a ação penal pública depender de representação ou de requisição do Ministro da Justiça, sem ela o inquérito policial não poderá ser instaurado.

§2º Nos casos de ação penal de iniciativa privada, a autoridade policial procederá à investigação por meio de uma das modalidades previstas nos incisos I e II do caput, agindo somente mediante requerimento de quem tiver qualidade para ajuizá-la, formulado com observância dos seguintes requisitos:

I - narração do fato, com todas as suas circunstâncias;

II -individualização do autor ou determinação de seus sinais característicos, ou explicação dos motivos que as impossibilitam;

III - dados demonstrativos da afirmação da autoria;

IV -testemunhas do fato e de suas circunstâncias, quando possível com as respectivas qualificações e endereços, ou com anotação dos locais em que possam ser encontradas.

§3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da prática de infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, poderá comunicá-la, oralmente ou por escrito, à autoridade policial, que registrará a ocorrência e adotará as providências cabíveis.

§4ºO ofendido ou quem tiver qualidade para representá-lo poderá requerer, oralmente ou por escrito, à autoridade policial o início da investigação ou dirigir-se ao Ministério Público para que este a requisite.

§5o Da decisão que indeferir o requerimento de investigação, ou quando esta não for instaurada no prazo, poderá o interessado recorrer em cinco dias para a autoridade policial superior, ou representar ao Ministério Público.

§6º Tomando conhecimento da ocorrência, a autoridade policial fará, imediatamente, o seu registro, que ficará à disposição do Ministério Público, podendo este requisitá-lo periódica ou especificamente.

§7ºTratando-se de infração penal atribuída a policial, a autoridade comunicará imediatamente a ocorrência ao Ministério Público, para as providências cabíveis."(NR).

Pela leitura do seguinte artigo, caso a autoridade policial não proceda com a investigação no prazo estabelecido em lei, caberá representação a autoridade policial superior ou, de maneira inédita no ordenamento jurídico brasileiro, ao Ministério Público.

Já no tocante ao §7.º do referido dispositivo, caso seja infração penal cometida por policial, caberá a autoridade comunicar imediatamente ao Ministério Público, que tomará as medidas cabíveis (tal medida não foi estipulada na redação deste projeto de lei).

Todavia, de maneira tumultuada, referido projeto foi retirado da pauta de votação da Câmara dos Deputados na recente data de 28 de junho de 2008. A confusão ocorreu porque um deputado declarou não haver conflitos na apresentação deste projeto de lei; todavia alguns deputados relataram não haver consenso na Comissão Temática que avaliou determinada proposta legal.

Sendo assim o projeto, mesmo precisando de ajustes necessários na respectiva Comissão, foi à votação no plenário, ocasionando em discussão que acabou retirando da pauta determinada proposta. O Presidente da Câmara dos Deputados chegou a afirmar que tomará mais providências ao avaliar proposta de lei oferecida por determinado grupo temático. Portanto, segue determinado projeto sem votação, aguardando que as devidas correções sejam realizadas na Comissão Temática.


7. INQUÉRITO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Dentre as atribuições dos membros do Ministério Público, encontra-se o disposto no art. 129, inciso III da Constituição Federal, que assim prevê:

Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público:

...

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

É requisito fundamental para a instauração de ação civil pública a existência ou a ameaça de dano a interesse difuso ou coletivo: difuso, pois pode abranger indeterminados grupos de pessoas; coletivo, porque pode ser concernente a toda a sociedade.

A ação civil pública encontra-se regulada pela Lei n.º 7347 de 24 de Julho de 1985, valendo-se, portanto, o ilustre Parquet, da mesma para a proteção de interesses difusos e gerais.

Dentre as suas principais funções, não previstas expressamente no texto da Constituição, a Ação Civil Pública serve como meio judicial cabível para punir os responsáveis nos casos de improbidade administrativa, como dispõe o art. 37, § 4.º da Carta Maior.

Para fundamentar a devida ação, o Ministério Público deve realizar o chamado inquérito civil, previsto no art. 8.º, § 1.º da Lei n.º 7347/85, cujo texto dispõe:

Art. 8.º: Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

Parágrafo 1.º: O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

Trata-se do único caso de inquérito civil previsto na legislação brasileira, sendo de competência exclusiva do Ministério Público, concedendo ao mesmo a capacidade para a investigação de fatos e circunstâncias que servirão de base para a instauração de uma ação.

Dentre as principais funções de um inquérito civil, a ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella di Pietro assim dispõe:

"Seu objetivo é o de buscar elementos que permitam a instauração de ação civil pública; ele não é obrigatório, uma vez que, se os elementos forem suficientes, torna-se desnecessário. O inquérito pode ser arquivado, mas o ato de arquivamento deve ser homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Enquanto não ocorre essa homologação, as associações legitimadas poderão apresentar razões escritas ou documentos" (PIETRO, 2004, p. 706/707).

7.1 - O Inquérito Civil servindo de base para a instauração de uma Ação Penal.

Como já mencionado, o inquérito civil é peça probatória exclusiva do membro do Ministério Público, servindo de fundamento para o mesmo propor a devida ação civil. Todavia, não é de hoje que se discute se este inquérito civil poderia, em tese, servir como base para a instauração de uma ação penal. Os nossos Tribunais superiores já demonstram o posicionamento favorável à possibilidade do inquérito civil fundamentar uma ação penal.

Assim entende o Superior Tribunal de Justiça, que em julgado recente assim se manifestou em duas ocasiões:

I.HABEAS CORPUS. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/1967. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. MATERIAL PROBATÓRIO PRODUZIDO EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. POSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA JULGAR O FEITO. CÓPIA DO ACÓRDÃO DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA QUE NÃO FOI TRAZIDA AOS AUTOS. DETERMINAÇÃO DE AFASTAMENTO DO PACIENTE DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL. MANDATO ENCERRADO.

1. Reconhecido que não se trata de hipótese de atipicidade da conduta, de inexistência absoluta de indícios de autoria ou de extinção da punibilidade, não é de se falar em falta de justa causa para a ação penal.

2. É sabido que o Ministério Público pode se valer, para a propositura da ação penal, de quaisquer elementos de prova, inclusive aqueles obtidos por outros órgãos, desde que legalmente produzidos, aí incluídos, por óbvio, o inquérito civil público, sendo irrelevante, portanto, que este tenha sido promovido por Promotor de Justiça.

3. Inexistente a cópia do acórdão da exceção de incompetência, inviável se torna o exame da matéria a ela relativa.

4. Resta prejudicada a insurgência contra o afastamento do paciente do cargo de Prefeito Municipal de Almeirim, no Pará, visto ter se encerrado o respectivo mandato.

5. Ordem conhecida em parte e denegada. (STJ – HC 15195/PA – Ministro Relator Paulo Gallotti– 04.08.2008 - 6.ª Turma)

II.RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. PEÇA MERAMENTE INFORMATIVA. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRÉ-CONSTITUÍDOS.

INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.

1. A oposição dos embargos de declaração para fins de prequestionamento se condiciona à existência de efetiva omissão, contradição ou obscuridade, não constatadas no aresto vergastado, não se vislumbrando, portanto, ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal.

2. O inquérito policial não é peça obrigatória para a propositura de ação penal, mas apenas peça informativa, que pode ser substituída por outros elementos probatórios pré-constituídos.

3. O inquérito civil público, que é um procedimento administrativo e inquisitivo, previsto como função institucional do Ministério Público, nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, pode ser utilizado como elemento probatório hábil para embasar a propositura de ação penal.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ – REsp 750591/GO – Ministra Relatora Laurita Vaz– 30.06.2008 - 5.ª Turma)

Tratam-se de decisões recentes, o que demonstra que o ilustre Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando favoravelmente à possibilidade de um inquérito civil fundamentar uma ação penal.

Além do mencionado Tribunal, o Supremo Tribunal Federal, a corte máxima do Poder Judiciário pátrio, também vem se posicionando a favor de tal procedimento.

Assim, ao apreciar um pedido de Habeas Corpus, o ilustre Tribunal assim se posicionou:

"EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA POR OMITIR DADO TÉCNICO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 10 DA LEI Nº 7.347/85). ALEGADA NULIDADE DA AÇÃO PENAL, QUE TERIA ORIGEM EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL EM CAUSA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Caso em que os fatos que basearam a inicial acusatória emergiram durante o Inquérito Civil, não caracterizando investigação criminal, como quer sustentar a impetração. A validade da denúncia nesses casos -- proveniente de elementos colhidos em Inquérito civil -- se impõe, até porque jamais se discutiu a competência investigativa do Ministério Público diante da cristalina previsão constitucional (art. 129, II, da CF). Na espécie, não está em debate a inviolabilidade da vida privada e da intimidade de qualquer pessoa. A questão apresentada é outra. Consiste na obediência aos princípios regentes da Administração Pública, especialmente a igualdade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, que estariam sendo afrontados se de fato ocorrentes as irregularidades apontadas no inquérito civil. Daí porque essencial a apresentação das informações negadas, que não são dados pessoais da paciente, mas dados técnicos da Companhia de Limpeza de Niterói, cabendo ao Ministério Público zelar por aqueles princípios, como custos iuris, no alto da competência constitucional prevista no art. 127, caput. Habeas corpus indeferido." (STF – HC 84367/RJ – Ministro Relator Carlos Britto – 09.11.2004 -1.ª Turma).

Em uma decisão mais recente, o Ministro do STF Joaquim Barbosa demonstrou, mesmo não sendo o foco principal do julgado, que o inquérito civil serve de fonte para uma ação penal:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO: CONSCIÊNCIA DA INOCÊNCIA DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. A acusação por crime de denunciação caluniosa deve conter um lastro probatório mínimo, no sentido de demonstrar que a instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa teve por única motivação o interesse de atribuir crime a uma pessoa que se sabe ser inocente. Recurso em habeas corpus provido para deferir o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa. (STF – RHC 85023/TO – Ministro Relator Joaquim Barbosa – 08.05.2007 – 2.ª Turma)

Portanto, resta-se pacificado na jurisprudência nacional a possibilidade de um inquérito civil, instaurado pelo ilustre Parquet, servir de fundamento para se propor uma ação penal. Trata-se de clara demonstração de que o Ministério Público, por meios próprios, pode proceder com uma investigação para a apuração de fatos que porventura provarão serem delituosos.


8. O PODER INVESTIGATÓRIO DO JUIZ

A Constituição Federal, em seu art. 58, § 3.º, traz a seguinte redação

Art. 58: O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§3.º: As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Pela leitura do trecho destacado do referido dispositivo, pode-se crer, preliminarmente, que as autoridades judiciais dispõem de poder investigativo para apuração de infrações penais. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro acabou por adotar o sistema processual acusatório, onde as funções de acusar, defender e julgar são repassadas a personagens diferentes, especializados.

De acordo com tal sistema, não cabe ao juiz fazer parte da investigação, pois certamente comprometeria sua imparcialidade no decorrer da persecução processual penal.

Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade do art. 3.°, da Lei n.º 9034/95 (Crime Organizado), que prevê a figura do juiz inquisitor:

Art. 3º: Nas hipóteses do inciso III do art. 2.º desta Lei, ocorrendo a possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

O art. 2.º, inciso III mencionado no dispositivo remete à possibilidade de acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. O ilustre processualista Guilherme de Souza Nucci assim dispôs sobre o disposto neste artigo:

Embora seja certo que, no processo penal, busca-se a verdade real ou material – a mais próxima constatação possível da realidade dos fatos -, transformando o magistrado em co-produtor das provas, não é correto alterar a sua condição de parte autenticamente imparcial na relação processual. O juiz preside o feito, coordena a instrução, defere ou indefere requerimentos das partes, inclusive para a produção de provas, podendo, quando for fundamental para a formação de seu convencimento, determinar, de ofício, a realização de alguma prova que considere relevante. Porém, tal posição no processo não lhe autoriza a assumir completamente a condução dos atos instrutórios, como propôs o art. 3.º, caput, da Lei 9034/95. (NUCCI, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2.ª ed. Editora RT; 2007).

A declaração de inconstitucionalidade de tal dispositivo se deu pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 1570-2, de 12 de fevereiro de 2004. De acordo com referida ADin, a Lei Complementar 105/2001 revogou tacitamente o referido artigo no tocante às informações bancárias e financeiras. Já no tocante a colheita de dados fiscais e eleitorais, o STF acolheu o pedido de inconstitucionalidade feito pelo Procurador Geral da República, sendo a figura do juiz inquisitor afastada deste dispositivo penal.

8.1.- Exceções ao Juiz Investigador

Como visto anteriormente, em regra o magistrado não pode conduzir uma investigação criminal, pois afetaria sua imparcialidade. Todavia, referida regra encontra exceções previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

A primeira delas está prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79), que em seu art. 33, § único, traz o seguinte dispositivo:

Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:

...

Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Sendo assim, havendo indícios da prática de uma infração por parte do magistrado, os autos de investigação serão remetidos ao Tribunal cujo juiz possua foro por prerrogativa de função, para que este continue com as investigações.

Outra exceção que podemos citar é a prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: no caso de infração penal cometido no próprio Tribunal, envolvendo autoridade sujeita a sua jurisdição, caberá ao Presidente da Corte Máxima a instauração do inquérito para a devida apuração dos fatos. Assim dispõe o art. 43, §1.º, do mencionado Regimento:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

§ 1° Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

§ 2° O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.

Já no tocante àqueles que possuam foro por prerrogativa de função, cabe fazer menção ao Habeas Corpus 80592/PR, indeferido pelo Supremo Tribunal Federal. Referido HC foi instaurado sob o argumento de que autoridade policial instaurou Inquérito Policial de parlamentar com prerrogativa de função, sem a devida autorização judicial ou da Câmara dos Deputados. Sob este ponto, o STF assim se pronunciou:

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL.INQUÉRITO POLICIAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL, INSTAURADO POR DELEGADO DE POLÍCIA.

"HABEAS CORPUS" CONTRA ESSE ATO, COM ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. E DE AMEAÇA DE CONDUÇÃO COERCITIVA PARA O INTERROGATÓRIO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. PARA O JULGAMENTO DO "WRIT". INDEFERIMENTO DESTE.

1.Para instauração de Inquérito Policial contra Parlamentar, não precisa a Autoridade Policial obter prévia autorização da Câmara dos Deputados, nem do Supremo Tribunal Federal.

Precisa, isto sim, submeter o Inquérito, no prazo legal, ao Supremo Tribunal Federal, pois é perante este que eventual ação penal nele embasada poderá ser processada e julgada.

E, no caso, foi o que fez, após certas providências referidas nas informações.

Tanto que os autos do Inquérito já se encontram em tramitação perante esta Corte, com vista à Procuradoria Geral da República, para requerer o que lhe parecer de direito.

2.Por outro lado, o Parlamentar pode ser convidado a comparecer para o interrogatório no Inquérito Policial, (podendo ajustar, com a autoridade, dia, local e hora, para tal fim - art. 221 do Código de Processo Penal), mas, se não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se.

Obviamente, nesse caso, não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, o que, na hipótese, até foi reconhecido por esta, quando, nas informações, expressamente descartou essa possibilidade.

3. Sendo assim, nem mesmo está demonstrada qualquer ameaça, a esse respeito, de sorte que, no ponto, nem pode a impetração ser considerada como preventiva.

4. Enfim, não está caracterizado constrangimento ilegal contra o paciente, por parte da autoridade apontada como coatora.

5. "H.C." indeferido, ficando, cassada a medida liminar, pois o Inquérito Policial, se houver necessidade de novas diligências, deve prosseguir na mesma Delegacia da Polícia Federal em Maringá-PR, sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal. (STF – HC 80592/PR – Ministro Relator Sidney Sanches –22.06.2001 -1.ª Turma).

Portanto, nos casos de parlamentares e demais pessoas com prerrogativa de função, será considerado válido o Inquérito Policial instaurado pela Polícia Judiciária competente, deste que remetida ao Supremo Tribunal Federal para que este providencie a sua devida tramitação.


CONCLUSÃO

Por fim, feita as devidas análises sobre o disposto tema, algumas conclusões podem ser traçadas:

1) A função de polícia judiciária encontra-se prevista no art. 144 da Constituição Federal, que não prevê expressamente a possibilidade de um membro do Ministério Público instaurar e conduzir investigações preliminares ao processo penal.

Entretanto, ao mencionar as funções dos membros do MP em seu art. 129 e incisos, a Constituição Federal abriu margem para discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade de referido órgão instaurar inquérito prévio ao processo penal.

2) A doutrina brasileira encontra-se dividida acerca do assunto: grandes nomes como Júlio Fabbrini Mirabete se mostram favoráveis à instauração de inquérito por parte do Parquet. Já para outros nomes não menos ilustres, como Guilherme de Souza Nucci, a Constituição Federal expressamente não previu esta possibilidade, não sendo, portanto, possível a produção de provas pré-processuais pelo MP.

3) A mesma dúvida que persiste na doutrina pode ser encontrada na jurisprudência: alguns tribunais estaduais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, compactuam com o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que se mostra favorável à condução da investigação por parte do Ministério Público.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, Corte Máxima da justiça brasileira, vem se posicionando contra esta possibilidade do Parquet de conduzir as investigações preliminares à ação penal. Tende, portanto, referida posição, a vincular o posicionamento dos demais tribunais.

4) Ao elaborar a Resolução de n.º 13/2006, o Conselho Nacional do Ministério Público permitiu que os membros do respectivo órgão possam instaurar inquéritos criminais inquisitivos, prévios ao processo penal.

Entretanto referido poder já vem sendo objeto, não sem a devida razão, objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade por parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Referida ADin se deve, principalmente, pelo fato de que tal Resolução fere o disposto no art. 22 da Constituição Federal.

5) Ao permitir que o inquérito civil possa servir de base para a instauração de ação penal, o Supremo Tribunal Federal conferiu ao Ministério Público a capacidade investigatória criminal.

Sendo assim, apesar de posicionar-se contra à instauração de inquérito em ações exclusivamente penais por parte do Parquet, o STF possibilitou que por meio de um inquérito civil, que em regra se apura as causas possíveis de instauração de ação civil pública, o Ministério Público possa proceder a investigações que ensejariam uma futura ação de cunho penal.

6) Ao permitir em casos específicos que o magistrado possa investigar previamente à ação (juiz inquisitor), a legislação brasileira abre espaço para que o MP possa também conduzir, em determinados momentos, um inquérito prévio à ação penal.

Sendo assim, referido tema encontra-se longe de um posicionamento pacífico, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, o que acarreta na existência de duas correntes sobre o assunto.

Comprova esse raciocínio o fato de o Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo em que veda esta possibilidade, acaba por conceder brechas à participação ativa por parte do Ministério Público nas investigações criminais, por meio de inquéritos civis de sua exclusiva autoria.


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______. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. 1.ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 56, de 20 de dezembro de 2007. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. (Legislação Brasileira).

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STF, Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.gov.br.

STJ, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em http://www.stj.gov.br.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇON, Gustavo Caldini. Participação do Ministério Público em investigações preliminares ao processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1925, 8 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11827. Acesso em: 18 abr. 2024.